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segunda-feira, 20 de junho de 2022

Guiné 61/74 - P23369: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte III: tabanca balanta e destacamento de Bissá, c. 1970






Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > s/ d > c. 1970 > Tabanca e destacamento de Bissá. A população era balanta. Na 4ª foto acontar de cima, ao lado da mulher que remenda roupa, pode ver-se em "ouri" ou "uril", um jogo tradicional africano de estratégia.

Os militares que se vêem nas fotos possivelmente pertenciam à CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885, que em 5mar70, rendendo a CArt 2411, assumiu a responsabilidade do subsector de Porto Gole, com um destacamento em Bissá.

Fotos (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf graduado capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).


Organização e a seleção feitas pelo seu amigo e nosso camarada Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa) e Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971) (médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996, vivendo então em Abrantes; hoje vive em Tomar).

O José Torres Neves é missionário da Consolata, ainda no ativo. Vai fazer 86 anos. Vive num PALOP. Esteve no CTIG, como capelão de 7/5/1969 a 3/3/1971.

As fotos (de um álbum com cerca de 200 imagens) estão a ser enviadas, não por ordem cronológica, mas por localidade, aquartelamentos ou destacamentos do sector de Mansoa. Sobre Bissá, emos cerca de 3 dezenas de referências no nosso blogue. A tabanca de Bissá (e o reseptivo destacamento, guarnecido por um 1 Gr Comb) ficava a oste de Porto Gole.



Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa de Porto Gole e Bissá, e de outras povoações na margem direita do rio Geba, algumas abandonadas com a guerra.

Segundo o nosso camarada Abel de Jesus Carreira Rei, autor do livro  "Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968" (Prefácio do ten gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002), a ocupação de Bissá pelaos NT remontava a 7 de abril de 1967.  

Passaria a ser um destacamento, guarnecido por um pelotão (-) da CART 1661 e uma companhia (-) da Polícia Administrativa de Porto Gole, Uns dias depois, a 15 de abril de 1967, seria um “dia trágico”: um ataque do PAIGC a Bissá, de duas horas, na noite de 14 para 15, faria sete mortos e cinco feridos. Entre os mortos, contou-se o Abna Na Onça, capitão de 2ª linha, balanta. Na sequência deste desastre, o destacamento foi (temporariamente) abandonado e depois reocupado pelas NT.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)
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sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23028: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XVII: A última operação no CTIG, em 31 de março de 1967: cerco e limpeza à tabanca de Bissá onde, explorando uma notícia do BCAÇ 1888, deveriam estar elementos IN numa festa


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4

Guiné > Região do Oio > Mansoa > CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969 / 1971) > 

Legendas:

Foto nº 1 > O António Rodrigues, em tromco nu, à esquerda, no porto fluvial de Bissá,na margem direita do Rio Geba,  durante um reabastecimento; Bissá era alvez um dos piores destacamentos que existiam na Guiné, principalmente nos períodos das chuvas, na opinião do autor das fotos;

Foto nº 2 > O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411 [Enxalé, Porto Gole e Bissá, 1968/70), subunidade de que não temos qualquer representant no nosso blogue;

Foto nº 3 > O António Rodrigues, no regresso de uma emboscada;

Foto nº 4 > Estrada de Porto Gole para Bissá e Mansoa.

Fotos do álbum de António Rodrigues, ex-1º Cabo Aux Enf, CCAÇ 2587, 3º Gr Comb / BCAÇ 2885 (Mansoa 1969/71). (O seu blogue, BCAÇ 2885, Guiné, 1969/71, não é atualizado desde 29 de abril de 2019; gostava que o António Rodrigues, que mora em Coimbra, integrasse a nossa Tabanca Grande.)


Fotos (e legendas): © António Rodrigues (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa de Porto Gole e Bissá, e de outras povoações na margem direita do rio Geba, abandonadas com a guerra, e que o nosso camarada João Crisóstomo, alf mil da CCAÇ 1439,  bem calcorreou, "em perigos e guerras esforçado"...


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


A CCAÇ 1439 teve como unidade mobilizadora o BII 19 (Funchal), partiu para o CTIG em 2/8/1965 e regressou a 18/4/1967, tendo passado por Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole, Missirá, Fá Mandinga. O comandante era o cap mil inf Amândio Manuel Pires, já falecido. Alferes (milicianos): Freitas (Funchal, Madeira), Crisóstomo (Torres Vedras, hoje a viver em Nova Iorque), Sousa (Vila Nova de Famalicão), Zagalo (Lisboa, ator de teatro, já falecido).





João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)
(a viver em Nova Iorque desde 1977,
depois de ter passado por Inglaterra e Brasil)



I. Continuação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil at inf, CCAÇ 1439 (1965/67):


CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, luso-americano,
ex-alf mil, Nova Iorque) (*)


Parte XVII :  A última operação no CTIG, em 31 de março de 1967: cerco e limpeza à tabanca de Bissá onde, explorando uma notícia do BCAÇ 1888, deveriam estar elementos IN numa festa



Desde o início do ano de 1967 até ao final da comissão da CCAÇ 1439 em princípios de Abril, a história da unidade (ou o  relatório do capitão, a que tenho acesso),  enumera um grande número de operações, sem sofrermos mais baixas e sem haver também grandes resultados contra o IN. 

 Parece até que era um “jogo do gato e rato”: as NT estavam resolvidas e teimosas em encontrar o IN “para fazer contas” e o IN decidido a não se deixar apanhar. Verifica-se porém o seu crescente poder de fogo como se viu pouco antes antes no ataque a Missirá. Alguns dos seus “acampamentos” apresentam já abrigos subterrâneos bastante profundos e espaldões,  o que sugere confiança e determinação de defenderem com sucesso as suas bases em caso de ataque das nossas forças. Felizmente connosco isso nunca chegou a suceder, tendo o IN escolhido fugir sem resistência, limitando-se na maioria das vezes a fazer flagelações de longe para nos indicar que sabiam da nossa presença. 

 Essa situação iria mudaria para pior, depois de termos regressado, como se viu numa das operações levada a efeito pelas tropas que sucederam à CCAÇ 1439 em que houve avultado número de mortos, tanto das tropas regulares como das milícias de Porto Gole incluido o régulo Abna na Onça e, segundo me contaram, o abandono dum destacamento em Bissá, construido quando a CCAÇ  1439 já tinha regressado.

Tomei parte em várias destas operações aqui mencionadas e, salvo o contínuo cansaço pelo grande esforço que isso impunha a todos, uma vez que não tivemos baixas,  nada me causou suficiente trauma para me lembrar de pormenores e por isso pouco lembro já destas operações.

Mas para que conste vou mencioná-las todas, as operações mencionadas no relatório, fazendo um resumo tão sucinto quanto possa, dando destaque a alguma coisa que mereça especial atenção e que não deve ficar em completo esquecimento.

Dia 9 de Janeiro de 1967

Realizou a Operação Hipnose. Patrulha de reconhecimento e combate à região de Madina / Belel e picada para Queba Gila. As NT accionaram uma armadilha anti-pessoal que só funcionou parcialmente e o IN disparou de longe, mas furtou-se ao contacto.


Dia 5 de Fevereiro de 1967

Efectuou-se a Op Hóstia em Chubi para exploração immediata duma informação recebida. Realizado um golpe de mão,  foram capturados dois homens e uma bajuda. Esta foi entregue ao chefe da tabamca e os prisioneiros entregues no batalhão.


Dia 17 a 25 de Fevereiro de 1967

Embora sem grandes acontecimentos de destaque, dada a dimensão desta operação, copio na íntegra o que consta:

(...) " A CCaç 1439 com um efectivo de três grupos de combate participou na Op Farejar 2 sob o commando do Exmo 2º comandante do BCaç 1888, desenrolada na região de Sarauolo e Mantem,

Em 17 e 18 concentração das NF em Porto Gole.

Em 19 aproximação para a 1ª base de patrulhas, seguindo o itinerário de Porto Gole, Bessunha, Cãmanadu, picada para Naté Vale de Mansoa-Vale de Mansoa para Oeste até S de Mantem.

Em 20 patrulha de reconhecimento à região de Mantem.

Em 21 transferência de base de patrulhas para Mantem.

Em 22 reconhecimento à zona de Sarauolo.

Em 23 transferência da base de patrulhas de Mantem para a região vizinhança de Vale de Mansoa.

Em 24 emboscada na região de Mantem.

Em 25 regresso ao quartel.

Resultados obtidos  –Baixas infligidas ao IN . Confirmadas: Uma

Baixas prováveis não confirmadas; Três

Destruição de 6 acampamentos do IN abandonados.

Destruidos cerca de 12,5 toneladas de arroz,  além de vários objectos de uso normal domésticos e três canhangulos.

Verificou-se que os acampamentos IN tinham abrigos subterrâneos,bastante profundos e vários espaldões.

O IN flagelou por duas vezes as bases de patrulha. Não houve baixas na CCaç 1439.

Referência elogiosa do Ex.mo brigadeiro Comandante Militar

“ Comunico a V.Excia. que deve ser transmitida às Forças que intervieram na Op Farejar 2” o seu agrado pela determinação e entusiasmo com que executaram uma área totalmente desconhecida e aonde embora não não tivesse ( havido) contacto, se obtiveram muitos e bons resultados.” (...) 



Em 5 de Março de 1967

A CCAÇ 1439 realizou a Op Haraquiri, no Chão Balanta, que foi praticamente uma repetição da que teve lugar a 17 de Dezembro de 1966.


Em 8 de Março de 1967


Efectuou-se a Op Horizonte a qual consistiu num cerco e batida na tabanca de Colicunda,…

(...) "Resultados obtidos: foram capturados três elementos clandestinos desarmados em Colicunda que tinham cambado o Geba e que foram entregues no BCaç 1888. Foi capturada uma canoa contendo 300 kg de arroz os quais ficaram à guarda do Capitão Ebna Na Onça, também participante na operação, a fim de serem entregues à Administração.

"Referência elogiosa do Agrupamento no 1980: sobre as Op Haraquiri e a Op Horizonte pelos resultados obtidos”. (...) 



No dia 21 de Março de 1967

A  CCAÇ 1439 realizou a Op Heureca. Mais ou menos como as anteriores, IN detectou a aproximaçnão das NF, acampamento abandonado e flagelações.

Resultados: Capturadas duas granadas de mão ofensivs;  baixas infligidas ao IN em número não estimado. ão houve baixas nas NT.

Dia 31 de Março de 1967:  Ultima operação da CCAÇ 1439 na Guiné

Lembro esta operação por uma razão simples:

Eu e o meu pelotão estávamos em Missirá e pouco tempo depois foi de Missirá que o meu pelotão saiu para, juntamente com o resto da Companhia, irmos para Fá e daí para Bissau para o navio que nos levaria de regresso. Já não esperávamos mais saídas para nós.

Eu e o pessoal do meu pelotão que teve de participar nesta saida, ficámos surpreendidos pois “nas nossas contas”-- em que os pelotões em princípio “se revezavam nas saídas ao mato” “não era a nossa vez de sair”.

Por isso esta saida/surpresa não foi bem recebida por ninguém do meu pelotão. A mim pessoalmente custou-me pois me lembrava estar a chegar o dia do aniversário do meu pai. Eu, que desde o primeiro dia que cheguei à Guiné disse para mim mesmo que não valia a pena ter medos pois não dependia de nós o que nos ia suceder ou não, nesse dia senti receio de que agora nos últimos dias me sucedesse alguma coisa.

Mais confuso fiquei quando “foi sugerido” que a nossa companhia se ofereceu (o que duvido muito…) para fazer esta operação de última hora. Mas que podia fazer? Fui obrigado a “defender-me” dizendo que em tempo de guerra seguem-se as ordens sem as discutir, mesmo que não concordemos com elas; e que simplemente haveriam razões que eu desconhecia.

Copio na íntegra o que consta no resumo do capitão sobre este dia:

(...) "No dia 31 de Março de 1967 realizou a CCAÇ 1439 sua última operação denominada Hipoteca que consistiu num cerco e limpeza à tabanca de Bissá a fim de explorar uma notícia do BCAÇ 1888, que refere realizar-se uma festa em Bissá onde comparecerão provavelmente elementos IN.

Feito o cerco e limpesa não foram encontrados quaisquer elementos IN. Informações da população referiram que havia estado em Bissá nesse mesmo dia um grupo de 20 homens armados vindos da região de Mansoa, mas que os mesmos só demoraram o tempo necessário para comer.

Durante o regresso a Porto Gole através da picada de Sée e Chubi foi referenciado por um grupo de exploração que ia à frente, um grupo de dois elementos IN armados de P.M., os quais, mal se aperceberam da presença das NT, puseram-se em fuga disparando algumas rajadas de PM,

O grupo de exploração sem se importar com os disparos IN seguiu em perseguição dos mesmos tendo atingido um dos elementos.

Resultados obtidos -Baixas infligidas ao IN: Um morto confirmado

Material capturado: 1 Pistola Metralhadora Thompson nº 69565 | 1 carregador c/ 19 cartuchos PM.

Não houve baixas nas NT.

Foi distinguido nesta acção o soldado nº 6/65, Abel Fernandes Vieira de Jesus." (...)


(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 26 de janeiro de  2022 > Guiné 61/74 - P22940: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte XVI: brutal ataque ao destacamento e tabanca de Missirá na véspera do Natal de 1966

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22241: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IXa: Porto Gole: 3 de março de 1966, ataque IN


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Praça do Império > Monumento "Ao Esforço da Raça! > Novembro de 1965 > Dpsi alferes que estuveram em Porto Gole : o Alf António Maldonado, falecido no ataque de 3 de Março de 1966, descrito a seguir; e o Alferes Jorge Rosales, que esteve 18 meses neste destacamento de Porto Gole, antes da chegada da CCaç 1439 a Enxalé. Comforme escreveu onosso saudoso  Jorge Rosales (1939-2019):  "O alf mil Maldonado, meu camarada desde Mafra e meu substitulo em Porto Gole, (...) faleceu em março de 1966, em consequência do rebentamento de uma morteirada IN que o atingiu em cheio, no aquartelamento de Porto Gole". De seu nome completo, António Aníbal Maia de Carvalho Maldonado, era natural da Sé Nova, Coimbra, foi inumado no cemitério da Conchada.

Foto (e legenda): © Jorge Rosales (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: João Crisóstomo / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Foto nº 3 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Junto do monumento de Porto Gole,  (i) de pé, 
da esquerda para a direita, Alf Sousa; Alf Crisóstomo e furriel Bonifácio;  (ii) sentados da direta para a esquerda. Furriel Neiva e Alf Matos  e na esquerda  um condutor da CCaç 1439, de quem me não lembro o nome.


Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Sem desprimor para os aqueles que não posso identificar , pode-se ver no canto direito fazendo exercício de preparação o Furriel Eduardo, profissional de futebol em Portugal ; e em primeiro plano,  embora me lembro de todos eles , não consigo alguns nomes: de pé da esquerda para a direita : eu, Furriel Bonifácio, e no meio o Manuel Açoreano. Esta é a única foto que tenho dele, bem identificável. era o único soldado não madeirense e foi vítima duma mina no dia 6 de Outubro de 1966.



Foto nº 4 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67)  > Um dos “abrigos' de Porto Gole ; o João, do Bombarral  (padeiro  em Porto Gole)  e eu numa altura em que tinha tempo para tudo, até para deixar crescer a barba…


Foto nº 5 > Guiné > Região do Oio > Porto Gole > CCAÇ 1439 (1965/67) >  A cozinha e a padaria ( o edifício branco ) de Porto Gole . Na caso de dúvida, o indivíduo de pé , de mãos nos quadris sou eu.

Fotos (e legtendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação da publicação das memórias do João Crisóstomo, ex-alf mil, CCAÇ 1439 (1965/67)




CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, 
Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” 
como eu a lembro e vivi 
(João Crisóstomo, 
ex-alf mil, Nova Iorque)

Parte IXa:  Março de 1966: A CCaç 1439 em Enxalé (e seus destacamentos de Porto Gole e  Missirá)

Dia 3 de Março de 1966:  Ataque  do IN a Porto Gole 

 

Porto Gole e Missirá eram os dois “destacamentos” de Enxalé. Em princípio os quatro pelotões e seus alferes eram supostos revezarem-se -se em estadias de um mês nestes destacamentos.

Para o destacamento de Porto Gole porém  havia quase sempre um alferes de outras origens que não era o Enxalé, como se pode ver pela presença  do Alferes Jorge Rosales,  antes de nós  e durante o nosso tempo a presença do Maldonado, António  Carvalho e Henrique Matos. Quando por qualquer razão isso  não sucedia,  então a CCaç 1439 no Enxalé  preenchia a lacuna até esta ser de novo  atendida. Esta foi   a razão  porque estive em Porto Gole várias vezes durante a minha comissão na Guiné.   

Quanto às estadias, que supostamente eram de um mês, nunca sucedeu assim e  demoravam mais ou menos tempo conforme  a situação e  circunstâncias o permitiam ou exigiam. Houve mesmo ocasiões,  embora de pouca duração   em que tanto Missirá como Porto Gole estiveram algum tempo sem tropas regulares, ficando a segurança das mesmas entregues aos Régulos, os  respeitados Abna na Onça em Porto Gole e Malan Soncó em Missirá,  com  suas milícias de nativos.

Não sei sequer em que data estive em Porto Gole pela primeira vez. Da minha primeira estadia lembro da minha surpresa por ir encontrar em  Porto Gole várias casas tipo europeu, onde cabo-verdianos e mesmo portugueses que no passado faziam a sua vida aqui e  que agora apareciam ocasionalmente. Havia  um Posto Administrativo  que servia também de  residência para o encarregado deste,  um Cabo-verdiano e sua família; uma "Casa Gouveia"    para o comércio do arroz  que era  abundante  na região..  

 O Régulo de Porto Gole, Abna  na Onça era um indivíduo enorme em estatura e  importância:  a sua autoridade era respeitada  e temida  no grande número de  tabancas  da  vasta região predominantemente  da etnia balanta, embora a sua influência se estendesse mesmo em áreas de outras etnias e com outros régulos. Abna  na Onça  nunca perdoou que logo no início das hostilidades  as forças do PAIGC  lhe tivessem roubado duas  das suas dez mulheres e   elevado número de  cabeças de gado.  

E se a sua posição foi sempre a favor dos portugueses,  a partir desse momento declarou guerra sem quartel aos que queriam uma nova ordem e independência. Tinha uma milícia bem organizada, a nível  de pelotão  permanente em Porto Gole, alguns deles, se eram todos nunca o cheguei a saber, armados  com  espingardas Mauser fornecidas por Bissau. 

Do General Schul recebeu uma G3 e um relógio de pulso de ouro  que ostentava com orgulho, assim como  o título de "Capitão de Segunda.”  Exercia autoridade  completa  na grande    extensão  do seu domínio num total estimado de cinco mil balantas, passando julgamentos e veredictos que eram  respeitados e aceites sem qualquer discussão. Mais do que uma vez ouvi dizer da vinda de indivíduos que se apresentavam para receber os castigos impostos, por vezes   dolorosas reguadas nas palmilhas dos pés aplicadas com uma régua  especial que tinha para o efeito.

Não faltava espaço e lembro que havia mesmo um improvisado campo de futebol que nos ajudava a esquecer problemas e passar  o nosso tempo

 Não me recordo quanto tempo fiquei, mas ao fim da minha primeira estadia tinha já um bom relacionamento pessoal com ele. Vim a saber mais tarde que o mesmo sucedia já antes de eu chegar, a ajudar pelo testemunho deixado  neste blogue. No poste  P19517 lê-se:

"(i) o Jorge era muito amigo do mítico capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”;

(ii)  o prestígio, a  influência e e o carisma do Abna Na Onça eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC);

(iii) jovem (teria 72/73 anos se fosse vivo, em 2009), era um homem imponente, nos seus 120 kg.

(iv) Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços;

(v) mais tarde, seria morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias admin, todos eles residentes em Porto Gole"

 


Foto nº 6 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67)  > N
ão me lembro dos nomes: dois sargentos ( do quadro)  a meu lado;  do lado esquerdo furriel Tony e o filho do encarregado do posto.No lado direito de costas Abna na Onça, um cabo-verdiano, encarregado do posto e sua esposa 


Foto nº 7 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > Eu e o Abna na Onça em Porto Gole


Foto nº 8 > Guiné > Região do Oio > Porto Goloe > CCAÇ 1439 (1965/67) > O 
 Abna na Onça com o capelão militar do BII 1888  no dia em que a Cilinha  do MNF visitou Porto Gole .

Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar. Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foi um choque grande para mim quando soube da morte de Abna na Onça.  Como  havia sucedido com o Alferes Rosales que me precedeu em Porto Gole,  também eu tinha já um bom relacionamento, direi amizade  com ele.  

Pelo que compreendi  a estadia  de Rosales em Porto Gole  era a título  permanente; depois de  Rosales acabar o seu tempo,  Enxalé continuou  encarregado de Porto Gole, mas como expliquei atrás,  em princípio  nós revezavamo.nos cada mês um pelotão à vez e houve durante o nosso tempo três alferes que não eram da CCaç 1439 que vieram para Porto Gole.  Na realidade os alferes da CCaç 1439  em Porto Gole eram mais um  "tapa buracos” ; mas como estes foram frequentes e longos , estivemos  lá bastantes vezes.

Antes de copiar o que consta sobre o primeiro ataque a Porto Gole, em 3 de março de 1966, quero deixar  algumas recordações   que tenho de Abna na Onça e outras memórias de Porto Gole que acho pertinentes.

Depois do  fatídico ataque IN a Porto Gole , durante o qual faleceu o Alferes Maldonado, o Capitão Pires chamou-me; que devido às circunstancias não tinha outra alternativa  senão que eu voltasse para Porto Gole  com o meu pelotão, até que o Batalhão  encontrasse solução definitiva.

Voltei e soube então que o Alferes Maldonado tinha pensado em construir uma pista de aterragem  mesmo junto a Porto Gole. Não sei se chegou a falar disso a alguém ou não. O  facto  é que havia uma grande superfície plana que se propiciava perfeitamente para isso.  Eu nunca tinha pensado nisso antes , mas via que era possível e muito útil. O correio que recebíamos em Porto Gole era  simplesmente  deixado cair duma  avioneta e  depois recuperado nessa área; e a construção de uma pista de aterragem além de  muitas outras vantagens,  ajudaria a  quebrar o sentido de muito isolamento a que estávamos sujeitos.

Matutei sobre isso muito tempo: para fazer uma pista de aterragem eu ia precisar de  ajuda  pois haviam algumas árvores grande que era preciso arrancar  e isso ia exigir  maquinharia apropriada. E talvez eu devesse consultar  primeiro o Capitão Pires e mesmo o Batalhão. Mas pensei, se eu lhes falar depois de o terreno já estar limpo,  talvez eles aceitem a idéia  com  maior facilidade.    Sei que um  dia resolvi falar sobre isso  com Abna na Onça, não só porque precisava da ajuda dele no caso de querer concretizar a idéia , como para o fazer sentir que respeitava a sua autoridade; ao fim e ao cabo  ele era o Régulo  da região.

 Se ele já sabia da idéia não me disse, mas mostrou-se  entusiasmado. Perguntei-lhe o que pensava,  decidido a falar depois com o capitão Pires  para alguma ajuda.   Eu pensava que ele ia dizer que  pelo menos seria preciso dar de comer a quem quer que viesse trabalhar na capinagem da extensa superfície. Mas não era o caso. Que  Porto Gole era uma terra muito importante e com  um campo de aviação ia ser mais importante ainda. Que eu arranjasse maneira de dar água  para beber  aos  homens  e  que o resto era com ele.  Perguntei-lhe então e ele disse logo que sim à minha idéia de pôr  um jeep com um bidão   a acartar água da povoação para o local. E à minha sugestão de enviar uma secção de soldados para fazer segurança, ele respondeu categoricamente que não. Que  eu estivesse descansado que se o IN  viesse atacar ele ia saber antes disso acontecer.

No dia combinado, que foi três dias depois,  quando fui ao local já  aí estavam umas dezenas de  homens.  à espera e  continuaram  a aparecer mais e mais… Quando o capitão Abna na Onça apareceu havia uma multidão  que eu avaliei em cerca de duzentos a trezentos homens, todos  com catanas.    

No momento em que   ele falou fez-se  um silêncio total, mas mal ele acabou de falar foi um  sussurro geral, parece que todos falaram ao mesmo tempo. Eu não soube o que disse , mas o resultado foi formarem imediatamente uma linha numa extensão enorme e a descapinagem  e o corte de tudo o que era arbusto e  árvores de pequeno porte começou.  Eu só ouvia um  murmúrio aqui e ali  e a voz  forte de  Abna na Onça : Kuá , Kuá, Kuá… que ainda hoje não sei o que quer dizer, mas o que quer que fosse era um poderoso motivador.   Nos dois dias seguinte foi a mesma coisa e o campo ficou a secar. Passados algum tempo  o meu pelotão voltou a Enxalé sem termos  feito mais nada no terreno.  

Pelo que  soube ainda recentemente,  durante bastante tempo  não  sucedeu nada no respeitante ao campo de aterragem.   Mais tarde  houve “reorganização militar do terreno"  e   Porto Gole deixou de ser  dependente  de Enxalé,  passando a ser  a sede duma companhia e Enxalé passou a  depender de Xime.  Deve ter sido nesta altura que houve novos trabalhos de preparação do terreno, pois algum tempo depois houve uma “Dornier” que   fez uma aterragem de emergência nesta pista e depois conseguiu levantar   de novo e prosseguir voo.

 (Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 18 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22210: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte VIII: A partir de outubro de 1965, em Enxalé e seus destacamentos, Porto Gole e Missirá

domingo, 9 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19874: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (7): o inferno de Bissá: a morte do balanta Abna Na Onça, capitão de 2ª linha (Abel Rei, ex-1.º cabo at, CART 1661, Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)


Guiné > Carta de Fulacunda (1955) > Escala 1/50 mil > Pormenor: posição relativa  de Porto Gole e Bissá, e de outras povoações na margem direita do rio Geba, abandonadas com a guerra.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019)


Foto nº 1 > Estrada de Porto Gole para Bissá e Mansoa


Foto nº 2 > O António Rodrigues no porto fluvial de Bissá durante um reabastecimento


Foto nº 3 >  O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411 [Enxalé, Porto Gole e Bissá, 1968/70), uma companhia da qual não tínhamos, até agora,  referências no nosso blogue


Foto nº 4 > O António Rodrigues em Bissá, junto do monumento da CART 2411. Inscrição: "Sangue, suor e lágrimas".

Guiné > Região do Oio > CCAÇ 2587 / BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969 / 1971) > Fotos do álbum de António Rordirgues, ex-1º Cabo Aux Enf, CCAÇ  2587, 3º  Gr Comb:

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Agradecemos a gentileza. Já em tempos o António Rodrigues [, foto atual à esquerda,] nos tinha mandado fotos do Enxalé e duas de Bissá, com a seguinte nota:

"Junto também duas fotos de Bissá, talvez um dos piores destacamentos que existiam na Guiné, principalmente nos períodos das chuvas. É um dos locais com poucas referências, em tudo o que tenho lido sobre a guerra na Guiné." (*)

Acompanha o nosso blogue desde longa data. Mora em Coimbra. É fundador,  administrdor e editor  do blogue Batalhão de Caçadores 2885 (Guiné, 69/71). que continua ativo desde fevereiro de 2009, com mais de centena e meia de postes. Por todas as razões e mais uma: é um rapaz do meu tempo e meu vizinho...O pessoal do BCAÇ 2885, incluinmdo a CCAÇ 2587, partiu para o CTIG, no T/T Niassa em 7 deemaio de 1969, e regressou a no T/T Uíge, em março de 1971, em 24 de fevereiro de 1971.  A minha CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, independente, embarcou para o CTIG 3 semanas depois, em 24/5/1969. Graduados e especialistas, metropolitanos, da priemria geração da CCAÇ 12, eram todos de rendição individual e regressámos no T/T Uìge em 17/3/1971. Fiz operações no subsetor da CCAÇ 2587...É possível que nos tenhamos encontrado. De qualquer é louvável o esforço que o António Rodrigues tem feito para manter ativo e produtivo o
blogue do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71).


Abel Rei, Porto Gole,
c. 1967/68
15 anos a blogar  (**) > O Inferno de Bissá: a morte de Abna Na Onça, capitão de 2ª linha


1. Excertos das minhas notas de leituea (***)

Abel de Jesus Carreira Rei – Entre o Paraíso e o Inferno: De Fá a Bissá: Memórias da Guiné, 1967/1968. Prefácio do ten gen Júlio Faria de Oliveira. Edição de autor. 2002. 171 pp. (Execução gráfica: Tipografia Lousanense, Lousã. 2002).


Um título enganador

O inferno? Seguramente, para o Abel e os seus camaradas, o inferno foi Porto Gole, Bissá, Enxalé, pela dureza das condições de vida, nos dias de paz e nos dias de guerra… Paraíso ? Não sei se o autor se refere à breve estadia, no início da comissão, em Fá Mandinga, onde a guerra só se antevia ou pressentia, ao longe… Há também momentos, de alguma felicidade, passados em Porto Gole e e no Emxalé, à beira rio, ajudando a esquecer as praias atlânticas da infância e da adolescência do autor (Praia da Vieira, São Pedro de Moel…).

Entre o inferno e o paraíso ?... Eu diria que o Abel conheceu algumas estações do inferno, como todos nós; e que também conheceu um pedacinho do paraíso; em todo o caso, é preciso entender o uso, que se fazia na época, destas duas metáforas, e que hoje não podem ter a mesma leitura. (...)

(...) Com menos de 3 meses de Guiné, o autor interroga-se se não estará já “apanhado pelo clima” (25/4/67, p. 75). Os fantasmas do álcool voltam a aparecer no seu diário: “ de há uns dias para cá, tem sido bebedeira certa; não sendo ninguém prejudicado com isso, talvez só eu!”…

A 30 de março de 1967, o Abel, nascido em 1945, em Maceira. Leiria, comemora, como devia ser, o seu 22º aniversário natalício:

“À noite, e depois de várias misturas, emborrachei-me” (…) (p. 59).

Porto Gole não tem ainda electricidade: em 4/4/67, o Abel passa a ficar encarregue da manutenção e reparação dos ‘petromaxes’ em serviço na tabanca e aquartelamento. Como se não bastasse já a ‘chatice’ de ser 1º cabo, passa também a desempenhar as funções de ‘vagomestre’ (competindo-lhe adquirir e distribuir os géneros no rancho) (12/4/67).

Não esconde a conflitualidade entre camaradas, em especial dentro da sua secção, com destaque para o relacionamento com o seu furriel: 

“Quem nos obriga a andar cá, não olha às ‘qualidades’ dos que comandam, e somos nós os que sofremos consequências. Esse meu registo, gostaria um dia passar uma ‘esponja’ sobre tudo isto!” (9/4/67, p. 65).

Em Bissá, as relações com o seu alferes, um antigo seminarista, também foram tensas: é obrigado a trabalhar de pá e pica, sob um sol escaldante (15/5/1967, Bissá, pp. 85/86). (...)


Abna Na Onça, c. abril de 1967.
 Foto de José António
Viegas (2017)
A morte do capitão de 2.ª linha, o balanta Abna Na Onça, em Bissá

Entretanto, alguns dias depois da ocupação de Bissá, em 7/4/67, que passou a ser um destacamento, guarnecido por um pelotão (-) da CART 1661 e uma companhia (-) da Polícia Administrativa de Porto Gole, o dia 15 de abril de 1967 seria um “dia trágico”: um ataque do PAIGC a Bissá, de duas horas, na noite de 14 para 15 de abril de 1967, fizera sete mortos e cinco feridos . Na sequência deste desastre, o destacamento foi (temporariamente) abandonado…

Pela primeira vez o autor não esconde que lhe vieram “as lágrimas aos olhos” (p. 69). A tragédia abatera-se sobre Bissá e Porto Gole:

“Houve choro de todos, com gritos e desmaios das mulheres, como que adivinhando o que aconteceu, entraram de rompante, dentro do destacamento, numa altura em que procedíamos à pesagem de peixe fresco, chegado do rio… Tinha morrido um capitão de 2ª linha, mais seis nativos, todos da Polícia Administrativa, e todos eles com as famílias cá na tabanca de Porto Gole. Morria o homem em quem se tinham fortes esperanças para acabar com a guerrilha inimiga na zona – o capitão Abna Na Onça por ser corajoso e respeitado por negros e brancos”.

E sobre a importância deste aliado, balanta, das autoridades portuguesas, acrescenta o Abel Rei:

“Um homem que, desde o início da guerra, vinha enfrentando, com máxima inteligência, aqueles que o fizeram sofrer, matando-lhe toda a família; perseguindo [o Inimigo], matando, capturando armas. Este foi o seu fim, só porque estava do nosso lado". (15/4/67, Porto Gole, pp. 69/70).

(Não temos maneira, por falta de outras fontes, independentes, de confirmar ou infirmar a tragédia que se terá abatido sobre a família de Abna Na Onça, e que explicaria a aliança com os 'tugas', aparentemente 'contra natura',  deste lendário chefe balanta. Jorge Rosales, que era seu amigo pessoal, disse-me que  o PAIGC havia cometido o erro fatal de matar duas das suas mulheres e roubar-lhe centenas de cabeças de gado, no início da guerra)

Em 20 de abril de 1967, uma força, comandada pelo próprio capitão da CART 1661, e composta pelo 1º Gr Comb e pelo Pel Caç Nat 54, partiram para Bissá, com a intenção de reocupar o destacamento, que na altura pertencia ao sector do BCAÇ 1888 (Bambadinca).


Capa do livro do Abel Rei (2002)
Bissá: lá ficaram as piores recordaçõs e… um pedaço de cada um

Em 13 de maio de 1967, o Abel (integrado no seu Gr Comb, o 3º) é destacado para Bissá (onde permanece 15 dias).

É “um destacamento composto por oito casernas-abrigos, vedado com arame farpado e iluminado com (…) petromaxes”(14/5/67, Bissá, p. 84)…

E acrescenta o autor:

“Está cercado por tabancas cujos habitantes são de raça balanta, das quais foram queimadas as mais próximas para melhor defesa do mesmo. Fica rodeado de bolanhas (terrenos planos cobertos de capim) a nascente, sul e poente, e matas pelo norte – o ponto mais perigoso, e pelo qual os turras têm possibilidades de nos atacar. Há imensas árvores, e de grande porte, que foram deixadas mesmo dentro do aquartelamento”…

A força ali destacada era composta por um grupo de combate da CART 1661 e duas secções de polícia administrativa, além de uma secção de sapadores [do BENG 447 ?]:

“Está cá uma secção de sapadores que, além de vedarem o destacamento e armadilharem os pontos mais estratégicos, fizeram um forno para cozer o pão, e estão a fazer um refeitório e cozinha” (pp. 84/85).

A fonte de abastecimento de água é um charco: 

“Pelas cinco horas, vou habitualmente tomar banho, a uma poça com água da cor de barro, acinzentada, mas que constitui a nossa única base para limpeza, e também onde vamos buscar água para beber” (17/5/67, Bissá, p. 87).

Há uma hostilidade passiva por parte da população local, agravada pela atitude de suspeição dos militares portugueses em relação aos balantas: 

(…) “Fui apanhar alguns mangos, e dar os bons dias a quatro bajudas (…) que andavam a carregar com feixes de palha à cabeça, mas que se limitaram a olhar-me com curiosidade, não respondendo nada!”… Comentário (ingénuo) do autor: “Não entendo como é que a nossa cultura, que há meio milhar de anos se espalhou por estas terras, nunca os ensinou a falar a nossa língua?!” (18/5/67, Bissá, p. 88).

No dia seguinte, numa coluna de duas viaturas a Porto Gole, para ir buscar o correio e levar um “soldado castigado” para a sede do comando da companhia, o Abel e os seus camaradas encontram treze bajudas e dois homens: 

“Estavam munidos de catanas e machados” (…) e “quando nos viram, largaram logo a fugir (sendo o mais natural que tivessem ido fazer algum ‘serviço’ aos turras). Fizemos um cerco, e apanhámos o ‘bom pessoal’ (termo usado em relação aos civis nativos, que jogam com os dois lados) – que disse andar à lenha!" (…).

Em setembro de 1967, o Abel voltou para Bissá com o seu Gr Comb. No dia 3 há um primeiro contacto com o IN que faz uma flagelação a um tabanca das proximidades, Funcor, em pleno dia, às 14h… Os de Bissá respondem com morteiro 81 mm; o PAIGC riposta com morteiro 60 mm (p. 105). 

A 6 de setembro, uma força da guerrilha (estimada, com evidente exagero, em 180 elementos, segundo a história da unidade, citada pelo Abel), entra na tabanca de Bissá e flagela o destacamento. Há uma baixa mortal, confirmada, entre os atacantes, sendo enterrado dentro do arame farpado:

“Foi a primeira vez que vi de perto, um turra fardado (embora morto!). Tratava-se de um homem forte e tipo da raça balanta” (6/9/67, Bissá, pp. 105/106). Estava equipado com uma espingarda semi-automática Simonov M21, devendo por isso ser um milícia popular do PAIGC e não propriamente um guerrilheiro das FARP (reorganizadas no final de 1967)… 

A 8 de setembro há uma nova flagelação a Bissá, com morteiro 82 e armas automáticas… Aumentam as dificuldades de abastecimento do destacamento, devido à chuva, às minas e às emboscadas…

Setembro e outubro de 1967 vão ser dois meses negros para a CART 1661. O primeiro morto da companhia,  devido a explosão de uma mina  anti-carro, ocorre a 16 de setembro de 1967, com oito meses de comissão, quando uma coluna auto seguia de Porto Gole para o cruzamento da estrada para Mansoa onde se iria encontrar com forças de Bissá, para entrega de géneros alimentícios.

“Balanço: quatro mortos, sendo dois brancos e dois pretos, e mais treze feridos graves; uma viatura em pedaços; e diversos materiais estragados!” (…) (16/5/67, Bissá, p. 110).

Os mortos, todos do Pel Caç Nat 54 (com excepção do condutor), foram o fur mil Álvaro Maria Valentim Antunes, casado, natural de Portalegre, comandante da coluna, e os soldados guineenses Mamadu Jamanca e Adulai Sissé. O condutor era o sold da CART 1661, Manuel Pinto de Castro.

Esta ocorrência é referida pelo José Brandão, no seu livro Cronologia da Guerra Colonial: Angola, Guiné, Miçambique, 1961-1974 (Lisboa: Prefácio, 2008, p. 165): 

"16/9/1967: Morrem em combate na Guiné 4 militares do Pelotão de Caçadores 54”.

No dia seguinte ao tentar recuperar a viatura sinistrada, as forças de Porto Gole sofrem um emboscada…

A 2 de outubro de 1967,  Bissá volta a ser atacada, durante três horas… Eram 9h30 quando rebentou a primeira roquetada… O Abel escrevia dentro da enfermaria, “onde durmo, e estava a ouvir rádio”…A história da unidade fala em 150 elementos IN, os quais raptaram seis elementos da população e destruíram várias moranças…

A 5 de outubro, uma viatura saída de Porto Gole em direcção a Bissá faz accionar outra mina A/C. Balanço: 1 morto e 26 feridos. 

A 6, uma nova mina (desta vez incendiária!) com emboscada (por um grupo calculado em 80 elementos), junto ao local do rebentamento da mina anterior, faz 10 mortos e mais de duas dezenas de feridos, “com queimaduras, todos evacuados para a Metrópole”…

Diz-nos o Abel, em nota de rodapé, que “para estas evacuações, foi preciso um avião especial de emergência que, ao chegar a Lisboa, fez correr a notícia de que Bissau tinha sido bombardeada, simultaneamente ‘boatado’ pelo inimigo)” (p. 114).

Nesse dia, Abel estava em Bissá, fazendo contas à vida de cabo vagomestre, sem comer para dar ao pessoal… mas no dia 8/10/67 fez o balanço desta “série negra” que fez de Bissá “o pior aquartelamento” (p. 166) da Guiné, nessa época.

“Tanto na mina como na emboscada, foi precisa imediata colaboração da aviação, que desta vez chegou de pronto, vindo dois bombardeiros que ajudaram os helicópteros a localizar o acidente” (8/10/67, Bissá, p. 115).

O José Brandão, na sua Cronologia da Guerra Colonial, limita-se a referir que no dia 5/10/1967 “morrem em combate na Guiné 2 militares da CART 1661”, o 1º cabo José Andrade Couto Pinto, natural de Santo André, Bustelo, cocnelho de Peanfiel, e o sold Manuel, natural de Lixa, Fornos, concelho de Castelo de Paiva. E que no dia seguinte morrem mais cinco: 1º cabo Abel Carvalho Martins (Montalegre), 1º cabo António Ribeiro Machado Sousa (Mato, Ataíde, Amarante), sold Artur Rodrigues Alves (Sabuzedo, Mourilhe, Montalegre), sold João Pimentel Fernandes (Boi Morto, Oriz, São Miguel), sold José Coelho do Nascimento (Cepelos, Amarante)…

O Abel Rei fala em 7 mortos. A história da unidade fala em 10 mortos, algumas das mortes tendo provavelmente ocorrido já no hospital… Até na contabilidade das nossas baixas mortais na guerra colonial, há critérios divergentes…

O rol de desgraças não se fica por aqui:
Abel Rei, Marinha Grande, c. 2002

“(…) em Bissá, se não temos mortos, os vivos não têm que comer. Há mais de oito dias que não temos vinho, cerveja ou outros líquidos que se bebam”… Por seu turno, “o comer acabou: estando-se a comer, ora carne de vaca, ora bacalhau com pão e… água!” (p. 115/116). 

A 1 de novembro de 1967, come-se peixe miúdo, “pescado nas poças da bolanha” (p. 117).

Em conclusão, Bissá “cá sabi”… A 11 de novembro, o Abel regressa a Porto Gole, sendo rendido o seu Gr Comb. “Lá ficaram as piores recordaçõs e… um pedaço de cada um” (p. 118).
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 5 de fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7722: Memória dos lugares (132): Fotos de Enxalé (Virgínio Briote/António Rodrigues)

(**) Último poste da série > 6 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19863: 15 anos a blogar, desde 23/4/2004 (6): o inferno de Bissá: um homem apanhado à mão (Abel Rei, ex-1.º cabo at, CART 1661, Fá, Enxalé, Bissá, Porto Gole, 1967/68)

(***) Vd. postes de:

12 de agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4815: Notas de leitura (14): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte I) (Luís Graça)

14 de agosto de  2009 > Guiné 63/74 - P4820: Notas de leitura (15): As memórias do inferno de Abel Rei (Parte II) (Luís Graça)

(****) Vd. postes de:

16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18851: Recordações de Porto Gole, Enxalé e Missirá: fotos de Abna Na Onça e outros camaradas (João Crisóstomo, Nova Iorque; ex-alf mil, CCAÇ 1439,1965/67)

28 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17707: (De) Caras (96): O cap 2.ª linha Abna Na Onça, balanta, e o 1º srgt Arlindo Verdugo Alface, alentejano do Cano, concelho de Sousel, dois "irmãos de sangue", e dois "homens grandes" com quem tive o privilégio de conviver (Jorge Rosales, ex-al mil, 1ª Companhia Indígena, Porto Gole, 1964/66)

27 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17704: (De)Caras (95): Abna Na Onça, cap 2ª linha, comandante de uma companhia de polícia administrativa, regedor do posto do Enxalé, prémio "Governador da Guiné" (1966), morto em combate em Bissá, em 14/4/1967, agraciado a título póstumo com a Cruz de Guerra de 1ª Classe (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé e Ilha das Galinhas, 1966/68)

(...) Ai vai uma foto do capitão de 2ª linha Abna na Onça, tirada poucos dias antes de ele morrer em Bissá, esse homem valente com quem o meu Pel Caç Nat 54 saiu várias vezes, com ele e a sua polícia administrativa.

Na primeira levada para se implantar o aquartelamento em Bissá, foi o Capitão Abna na Onça com os seus homens mais um pelotão da Cart 1661, ao 2º. ou 3º. dia, já não me recordo, foram atacados em força com canhão sem recuo e morteiro 82 , tendo o cap Abna na Onça sido atingido com estilhaço de granada de canhão sem recuo no peito, enquanto teve forças comandou os seus homens até ao fim. Houve dificuldade de comunicações e só quando chegaram mensageiros de Bissá se soube da tragédia.

Foram depois retirados os mortos e os feridos para Porto Gole a aguardar por ordem, o que foram 2 dias terriveis com o cheiro, tendo eu gasto pacotes de detergente para tentar amainar o cheiro. Ao segundo dia vieram ordens para enterrar os policias administrativos, o que o fiz junto ao monumento e o cap Abna na Onça viria uma LDP buscá-lo.

Vim a saber depois pelo cabo manobra dessa lancha que a viagem de Porto Gole a Bissau, foi horrível com o cheiro, tendo os marinheiros vomitado todo o caminho.

(...) Foi substituído no comando da Policia Administrativa pelo seu irmão Sagna Na Onça. (...)


(...) [O Jorge Rosales] diz-me que era muito amigo do mítico Capitão de 2ª linha, o Abna Na Onça, chefe espiritual, poderoso, da comunidade balanta da região, a quem o PAIGC havia cometido o erro fatal de “matar duas mulheres e roubar centenas de cabeças de gado”. O seu prestígio, a sua influência e e o seu carisma eram tão grandes que ele sabia tudo o que se passava numa vasta região que ia de Mansoa a Bambadinca (nomeadamente, importantes informações militares, como a passagem de homens e armas do PAIGC).

Jovem (teria hoje 72/73 anos se fosse vivo), era um homem imponente, nos seus 120 kg. Schulz tinha-lhe oferecido um relógio de ouro e uma G3 como reconhecimento pelos seus brilhantes serviços … Mais tarde, será morto, em Bissá, em 15/4/67, com seis dos seus polícias administrativos, todos eles residentes em Porto Gole… Nesse dia o destacamento é abandonado pelas NT: “ um dia trágico para quem estava no inferno de Bissá, como escreveu o Abel Rei no seu diário( Entre o paraíso e o inferno: de Fá a Bissá. Memórias da Guiné, 1967/68, editado em 2002, pp. 68/70) (...)

O Jorge Rosales pertencia à 1ª Companhia de Caçadores Indígena, com sede em Farim (Havia mais duas, uma Bedanda e outra em Nova Lamego, acrescenta ele). Ficou lá pouco tempo, em Farim, talvez uma semana. A companhia estava dispersa. Foi destacado para Porto Gole, com duas secções (da CCAÇ 556, do Enxalé) e outra secção, sua, de africanos. Tinha um guarda-costas bijagó. Parte dos soldados eram balantas. Possuíam apenas 1 morteiro (60) e 1 bazuca. A farda ainda era amarela. Ficou 18 meses em Porto Gole. Ia a Bambadinca jogar à bola com os de Fá. Foi uma vez a Bafatá, apanhar o NordAtlas. Lembra-se da piscina.

Enquanto lá esteve, em Porto Gole, havia um certo respeito mútuo, de parte a parte. A influência de Cabral era evidente, fazendo a distinção entre o povo (português) e o regime (colonialista). Podiam deslocar-se num raio de 10 km…. Mas a ligação com Mansoa já se perdera. O troço já não era seguro. Em Mansoa estavam os respeitados Águias Negras (BART 645, que dominavam o triângulo do Óio: Olossato, Bissorâ e Mansabá) .

Do lado do Geba, eram os fuzileiros que impunham a lei e o respeito. Lançavam uma bóia e fundeavam a LDG em frente a Porto Gole. Vinha quase tudo por rio: os frescos, a bianda, os cunhetes de munições… (excepto o correio, que era lançado do ar, de DO 27, e às vezes ir cair no tarrafo; em contrapartida, o correio expedido ia de LDG... Singuralidades de Porto Gole que não tinha uma simples pista de terra batida, para as aeronaves). Tem vários amigos fuzos, desse tempo, incluindo o comandante Castanho Pais. (...)