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segunda-feira, 1 de setembro de 2025

Guiné 61/74 - P27174: Felizmente que ainda há verão em 2025 (29): Olha que não, Rosinha, olha que não... Sempre houve incêndios florestais no Portugal Mediterrânico... Mas há quem proponha que se corte as mãos aos incendiários...


edição de 9 de setembro der 1966. Reportagem de Joaquim Letria e Pedro Rafael Santos

1. Trágica efeméride: vai fazer 59 anos, daqui a dias,  que arderam 50 quilómetros quadrados / 5 mil hectares (cerca de um  terço da área plantada) da Serra de Sintra, e morreram 25 militares do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa de Queluz.

Cinco mil hectares. Esta foi a área aproximada que ardeu no trágico incêndio que deflagrou na Serra de Sintra em setembro de 1966, um dos maiores e mais devastadores incêndios florestais da história da região.

O fogo, que teve início a 6 de setembro de 1966, lavrou durante vários dias, consumindo uma vasta mancha florestal, estimada em cerca de um terço da área arborizada da serra na altura. As chamas, impulsionadas por ventos fortes, alastraram rapidamente, ameaçando a vila de Sintra e marcos históricos e naturais.

Para além da imensa perda a nível de património natural, o incêndio de 1966 na Serra de Sintra ficou marcado pela morte de 25 militares do Regimento de Artilharia Antiaérea Fixa de Queluz, que perderam a vida enquanto combatiam as chamas. 

A tragédia teve um profundo impacto no país e levou a uma maior consciencialização sobre a necessidade de prevenção e combate a incêndios florestais em Portugal.

2. Disse o Fernando Ribeiro, em comentário ao poste P27166(*):

Antº Rosinha, em Portugal sempre existiram incêndios e sempre existirão, porque são uma forma de a Natureza se renovar. Não há volta a dar-lhe. O que não existia, era tantos eucaliptos e tantos pinheiros bravos, que ardem como palha, nem tanto despovoamento do interior. 

Em 1966, concretamente, morreram 25 militares no combate a um incêndio ocorrido na serra de Sintra. 

Durante as muitas caminhadas que fiz na serra de Sintra aos fins de semana, estive mais do que uma vez no local onde eles morreram, que se situa perto do convento dos Capuchos. O local está assinalado por uma cruz e uma placa de mármore com os nomes das vítimas, e o terreno em volta estava totalmente desmatado. 

Para lá se chegar, sai-se de uma encruzihada próxima dos Capuchos, onde confluem as estradas para o palácio da Pena, para o convento dos Capuchos, para o Pé da Serra e para a Peninha. Sobe-se por uma "picada" que sai dessa encruzilhada no sentido do Monge (um túmulo pré-histórico) e que acaba por desembocar perto da Peninha. Os pormenores do trágico incêndio podem ser lidos aqui: 


3. De facto, sempre houve fogos florestais em Portugal ao longo dos séculos, não é só um fenómeno exclusivo da atualidade... 

Só por populismo, demagogia ou ignorância histórica se pode afirmar o contrário, nomeadamente nas redes sociais,  procurando-se tirar partido, emocional e politico-partidariamente, da tragédia que são sempre, todos os anos, os incêndios em Portugal e demais países de clima mediterrânico (Espanha, Sul de França, Itália, Grécia, etc.).

Mas em breve voltaremos à barbárie: cortem-se as mãos aos incendiários, já se ouve por aí.. Ou, então, acabem-se com os isqueiros e as caixas de fósforos em Portual. E até mais: encerrem-se as gasolineiras...

A afirmação
 de que sempre houve incêndios florestais em Portugal ao longo do século XX acaba por ser uma realidade histórica inegável. O que mudou, e muito,  foi perceção pública e a escala dos incêndios  nas últimas décadas. 

E depois, é bom não esqucer (!),  havia quem, até aos 25 de Abnril de 1974,  decidisse por nós, cidadãos de 2ª classe,  o que podíamos ler ou não nos jornais, ouvir ou não na rádio, ver ou não na televisão...

Os registos históricos confirmam que o fogo foi um elemento recorrente e transformador das paisagens rurais e florestais portuguesas durante todo o século passado e séculos anteriores-

Uma conjugação de fatores, desde políticas de florestação a profundas alterações socioeconómicas, moldou a história dos incêndios no país.

Os incêndios florestais em Portugal têm raízes históricas profundas e são resultado tanto de processos naturais quanto de atividades humanas de gestão do território ao longo dos séculos. 

Se olharmos para registos históricos, relatos de cronistas, arquivos municipais e até estudos de paleobotânica, vemos que os incêndios rurais e florestais existiram sempre, de Norte a Sul do país, associados a vários fatores:

(i) Registos históricos de incêndios florestais

Existem indicações de uso e ocorrência de fogos florestais que remontam a milhares de anos, detetados por depósitos de carvão com mais de 11 mil  na Serra da Estrela, associados a grandes incêndios ligados à ocupação humana e gestão agropastoril.

Desde a Idade do Bronze e do Ferro, o fogo foi utilizado para desflorestação e construção de novas áreas agrícolas, o que provocava incêndios regulares.

Registos escritos de municípios portugueses já no século XIV documentam preocupações e legislação para evitar incêndios em matas, particularmente zonas de sobreiros e azinheiras.

(ii) Incêndios notáveis nos séculos XIX e XX

No Pinhal de Leiria, registaram-se grandes incêndios, como os de 1806, 1814, 1818, 1824 (cerca de 4.000 ha), 1825 (cerca de 5.000 ha) e 1875 (cerca de 300 ha).

No século XIX, já se encontravam em vigor portarias e legislação para proteção florestal e combate às queimadas.

Desde a década de 1960, os incêndios passaram a ser mais frequentes, intensos e recorrentes, tornando-se mais comuns a partir dos anos 1970 devido a profundas transformações sociais, demográficas e econonómicas (guerra do ultramar, emi
gração, expansão de áreas florestais, abandono rural, industrialização e urbanização do país, etc.)

1930 > Censo da população > 6 825 883 habitantes (Continente e Ilhas). Só 19% reside em cidades: 594 mil em Lisboa, 232 mil no Porto e 485 mil nas restantes.

1950 > População activa: 3.2 milhões (50% no sector primário, 24% no sector secundário e 26% no sector terciário). Por outro aldo, mais de quarenta anos depois da instalação, por Alfredo da Silva, das primeiras fábricas de produtos químicos nos terrenos de aluvião da Margem Sul do Tejo, o complexo químico-industrial do Barreiro ocupa agora uma área de 21 hectares. O maior grupo económico português é constituído por centena e meia de empresas e 10 mil trabalhadores.

1951 > Inauguração da barragem de Castelo de Bode, uma obra emblemática do Estado Novo e elemento-chave do plano de electrificação de 1944. Inaugurada a ponte de Vila Franca de Xira, permitindo uma mais rápida ligação Norte-Sul.

(iii) O fogo como fenómeno mediterrânico natural

O fogo é considerado um fenómeno natural nos países do Mediterrâneo, tendo papel importante na dinâmica ecológica e na sucessão de algumas espécies vegetais. Factos a destacar:
  • o uso tradicional do fogo para renovação de pastagens e controle de vegetação sempre esteve presente na paisagem portuguesa e mediterrânica;
  • os pastores eram recorrentemente acusados de "incendiários";
  • clima mediterrânico. verões longos, quentes e secos,  favorecem a propagação do fogo;
  • práticas agrícolas tradicionais, como aS queimadaS para renovação de pastagens ou limpeza de terrenos, que muitas vezes saía de controlo;
  • trovoadas secas;
  • descuidos e acidentes: desde tempos medievais há relatos de incêndios ligados a fogueiras,  produção de carvão, cal, ferrarias ou até relâmpagos;
  • estrutura da vegetação: matos, pinhais, sobreirais, giestais e eucaliptais (mais recentes) sempre foram combustíveis disponíveis; todavia, o coberto mediterrânico, com sobreiros, azinheiras e castanheiros é mais resistenete ao fiogo.

A diferença em relação ao passado é a escala, a frequência e o impacto socioeconómico. Antes, os fogos eram mais localizados, porque a floresta estava mais fragmentada entre campos agrícolas, baldios e áreas de pastoreio. Hoje, com o abandono rural, a continuidade de matos e florestas densas e a expansão do eucalipto e do pinheiro, o fogo alastra de forma muito mais rápida e devastadora.

Portanto, dizer que "só há incêndios hoje" é, de facto, uma mistificação histórica. O que mudou foi o contexto social, económico e ambiental, que faz com que os fogos atuais sejam mais extensos e difíceis de combater.
 
Aqui vão alguns exemplos documentados que ajudam a perceber que os incêndios florestais fazem parte da história de Portugal muito antes do século XX:

 
Portugal a ferro e fogo... Da Idade Média à Época Moderna

Séc. XIV

Nas Ordenações Afonsinas já aparecem normas para punir quem fizesse queimadas descuidadas que levassem a incêndios em montes e matos.

Séc. XV-XVI 

Há registos em cronistas e câmaras municipais de incêndios em pinhais e matos, sobretudo ligados à preparação de terras para agricultura ou pastoreio.

Pinhais de Leiria (plantados desde o reinado de D. Afonso III e expandidos por D. Dinis) sofreram incêndios várias vezes nos séculos XVI e XVII; há referências a fogo “que ardeu muitos pinheiros” e necessidade de reflorestação.

Séc. XVIII

O Terramoto de 1755 originou incêndios urbanos e rurais que se estenderam a zonas florestais próximas de Lisboa e outras zonas atingidas,

Em 1792, um alvará régio regulava o uso do fogo em baldios e pastagens, por causa dos “grandes danos dos fogos desmandados que frequentemente incendeiam os matos e arvoredos”.

Séc. XIX

Há várias notícias em jornais da época sobre incêndios em pinhais e serras. Por exemplo:

1824 – referência a incêndios no Pinhal de Leiria.

1843 – notícia no Diário do Governo sobre fogos em matas nacionais.

1853 – grandes incêndios em Trás-os-Montes e Beiras são relatados como “desgraças repetidas”.

Em 1888, o engenheiro silvicultor Francisco Caldeira Cabral (um dos pioneiros da ciência florestal em Portugal) já alertava para o problema do fogo em matas mal geridas.

Em resumo: podemos afirmar com segurança que os incêndios florestais sempre existiram em Portugal. O que acontece nos séc. XX e XXI é que, com o êxodo rural, a continuidade do coberto vegetal e a monocultura florestal (eucalipto), os fogos passaram a ser mais extensos e mais frequentes.

 
Incêndios Florestais: Uma Constante na Paisagem Portuguesa do Século XX (Cronologia Marcada pelo Fogo)

Embora a sistematização de dados sobre áreas ardidas só se tenha tornado mais rigorosa a partir da década de 1980, é possível delinear uma cronologia de eventos significativos que marcaram o século XX.

No início do século, os incêndios eram frequentes, mas muitas vezes de menor dimensão e mais ligados a práticas agrícolas e pastoris. A gestão do fogo fazia parte do quotidiano rural, sendo utilizado para a renovação de pastagens e limpeza de terrenos. No entanto, a falta de controlo resultava frequentemente em incêndios de maior escala.

A partir da década de 1960, a frequência e a dimensão dos grandes incêndios florestais começaram a aumentar de forma notória. Eventos como os incêndios em Vale do Rio/Figueiró dos Vinhos e Viana do Castelo (1961), na Serra de Sintra (1966) (que resultou na morte trágica de 25 militares) e na Serra de Monchique (1966), evidenciaram uma nova e mais perigosa realidade.

As décadas seguintes foram marcadas por uma escalada no número de ocorrências e na área ardida. 

O ano de 1986 assinala um marco sombrio, com o primeiro incêndio a ultrapassar os 10.000 hectares. 

A partir daí, os "mega-incêndios" tornaram-se uma preocupação crescente, culminando em anos de extrema severidade já no final do século e no início do século XXI.


As Raízes do Problema: Causas e Consequências

A omnipresença dos incêndios florestais em Portugal no século XX pode ser atribuída a um complexo de causas interligadas:
  • Políticas de Florestação: 
No início do século, o Estado Novo implementou uma vasta campanha de florestação, com o objetivo de combater a erosão dos solos e aumentar a riqueza florestal do país. 

No entanto, a aposta em monoculturas de espécies de rápido crescimento e elevada inflamabilidade, como o pinheiro-bravo e, mais tarde, o eucalipto, criou vastas áreas contínuas de combustível, propícias à propagação de grandes incêndios.

  • O Êxodo Rural e o Abandono de Terras: 
A partir de meados do século, a intensificação do êxodo rural para os centros urbanos e para o estrangeiro provocou uma profunda alteração na paisagem e na estrutura social do interior do país. 

O abandono de terras agrícolas e de práticas tradicionais de gestão do território levou à acumulação de matos e outro material combustível, tornando as florestas mais densas e perigosas.

  • Declínio da Agricultura e Pastorícia Tradicionais: 
A diminuição da pastorícia extensiva (incluindo a transumância)  e da agricultura de subsistência, que anteriormente garantiam a limpeza de vastas áreas de mato, contribuiu significativamente para o aumento da carga de combustível nas florestas.

  • Fatores Humanos: 
A esmagadora maioria das ignições teve origem humana, seja por negligência (queimadas mal controladas, fogueiras) ou por ação intencional (fogo posto). A falta de sensibilização e de fiscalização foram fatores que potenciaram este problema ao longo de décadas.


A Evolução (Lenta) do Combate e da Prevenção

A resposta do Estado e da sociedade aos incêndios florestais evoluiu de forma lenta e reativa ao longo do século XX.

Nas primeiras décadas, o combate aos incêndios era rudimentar, dependendo largamente da mobilização de populares, com meios escassos e pouco eficazes. A estrutura de bombeiros voluntários, embora fundamental, debatia-se com a falta de formação e de equipamento adequado para fazer face a grandes incêndios florestais.

A tragédia da Serra de Sintra em 1966 foi um ponto de viragem que expôs as fragilidades do sistema de combate e impulsionou uma maior consciencialização para a necessidade de uma estrutura mais organizada. 

No entanto, só nas últimas décadas do século se assistiu a uma aposta mais significativa na profissionalização dos bombeiros, na criação de corpos especializados e na aquisição de meios terrestres e aéreos mais sofisticados.

As políticas de prevenção também tardaram em ser implementadas de forma eficaz. A aposta centrou-se durante muito tempo no combate, em detrimento de uma gestão florestal integrada que promovesse a descontinuidade dos combustíveis e a criação de mosaicos agrícolas e florestais mais resilientes ao fogo.

Em suma, a história dos incêndios florestais em Portugal no século XX é a crónica de uma paisagem em transformação, marcada por decisões políticas, mudanças sociais profundas e uma crescente vulnerabilidade ao fogo. 

A afirmação de que "sempre houve incêndios" é, portanto, um ponto de partida para a compreensão de um problema complexo e multifacetado que continua a desafiar o país na atualidade. (**)

(Pesquisa: LG | Assistente de IA / ChatGPT, Gemini, Perplexity)

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG=
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Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 30 de agosto de 2025 Guiné 61/74 - P27166: Os 50 anos da independência de Cabo Verde (9): Secas e fomes levaram ao longo do séc. XX à morte de mais de 100 mil pessoas