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sábado, 13 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22000: Memórias cruzadas da região do Xime: a Op Garlopa e o ataque ao Enxalé, em 19 de julho de 1972, ao tempo da CART 3494 (Jorge Araújo)


Imagem de satélite da região do Xime/Enxalé [Sector L1] com infografia da área percorrida durante a «Operação Garlopa» e o modo como foi pensado/executado o ataque IN ao Enxalé, factos ocorridos ao longo do dia 19 de Julho de 1972, 4.ª feira, e que fazem parte das muitas memórias gravadas pelo colectivo da CART 3494 (1971/74).

 


Foto 1 - Enxalé (Jul'72). Uma das áreas atingidas durante o ataque IN à tabanca e ao Destacamento do Enxalé, onde se encontrava o 2.º Gr Comb da CART 3494, ocorrido em 19 de Julho de 1972, 4.ª feira, a partir das 20h20, e que teve uma duração de 20 minutos (aproximadamente). 

 


Foto 2 - Xime (19Jul72). Grupo de elementos da população sob controlo do PIAGC, no subsector do Xime, capturado em 19 de Julho de 1972, no decurso da «Operação Garlopa», num total de 10 indivíduos.


Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494

(Xime-Mansambo, 1972/1974)

MEMÓRIAS CRUZADAS DA REGIÃO DO XIME EM 19 DE JULHO DE 1972 (4.ª FEIRA) NO TEMPO DA CART 3494

- A «OPERAÇÃO GARLOPA» E O ATAQUE IN AO ENXALÉ -

► ADENDA AO P21960 (02.03.2021)

1.   - INTRODUÇÃO



Previno, desde já, que a presente adenda ao poste acima mencionado, não está directamente relacionada com a narrativa "do baú de memórias" do camarada José Ferraz de Carvalho, ex-fur mil op esp da CART 1746, titulada "não matem a bajudinha!", mas aproveita a legenda da foto que nela consta para a cruzar com outras "Memórias do Xime", em que estivemos envolvidos três anos depois, eu e o camarada cmdt António J. Pereira da Costa… entre outros, naturalmente!


2. - «OPERAÇÃO GARLOPA» EM 19 DE JULHO DE 1972.  


●► A «OPERAÇÃO GARLOPA I», também designada por "Acção", foi agendada para o dia 19 de Julho de 1972, 4.ª feira, para a qual foram mobilizadas as seguintes forças:


■ CCAÇ 12 – a 4 Gr Comb

■ CART 3494 – a 3 Gr Comb

■ CCP 121 – a 2 Gr Comb

■ Apoio aéreo de DO-27 e Helicanhão.


Segundo o livro da "História do BART 3873", p. 75 (capa ao lado), apenas consta o seguinte: "o percurso definido para esta operação/acção foi: "Bambadinca - Xime - Ponta do Inglês - Ponta Varela e Xime, consistindo numa batida, precedida de batimento da Artilharia do 20.º Pel Art (sediado no Xime) e heli-colocação (CCP 121). 


As NT destruíram oito tabancas, vários celeiros e recuperaram dez elementos da população (sob controlo do PAIGC). As NT não sofreram consequências.


Nota: Os locais anteriormente citados estão identificados na infogravura acima.


▬ OUTRAS «OPERAÇÕES» COM O MESMO NOME


●► «GARLOPA II» = Em 22 de Julho de 1972, sábado, envolvendo as seguintes forças:


■ CCAÇ 12 – a 4 Gr Comb

■ CART 3494 – a 3 Gr Comb

■ CART 3493 – a 1 Gr Comb

■ Apoio aéreo de DO-27 e Helicanhão.


A mesma fonte (pp 78-79) refere: "desencadeou-se a "operação/acção" com patrulhamento, emboscada e prévio batimento da Zona, na área de Xime - Madina Colhido - Ponta do Inglês e Poindom. Destruíram-se uma tabanca com dezassete moranças e capturaram-se peças de fardamento usado.


O IN flagelou com RPG-2 a CART 3494, causando-lhe um ferido ligeiro.


Além disso cumpre assinalar o denodo e destemor com que os Militares empenhados encaram os momentos de perigo, tal como sucedeu na flagelação havida no desenrolar da acção «GARLOPA II», aspecto este que se pode e deve reputar uma constante.


●► «GARLOPA III» = Em Setembro de 1972 (?), envolvendo as seguintes forças:


■ CCAÇ 12 – a 3 Gr Comb

■ CART 3494 – a 3 Gr Comb

■ Apoio aéreo de DO-27 e Helicanhão.


Sobre a 3.ª «GARLOPA», segundo a mesma fonte (p 81), é referido: "consistiu em patrulhamento e emboscada na zona Xime - Madina Colhido - Estrada da Ponta do Inglês e Poindom. As NT foram atacadas duas vezes no espaço de meia hora, sofrendo um ferido ligeiro.


3. - «ATAQUE AO ENXALÉ» EM 19 DE JULHO DE 1972.


Para o desenvolvimento deste ponto, recuperamos alguns factos historiográficos já publicados no Blogue, em particular a narrativa do meu/nosso camarada e amigo Luciano de Jesus (ex-fur mil art da CART 3494), escrita na primeira pessoa, por nele ter estado envolvido numa dupla missão: a primeira, por ser mais um elemento do grupo; a segunda, por ser o seu líder.

◙ Cito do P14022:

"Eram vinte horas e vinte minutos da data supra, estava eu a jantar na companha do furriel Benjamim Dias, quando rebentou o fogachal que logo fez estoirar com toda a iluminação do quartel. No céu via-se o rasto das balas tracejantes que tinham por missão orientar o fogo das armas pesadas em direcção do quartel. O furriel Dias saltou de imediato para o abrigo do nosso morteiro e fez um trabalho exaustivo de bater toda a zona circundante.

Eu fui ao gabinete buscar o mapa dos pontos marcados pela nossa bateria de obuses do Xime (20.º Pel Art), com o objectivo de orientar o nosso fogo pesado, logo que se localizassem os pontos de origem do fogo pesado IN. Nesse percurso passou uma canhoada a cerca de dez metros de mim que entrou pelo depósito de géneros, causando alguma destruição. Entretanto, o nosso posto mais acima no quartel, onde tínhamos alguns elementos utilizando também um morteiro pesado, fazia o seu trabalho de contenção, a um eventual avanço, respondendo em conformidade.

O ataque durou cerca de vinte minutos.

O grupo de assalto IN movia-se perto do arame farpado, fazendo fogo. O nosso pessoal despejava metralha. Uns enchiam carregadores e outros disparavam. A bazuca não funcionou. Esperámos nova vaga… mas ela não aconteceu… porque eles tiveram algumas baixas, graças à competência do nosso camarada Fur Art Josué Chinelo, do 20.º Pel Art [obuses 10,5] instalados no Xime, onde este observava perfeitamente, em posição privilegiada da margem esquerda do rio Geba, o desenrolar dos acontecimentos.

Com a sua experiência e saber, ainda que a olho nu, apontou ao ponto de origem do fogo pesado IN (canhão s/r) e… foi na muche. Acertou no posto de comando e fez algumas baixas entre os quais o comandante. Entretanto eles já tinham despejado o fogo todo.

Nessa altura chegou a milícia da tabanca com um ferido grave, um sargento de um dos pelotões. Ainda enviamos um grupo até ao rio para evacuar o ferido para o Xime e recolher mais munições, pois o stock tinha ficado muito em baixo. O ferido entretanto veio a falecer durante a caminhada.

No dia seguinte, como seria de esperar, fizemos o reconhecimento do terreno. Encontrámos um ferido IN junto ao arame farpado; tinha um ferimento grave nas costas e outro na perna e estava em mau estado, crivado de estilhaços.

É de assinalar que este ferido pertencia ao grupo de assalto; tinha vindo da zona do Morés. Estava ferido, mas que eles julgaram morto por isso levaram a sua arma. Vestia uma farda de nylon verde azeitona, calçava bota de lona francesa e as calças tinham elásticos nas bainhas para passar por baixo do pé. Estava, pois, devidamente equipado.

Viemos a saber dias depois, por informantes privilegiados, que o IN, constituído por uma força de 150 unidades (3 bi-grupos, sendo 1 CE), reforçados com 1 canhão s/r, dois morteiros pesados, mais de uma dezena de RPG e um grupo de assalto, tinham feito a sua aproximação durante o dia. Ficaram na orla da bolanha e quando anoiteceu montaram o dispositivo. Um grupo de assalto [o do ferido] oriundo de um mangal e outro arvoredo do lado esquerdo do quartel [para quem está de costas para o Xime, logo a seguir ao final da bolanha).

O mais curioso é que montaram o canhão s/r na bolanha, junto a uma árvore isolada, e que não era visível do quartel mas amplamente observada do Aquartelamento do Xime e que foi [bem] aproveitado pela experiência do Josué Chinelo.

Dois dias depois fui de férias e foi aí que o Jorge Araújo se deslocou ao Enxalé até à chegada do Alferes José Henriques Araújo (1946-2012)".

Para além do guerrilheiro ferido, foram recuperadas cinco dezenas de invólucros de granadas de canhão s/r, um deles ainda com a respectiva granada, que não foi retirada devido ao facto de estar amolgado, e muitas dezenas de invólucros de outras munições, nomeadamente 7,62.

Do ataque ficaram, também, mais duas imagens "memórias" desse combate nocturno, que seguidamente se reproduzem.

 


Foto 3 - Enxalé (Jul72). Um chapéu "cubano" recuperado após o ataque de 19Jul72.




Foto 4 - Enxalé (Jul72). Imagens dum RPG-7 destruído durante o ataque de 19Jun72.



 

▬ O QUE DIZ A "HISTÓRIA" DO BART 3873 SOBRE ESTA OCORRÊNCIA


●► No 4.º fascículo; Julho de 1972, ponto 31. «INIMIGO»; alínea d) Subsector do Xime; refere-se o seguinte:


● "Em 192030, o Destacamento do ENXALÉ foi intensamente atacado e durante 20 minutos. A nossa reacção surgiu pronta e ajustada. Sofremos 1 morto [Milícia] e 2 feridos [Milícias]. O inimigo: 4 mortos, 7 feridos e 1 prisioneiro [ferido]. Salienta-se o tiro acertado de Artilharia do XIME em apoio às forças atacadas.


● Quanto ao ferido [prisioneiro], foi evacuado, primeiramente, para a enfermaria do Xime, sendo aí prestados, pelo camarada Fur Mil Enf Carvalhido da Ponte, todos os actos de enfermagem que se impunham, dos quais fui testemunha, seguido do pedido de evacuação para o Hospital Militar de Bissau (HM 241).

Estava, de facto, muito mal tratado, e ainda hoje me interrogo como é possível um ser humano resistir tanto tempo, sempre a perder sangue. O seu corpo mais parecia um "mapa político" onde, em cada estilhaço, estavam projectados vários espaços. 

Enquanto aguardava pela sua evacuação, perguntei-lhe se queria comer algo. Com um sinal positivo transmitido por um pequeno movimento de cabeça, pedi ao cozinheiro Machado algumas batatas cozidas, que já estavam prontas para o almoço desse dia, vindo a comer algumas metades… mas com muita dificuldade. Enfim… lá foi; mas a minha/nossa melhor expectativa era muito baixa.

Segundo informação oral dada, recentemente, pelo camarada Luciano de Jesus, algum tempo após o ataque, um elemento do seu Gr Comb, ao deslocar-se ao HM 241 em consulta externa, acabou por encontrar este guerrilheiro ferido, estando ele em franca recuperação.

    

▬ A MINHA IDA PARA O ENXALÉ DOIS DIAS DEPOIS


●► Dois dias após o ataque fui "convidado", pelo camarada Cmdt Pereira da Costa, para ir dar uma ajuda ao 2.º Gr Comb do Enxalé, aliás como é referido acima. E lá atravessei o Rio Geba, que as imagens abaixo confirmam.




Foto 5 - Rio Geba (21Jul72). Travessia em canoa entre o Xime e o Enxalé com o objectivo de apoiar o 2.º Gr Comb da CART 3494,  na sequência do ataque IN.

 


Foto 6 - Enxalé (22Jul72). Eu na companhia do camarada Fur Benjamim Dias e de dois elementos da população da tabanca, onde estes fizeram questão de partilhar connosco algumas porções de carne, como reconhecimento do nosso apoio.




Foto 7 - Enxalé (22Jul72). O Furriel Benjamim Dias em amena cavaqueira com alguns elementos da população, onde se falava, ainda, do episódio da antevéspera. 


 

4. - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 3494

       = XIME - ENXALÉ - MANSAMBO - BAMBADINCA - PONTE DO RIO UDUNDUMA (1971-1974)


Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP2], de Vila Nova de Gaia, para cumprir a sua missão ultramarina no CTIG, a Companhia de Artilharia 3494 [CART 3494], a terceira e última Unidade de Quadrícula do BART 3873, do TCor Art António Tiago Martins (1919-1992), embarcou no Cais da Rocha, em Lisboa, em 22 de Dezembro de 1971, 4.ª feira, a bordo do N/M «NIASSA», sob o comando do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (o 1.º; até 22Abr72), Cap Art António José Pereira da Costa (o 2.º; de 22Jun72 a 10Dez72) e Cap Mil Inf Luciano Carvalho da Costa (o 3.º; de Dez72 a 03Abr74), tendo chegado a Bissau em 28 do mesmo mês.



4.1 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CART 3494


Após a realização da Instrução de Aperfeiçoamento Operacional «IAO», que decorreu no CMI do Cumeré, de 30Dez71 a 26Jan72, a CART 3494 seguiu em 28Jan72, em LDG, para o Xime, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com a CART 2715 [25Mai70-25Mar72; do Cap Art Vítor Manuel Amaro dos Santos (1944-2014) - (1.º)], assumindo, em 15Mar72, a responsabilidade do respectivo subsector do Xime com um Gr Comb (o 2.º) destacado em Enxalé. 

Em finais de Mar73, foi substituída pela CCAÇ 12 [do Cap Mil Inf José António de Campos Simão] e foi colocada no subsector de Mansambo, onde rendeu a CART 3493 [28Dez71-02Abr74; do Cap Mil Inf Manuel da Silva Ferreira da Cruz], tendo destacado um Gr Comb para Bambadinca em reforço da guarnição local. 

Em 09Mar74, foi rendida no subsector de Mansambo pela 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4616/73 [05Jan74-12Set74; do Cap Mil Inf Augusto Vicente Penteado] e recolheu seguidamente a Bissau a fim de aguardar o embarque de regresso, tendo ainda colaborado na segurança de operações de descarga de navios. 


O regresso à metrópole realizou-se em 03 de Abril de 1974, a bordo do TAM (Transporte Aéreo Militar), (CECA; 7.º Vol; pp. 236-237).


Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

03Mae2021