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quarta-feira, 31 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25797: (De)Caras (214): Cecílica Supico Pinto: a "líder carismática" do Movimento Nacional Feminino, com acesso privilegiado a Salazar, que veio preocupadíssima com a situação na Guiné, na véspera do 25 de Abril de 1974

 

Foto nº "34. Cilinha no porto de Lisboa na despedir-se de militares que partiam para as 'províncias ultyramarinas'. O MNF apoiava moralemnet os soldados na frente de batalha, mas não esquecia o apoio às famílias que ficavam na retaguarda.  (Arquivo do Diário de Notícias)".

Foto nº "37. Acompanhada pela Comissão Central do MNF, Cilinha fala aos jornalsitas sobre as atividades do Movimento" (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/01- 171/1546AR.)" (A Renata Cuha e Costa, vice-presidente do MNF, é a terceira a contar da direita.)

Fot nº "33. O presidente da Câmara de Lisboa, general França Borges,com algumas senhoras do MNF. dirante a receçãpo que lhes ofereceu em Montes Claros por ocasio do primeiro congresso daquele organismo, 1966. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF/ MC / SEC / AG/ 01- 171/1586AR.)"



Foto nº "37. Condecorada com a medalha de prata do Mérito Femino pelo ministro do Exército, coronel Joaquim Luz Cunha, por ocasião do sexto aniversário do MNF, 1967. (Serviço do Arquivo de Lisboa / DGARQ / CPF / MC / SNI / RP /03- 6704/56410.)".


~
Foto nº "42. Oliveira Salazar apreciava a alegria e frontalidadfe de Cecília Supico Pinto que considerava 'um verdadeiro príncipe'.  Foi uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. (Arquivo do Diário de Notícias)".

Fotos selecionadas e reeditadas pelo blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024), com a devida vénia


Capa do livro de Sílvia Espírito-Santo, “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino”. Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.



1. Confidenciou a Cecília Supico Pinto (Lisboa, 1921 - Cascais, 2012) à sua biógrafa, Sofia Espírito-Santo (op cit, pág., 98):

(...) "O Dr. Salazar gostava que eu lhe contasse tudo o que via e ouvia e acreditava em mim porque sabia que eu não tinha medo de lhe dizer a verdadae, doesse a quem doesse! No fim dizia-me sempre: 'Para que quer a menina que eu vá a Angola se a menina ma traz aqui? ' " (..:)


Não duvidamos da autencidade desta confidência: Cecília Supico Pinto não foi "la Pasionaria" do regime salazarista, mas podia tê-lo sido... Tinha, inegavelmente, algumas qualidades pessoais, como por exemplo a liderança carismática, o charme, a elegância, a educação, a coragem, a coerência, a dupla elevação (física e moral) de algumas (poucas) mulheres da elite portuguesa da época: por exemplo, era mais alta que muitos homens e que a generalidades das mulheres portuguesas... (Vejam-se as fotos acima.)

De qualquer modo, o que nos chamou mais atenção, nesta seleção de fotos que tomámos a liberdade de fazer (com a devida vénia à Sílvia Espírito-Santo) foi a legenda da foto nº 34, que serve de imagem da capa do seu livro.

Por mensagm de 22/07/2024, 08:31, o João Sacôto, ex-alf mil at inf, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió, 1964/66), legendou a fot0 nº 34, do seguinte modo:

"Nesta fotografia estão: da esquerda para a direita: (i) o comandante do Batalhão de Caçadores 619, coronel Matias; (ii) o alf mil Montes (da CCAÇ 616, que foi para Empada); (iii) outro alferes, da CCAÇ 616 de que não me lembro o nome; (iv) a D. Cecília Supico Pinto; (v) outra cara desconhecida; (vi) o major Jesus Correia, 2º. comandante do BCAÇ 619; (vii) e finalmente outra cara de que me não recordo."

Falando ao telefone, com o meu amigo e vizinho de Ferrel, Peniche, Joaquim Jorge, ex-alf mil da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66), ele confirmou que o Montes foi seu camarada: Fernando Paulo Montes, mais tarde médico de clínica geral, no SNS. Vivia em Sesimbra, chegou a ir aos primeiros encontros anuais da malta. Depois perdeu-lhe o contacto. Já morreu, infelizmente, de cancro.

2. O Joaquim Jorge também me confirma, para surpresa minha, que a Cilinha esteve em Empada em 1964 ou 1965, "já uns meses depois de o batalhão ter chegado". Não podia ter sido em 1966, uma vez que o BCAÇ 619 embarcou para Lisboa, a 27 de janeiro. Até agora, só tínhamos referenciado quatro visitas da "Cilinha" à Guiné: 1966, 1969, 1973 e 1974.

A Guiné será, entretanto, a última visita que ela fará, ao serviço do Movimento Nacional Feminino,  já a escassas semanas do 25 de Abril de 1974. Foi lá que tomou contacto com o livro do general Spínola, "Portugal e o Futuro" (que achou "nada de especial nem sequer bem escrito") (pág. 182).

Veio de lá com sentimentos contraditórios, tendo de imediato partilhado, ao telefone, com o Ministro da Defesa, Silva Cunha, os seus temores:

(...) As coisas não estão nada brilhantes, venho preocupadíssima da Guiné, também estive em Angola e Moçambique, o senhor sabe que eles comigo abrem-se e não fazem qualquer cerimónia. E vou dizer-lhe mais, eu parece-me que não sou uma pessoa com falta de coragem, tenho andado debaixo de fogo,tenho ido aos sítios mais complicados, mas não tenho é vocação para mártir e ou vocês fazem realmente qualquer coisa, realizam que isto está muito grave ou isto acaba mal. Como lhe digo não tenho vocação para mártir" (...) (Cecília Supico Pinto, Cascais, 22 de novembro de 2004, em entrevista dada à Sílvia Espírito-Santo, op. cit., 2008, pág. 183.)


Contrariamente a Salazar, de quem era íntima (e por isso amada e odiada dentro do próprio regime), a "Cilinha" não manteve com Marcello Caetano a mesma relação pessoal de mútua admiração e confiança. "Salazar era mais forte que Marcelo" (pág. 178).

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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25765: (De) Caras (304): Não conheci pessoalmente o cap inf Manuel Aurélio Trindade, último cmdt da 4ª CCAÇ e primeiro cmdt da CCAÇ 6 (Rui Santos, ex-alf mil, 4ª CCAÇ e CIM Bolama, Bedanda e Bolama, 1963/65)

segunda-feira, 29 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25788: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte IV: de indisciplinados a bravos do pelotão




Foto nº 1A > O sargento do pelotão ostentado festivamente, ao pescoço,  um colar feito de conchas



Foto nº 1 > O sargento do pelotão, posandeo em cima do obus 8.8


Foto nº 2 > Alguns elementos (a maioria guineense) do Pel Art que participou, com fogo de apoio, na Op Trident (jam-,ar 1964). Qiase todos eles ostentam colares de conchas, feitos na ocasião, no "intervalo da guerra".


Guiné > Região de Tombali > Ilha do Como > O Pel Art / BAC obus 8.8, comandando pelo alf mil art José Álvaro Carvalho.

Fotos (e legendas): © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Angola > Luanda > 1963  >  Em primeiro plano, o fur mil 'comando' Mário Dias, em segundo plano, da esquerda para a direita, o fur mil Artur Pereira Pires, o sold Adulai Jaló e o alf mil Justino Coelho Godinho (estes três últimos já falecidos). No  aeroporto de Luanda à espera de transporte para o QG / CTIG. O primeiro grupo de Comandos do CTIG, sob o comando do alf mil Saraiva, participaria depois na Op Tridente (jan-mar de 1964) (***).   Foto cedida por Vassalo Miranda, ex-fur mil,  Gr Cmds ‘Panteras’

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. O José Álvaro Carvalho é um dos nossos mais recentes "periquitos": entrou para o nosso blogue, no passado dia 26 de junho, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*). É, todavia, um veterano da Guerra da Guiné:

(i) tem 85 anos, sendo natural de Reguengo Grande, Lourinhã;

(ii) com 26 meses de tropa, o alf mil art Carvalho acabou por ser moblizado para o CTIG por volta da primavera de 1963 (não podemos precisar a data);

(iii)  foi render um alferes de uma companhia de intervenção, de infantaria, sediada em Bissau (QCCTIG);

(iv)  irá cumprir mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o início do segundo semestre de 1965:

(v) passou por Bissau, Olossato, Catió e a ilha do Como, aqui já a comandar um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo), com que participou, entre outras,  na Op Tridente (jan-mar 1964);

(vi)  no CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico, "Carvalhinho" (cantava o fado d Lisboa e tocava guitarra); em Bissau, chegou a fazer espetáculos com o alf médico Luís Goes (que cantaca e tocava o "fado de Coimbra");

(vii) tornou.se  também amigo do então alferes milicianos  'comandos'  
Justino Coelho Godinho e Maurício Saraiva (já falecidos),  quando se estavam a organizar os Comandos do CTIG;

(viii) o José Álvaro Almeida de Carvalho (seu nome completo) publicou em 2019 o "Livro de C", Lisboa, na Chiado Books (710 pp.)

Mas voltemos às memórias do José Álvaro Carvalho, agora sim, em 1964, destacado  em Catíó,  no BCAÇ 619, 1964/66, com um Pel Art 8.8 a duas bocas de fogo, pertencente à Bateria de Artilharia de Campanha (BAC).  

Este Pel At participaria em grandes operações np setor de Catió ("Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate"). A  atuação do seu comandante, no campo operacional valeu-lhe,  em 1967, uma Cruz de Guerra de 3ª Classe (*).

Foto acima, à esquerda:  os alferes milicianos José Álvaro Carvalho ("Carvalhinho"), do QG / CTIG (em 1º plano, à esquerda),  e João Sacôto, da CCAÇ 617/ BCAÇ 619, em 2º plano, à direita


Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) (**)


Parte IV: de indisciplinados a bravos do pelotão


− Abra a culatra!

O carregador baixou a alavanca respetiva e a tampa da culatra baixou.


− Alça 6000 jardas!

O apontador rodou a manivela da alça e a parte superior do tubo do obus elevou-se lentamente até a marca da manivela de elevação atingir as 6000 jardas [5 486,4; 1 jarda=0,9144 metros] .

Baixou-se junto à culatra aberta até ver a totalidade do interior do tubo e com uma bússola de espelho apontada no seu centro disse:

− Vá rodando para a direita até eu dizer.

O apontador assim fez enquanto ele com a bússola acompanhou o rodar do tubo e quando ficou centrado nos 95º e 30’ que a bússola marcava, mandou-o parar e fechar de novo a culatra.

Esta era a direção obtida na carta militar (1/25000) que, depois de ter em conta o Norte Magnético, em conjunto com a distância de 6000 jardas, apontavam o obus para a referência nº 1, a primeira assinalada na sua carta assim como na carta do comandante do destacamento de fuzileiros, que ia apoiar, com quem se reunira de madrugada e assinalara as várias referências do percurso que este iria fazer, indicado pelo comando das operações.

Repetiu o mesmo procedimento no segundo obus e ficou à espera de ouvido no rádio, com todo o pessoal a postos: os apontadores sentados no seu lugar junto dos aparelhos de pontaria, os municiadores e ajudantes, junto das munições, com as granadas já fora das respetivas caixas de transporte, sem a proteção da espoleta (uma peça espessa de aço, roscada na sua extremidade) que accionava o detonador após o impacto, só o conseguindo fazer depois do disparo, quando as estrias do tubo lhe imprimissem um movimento rotativo cuja força centrífuga destravava o sistema de segurança.




Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) e 7º Pel Art / BAC > O obus 8.8. Foto do álbum do nosso saudoso cap SGE ref José Neto (1929-2007), na altura o 2º sargento da CART 1613, que chefiava a secretaria.


Foto: © José Neto (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Os carregadores seguravam com uma mão a alavanca da culatra e com a outra o soquete. Esta peça servia para empurrar a granada para dentro do tubo com força, a fim de que a cinta de cobre macio que a circundava sobressaindo 0.5 centímetros em toda a volta, encaixasse nas estrias em espiral do tubo, para que fosse obrigada a rodar após o disparo. 

Depois de encaixada no seu lugar e ter sido introduzida na culatra pelo municiador, o cartucho de metal com a carga, neste caso nº 2 ( duas saquetas de pano cheias de explosivo com o aspeto de macarrão ) indicadas para os alcances de 4000 a 8000 jardas, era esta fechada por ação da citada alavanca, sendo gritado o aviso de “Pronto!!!”.


Estava no 2º ano do serviço militar em África. O primeiro não tinha sido passado como artilheiro, mas como alferes duma companhia de intervenção, para onde tinha vindo em rendição individual. 

Na altura essa companhia já tinha um ano de serviço em África e, quando após mais um ano acabou a comissão e se retirou para a metrópole, ficou a aguardar funções no Quartel General (QG) oferecendo-se para o grupo de comandos, em formação nessa altura, por já conhecer as condições duras e difíceis do mato e parecendo-lhe preferível entrar em operações arriscadas mas ter a sede na capital e o consequente conforto.

Entretanto o QG requisitou um alferes artilheiro para comandar um pelotão de soldados africanos com dois obuses de 88mm, e quando menos esperava, foi parar ao Sul a comandar esse pelotão, operando como independente, junto dum batalhão de cavalaria.

Os soldados, indisciplinados, deram-lhe algumas dores de cabeça logo na 1ª operação e as coisas só começaram a funcionar normalmente com a ameaça de prisão ou mesmo fuzilamento dos mais rebeldes.

Bebiam quase todos demais e na 1ª operação só levou cerca de metade porque os outros bêbados não se tinham de pé.

No dia seguinte a esta operação mandou formar o pessoal e ordenou ao sargento e aos cabos que identificassem e mandassem avançar os mais indisciplinados, após o que os informou de que ia propor o seu fuzilamento por considerar traição a forma como se tinham comportado no dia anterior.

A partir daqui tudo começou a correr melhor, embora o comandante do batalhão onde estava estacionado [BCAÇ 619], t
endo presenciado este discurso, lhe dissesse que a sua ameaça de fuzilamento de soldados, poderia levá-lo a si próprio a tribunal de guerra.

Custou-lhe a compreender porque é que ser duro em campanha era mal visto pelas hierarquias superiores. Parecia-lhe que aquela era uma das poucas situações em que se deveria atuar com firmeza.

Não sendo talhado nem por feitio nem por educação para oficial do exército, tinha ido ali parar pelos desígnios curiosos que o destino tem.

Sempre achou que a dureza dos exércitos só seria útil em situação de guerra e ridícula nas restantes, como a pompa e circunstância das botas a brilhar em tempo de paz, para depois em guerra − a única justificação da sua existência − tudo se tornar ”frouxo como o inglês sem chá”. As guerras são a mais trágica criação do espírito humano, mas quem anda nelas deve cumprir as regras.


Seja como for, no seu pelotão, a consciência de que os erros de um podiam ser pagos por todos e o consequente espírito de equipa e amizade que se foi criando, vieram a torná-lo num dos mais eficientes estacionados em África, tendo sido elogiado em todas as operações em que participou, na sua maior parte de apoio a tropas de infantaria, fuzileiros e comandos.

Para isto contribuíram também algumas mudanças na forma de actuar por ser independente, principalmente no que se refere às pontarias iniciais ( dadas à bússola à revelia dos chefes ) que se revelaram rápidas e muito eficientes a partir de certa altura, pela prática de centenas de tiros disparados.

No que a si se refere, a experiência de que,  à distancia média de 5 kms 
[4572 jardas; 1 jarda=0,9144 metros], um desvio de 200 m [182,88 jardas], representava uma alteração de pontaria de cerca de 1º no mesmo sentido, que extrapolava rapidamente para outros alcances, permitia-lhe dar rapidamente aos apontadores as alterações de pontaria a efectuar por cada tiro a disparar, de acordo com os pedidos dos comandantes das unidades em contacto com o inimigo, a qualquer distància normal, conseguindo assim uma rápida resposta às necessidades das tropas que apoiava.

Ás vezes, em situações mais delicadas dava as pontarias a partir dum pequeno avião que lhe era fornecido pelo QG com o respetivo piloto e que aterrava e levantava facilmente numa área plana, sem mata só com erva a que se chamava pomposamente aeroporto e se situava perto do quartel 
[Catió]. Op Nestes casos quando no ar o avião estava constantemente a ser metralhado pelo inimigo. não podiam voar muito alto e, como sabia pelas tabelas de tiro com os habituais descontos +- 10 %, o tempo que as granadas levavam para atingirem o objetivo, assistia em geral ao seu rebentamento.

(Continua)

(Revisão/fixação de texto, título, negritos, parênteses retos: LG)


2. Informação adicional sobre   a Op Tridente (Mário Dias)(***)


Na Operação Tridente foram envolvidos numerosos efectivos, divididos em 4 Agrupamentos.

  • Agrupamento A: (Cmdt Major Cav Romeiras) > CCAV 487 (Cap Cidrais) | 7º Dest de Fuzileiros Especiais (1º ten R. Pacheco)
  • Agrupamento B: (Cmdt Cap Cav Ferreira) > CCVA 488 (Cap Arrabaça) | 8º Dest de Fuzileiros Especiais (1º ten Alpoim Calvão)
  • Agrupamento C: (Cmdt Cap Cav Cabral) > CCAV 489 (Cap Pato Anselmo)
  • Agrupamento D: (Cmdt 1º ten fuz Faria de Carvalho) > 2º Dest de Fuzileiros Especiais (1º ten Faria de Carvalho)
  • Agrupamento E: (Cmdt Cap Aires) > CCAÇ 557 (Nota: salvo erro, este agrupamento fazia a segurança imediata da Base Logística)

Outras Forças:

  • 1 Grupo de Combate / BCAÇ 600
  • Grupo de Comandos (20 homens) (Cmdt Alf Saraiva)
  • 1 Pelotão de Paraquedistas
  • 1 Pelotão de Caçadores Fulas
  • Pelotão de morteiros / BCAÇ 600
  • 2 Bocas de fogo de obus 8,8 do BAC (Cmdt Alf Carvalhinho)
  • Equipas de Sapadores (distribuídas pelos vários agrupamentos)
  • Elementos do Serviço de Intendência
  • 73 carregadores indígenas.Tudo somado eram aproximadamente 1000/1200 pessoas.

Estima-se que o PAIGC tivesse 300 combatentes, incluindo alguns militares da Guiné-Conacri.

Comandante das Forças Terrestres: Ten Cor Cav Fernando Cavaleiro. (Cmdt do BCAV 490)

Da Marinha:

  • Fragata Nuno Tristão.
  • 4 lanchas de fiscalização
  • 4 LDP
  • 2 LDM
Havia ainda várias embarcações civis pertencentes aos Serviços de Marinha da província que transportavam víveres, água e demais material necessário.

Da Força Aérea:

  • Aviões T6 – Aviões F86 – PV2 e PV2-5 (Apoio de combate)
  • Helicópteros Alouette (transporte e evacuações)
  • Aviões Auster e Dornier (transporte e reconhecimento)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

(**) Último poste da série > 18 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25757: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte III: Desobstruir uma ponte ao km 28 da estrada do Olossato

terça-feira, 9 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25729: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte I: De Bissau ao Olossato, comandando um pelotão de infantaria



Foto nº 3


Fot0 nº 4

Guiné > s/l > s/d (c. meados de 1963) > O alf mil art José Álvaro Carvalho (que ainda não conseguimso identificar nas duas fotos) com o seu pelotão de infantaria, de uma companhia de intervenção, sediada em Bissau,  para onde ele foi em rendição individual, e  que já tinha um ano de comissão (ou seja, era de 1962).... Na foto de cima, um exemplar do "famoso granadeiro"...

Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



José Álvaro Carvalho,
Angola,  ponte do rio Cuanza
(em contrução),
c. 1971
 

1. O alf mil José Álvaro Carvalho, embora sendo de artilharia, cumpriu os primeiros meses (basicamente o ano de 1963), comandando um pelotão de infantaria de uma campanhia de intervenção, de caçadores, sediada em Bissau. 

Recorde-se que ele entrou recentemente para a Tabanca Grande, sentando-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*)

Ainda não descobrimos a companhia onde ele foi colocado, por volta do  1º trimestre de  1963, em rendição individual, nem ele se lembra apesar da sua notável memória aos 85 anos... 

No princípio de 1963, havia 9 Companhias de Caçadores no CTIG: CCaç 74, 84, 90, 91, 152, 153, 154, 273 e 274. Temos representantes, no nosso blogue,  das CCAÇ 84,  CCAÇ 153, CCAÇ 274... O que é pouco. 

A CCAÇ 273 (açoriana, tal como a CCAÇ 274, mobilizadas pelo  BII 17, Angra do Heroísmo,  e BII 18, Ponta Delgada, respetivamente) esteve  no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses).  Sabe-se que teve um pelotão destacado no Olossato, por períodos variáveis, em 1963. Era comandada pelo cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar.

Mas demos-lhe a palavra ao Zé Álvaro (*):

 "Meu pai sempre me chamou por C. Sendo esse o nome que dei ao livro. (...)

"Estava no 2º ano do serviço militar em África [ou seja, em 1964] . O primeiro não tinha sido passado como artilheiro, mas como alferes duma companhia de intervenção, para onde tinha vindo em rendição individual. 

"Na altura,  essa companhia já tinha um ano de serviço em África e quando após mais um ano acabou a comissão e se retirou para a metrópole (...),   [ o alferes Carvalho ou Carvalhinho, como ficará conhecido mais tarde no decurso da Op Tridente] ficou a aguardar funções no QG, oferecendo-se para o grupo de comandos, em formação nessa altura,  por já conhecer as condições duras e difíceis do mato e parecendo-lhe preferível entrar em operações arriscadas mas ter a sede na capital  e o consequente conforto".

(...) "Entretanto foi requisitado um alferes artilheiro para comando dum pelotão de soldados africanos com dois obuses de 88mm e,  quando menos esperava, foi parar ao Sul com ele, operando como independente, junto dum batalhão de cavalaria
 [BCAV 490] .

"Os soldados, indisciplinados, deram-lhe algumas dores de cabeça logo na 1ª operação e as coisas só começaram a funcionar normalmente com a ameaça de prisão ou mesmo fuzilamento dos mais rebeldes.

"Bebiam quase todos demais e na 1ª operação só levou cerca de metade porque os outros bêbados não se tinham de pé" (...)

Em maio de 1965, foi louvado e agraciado com a cruz de guerra de 3ª classe, pelo desempenho como oficial de artilharia, em campanha, em diversas operações, incluindo a Op Tridente (a mais longa operação realizada no CTIG, entre janeiro e março de 1974);

(...) "Louvo o Alferes Miliciano de Artilharia, José Álvaro Almeida de Carvalho, da BAC, porque, durante o período de catorze meses em que esteve destacado no Batalhão de Caçadores nº 619, foi sempre um Oficial zeloso, dedicado e muito competente, salientado-se a sua acção, principalmente, no campo operacional, em que foi utilíssimo o apoio, sempre eficaz, que soube dar com o seu pelotão em todas as operações em que interveio, nomeadamente, nas "Tridente", "Broca", "Macaco", "Tornado" e "Remate", contribuindo assim, dentro do seu âmbito, para o prestígio da Arma a que pertence. (...).

Mas antes de irmos com ele para a região de Tombali, vamos acompanhar as andanças do Zé Álvaro, como "infante", por Bissau, Mansoa e Olossato...  

No texto a que tivemos acesso ("Livro de C", versão manuscrita, revista, melhorada e aumentada) (*), o autor apenas refere os topónimos pelas iniciais: (C de rio Cacheu, B de Bigene,  O de Olossato, etc.). Não sabemos em data precisa em que esteve no Olossato, mas deve ter sido já em meados de 1963.

 
Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, cmdt, Pel  Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) 

Parte I:  De Bissau ao Olossato


A pequena festa na Messe de Oficiais da Marinha decorria alegremente. Eram quatro e só ele do exército. Outras tantas raparigas tinham sido convidadas para jantar e dançar, e, coisa rara, tinham aceite, apesar da opinião das respetivas famílias, que por principio não confiavam em militares, o que é natural.

Os efetivos da marinha eram ainda muito poucos, pelo que o ambiente nesta Messe era simpático e agradável.

A certa altura alguém o informou de que o Oficial de Dia ao Quartel General o mandara procurar. Tinha havido nessa noite a primeira emboscada no Norte. Até esse dia a guerrilha só atuara no Sul.

Resolveu aguardar pelo final da festa para se apresentar. Pareceu-lhe desculpável não ter pressa de enfrentar uma realidade preocupante. Por outro lado, era miliciano, indisciplinado, e pouco vocacionado para militar.

Talvez o Oficial de Dia o viesse a contatar antes do fim da festa. Se assim fosse, paciência. Continuou a divertir-se mas agora sempre a pensar no que o esperava. Era o alferes mais novo da Companhia de Intervenção e o seu pelotão seria o primeiro a avançar em qualquer caso de emergência.

Penso que esta regra tinha como justificação enviar primeiro os menos aptos, os mais novos, os mais inexperientes, a carne para canhão e só depois os mais aptos, os mais sabedores,  caso os primeiros falhassem. Mas em situações de guerra como esta os mais aptos, os mais experientes e sabedores, deviam avançar primeiro, não os mais novos. Era uma guerra ainda mal conhecida que caminhava à margem dos conhecimentos militares tradicionais.

Havia uma semana que a guerrilha iniciara operações no Norte (**). No Sul já há muitos meses que se estabelecera, sendo para lá que todo o esforço militar se dirigira até essa altura.

Aí já se tinha algum conhecimento da sua forma de actuar.

No dia em que tinha ocorrido a primeira emboscada no Norte,  a cerca de 120 kms da capital (dia da festa na messe da marinha) tinha avançado para o local um outro pelotão da companhia, em lugar do seu,  e cujo comandante, por essa razão, durante algum tempo deixou de lhe falar.

Passada uma semana recebeu ordens, para preparar uma coluna a fim de avançar com o seu pelotão como primeiro elemento da transferência de toda a companhia para o Norte do território. Deveria em seguida apresentar-se na Repartição de Operações do Q.G. para receber mais ordens, o que aconteceu alguns dias depois.

Tendo-lhe sido entregue um envelope lacrado com a indicação "Confdencial" ( a abrir após o incio da marcha na direcção Norte que deverá ter inicio 24 horas após a entrega deste documento).

Iniciou a marcha a partir do QG, nessa direcção, às seis horas. Levava um jipe, um todo o terreno Unimog e 3 camiões GMC a abarrotarem de equipamento de primeira necessidade e armamento médio, munições, combustível e géneros. O pessoal tinha sido distribuído pelas viaturas e arrumado com dificuldade. 

Este pessoal que já tinha um ano de operações, era constituído por um pelotão desfalcado de quinze soldados,  reforçado por um cozinheiro e ajudante e pelos condutores do Unimog e dos três camiõesde guerra da marca americana GMC.

A primeira coisa que fez já em andamento, foi abrir o envelope lacrado da Repartição de Operações do QG conforme instruções que recebera. Confirmou assim o conhecimento que já tinha, baseado na troca de impressões que tivera com o comandante da companhia.

No dia anterior tinha jantado com um oficial da marinha seu amigo, que comandava a lancha patrulha do rio C[acheu], o mais importante do Norte, e tinha-lhe dito que em breve avançaria com o seu pelotão para essa zona, possivelmente para uma povoação de valor estratégico a defender nas margens desse rio.

- Amanhã também devo regressar à lancha (a lancha era um pequeno navio de guerra bem armado e preparado para patrulhar os rios, em todos os principais havia uma) e, se souber que estás em B
[igene, frente a Ganturé, na margem direita do Rio Cacheu], quando lá passar, convido-te para jantar. Tenho agora um cozinheiro de primeira.

Depois da partida, ainda na cidade, cruzou-se com o Wolkswagen negro que levava este seu amigo para o cais, e, mesmo com os carros em andamento, conseguiu confirmar-lhe a conversa que tinham tido.

Os camiões roncavam no único troço de estrada alcatroada da região (60 kms), no fim do qual se encontrava uma pequena cidade 
[Mansoa] , onde chegaram cerca das nove horas. Nesta cidade, junto ao aquartelamento da companhia aí estacionada, o capitão que a comandava esperava a coluna. Mandou-o parar e disse-lhe que a missão fora alterada e tinha de se dirigir para a povoação de O[lossato] .

O pelotão para aí destacado, não conseguia não só defender o povoado, como até impedir que o inimigo, encurralando-o de metralhadoras apontadas a cada porta do edifício do quartel, um antigo celeiro de amendoim rodeado de arame farpado a distância conveniente, se passeasse impunemente na aldeia, entrando nos dois estabelecimentos comerciais existentes, abastecendo-se do que bem entendia, em troca de requisições supostamente válidas, após ganha a guerra e exercendo junto da população civil branca ou africana as mais variadas formas de propaganda e intimidação.

Após confirmar por rádio para o QG as ordens que acabara de receber, desviou a marcha no sentido da povoação de
O[lossato] , entrando na região onde a guerrilha tinha começado a atuar recentemente (***) e era constituída por um polígono com cerca de 120 kms de comprimento na sua maior dimensão e oitenta na outra , cuja principal estrada, que o atravessava em diagonal, estava obstruída por árvores derrubadas assim como todos os pontões e pequenas pontes já destruídas que atravessavam as linhas de água, que eram muitas em todo o território por ser este a foz dum rio importante, que se dividia por grandes e pequenos canais que se ligavam e entrelaçavam entre si.

 O piso, na maré vazia era formado na sua maior parte principalmente por lama de alguma profundidade, coberta por uma mata cerrada própria que é costume chamar por mangal. Na maré cheia todo o território era inundado em cerca de 1/3 da sua dimensão.

Chegaram já de noite ao seu destino. O destacamento que ia substituir,  já tinha partido, deixando uma secção para reforçar o seu pelotão desfalcado pela doença e combates.

A companhia já andava naquele território havia mais dum ano. Por esta razão quando viera para África substituir um alferes, a companhia já tinha um ano de comissão.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, parênteses retos: LG)

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Notas do editor

(*) Vd. poste de 26 de junho de  2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (890): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BCAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

(**) Vd.  CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da actividade operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, 2014). pp.91/92

(...) "Também ao norte do rio Cacheu as NT actuaram contra elementos inimigos que, provindo do Senegal, realizavam incursões no território da Guiné. Em 25mar63, após um forte ataque inimigo ao aquartelamento de Susana, o destacamento local, acompanhado da população de raça Felupe, perseguiu o inimigo até à fronteira causando-lhe numerosas baixas. Devido aos frequentes ataques, a população da região a norte da estrada de S. Domingos-Sedengal foi evacuada, passando essa área a ser considerada "zona interdita", procedendo-se ali à colocação de numerosas armadilhas e à montagem de frequentes emboscadas nas principais linhas de infiltração, verificando-se uma redução da actividade inimiga na área e o regresso da população à vida normal, a partir de Julho." (...) (pág, 91)

Enquanto decorriam as operações no Sul, verificaram-se algumas acções ln no Sector Oeste, entre a fronteira e o rio Geba. Assim, em 21abr63, o ln atacou a povoação de Canjandi (S. Domingos) não causando baixas à população e sofreu I morto, em face da reacção da população; no dia 26 atacou Brengalon (Sedengal) tendo explodido uma armadilha colocada pelas NT.

Mais tarde, em 5mai63, o aquartelamento de Bigene foi atacado de noite, tendo o ln causado 4 feridos ligeiros às NT; no dia 13, o ln atacou e incendiou uma viatura de passageiros que seguia de S. Domingos para a fronteira e na noite de 17/18 queimou a tabanca de Panta (Sedengal).

Neste Sector a actividade inimiga decaiu no mês de junho; no dia 07, incendiou, na região de S. Domingos, um camião dum cabo-verdiano, que foi encontrado morto e no dia 30 danificou a jangada de Barro, dirigindose depois a uma tabanca, próxima da estrada para Bissorã, queimando a
morança do chefe. (...) (pág. 92)

(***) Vd.CECA (2104):

(...) Diretiva n° 5 do Comandante-Chefe, de 27 de Agosto de 1963:

"Foi elaborada para a Operação 'Dardo' (...)

"Inimigo

a. A região de Olossato-Bissorã-Talicó-Mansabá, desde princípio de julho, é objecto de uma intensa actividade terrorista que tem como núcleos principais as matas do Dando, Fajonquito, Cã Quebo, Cai, Morés, Talicó e pretende: 

- mediante ataques à população civil, coagi-las a tomar o seu partido ou pelo menos facultar apoio;

- posteriormente, conseguir o controlo da região e cortar as nossas comunicações para o norte e leste.

b. O ln dispõe de bom equipamento, no qualb. O ln dispõe de bom equipamento, no qual se incluem metralhadoras e é constituído por seis grupos com a seguinte localização:

- Fajonquito;
- Cã Quebo;
- Mansodé:
- Morés:
- Região de 2 pontes (Mamboncó);
- Dando." (...) (pág. 117) 
 

sábado, 9 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24635: In Memoriam (484): Carlos Alberto Rodrigues Cruz (26/05/1941 - 07/09/2023), ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió e Cachil, 1964/66)

IN MEMORIAM



********************

Conforme notícia do nosso amigo Manuel Resende na página do Facebook da Magnífica Tabanca da Linha, faleceu no passado dia 7 o nosso camarada Carlos Cruz.

As cerimónias fúnebres terão lugar hoje, sábado, com a celebração de uma Missa às 14 horas e 30 minutos, seguindo-se o funeral para o cemitério de Oeiras.

O nosso malogrado amigo Carlos Cruz, que se apresentou à tertúlia em Janeiro de 2014, apesar do AVC que o vitimou há uns anos e deixou bastante limitado na sua mobilidade, ainda compareceu em três dos Convívios da Tabanca Grande, em Monte Real.
Nesta foto, de 5 de Maio de 2018, durante o XIII Encontro da Tertúlia, em Monte Real, vemos o Carlos ladeado pela Enfermeira Paraquedista Gilselda Pessoa e pelo coeditor Carlos Vinhal. À esquerda, de pé, a sua filha Ana Cristina. Falta na foto a companheira de uma vida do Carlos, a Irene, que sempre o acompanhou até Monte Real.
Nesta foto, num convívio da Maganífica Tabanca da Linha, em 2016, o Carlos Cruz acompanhado pela sua esposa Irene.

********************

Nesta hora difícil, a tertúlia junta-se à dor da família do Carlos, deixando o seu testemunho de pesar e solidariedade.
Para a esposa Irene, filha Ana Maria e demais familiares, as nossas mais sentidas condolências.
O Carlos foi um corajoso militar e um lutador contra a doença que o apoquentou. Que lhe seja concedida agora toda a paz que merece.
Os editores

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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24577: In Memoriam (483): Senhora Enfermeira Maria Manuela Gonçalves Beja dos Santos (08/03/1937-22/08/2023), irmã do nosso camarada Mário Beja Santos

segunda-feira, 5 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23590: Notas de leitura (1489): "Panteras à solta", de Manuel Andrezo (pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade): o diário de bordo do último comandante da 4ª CCAÇ e primeiro comandante da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67): aventuras e desventuras do cap Cristo (Luís Graça) - Parte VII: A incrível história do soldado 25, cabo-verdiano, aliciado pela amante, uma "mulher do mato" de Cobumba, para cometer um acto de alta traição: tomar o quartel e matar todos os tugas...



Guiné > Região de Tombali > Bedanda > 4ª CCAÇ (1965/67) > s/d > "Mulheres do mato. Ao centro está o alferes Oliveira." 

Fonte: Manuel Andrezo . "Panteras à Solta", edição de autor, s/l, 2010, pág. 398 (Com a devida vénia...).



O gen Arnaldo Schulz em visita à 4ª CCAÇ em Bedanfa, s/d (c. 1964/67). Foto do Arquivo Histórico Militar, reproduzida por CECA (2014), p. 257.


Fonte: Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro I; 1.ª Edição; Lisboa (2014), pág. 257
.


1. Continuação da leitura do livro "Panteras à solta: No sul da Guiné uma companhia de tropas nativas defende a soberania de Portugal", de Manuel Andrezo, edição de autor, s/l, s/d [c. 2010], 399 pp. il, disponível em formato pdf, na Bibilioteca Digital do Exército). [ Manuel Andrezo é o pseudónimo literário do ten gen ref Aurélio Manuel Trindade, ex-cap inf, 4ª CCAÇ / CCAÇ 6, Bedanda, jul 1965/jul 67] (*)

No livro "Panteras à solta" (que cobre o período que vai de julho de 1965 a julho de 1967, em que o cap inf Aurélio Manuel Trindade esteve à frente da 4ª CCAÇ e depois CCAÇ 6, em Bedanda),  há várias referências ao "comandante militar" e/ou "brigadeiro comandante militar" sem nunca o autor o nomear.  Também não há qualquer referência ao com-chefe e governador da Guiné, desse tempo, o brigadeiro e depois general Arnaldo Schulz...

Rcorde-se que desde o início da guerra,  era comandante-chefe o coronel tirocinado do CEM, Fernando Louro de Sousa (nomedo em 19mar63). Irá exercer as funções cumulativamente com as de comandante Militar, tendo substituído no cargo o coronel do CEM João Augusto da Silva Bessa. Promovido a brigadeiro (em 9jul63),  terminaria a comissão em 20mai64, altura em que  seria  substituído,no dia seguinte, pelo brigadeiro Arnaldo Schultz, que por sua vez acumularia as funções com as de governador da província. Promovido a general em 20abr65, Schulz cessaria funções em 23maio968. A partir de 7set66, há um novo comandante militar, o brigadeiro António M. Malheiro Reymão Nogueira.  Para os leigos, nem sempre é clara a distinção entre comandante militar e comandante-chefe...
 
Uma das preocupações iniciais do cap inf Cristo ("alter ego" do autor), quando chega a Bedanda,em rendição individual, em julho de 1965, para comandar a herogénea 4ª CCAÇ, é o reforço da coesão,  do espírito de corpo, da disciplina e da lealdade dos seus homens. 

Tanto Bissau como o comando de sector,  o S3, em Catió (onde estava sediado o BCAÇ 619, 1964/66, rendido depois pelo BCAÇ 1858) tinha  reservas em relação a esta companhia de guarnição normal, por alguns incidentes de natureza disciplinar. Era considerada uma boa companhia, do ponto de vista operacional, mas com altos e baixos, e a passar em meados de 1965 por um "mau momento"... 

Havia, ao que parece, por parte de Bissau (onde na época o governador geral e com-chefe já era o gen Arnaldo Schulz que nunca é mencionado no livro) um preconceito, fundamentalmente racista, em relação aos "caçadores nativos" (e em especial aos "cabo-verdianos"). A perceção de que os principais dirigentes do PAIGC eram cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana (a começar pelos irmãos Cabral) pode ter alimentado e agravado a desconfiança em relação os militares das NT, cabo-verdianos ou de origem cabo-verdiana.

Aiás, só tarde, e devido à persistência do cap Cristo, os "soldados nativos" passaram a ter a novíssima G3 em lugar da velhinha Mauser, da II Guerra Mundial... E combatiam um inimigo dotado de armamento superior (a começar pelas armas automáticas, como a Kalash). Diz o tenente-coronel que vem de Bissau, mandado pelo "brigadeiro omandante militar":

(...) "Você tem que compreender que comanda uma companhia de negros em quem não confiamos totalmente. Já houve aqui uma tentativa de revolta e ninguém nos diz que não possa haver outra, e era muito aborrecido se eles fugissem para o mato com as G3. (...) (pág. 124).

A situação deveria ser semelhante nas outras duas companhias de "caçadores nativos", de guarnição normal: a 1ª CCAÇ, que estava em Farim (e que deu origem à CCAÇ 3); e a 3ª CCAÇ (que estava em Nova Lamego) e que deu origem à CCAÇ 5.  O nosso colaborador permanente José Martins, ex-fur mil trms dos "Gatos Pretos" (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) recorda-se que que na sua secção, no seu tempo,  havia 6 mausers e 6 G3...
 
2. Por volta de finais de 1964 ou princípios de 1965, tinha havido, na 4ª CCAÇ, um incidente grave que poderia ter  tido consequências trágicas,  Recorremos a alguns excertos do livro que estamos a ler, "Panteras à Solta":

(...) "─ Eu também queria dizer algo meu capitão ─ disse o 1º Sargento. ─ Há alguns meses atrás, antes de eu vir para a companhia, houve qualquer coisa com alguns soldados negros, principalmente cabo-verdianos, que fez com fossem conduzidos ao Comando do Batalhão, em Catió, onde ficaram detidos. São soldados da companhia que ainda lá permanecem presos. Não sei o que se passou mas a companhia tem necessidade de resolver este assunto. (...) (pp- 31/32)

(..) ─ Obrigado ─ disse o capitão. ─ Algum dos senhores sabe alguma coisa mais que me queira dizer sobre os soldados da companhia presos em Catió?
─ Eu, meu capitão ─ disse o Alferes Ribeiro. ─ Eu já estava na companhia quando
isso aconteceu. Não falei antes porque julguei que em Bissau, quando por lá passou, o nosso capitão Xáxa ou alguém lhe tivesse falado nisso. 

O alferes Ribeiro descreveu, então, os antecedentes da situação.  Um dia, ao cair da noite, estavam para sair para uma operação e dispunham de um prisioneiro, capturado na operação anterior que ia servir de guia. Aconteceu que o alferes Cordeiro encontrou o prisioneiro, fora da prisão, a sair calmamente do quartel. Prendeu-o novamente e interrogou-o para saber como tinha conseguido sair da prisão, tanto mais que havia um soldado a guardá-lo à vista. 

Inicialmente o prisioneiro não queria falar mas com a habilidade do alferes Cordeiro ele acabou por confessar que tinha sido solto pelo soldado 25 e que se dirigia para o seu acampamento, em Cobumba

Chamado o soldado 25, outro cabo-verdiano, foi o mesmo posto perante os factos. Negou, a princípio, qualquer interferência, mas perante as evidências acabou por confessar. A declaração dos motivos foi bem mais difícil de obter. Mas o alferes Cordeiro, perito na arte do interrogatório, conseguiu que o soldado 25 confessasse os motivos da sua acção.

Tinha uma amante, mulher do mato da zona de Cobumba. Todos as semanas a mulher vinha à povoação comercial vender arroz e comprar cana e tabaco, e dormia uma noite com o soldado. Na cama, ela ia procurando saber coisas da companhia.

Tantas vezes dormiram juntos, tanto falaram da companhia, que a mulher lhe prometeu o comando de Bedanda se ele a ajudasse a tomar o quartel. As promessas eram tão aliciantes que ele aceitou ajudar desde que lhe dissessem o que tinha de fazer e lhe comunicassem o momento de agir. Fez ligações com outros soldados do seu pelotão, na maioria cabo-verdianos, e estabeleceram um plano de acção que, na sua essência, apontava para a tomada do quartel pelas força. 

Na noite aprazada para o ataque, os cabo-verdianos, ao tempo do pelotão do alferes Barata, facilitariam a entrada dos guerrilheiros, matando nos quartos todos os brancos, oficiais e sargentos e alguns cabos especialistas. Durante o ataque, o pelotão dos revoltosos e mais alguns soldados negros que aderissem ao movimento, liquidariam todos os soldados que não quisessem juntar-se aos guerrilheiros. 

Conquistado o quartel e feita a limpeza de militares e de civis que não aderissem, o 25 passaria a comandar toda a área de Bedanda. Como tudo se veio a saber por confissão do soldado 25, todos os militares implicados foram presos e enviados para Catió onde seu deu início aos autos. Nessa noite, ninguém saiu para o mato, refizeram-se os pelotões até que se recebessem novos efectivos em praças. 

A partir dessa data passou a exercer-se um controle apertado de entradas e saídas das mulheres do mato, para se averiguar as que dormiam em Bedanda, onde e com quem.

─Meu capitão, nós todos, oficiais e sargentos, ficámos convencidos de que estávamos sentados num barril de pólvora. Se dessa vez tivemos sorte ao descobrir a tempo a conspiração, na próxima poderemos não ter, pelo que todos temos  de ficar atentos e permanentemente vigilantes. " (...) (pp. 32/33).

Ficamos sem saber se os militares sediciosos da 4ª CCAÇ, tal como soldado 25, maioritariamente "cabo-verdianos" (sic), eram nascidos em Cabo Verde ou na Guiné. Sendo do recrutamento local, era mais provável que fossem guineenses, de origem cabo-verdiana...
 
3. Ficamos, todavia,  a saber que, ao tempo da 4ª CCAÇ (e mesmo depois, com a CCAÇ 6), havia um sistema de livre trânsito em Bedanda, para as "mulheres do mato", que iam à "povoação comercial" vender os seus produtos e comprar outros que lhes faziam falta. 

Em geral, eram mulheres, mães, filhas  ou parentes de guerrileiros.   Eram oriundas "de Cobumba, de Pericuto, de Chugué. (...) (pág. 116), ou seja, de povoações que ficavam a escassos   quilómetros,  em redor de Bedanda.

As mulheres vinham de zonas onde havias boas bolanhas, e que continuavam a ser cultivadas. O arroz (e outros produtos, como a mandioca) era suficiente para as necessidades dos guerrilheiros e da população sob o  seu controlo. Em contrapartida, havia falta de arroz (e produtos frescos) em Bedanda.

Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...)  são aliciados pelo PAIGC.  A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleo chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes.

(...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros.  

Fazia-se um intercâmbio grande entre a população comercial e as mulheres do mato. Traziam arroz, mancarra e óleo, e voltavam com tabaco, cana e panos para elas e para os homens. Se era difícil para os militares compreender a sua posição como um elo na cadeia logística dos guerrilheiros, mais difícil era verificar que os outros tinham mais comida do que a população que a tropa controlava. O capitão ia reagir a esta situação de uma forma pouco usual. (...) (pp. 76/77).

Em suma, a tropa facilitava a entradas das "mulheres do mato" em Bedanda por onde circulavam livremente (exceto nas intalações militares), havendo todavia sido criado, para o efeito, um mecanismo de controlo (que não vem descrito em detalhe no livro): 

(...) Dado estar autorizada a entrada das mulheres do mato na povoação comercial, existe um sistema de controlo que permite ao coma companhia saber quantas mulheres entraram e donde vieram. Muitas vezes as mulheres trazem galinhas e ovos para vender, e o próprio capitão tem comprado algumas, pondo-as numa capoeira no pelotão da cantina. Normalmente tem lá três ou quatro galinhas.

 O capitão, acompanhado do Lassen, desloca-se muitas vezes aos acessos a Bedanda, de manhã cedo, para falar com as mulheres do mato e aproveita para mandar a sua mensagem. Quando quer saber informações de determinadas áreas, o capitão utiliza várias pessoas que vão desde comerciantes a soldados ou aos homens grandes da tabanca, nomeadamente soldados da milícia. Quando isso acontece, o capitão autoriza que se façam despesas nas casas comerciais, em tabaco e em cana, para se criar um clima de confiança. Por vezes é um trabalho demorado mas permite ao capitão ficar a saber o que se passa na mata à sua volta. (...) (pág. 102)-

Chegaram a estar em Bedanda, num só dia,  uma centena de "mulheres do mato" que o cap Cristo também usava para fazer a sua "psico" e obter informações sobre o que se passava do lado de lá, ao mesmo tempo que aproveitava para  transmitir "recados" aos "homens do mato", e em última análise ao 'Nino' Vieira:

(...) "No dia seguinte, às onze e meia da manhã, mais de 100 mulheres estavam
concentradas no pelotão da cantina. O capitão tinha mandado recolher aos abrigos todos os soldados. Além disso, tinha avisado a tabanca, o administrador e todos os comandantes de pelotão de que a artilharia iria fazer fogo ao meio-dia". (...) (pág. 272).

Segundo o cap Cristo, o 'Nino' teria estatado inicualmente na tropa portuguesa, dizia-se. E tinha estado justamente em Bedanda. Razão por que Bedanda era um "espinho encracado" na sua garganta (pág. 269). Daí a tentativa, gorada, de um dia tentar conquistar, ocupar e ou destruir Bedanda. Falava-se num força de 800 homens. (Vd. capáitulos "Os 800 do Nino", pp. 269-273).

(...) Utilizando o cabo Francisco o capitão dirigiu-se às mulheres.
─ Soube que os vossos maridos e filhos se preparam para atacar Bedanda para matar o nosso capitão. Mas nosso capitão não tem medo nem que venham mil guerrilheiros. Nosso capitão sabe que Nino só ainda tem 800 para o vir atacar. Digam-lhe que é pouco. Para entrar em Bedanda e matarem nosso capitão precisa de muito mais gente. Nosso capitão não foge suma galinha. Quem foge suma galinha são os vossos maridos, são os guerrilheiro do Nino. Traduz para elas." (...) (pág. 272)

Mas, como vimos com a história do soldado 25, o sistema também funcionava a favor do PAIGC. Digamos que havia um "modus vivendi" que agradava a todos, por muito insólito que isso possa parecer hoje aos olhos dos nossos leitores que não conheceram o sector S3... Noutros sectores como o L1 (Bambadinca), que eu cnheci (em 1969/71) as coisas não funcionavam assim: as "mulheres do mato" arriscavam ser emboscadas, presas ou mortas, quando se dirigiam a Nhabijões e a Bambadinca, cambando o rio Geba,  para visitar os parentes e/ou fazer compras...

(Continua)
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Notas do editor:

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23040: Pequeno resumo dos dois anos em que estive na guerra (Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616 / BCAÇ 619, Empada, 1964/66) - Parte I: 1964: 30 de maio, um ataque de seis horas!


Foto n.º 1 > Alguns dos ainda aspirantes a oficiais milicianos, do BCAÇ 619 , poucos dias antes do embarque para a Guiné: o 1.º da esquerda, sou eu, da CCaç 617; o 6.º é o médico da CCaç 617, Folhadela de Oliveira, o 7.º é o Montes, da CCaç 618 , o 8.º (e último), é o Joaquim da Silva Jorge, da CCaç 616.



Foto n.º 2 > Guiné > Bissau > Janeiro de 1964 > Alguns oficiais milicianos do BCAÇ 619: o 2.º sou eu e o 3.º é o Joaquim Jorge, assinalado com cercadura a amarelo.

Fotos (e legendas): © João Sacôto (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Joaquim Jorge, Ferrel, Peniche. 
Foto: LG (2015)


1. Mensagem de Joaquim [da Silva] Jorge, régulo da Tabanca de Ferrel / Peniche, ex-alf mil, CCAÇ 616, Empada, 1964/66, BCAÇ 619, Catió, 1964/66), bancário reformado, ex-autarca e ativista comunitário; tem 17 referências no blogue; entrou para a Tabanca Grande em 2015:




Brasão da CCAÇ 616 (Empada, 1964/65).
A divisa, em latim, "Super Omnia", quer dizer "acima de tudo". 
Foto do álbum do  Francisco Monteiro Galveia 
(ex-1º cabo op cripto, vive em Fronteira)  (*)


CCAÇ 616 > Empada, 1964/66 > Pequeno resumo dos dois anos 
em que estive na guerra 

por Joaquim Jorge

Parte I - 1964: 30 de maio, um ataque de seis horas!


Quando chegámos ao “mato”, a Empada, para rendermos a companhia de caçadores 417 (**), encontrámos, primeiro por conversas com os camaradas que iam embora e depois pelos acontecimentos que se seguiram, encontrámos, dizia eu, uma situação deveras alarmante não só na questão operacional como também no tocante à precária condição de existência dos três mil nativos que compunham a população local. 

Não quero dizer com isto que tenha havido negligência por parte dos nossos antecessores. Eles fizeram a sua obrigação; portaram-se como todos os outros e como nós, pois não éramos diferentes, mas a guerra tinha começado ainda não havia um ano e o número de inimigos crescia. 

Foi com séria apreensão que encetámos a nossa campanha em Empada, uma pequena “vila” no sul da Guiné. Sabíamos que mais dia, menos dia teríamos de nos encontrar com os nossos inimigos ou teríamos a sua visita sempre aborrecida pelas consequências que daí advinham para o nosso reduto, o que equivale a dizer para a “tabanca” de Empada. 

E o certo é que nossa apreensão inicial não foi iludida… Estávamos lá há quinze dias quando o inimigo deu o primeiro sinal de que não queria deixar, de pé para a mão, de pensar em destroçar pessoal ou palhotas (moranças) de Empada. 

Talvez por não terem sido bem sucedidos nesta primeira incursão vissem que da maneira como tinham actuado não podiam ter o êxito desejado; então reorganizaram-se, pediram reforços a outros locais seus afectos e na noite de trinta de Maio tentaram aquilo que eles consideravam o fim de Empada. 

Nós nessa altura éramos um tanto inexperientes, “maçaricos” como se dizia na gíria militar; a maior parte dos militares da companhia ainda não tinha tido o chamado, na guerra, “baptismo de fogo” e nas primeiras horas (pois o ataque durou seis!!!),  andámos confundidos no meio de tiroteio infernal. 

Graças a Deus não houve muito perigo para nós, pois além de estarmos entrincheirados nos abrigos ao redor do quartel, o fogo inimigo passava muito alto e, além disso, tínhamos em redor das “tabancas” um grande número de voluntários nativos armados que aguentavam a pé firme os primeiros embates. 

Raiava o último dia do mês quando tudo sossegou… E até meados de Julho deixaram-nos viver com relativo sossego, sossego esse aproveitado por todos nós, (oficiais, sargentos e praças) para ajudarmos a população na reconstrução da sua vida normal, interrompida pela constante aflição e preocupação no tempo dos nossos antecessores, pois não lhes era permitido ausentarem-se da “tabanca” para procurarem os alimentos e daí pode calcular-se a miséria que grassava em Empada…

Cheguei a contar numa refeição duzentas e cinquenta crianças, todas nuas, de lata na mão, a irem ao encontro da “vianda” (comida), feita pela Companhia propositadamente para elas… Era a psico-social em funcionamento e a recuperação da confiança em todos os nativos. Escoltas para manter a segurança aos civis nativos que iam ao cajú e à manga, frutos preponderantes na sua alimentação, e autênticas rusgas a oito e nove quilómetros de Empada para colheita de cola, elemento essencial na riqueza da Guiné, foram levadas a cabo para tentarmos amenizar a fome. 

Como já atrás referi, o inimigo “deixou-nos” mais ou menos e com algum condicionalismo trabalhar nesta missão civilizadora até ao dia dezasseis de Julho, altura em que tentaram por todos os meios e em força invadir e destruir a “tabanca” e o quartel de Empada, matando a população e os militares. Eram estes os seus objectivos. 

O anterior ataque de trinta de Maio ensinou-nos muito; fizemos em conjunto uma análise a tudo o que se passou nessa noite e agora estávamos mais experientes e preparados e tínhamos tudo organizado para os “receber”. Não tiveram qualquer espécie de sorte pois viram desaparecer do rol dos vivos mais de quatro dezenas de homens, além da perda de armas e munições. Foi, diga-se, o remate psicológico nas pretensões do inimigo pois pode considerar-se que não mais tentaram penetrar em Empada. 

Não quero dizer com isto que eles deixaram de nos “visitar”. Nada disso. Simplesmente quando iam era só com intenção de flagelar, e de longe, para não sofrerem de novo os reveses sofridos na heroica (para nós) noite de dezasseis para dezassete de Julho. Até aí e sempre nunca descurámos os patrulhamentos pelas redondezas, estranhando que “eles” não se atravessassem no caminho com emboscadas ou implantações de minas traiçoeiras na terra mole dos caminhos. Também mantínhamos o cuidado constante de cortar o capim e o mato ao longo dos caminhos para dificultar ao inimigo a montagem de emboscadas. Tudo tínhamos planeado para garantir a segurança da população e a resolução do problema da sua subsistência. 

E trabalhámos arduamente para a resolução destes dois problemas. Não saía do nosso pensamento a ideia da criação e organização de uma companhia de milícias com os homens e jovens de Empada. Como comandante de Companhia expus esta ideia ao comandante de Batalhão e ao Governador e Comandante-Chefe da Guiné General Arnaldo Schultz que me apoiaram plenamente. 

Numa população de cerca de três mil pessoas conseguimos a adesão de cerca de duzentos voluntários que durante os meses de Novembro e Dezembro receberam instrução militar dada pelos oficiais e furriéis da Companhia e conseguimos organizar duas companhias: a 6.ª Companhia de Milícias comandada por Dauda Cassama e a 7.ª Companhia de Milícias comandada por Malan Sambu que seguiu para Jabadá para apoiar o Batalhão sediado em Tite. Connosco em Empada ficou a 6.ª Companhia. Os comandantes de companhia Dauda e Malan bem como os comandantes de pelotão foram promovidos a “Alferes de Segunda Linha”. 

Todos os elementos da companhia de Milícias ou “Voluntários”, como nós lhes chamávamos, passaram a receber seiscentos e setenta e cinco escudos por mês  e nos dias em que faziam patrulhamentos ou outros tipos de operações militares tinham direito a alimentação. [675$00, em dinheiro da metrópole, em 1964, equivaleria hoje a 277,92 €;  na Guiné, o escudo ou o peso, sofria ums desvalorização de 10%. LG ]

Sem dúvida que a constituição das companhias de milícias veio alterar, por completo, a vida das gentes de Empada, pois o ordenado fixo mensal veio dar possibilidades à resolução do problema há tanto tempo em causa: o problema da fome. Subiu o nível de vida do nativo, embora alguns não tenham sabido aproveitar completamente essa ascensão.

(Continua)


Guiné > Região de Quínara > Carta de Empada (1961) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Empada e, a sudeste, Ualada, onde a CCAÇ 616 tinha um pelotão destacado, (*)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de fevereiro de  2019 > Guiné 61/74 - P19495: Consultório militar do José Martins (39): Ficha do Batalhão de Caçadores 619 (Catió, 1964/66)

(**) Vd. poste de 22 de fevereiro de 2016 > Guiné 63/74 - P15780: Consultório militar do José Martins (18): Forças Militares Portuguesas que passaram por Empada