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sexta-feira, 29 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26211: S(C)em Comentários (53): O drama dos felupes, que estão a perder o seu chão e a sua identidade, afetados pelas alterações climáticas (Cherno Baldé)... E que agora perderam uma grande amiga, a antropólogia Lúcia Bayan , falecida no passado dia 26

1. A propósito do drama dos felupes, os primeiros refugiados ecológicos da Guiné-Bissau, vítimas das alterações climáticas, e da morte,  inesperada, da sua amiga portuguesa, a antropóloga Lúcia Bayan (*), vamos repescar este comentário do nosso Cherno Baldé (**):

A minha primeira visita ao Chão Felupe foi em maio de 1997, por ocasião do dia internacional dos trabalhadores, tendo feito o percurso de Bissau - Varela, passando por S. Domingos. 

Nessa ocasião constatei que, contrariamente ao que acontece no Chão Fula (Zona Leste), os Felupes e seus irmãos Baiotes, não tinham aldeias plantadas junto da estrada principal que atravessava o seu Chão,  indo de S. Domingos para Varela, preferindo ficar afastados, em zonas escondidas e de difícil acesso,  facto que, também, tinha verificado no Chão Balanta,  logo após o fim da guerra colonial e em Biombo nos anos 80 quando trabalhei como professor nesta região do litoral guineense.

A conclusão lógica a que cheguei, na altura,  é que, sendo povos indígenas de longa data,tendo sofrido várias invasões e agressões de povos conquistadores vindos do interior do continente, como nos explica o Amílcar  Cabral no livro sobre a história da Guiné e as Ilhas de Cabo-Verde (PAIGC 1974), estes povos foram obrigados, cada vez mais, a se refugiar e adaptar-se em zonas muito inóspitas e de difícil acesso como foi o caso dos Nalus que foram habitar as ilhas e zonas baixas de Cubucaré e Quitáfine, ou o caso extremo dos Bijagós que vivem no arquipélado de mesmo nome. 

No caso dos Felupes e Baiotes esta localização geográfica teria sido muito importante durante o periodo da ocupação colonial, já que lhes permitia oferecer uma notável resistência e prática da guerrilha num espaço reduzido mas semeado de obstáculos naturais.

Mas, vivendo o pais hoje num contexto de completa liberdade, onde se desenvolve pouco a pouco uma interação e concorrência apertada com as outras regiões e grupos étnicos em diferentes domínios da vida social e económica, estes povos fazem a constatação lógica e normal das dificuldades e desvantagens da sua inadequada situação habitacional, para a qual procuram encontrar uma saída razoável para viver e expandir-se como os outros povos,  seus vizinhos. 

As mudanças climáticas vêm juntar-se e complicar ainda mais esta situação que já em si era insustentável há muito tempo, pelo menos desde que a monocultura de caju se tornou no principal produto de renda e de subsistência social e económica. 

De resto, os conflitos sobre a posse da terra são extensivos ao resto do país e nos diferentes Chãos tradicionais sem deixar de lado outros problemas transversais como o género e os direitos humanos, hoje muito em voga nos países do terceiro mundo.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

2020 jan 16 12:17 (***)

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(***) Último poste da série > 8 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26127: S(C)em Comentários (52): General António Spínola 'versus' general Bettencourt Rodrigues (Morais da Silva, cor art ref, e 'capitão de Abril')

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23807: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (30): Ilhotas no rio Cacheu, entre a tabanca de Elia e Susana, vistas pelo drone da doutoranda em agronomia Sofia Conde, da Universidade de Lisboa

 



Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Rio Cacheu > Fotos tiradas com um drone, pela doutoranda em agronomia Sofia Conde, engenheira agrónoma, Universidade de Lisboa, Forest Research Centre (CEF)

Fotos (e legendas): © Sofia Conde / Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. M
ensagem do Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem cerca de 130 referências no blogue: autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau"


Data - 20/11/2022, 16:33

Assunto - Fotos do Cacheu

Luís, bom dia desde Bissau.

Junto umas fotos, tiradas pela Sofia Conde no seu drone... nos seus trabalhos de doutoramento em  agronomia, e que lhe solicitei para partilhar.

São de lugares muito bonitos que existem no Norte da Guiné, entre a tabanca de Elia e Susana (vd. carta de Susana, 1955, escala 1/50 mil) (**)

Pequenas ilhas cercadas por água salgada do rio Cacheu, onde existem casas. Na tabanca de Elia, há poucos anos foram contruídas habitações para ecoturismo. Algumas ainda existem, como documentam as fotos.

Abraço

Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau, Guine Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
URL; www.imparbissau.com
Email: impar_bissau@hotmail.com



Guiné > Região de Cacheu > Carta de Susana (1955) > Escala: 1/50 mil > Posição relativa de Susana, Arame, Elia e Jobel (**).

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)

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Notas do editor:

(**) 15 de janeiro de  2020 > Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos)

Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas

Por Lúcia Bayan

[Omitem-se as fotos,  numeradas de 1 a 6]


Djobel (...) é uma pequena tabanca baiote situada no noroeste da Guiné-Bissau, no sector de São Domingos, região de Cacheu. Os Baiote são, como os Felupe, um subgrupo Joola. Em tempos idos, os Baiote desceram do Senegal e conquistaram aos Felupe o seu chão actual, entre Suzana e São Domingos. A última batalha foi travada entre Arame, tabanca baiote, e Suzana, a principal tabanca felupe. Arame venceu e ficou com as bolanhas de Suzana, situadas entre as duas tabancas. Uma pequena ponte à entrada de Suzana marca a fronteira entre os dois grupos: Felupes a oeste e Baiotes a leste.

Djobel, a quem os Felupe chamam Nhabane, está situada a sul de Arame e de Elia, muito próxima desta, e é uma tabanca muito diferente das tabancas baiote e felupe. Instalada no meio dos mangais e da água (Foto 1), na maré alta, as casas parecem palafitas e só na maré baixa se percebe que estão situadas em pequenos montículos rodeados de lama.

O acesso a Djobel só é possível de barco e na maré alta. Para quem chega a tabanca é lindíssima, mas a sua beleza esconde um tipo de vida muito duro. Não há água potável, apenas a captada em depósitos na época da chuva (Foto 2) e a que as mulheres vão buscar de canoa a Elia (Foto 3). Sair ou entrar em casa, ir ao mercado, trabalhar, à escola, buscar água, visitar o vizinho ou obter ajuda, tudo depende das marés.

Em condições tão adversas a vida em Djobel só é possível devido à enorme mestria dos Joola na construção de diques. E é também em Djobel que melhor se pode observar esta técnica, pois os habitantes desta tabanca, além de construírem diques para os arrozais, as bolanhas, também utilizam diques para defender os pequenos montículos ou ilhas da subida da água (Foto 4), impedindo assim que chegue às casas, e para a comunicação entre as ilhas, como pode ser visto na imagem retirada do Google (Foto 1).

A construção destes diques envolve toda a população da tabanca. Todos os adultos contribuem para a compra dos materiais necessários, como kirintis, placas de entrelaçado de tiras de bambu ou palmeira utilizado para fazer vedações, e para o seu transporte. Os homens cortam os paus e tecem as cordas e, depois de reunidos todos os materiais necessários, é marcada a data da construção. Nesse dia, todos participam e a tabanca fica vazia (Fotos 5 e 6).

No entanto, a subida acentuada do nível do mar, provocada pelas alterações climáticas, traz consigo a morte de Djobel. A água já chega às casas e, apesar das suas técnicas e esforços, os habitantes de Djobel terão de abandonar a tabanca.

A Guiné-Bissau faz parte dos 10 países do mundo mais vulneráveis às mudanças climáticas, especialmente à subida do nível do mar. Em Varela o mar sobe cerca de 7 metros por ano. A mudança de populações será uma necessidade cada vez mais recorrente.

As negociações para a mudança da população de Djobel iniciou-se há algum tempo. Este é um processo muito complexo que, nos últimos meses, tem originado uma série de conflitos. A escolha do novo espaço foi feita recorrendo à história: Djobel foi fundada por um filho de Arame e, por isso, esta tabanca aceitou receber os habitantes da primeira. Mas não os seus santuários!

O local escolhido, e certificado pelas entidades oficiais, situado entre Arame e Elia, começou a ser desmatado para a construção das casas. Contudo, as queimadas para preparação do terreno abrangeram uma horta de caju de uma família de Elia que, além da perda da horta, alega o terreno ser da sua família. Claro está, que os direitos à terra desta horta de caju originaram um conflito entre Arame e Elia. Cada tabanca defende uma localização diferente da fronteira que as divide. O conflito agravou-se e despoletou alianças e rivalidades tradicionais entre tabancas, alastrando-se às tabancas vizinhas Kassu e Colage. Em 24/05/2019, houve tiros e morreram duas pessoas.

O ministro do interior Edmundo Mendes deslocou-se a Elia, foram estabelecidos percursos seguros para os habitantes de cada tabanca e a situação acalmou. No final do ano passado, em 10/12/2019, a Associação Onenoral dos Filhos e Amigos da Secção de Suzana (AOFASS), uma instituição de jovens, muito activa e muito influente, com sede em Bissau, e outras instituições realizaram, em Suzana, um encontro com os líderes tradicionais da secção de Suzana, «com o intuito de sensibilizá-los a serem patrocinadores da promoção do diálogo entre as tabancas de ELIA, ARAME, DJOBEL, KASSU E COLAGE» 

(https://www.facebook.com/aofass.suzana/).

 As fotos desta reunião, publicadas pela AOFASS, mostram que compareceram muitos líderes tradicionais: todos os que têm gorro vermelho, sendo os principais os também vestidos de vermelho. Um sinal de esperança para os habitantes de Djobel?

Lúcia Bayan, 11/01/2020

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quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

Guiné 61/74 - P20560: Antropologia (35): Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas, por Lúcia Bayan (Mário Beja Santos / Lúcia Bayan)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2019, dirigida ao editor CV:

Caríssimo Carlos, Boas tardes.

Acabo de receber da minha amiga Lúcia Bayan dois textos acompanhados de preciosas imagens. É uma oferta para o nosso blogue, presente de alto nível, bem revelador dos estudos que ela leva a efeito sobre a civilização e cultura Felupe. Peço a amabilidade de os publicar.
É uma dimensão que precisamos de explorar, a da investigação científica. Farás o favor de me indicares as datas da publicação para eu informar a autora.

A Dr.ª Lúcia ainda mandou outras imagens que eu vou utilizar em artigos meus, obviamente citando a sua origem.

Recebe um grande abraço do
Mário



2. Mensagem da Dra. Lúcia Bayan enviada a Mário Beja Santos em 14 de Janeiro:

Boa tarde caro Amigo,

Nesta troca de mensagens. o Patrício refere alguns problemas que as alterações climáticas estão a provocar no chão felupe. Infelizmente, a Guiné-Bissau irá ser seriamente afectada, especialmente pela subida da água do mar.

Envio um pequeno texto para explicar os problemas e conflitos que a subida da água do mar já está a provocar actualmente no chão felupe.

Abraço,
Lúcia


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Djobel, uma tabanca vítima das alterações climáticas

Por Lúcia Bayan

Djobel[1] é uma pequena tabanca baiote situada no noroeste da Guiné-Bissau, no sector de São Domingos, região de Cacheu. Os Baiote são, como os Felupe, um subgrupo Joola. Em tempos idos, os Baiote desceram do Senegal e conquistaram aos Felupe o seu chão actual, entre Suzana e São Domingos. A última batalha foi travada entre Arame, tabanca baiote, e Suzana, a principal tabanca felupe. Arame venceu e ficou com as bolanhas de Suzana, situadas entre as duas tabancas. Uma pequena ponte à entrada de Suzana marca a fronteira entre os dois grupos: Felupes a oeste e Baiotes a leste.

Djobel, a quem os Felupe chamam Nhabane, está situada a sul de Arame e de Elia, muito próxima desta, e é uma tabanca muito diferente das tabancas baiote e felupe. Instalada no meio dos mangais e da água (Fig.1), na maré alta, as casas parecem palafitas e só na maré baixa se percebe que estão situadas em pequenos montículos rodeados de lama.

Foto 1

O acesso a Djobel só é possível de barco e na maré alta. Para quem chega a tabanca é lindíssima, mas a sua beleza esconde um tipo de vida muito duro. Não há água potável, apenas a captada em depósitos na época da chuva (Fig. 2) e a que as mulheres vão buscar de canoa a Elia (Fig. 3). Sair ou entrar em casa, ir ao mercado, trabalhar, à escola, buscar água, visitar o vizinho ou obter ajuda, tudo depende das marés.

 Foto 2

Foto 3

Em condições tão adversas a vida em Djobel só é possível devido à enorme mestria dos Joola na construção de diques. E é também em Djobel que melhor se pode observar esta técnica, pois os habitantes desta tabanca, além de construírem diques para os arrozais, as bolanhas, também utilizam diques para defender os pequenos montículos ou ilhas da subida da água (Fig. 4), impedindo assim que chegue às casas, e para a comunicação entre as ilhas, como pode ser visto na imagem retirada do Google (Fig. 1).

Foto 4

A construção destes diques envolve toda a população da tabanca. Todos os adultos contribuem para a compra dos materiais necessários, como kirintis, placas de entrelaçado de tiras de bambu ou palmeira utilizado para fazer vedações, e para o seu transporte. Os homens cortam os paus e tecem as cordas e, depois de reunidos todos os materiais necessários, é marcada a data da construção. Nesse dia, todos participam e a tabanca fica vazia (Figs. 5 e 6).

 Foto 5

Foto 6

No entanto, a subida acentuada do nível do mar, provocada pelas alterações climáticas, traz consigo a morte de Djobel. A água já chega às casas e, apesar das suas técnicas e esforços, os habitantes de Djobel terão de abandonar a tabanca.

A Guiné-Bissau faz parte dos 10 países do mundo mais vulneráveis às mudanças climáticas, especialmente à subida do nível do mar. Em Varela o mar sobe cerca de 7 metros por ano. A mudança de populações será uma necessidade cada vez mais recorrente.

As negociações para a mudança da população de Djobel iniciou-se há algum tempo. Este é um processo muito complexo que, nos últimos meses, tem originado uma série de conflitos. A escolha do novo espaço foi feita recorrendo à história: Djobel foi fundada por um filho de Arame e, por isso, esta tabanca aceitou receber os habitantes da primeira. Mas não os seus santuários!

O local escolhido, e certificado pelas entidades oficiais, situado entre Arame e Elia, começou a ser desmatado para a construção das casas. Contudo, as queimadas para preparação do terreno abrangeram uma horta de caju de uma família de Elia que, além da perda da horta, alega o terreno ser da sua família. Claro está, que os direitos à terra desta horta de caju originaram um conflito entre Arame e Elia. Cada tabanca defende uma localização diferente da fronteira que as divide. O conflito agravou-se e despoletou alianças e rivalidades tradicionais entre tabancas, alastrando-se às tabancas vizinhas Kassu e Colage. Em 24/05/2019, houve tiros e morreram duas pessoas.


Localização de Arame, Elia e Jobel
© Infogravura Luís Graça & Camaradas da Guiné

O ministro do interior Edmundo Mendes deslocou-se a Elia, foram estabelecidos percursos seguros para os habitantes de cada tabanca e a situação acalmou. No final do ano passado, em 10/12/2019, a Associação Onenoral dos Filhos e Amigos da Secção de Suzana (AOFASS), uma instituição de jovens, muito activa e muito influente, com sede em Bissau, e outras instituições realizaram, em Suzana, um encontro com os líderes tradicionais da secção de Suzana, «com o intuito de sensibilizá-los a serem patrocinadores da promoção do diálogo entre as tabancas de ELIA, ARAME, DJOBEL, KASSU E COLAGE» (https://www.facebook.com/aofass.suzana/). As fotos desta reunião, publicadas pela AOFASS, mostram que compareceram muitos líderes tradicionais: todos os que têm gorro vermelho, sendo os principais os também vestidos de vermelho. Um sinal de esperança para os habitantes de Djobel?

Lúcia Bayan, 11/01/2020

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[1] - Nota do editor: Vd. Tabanca de Jobel na carta de Susana
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Nota do editor

Último poste da série de 23 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20270: Antropologia (34): Cultura e tradição na Guiné-Bissau, por António Carreira (Mário Beja Santos)

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Guné 63/74 - P324: Antologia (31): Socioantropologia dos povos da Guiné (1971) (Sousa de Castro)

Guiné > Xime > 1972: O Sousa de Castro no seu posto de trabalho, operando o Rádio AN-GRC 9.

"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (1)

© Sousa de Castro (2005)

Texto seleccionado sobre o "aspecto humano" da Guiné e enviado pelo Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, Sector L1, Zona Leste, 1972/74).

Deixem-me dizer-vos que eu tenho um especial carinho pelo Castro: é o sócio-fundador desta tertúlia (2)... Sinto que às vezes não lhe dou a devida atenção! Castro, desculpa lá qualquer coisinha! L.G.

Alguns dados curiosos retirados da monografia da Guiné editados em 1971 pelo Estado-Maior do Exército com o título MISSÃO NA GUINÉ . Composto e impresso nas Oficinas Gráficas da SPEME. Sousa de Castro

O Rádio AN-GRC-9. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar, ex-Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412; esteve na região do Cacheu (Bigene, Binta, Guidage e Barro), entre Agosto de 1968 e Maio de 1970.


ASPECTO HUMANO

População

A população da Guiné era, segundo o censo de 1960, de 544.184 habitantes o que representava um aumento de 33.407 habitantes em relação ao censo de 1950. É característica na Província a diversidade étnica dos seus habitantes (3).

Não falando já dos não autóctones – brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, na sua grande maioria – num total aproximado de 15.000, a população autóctone (nativa) guineense apresenta uma grande variedade de tipos, correspondentes a diferentes grupos étnicos (tribos), entre as quais as principais são:

- Balantas (quantitativo referido a 1962 – 150 000).

Habitam entre os rios Geba e Cacheu, com uma ramificação importante na região de Catió-Bedanda, no Sul da Província.

Dotados de boa condição física, são trabalhadores, valentes, enérgicos, com grande força de vontade e viva inteligência.

Bons agricultores, vão buscar à terra, principalmente às regiões alagadas («bolanhas»), os meios de subsistência de que necessitam. Alimentam-se de arroz, azeite de palma, milho e mandioca; apreciam muito a carne, o peixe e os mariscos.

O gado bovino que possuem destinam-no às cerimónias de sacrifício dos ritos que acompanham os funerais («choros»).

Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968> Militares, de origem balanta, pertecentes à CCAÇ 3.

© A. Marques Lopes (2005)

Condenam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria todas as suas desgraças.

Praticam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um acto não criminoso, mas sim revelador da perícia própria da tribo. São animistas.

- Fulas (Fulas-Forros e Fulas-Pretos) (120 000).

Povoam o Nordeste da Guiné, a região do Gabu, Bafatá e Forreá.

Os primeiros fulas a entrar na Província foram os fulas-forros, que subjugaram e escravizaram grande número de mandingas, a quem designaram por fulas-pretos.
De um modo geral, são hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.

Apesar da influência que o islamismo tem entre eles, praticam também o animismo.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, sem grande entusiasmo, milho e amendoim e à pesca, à linha ou por envenenamento das águas.

Do gado que criam, considerando como um sinal de prestígio apenas aproveitam o leite para sua alimentação.

- Futa-Fulas (10 000).

Povoam grande parte da região do Boé.

Nos futa-fulas, originários do Futa Djalon, donde lhes veio o nome, não existe unidade de tipo, apresentando as mais diversas características, e, normalmente, a face marcada pr dupla incisão vertical que faz lembrar o n.º 11.

Consideram-se, em tudo, superiores aos restantes fulas.

De elevada estatura, argutos e inteligentes, dedicam-se à agricultura, à criação de gado e ao comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, de «fundo» (tipo de cereal semelhante à alpista) e de toda a variedade de frutos. Comem carne, com excepção da do porco, e não bebem vinho por a sua religião (o islamismo) o não permitir.

São polígamos, embora predominem os casamentos com uma só mulher. São islamizados.

- Manjacos (65 000).

Habitam a região compreendida entre o rio Cacheu e a ria de Mansoa e as ilhas de Jeta e de Pecixe.

Um balanta (Kumba Alà) e um papel (Nino Vieira, recentemente regressado do exílio e logo a seguir eleito Presidente da República).

Foto: Blogue Africanidades, do nosso amigo © Jorge Neto (2005)

São curiosos, astutos, dedicados, hospitaleiros, com perfeita compreensão dos princípios morais e de justiça, preocupando-se em adquirir hábitos civilizados.
Têm certa tendência para o comércio e aptidão para as tarefas marítimas.

Dedicam-se ao cultivo do arroz, exploração de palmares, pesca e extracção do sal.

São animistas.

- Mandingas (60 000).

Habitam na região de Farim, Óio, Bafatá e Gabú.

São sóbrios, inteligentes, observadores, aguerridos, alegres e comunicativos.

Com preceitos morais que os colocam acima das outras tribos, admitem o regime de castas (nobres, ferreiros – com uma importância muito especial -, ourives, sapateiros, etc.). As profissões passam obrigatoriamente de pais para filhos e os casamentos só se realizam entre membros de famílias de nobres, ferreiros, ourives, sapateiros, etc.

Dedicam-se à cultura do milho, mas comercialmente o produto mais importante é a mancarra.

O islamismo não fez desaparecer entre eles as práticas animistas.

- Papéis (40 000).

Povoam a ilha de Bissau.

São aguerridos, enérgicos, decididos, desconfiados e nadas expansivos. Tal como os manjacos, têm certa aptidão para as práticas marítimas. Alimentam-se de arroz, mandioca, batata-doce, milho, «fundo» e peixe seco.

Dedicam-se à agricultura (arroz mancarra, em especial) e ao trabalho de carregador nos centros urbanos. São animistas.

- Beafadas (13 500).

Habitam a região de Quinara. Embora robustos, são indolentes por natureza. Progressivamente islamizados, mantêm-se, ainda, agarrados às práticas animistas.

- Brames (ou Mancanhas) 12 500.

Vivem nos regulados do Có e Bula, na ilha de Bissau, na ilha de Bolama e na região continental fronteira a esta ultima ilha.

Têm grandes afinidades com os mandingas e fulas, de quem descendem por cruzamento.
São inteligentes e assimilam com facilidade os usos e costumes dos europeus.

Consideram como delitos de somenos importância, quando não mesmo louváveis, o falso testemunho, as ofensas corporais, o estupro, a violação e o adultério. Veneram o «Irã».

Dedicam-se, sobretudo, à cultura do milho e da mancarra.

- Bijagós (12 500).

Povoam o arquipélago de Bijagós. São tímidos, belicosos e desconfiados. Vivendo constantemente no mar, são excelentes marinheiros.

Em questões de namoro e de casamento, a escolha é feita pela mulher, que os bijagós têm na conta de um ser superior.

São hábeis artistas na escultura da madeira e dedicam-se à pesca e à extracção do sal.

- Felupes (6000).

Habitam na região de Varela e Susana.

São fortes e ágeis, praticantes entusiastas do exercício físico. Bons atiradores de azagaia e flechas, cujas pontas envenenam, dedicam-se à caça. São animistas.

Consideram falta muito grave a união da mulher felupe com um nativo de tribo diferente (4).

- Baiotes (5500).

Habitam ao norte do rio Cacheu, no extremo ocidental da Província. Têm grandes afinidades com os felupes, pois constituem com eles o grupo étnico dos diolas. A diferençá-los apenas existe um dialecto diferente e a sua distribuição geográfica.

São animistas.

- Nalus (5500).

Habitam as regiões do Tombali e de Cacine.

São pouco robustos e de estatura média. Muito individualistas, recusam-se a manter relações com as tribos vizinhas. Têm um conceito perfeito da justiça. Encontram-se em grande parte islamizados.

- Sossos (2000).

Constituem um ramo dos mandingas. São islamizados e têm grandes afinidades com as populações fronteiriças.

Todos os grupos étnicos da Guiné praticam a poligamia, embora existam em maior percentagem lares monógamos. O maior número de lares monógamos encontra-se nos Felupes, Cassangas e Futa-Fulas, que atingem uma percentagem superior a 70%. As menores percentagens de lares monógamos encontram-se entre os Beafadas e os Mandingas.

A poligamia praticada incide na bigamia. São insignificantes as percentagens de lares com mais de 4 esposas.

Entre as tribos guineenses existem para cima de 20 línguas e dialectos diferentes.
Introduzido pelos primeiros colonos e aceite facilmente pelos nativos, fala-se também o crioulo, que não é mais que uma mistura de palavras portuguesas (algumas muito antigas) e palavras das línguas e dialectos locais.

O crioulo permite aos nativos entenderem-se entre si.

O povoamento da Guiné é muito irregular, verificando-se serem regiões do litoral e as regiões vizinhas de Farim e Bafatá (os dois principais centros de comunicação da Província) as mais habitadas, e as do Boé e do sueste do Óio as menos habitadas.
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Notas de L.G.

(1) Vd post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)

(2) Vd. post de 20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca. Eis um excerto do que então escrevi:

"Sei que o BART 2917 [Bambadinca, 1970/72] e as respectivas companhias de quadrícula[Xime, Mansambo e Xitole] foram rendidas em Janeiro de 1972. Ainda ontem recebi um e-mail de um camarada dessa época (que obviamente não conheci, já que regressei a casa em Março de 1971). Trata-se do Xime [e depois em Mansambo]. O meu Batalhão estava em Bambadinca, BART 3873 (CCS), com a CART 3494 no Xime, a CART 3493 em Mansambo e a CART 3492 no Xitole.

"No meu tempo o Xime continuava muito complicado. Como descreve no seu blogue, nas estórias de um tuga, continuamos com esta terra na cabeça, nunca mais nos sai e eu continuo buscando algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra. Tenho reenviado a sua estória para colegas que estiveram na Guiné e é uma forma de dizermos que estamos vivos. Bem haja. Cumprimentos, Sousa de Castro".

"O Sousa de Castro e todos os periquitos que estiveram em Bambadinca, Xime, Mansambo ou Xitole, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974, serão bem vindos à nossa [CCAÇ 12 e BCAÇ 2852] festa, no dia 11 de Junho, em Faro, na Ria Formosa. Eles terão muito para nos contar: afinal, andámos todos pelos sítios, picadas, rios e bolanhas do Sector L1 da Zona Leste, desde 1968 a 1974... E quer queiramos quer não, aquela terra marcou-nos a todos, a ferro e fogo, no corpo e na alma"...

(3) Vd. Guinée-Bissau.net > le site officiel des amoureux de la Guinée-Bissau e, em especial, a página dedicada aos seus grupos étnicos (em francês) .

(4) Sobre os felupes e os balantas, ver a opinião (qaulificada) do nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página sobre a CCAÇ 13 - Os Leões Negros (ele não esconde a sua admiração tanto por uns como por outros, mas noutra ocasião, por e-mail, referiu-me que em provas físicas, na luta corpo-a-corpo, nunca viu um balanta ganhar a um felupe):

"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que entregam ao feiticeiro e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.

"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das árvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.

"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo.

"Este grupo de felupes é famoso pela sua combatividade, a qual não conhece fronteiras, fazendo incursões frequentes no Senegal. As notícias que chegaram depois da independência é que foram todos mortos pelo PAIGC.

"Os balantas são a principal etnia da Guiné, sendo igualmente grandes soldados, trazem consigo uma grande experiência e o conhecimento do terreno, muitos deles foram milícias durante muitos anos, outros foram carregadores, outros ainda lutaram ou lutavam no PAIGC. Possuem contudo um sentimento de lealdade e solidariedade que faz com que assumam uma posição e a mantenham, a palavra traição nunca fez parte do seu vocabulário.

"Os balantas são trabalhadores rurais, que usam enxadas em forma de de remo, são conhecidos pela sua habilidade como ladrões, actividade que faz parte da sua cultura.

"Roubar não é um crime para o balanta, mas uma prova de destreza, que todo o adulto que se preza deve fazer pelo menus uma vez na vida, e se for uma vaca é sem dúvida uma grande proeza.

"O que mais surpreende nestas pessoas, é algumas das suas capacidades, pois possuem sentidos muito desenvolvidos, tais como o cheiro, a visão e o ouvido.

"Penso que foi graças às qualidades e conhecimentos dos balantas que foi possível, conseguirmos fazer o que fizemos, com tão poucas baixas. O inimigo aqui nunca foi menosprezado.

"As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar. Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das operações ao Queré, um soldado acordou 2 horas depois da companhia já ter saído para o mato e conseguiu segui-la e encontrá-la, numa noite escura, tendo esta passado por mato cerrado, água, etc".