sábado, 13 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21896: Os nossos seres, saberes e lazeres (437): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (6): A despedida de Óbidos, regresso a Lisboa (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos,
Diz o anexim que o que é bom nem sempre dura, ensina a experiência que assim é, felizmente que regressámos desta viagem com vontade de a continuar, talvez noutra estação do ano, por aqui andámos com a prudência que exigia o tempo de pandemia, guardando imagens que vão do castelo às igrejas, das livrarias aos museus, cirandou-se pelos arredores, desde as Caldas da Rainha até Peniche, contemplou-se o mar, aqui por definição com densa neblina e de ondas bravias, a intimidar os banhistas. Assentou-se em grupo que há muita coisa que merece ser revista, talvez com outra luz, põe-se a hipótese de se regressar na primavera e por ali andar, entre o Santuário do Senhor Jesus da Pedra, um dos ícones barrocos de Óbidos, percorrer as muralhas, já que a cerca é tão bela e dá um pleno desfrute dos telhados do casario, visitar a pousada e as livrarias, está prometido e por isso se sugere a quem nos lê e que não conheça devidamente este sítio que o ponha na agenda, ele é merecedor da visita de todos nós.

Um abraço do
Mário


Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (6):
A despedida de Óbidos, regresso a Lisboa


Mário Beja Santos

É nosso desejo aproveitar o princípio da tarde fazendo um périplo rápido por algumas das riquezas que mais nos impressionaram em igrejas, livrarias, museus, o castelo e a sua espantosa cerca. Fomos diretos ao Museu Municipal tentar ver com outros olhos a bela pintura de Josefa d’Óbidos, mas não só, o museu conserva no seu acervo outras preciosidades. Coisa curiosa, terá sido outrora este espaço Paço do Concelho como se lê no livro Linha do Oeste: “De pequena casa, onde apenas cabiam duas arcas, uma mesa e um banco, este local de audiências dos juízes medievais da vila e de reunião da vereação substituído nas assembleias magnas pelo próprio adro da igreja que lhe ficava em frente, veio a dar lugar no século XVI a um edifício de maiores dimensões e de maior dignidade arquitectónica localizado, ao que tudo indica, no espaço hoje preenchido pelo Museu de Óbidos”. São alguns dos vestígios artísticos do seu passado fluorescente que aqui se conservam. Falando da arte da pintura entre os séculos XVI e XVII, Vítor Serrão, o indiscutível especialista no Maneirismo, recorda que o conjunto de pintura dos séculos XVI e XVII se distribui por diversas igrejas, conventos, palácios, museus e demais coleções públicas e privadas da região estremenha definida pelos concelhos Caldas da Rainha, Óbidos, Alcobaça e Peniche, constitui sem dúvida (em termos plásticos, documentais, iconográficos e históricos, pela diversidade de testemunhos, estilos e épocas) um dos mais interessantes do nosso país. Não se pode cingir toda esta arte a Josefa d’Óbidos, há Diogo Teixeira, Belchior de Matos e mesmo Baltazar Gomes Figueira, não podendo ser esquecido André Reinoso. Vamos ver algumas dessas preciosidades.
Vale a pena dar de novo a palavra a Vítor Serrão: “A paleta de Josefa é sempre peculiar, saborosa, inventiva e acesa de sensibilidade: o seu cromatismo é cálido, sensual e luminoso, o claro-escuro é assaz correto na transposição de zonas de sombra e nas gradações de luz esbatida, e as ingenuidades de debuxo das figuras dilui-se no preciosismo da decoração garrida e barroca com que se envolve”. Reconheça-se como estas naturezas-mortas são primorosas, não são?
Já se disse que este museu foi anteriormente a residência do pintor Eduardo Malta, um retratista muito procurado no seu tempo. Aqui se mostra o retrato da sua mulher, guardo dele a recordação de um grande desenhador, como se sabe os artistas preferem o quadro a óleo por razões financeiras, muitos deles não escondem que a sua paixão passa pelo desenho. Malta aceitou encomendas oficiais, uma delas foi a Exposição Colonial do Porto de 1934. Aqui se mostram dois desenhos de traço inatacável, consegue deslumbrar-nos pela captação da pose, a dimensão do porte, tudo com pequenos recursos de um lápis que viaja a dar formas ou a sublinhar aqueles aspetos que ele considera que devem ser o foco da nossa atenção, ainda hoje contemplo com prazer desenhos como estes.
A mulher de Eduardo Malta
Régulo Mamadu Sissé, desenho de Eduardo Malta
Abdulai Sissé, filho do régulo, desenho de Eduardo Malta

Há no centro da vila o Museu Abílio de Mattos e Silva, dele já falámos, foi um cenógrafo muito procurado e pintor atraído pela escola modernista. Há obras suas no Museu Municipal de Óbidos, vila que ele tanto apreciava, fez uma doação dos seus trabalhos, merecem ser vistos.
Quadro de Abílio Mattos e Silva

Saímos do museu e vamos cirandar pelo castelo e cerca, é impressionante pelas suas linhas majestosas, lembremo-nos que por aqui andaram romanos e que o primeiro rei de Portugal apostou em Óbidos como lugar defensivo, exigências da Reconquista, a mourama costumava fazer razias, havia que lhes fazer frente, passou o perigo e ficou o testemunho eloquente desses tempos agitados, a vila está pejada de vestígios de tão importante passado, e não deixou de nos sensibilizar aquele símbolo gravado à porta de uma igreja que não soubemos interpretar mas não deve estar ali por acaso, Óbidos sofreu imenso com o terramoto de 1755, houve muitíssima reconstrução e aproveitou-se para novos embelezamentos, as fachadas das igrejas também foram revistas, de onde este símbolo deve ter importante significado, senão teria sido apagado nos trabalhos de restauro.
E pronto, disse-se adeus a Óbidos, há muito para recordar e todos apostam num regresso, quanto mais cedo melhor. Feita a despedida, pesarosa, segue-se para Peniche, vamos amesendar. Nada de perdas de tempo, todos clamam por uma boa pratada de peixe, aqui o mar é fértil em substância dessa natureza. E é a caminho de uma casa de pasto já conhecida que se olha para uma parede, digamos que na correnteza de um conjunto de prédios de arquitetura desenxabida se encontra este vestígio do passado, o posto de despacho da Alfândega de Lisboa, com as armas reais, é pena que num contexto de prédio expectante, oxalá na pior das hipóteses estas pedras de um tempo impressivo para Peniche vão parar a um museu. É coisa estranha, mas acontece com frequência, acabarmos uma viagem a deplorar o desprezo dos homens pelos importantes símbolos de um passado que nos marcam a um lugar. Terminou a viagem mas aqui se deixa um grito à navegação.
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Nota do editor

Último poste da série de 6 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21859: Os nossos seres, saberes e lazeres (436): Andar a um certo vapor na Linha do Oeste (5): A despedida de Óbidos, em breve regresso (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P21895: O cruzeiro das nossas vidas (29): Recordando o dia 22 de Julho de 1967, no N/M Timor (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

Despedida no Cais de Alcântara


1. Mensagem do nosso camarada Abel Santos (ex-Soldado Atirador da CART 1742 - "Os Panteras" - Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) com data de 10 de Fevereiro de 2021 com a recordação do sem embarque para a Guiné em 22 de Julho de 1967:



RECORDAÇÕES

Olhando para os longínquos 22 de Julho de 1967, recordo o cais, a imponência do navio Timor, imponência sim, já que alguns soldados nunca tinham visto um navio, que os levaria para terra africanas, mais precisamente para a Guiné.

Recordo que chagados ao cais de embarque de Alcântara, seriam 10 horas da manhã, uma multidão nos esperava gritando, gesticulando e choramingando, braços estendidos em diracção dos seus entes queridos, meninos e moços feitos soldados à pressa. 

Eu não tinha qualquer familiar presente para se despedir, já o tinha feito uma semana antes. Foi arrepiante o que presenciei nesse dia, ver mães, pais, esposas, algumas já com filhos, num grito lancinante, com a voz embargada e rouca de tanto chamar pelo seu familiar, e acenando os lenços brancos da despedida até o navio desaparecer no horizonte.

Cerca das 12 horas entrou no cais a banda do Exército, sinal de que estavam prestes a começar as cerimónias de despedida das tropas em parada e o consequente embarque naquele monstro flutuante que nos esperava, não sem antes ser tocado o Hino Nacional.

N/M Timor

Às tantas o Timor, depois das escadas e amarras recolhidas, começa a navegar rio abaixo rumando em direcção ao oceano, aquele que para muitos era a primeira vez que viam, levando no seu bojo aqueles jovens rapazes já soldados.
Abel Santos a bordo do Timor

A viagem foi um suplício para a maioria, não foi o meu caso, o pessoal foi distribuído pelos porões, colocado em beliches num navio sem condições para transportar pessoas, a tal carne para canhão. Em relação à alimentação estamos conversados, e como sempre, as chefias tiveram outro tratamento. Ao fim de poucas horas de viagem, já havia camaradas com problemas de enjoo, o que foi provocando um cheiro nauseabundo e pestilento, embora a lavagem dos porões fosse feita em dias alternados.

Naquelas condições, ao fim de sete dias de viagem, pisámos terra firme da Guiné, depois de os batelões nos terem largado no cais onde o Timor não podia atracar.

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Nota do editor

Último poste da série de 24 de novembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21576: O cruzeiro das nossas vidas (28): A Síndrome dos Embarques (Abel Santos, ex-Soldado At Art da CART 1742)

Guiné 61/74 - P21894: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (7): "O Alberto", "O Sipaio" e "O expresso de Ilondé"


1. Continuação da publicação das memórias, em curtas estórias, do nosso camarada José João Domingos (ex-Fur Mil At Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516 (Colibuía, Ilondé e Canquelifá, 1973/74):



19 - O ALBERTO

Logo no início da nossa estadia no Ilondé começou diariamente a aparecer à entrada da nossa tenda o Alberto, um guineense de 12 ou 13 anos, humilde e educado, filho de uma das lavadeiras, residente naquela localidade, que sabia ler e escrever, o que lhe dava algum estatuto junto do pessoal pois funcionava como tradutor de crioulo que também nos ia ensinando.

A nossa tenda tinha 8 habitantes e todos gostavam do Alberto. O seu trabalho era reduzido, assentando na varredura diária do chão da tenda e um qualquer recado, a troco de um ou outro peso que lhe íamos dando e, por vezes, de algumas guloseimas que recebíamos de casa.

A esta distância tenho ideia que a nenhum de nós passou pela cabeça que o Alberto estaria feito com o inimigo. Contudo, hoje, acho estranho o seu relacionamento connosco tendo em conta que na localidade moravam dezenas de jovens da mesma idade de cuja existência apenas nos apercebíamos quando havia cinema no quartel. Assim ou assado, estimávamos o Alberto e procuramos sempre ajudá-lo, nomeadamente, fornecendo-lhe com a maior rapidez possível os resultados de cada jornada do campeonato nacional de futebol, disputado na Metrópole, que ele seguia religiosamente através de um caderninho onde apontava os jogos e os respetivos resultados.

Dada a abundância de roupa que não me servia para nada resolvi, um dia, dar umas calças ao Alberto. Ora, na época, os africanos eram muito vaidosos e extravagantes com o vestuário e a roupa tinha que ficar bem justa. Ao vestir as calças o Alberto disse logo que não as queria por serem demasiado largas. Agarrei no Alberto e nas calças e fui a Bissauzinho onde havia alfaiates de rua que logo ali ajustaram as calças ao gosto do cliente. Custou a brincadeira setenta pesos, tanto como pagava mensalmente à lavadeira, mas valeu a pena ver a alegria do Alberto.

Enfim, as coisas mudaram e nunca mais soube do Alberto. Oxalá a vida lhe tenha sorrido.


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20 - O SIPAIO

Era frequente sair a porta de armas, que ficava junto à estrada para Bissalanga ou Quinhamel, e fumar um cigarro debaixo de uma árvore onde alguns elementos da população se juntavam em amena cavaqueira, em crioulo, da qual pouco ou nada entendia.

Gostava daquela gente, que tinha tão pouco e vivia aparentemente feliz. Por razões culturais, que transcendiam o meu entendimento, a riqueza dos homens media-se pela quantidade de mulheres e de animais que possuíam. As mulheres eram consideradas como animais, avaliadas em cotejo com estes, e eram elas que angariavam os meios de sustento da família através do seu trabalho, fosse como lavadeiras fosse como domésticas.

Naquele dia, estava um grupo mais numeroso que o habitual e, entre eles, um sujeito vestido com uma farda que não conhecia e que, pensei, ser uma qualquer autoridade local que designei de sipaio (ou cipaio).

A certa altura, no decorrer da conversa, o tal sipaio afastou-se alguns metros e ajoelhou-se. Tal movimento despertou-me a atenção e pensei que o sujeito ia rezar, mesmo sem tapete. Um minuto depois vejo-o a remexer na terra, levantar-se, sacudir as calças, aproximar-se de novo do grupo e retomar a conversa. Afinal tinha estado a urinar.

Recordei então que, de facto, pelos caminhos da Guiné por onde tinha andado, nunca me apercebi da presença de dejetos humanos produzidos por esta gente e, testemunhando aquela atitude, percebi porquê.


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21 - O EXPRESSO DO ILONDÉ

Diariamente, uma pequena camioneta de passageiros que fazia a ligação Ilondé – Bissau estacionava na estrada, quase em frente à porta de armas.

Uma hora antes da partida, com um calor quase insuportável, já muitos passageiros estavam instalados nos respetivos lugares.

A carga mais volumosa ia no tejadilho a que se acedia por uma escada existente na traseira da camioneta.

Porém, o mais engraçado era o transporte dos animais, principalmente cabras, galinhas e porcos, que iam normalmente do lado da janela ao colo dos seus proprietários, sendo que as cabras se instalavam paulatinamente com o focinho de fora aguardando o arranque da viatura.

Pouco mais tarde, aparecia uma carrinha Toyota, de caixa aberta, que arrebanhava o resto do pessoal que não tivesse tido lugar na carreira normal e, uns em pé, junto à cabine, outros sentados, no chão da caixa, com os respetivos tarecos, lá partiam para Bissau.

Estou em crer que esta carrinha desempenhava a função de desdobramento.

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Nota do editor

Último poste da série de11 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21886: Memórias de José João Braga Domingos, ex-Fur Mil Inf da 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4516/73 (6): "A reunião", Os incêndios" e "O prostíbulo"

Guiné 61/74 - P21893: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte II: A minha passagem pela maravilhosa cidade de Chaves depois do martírio de Tavira


Chaves > RI 19 > Os meus amigos de Chaves – Julgo ser o o 6,º da última fila


Chaves > Regimento de Infantaria n.º 19 > Para mim, foi um hotel de 4 estrelas


Chaves > Ponte romana, também conhecida como ponte de Trajano
 (c. fins séc. I / inícios séc. II)

 Fotos (e legendas): © Joaquim Costa  (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da publicação da série "Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã", da autoria de  Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 8351, "Tigres do Cumbijã" (Cumbijã, 1972/74), membro nº 826 da Tabanca Grande, engenheiro técnico reformado, natural de Vila Nova de Famalicão, residente em Gondomar (*):


 
Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74)

Parte II: A minha passagem pela maravilhosa cidade de Chaves depois do martírio de Tavira

  Chaves: Férias, O Estraga a Tábua...e o Forte de S. Francisco



Joaquim Costa


Depois de Tavira,  só mesmo Chaves para recuperar (boas águas, bons pasteis de carne e bom presunto...), física e mentalmente.  

Mas que boas férias.! A minha  única tarefa era dar instrução a um pelotão de mancebos, quase todos da região transmontana. Tudo muita boa gente,  a quem nunca conseguimos acertar o passo na marcha e muito menos sincronismo na ordem unida, de resto tudo bem…

Quando recebo a guia de marcha de Tavira para Chaves, pensei: "Bem!  Bom mesmo era fazer toda a nacional n.º 2, de Faro a Chaves, na minha (ou seja! do meu irmão) Zundap (estilo Che Guevara na sua poderosa)."

Mas, verdadeiramente radical foi fazer a viagem de comboio do Porto a Chaves (terra da Pedra Bolideira) (1) na admirável linha do Corgo, hoje desativad [., foto à esquerda]. 

Esta viagem só foi superada pela viagem que fiz na nacional n.º 222. no maravilhoso Douro Vinhateiro, com a minha Diane. (2)

Muitas histórias ouvi sobre a viagem de comboio do Porto para Chaves, em que os passageiros saltavam com este em andamento, iam apanhar umas uvas e, em andamento, voltavam a entrar. Constatei que a realidade superava as histórias que me tinham contado. As curvas e contracurvas quase que se tocavam passados uns quilómetros. Em dez quilómetros de  marcha na sinuosa linha avançava um na direção do destino.

Não obstante toda a informação recolhida sobre as peripécias da viagem, a surpresa foi avassaladora.

 Estava eu a saborear as belas paisagens e a respirar os puros ares, na plataforma do comboio (uma zona exterior estilo varandim),  quando o mesmo para no meio do nada, ouço um assobio, e de repente vejo-me rodeado de cabras por todos os lados. Uns quilómetros à frente, o comboio volta a parar, e, ao apito do pastor, de uma forma ordeira e organizada, o rebanho saiu, com um cumprimento efusivo da parte do revisor e do maquinista, denunciando estarmos na presença de passageiros habituais. Penso hoje que mais facilmente conseguiria sincronizar a marcha deste grupo do que o que tive à minha guarda no quartel de Chaves.

Contudo, sendo certo que nunca iria com estes homens para um  desfile militar, se pudesse escolher, era com certeza com esta gente que iria para a guerra. Gente simples, rija, com um coração do tamanho da Serra do Marão e capaz de tudo (mesmo de tudo!...) para defender um amigo.

Guardo com emoção a festa que estes maravilhosos homens fizeram aos três  graduados que lhe deram a instrução, pagando o jantar e oferecendo a cada um de nós uma lembrança. Foi um momento muito bonito e muito emotivo, particularmente para mim que já tinha recebido a mobilização para a Guiné bem como  guia de marcha para Estremoz.

Foi neste moderno e agradável quartel que tive o grato prazer de conhecer o pai do malogrado e excelente jogador de futebol do FCP,  Pavão, que teve morte súbita em pleno estádio das Antas no fatídico dia 16 de dezembro de 1973. (3).

Era sargento, excelente pessoa, mas rezava a história, no quartel e na cidade, sem grande jeito para os trabalhos manuais. Contava-se que um cão  rafeiro apareceu no quartel e logo foi adotado  por todos, desde o comandante ao soldado raso. Dado que o canino não tinha sitio para dormir e abrigar-se dos dias mais agrestes, foi decidido construir-lhe uma casota. Logo o bom sargento  se ofereceu para a tarefa, tendo sido feita uma coleta para comprar a madeira necessária para a obra.

O homem comprou a madeira e muniu-se das ferramentas necessárias, nas oficinas do quartel,  e dum projeto de casota elaborado por um habilidoso em desenho. Mede e volta a medir, corta aqui, corta ali, corta acolá, e montadas as peças nenhuma bateu certo com o projeto. Volta a medir a  cortar aqui,  a cortar ali e acolá, voltou a montar e ainda pior.

O comandante, que também tinha contribuído para a casota,  ao fim de uns dias, vendo que o cão continuava a dormir em todo o sítio manda chamar o sargento para saber da casa do cão. O sargento, muito constrangido, e à espera do pior, lá foi contando as peripécias da construção da dita casota acabando por confessar que nem tinha casota nem tinha tábuas. O bom comandante, dando uma grande gargalhada,  virou-se para o velho Sargento e diz-lhe: Áh! Homem do “diacho”, fizeste-me à tábua o que o diabo fez à “coisa”: para além de não construires a casota ainda me estragaste a tábua!...E assim nasce a alcunha do Sargento Neves – O estraga a tábua.

O Comandante do quartel era um bom homem, bonacheirão, preocupado com o bem estar de todos os seus homens… e até da mascote do quartel – o cão.  Fazia questão de manter o quartel, um lugar limpo e asseado, fosse as casernas o refeitório ou a parada.

Um dia, estava eu de sargento de dia ao quartel, vejo-o em altos berros, no meio da parada, a gesticular e a chamar por todo o pessoal de serviço. O primeiro a chegar fui eu, pelo que se vira para mim e me diz: 

  Você não está a ver que eu não consigo passar com este enorme tronco de árvore à minha frente! 

Eu  olhava para a frente do homem e não via tronco nenhum nem se quer um pequeno pau. O homem cada vez gesticulava e gritava mais,  pelo que temi que as minhas férias terminassem ali. Felizmente, um cabo já velhinho, chega perto de mim e diz-me: 

– Deixe  que eu resolvo.  

Vai ao chão e pega num fósforo, de madeira, que alguém inadvertidamente tinha deitado para o chão ao acender um cigarro... 

 Uff... –  disse eu para com os meus botões – nais  uma batalha ganha… siga a tropa...sigam as férias!


Chaves > Forte de São Francisco
Uma das tarefas que nos cabia, vai-se lá saber porquê (coisas da tropa!), era fazer guarda num forte em ruínas (forte de S. Francisco) (4) perto do quartel, todos os dias, estilo render da guarda à residência oficial da Rainha de Inglaterra... neste caso às lagartixas.

Dado o número reduzido de pessoal que aí fazia guarda e o recato do local, muitas histórias ouvi sobre as atividades noturnas que aí  tinham lugar.

Acabado de chegar ao quartel, fui escalado para comandar o pequeno grupo de homens (eu, um cabo miliciano e  cinco soldados), para ir render o grupo que  passou o dia e pernoutou no referido Forte de S. Francisco.

De manhã cedinho, depois de um bom pequeno almoço com pão sempre quentinho e muita manteiga a derreter-se no mesmo, formado o  grupo, lá fomos nós, todos catitas, a marchar até ao forte de S. Francisco.

Chegados à porta de armas, um soldado aparece ao portão, com um leve sorriso nos olhos brilhantes, e, baixinho diz-me ao ouvido: 

– O seu colega Ferreira pede  para aguardar só  uns segundos.

 Achei estranho, geralmente nestes casos já todo e pessoal costumava  estar à porta “mortinho” por se ir embora depois de 24 horas passadas naquele buraco. Aproximo-me mais um pouco do portão e vejo o Ferreira ainda a vestir as calças e uma loira  a esgueirar-se,  escondendo-se por trás dos soldados. Logo a seguir aparece  o Ferreira, com um sorriso de felicidade, com um malmequer bravio, colhido no forte, colocado na orelha e a cantarolar a celebre canção, hino do movimento hippie e do amor livre:  “Se vais a  San Francisco, leva flores no teu cabelo…”  

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Notas do autor:

(1)  Grande pedra, no caminho de Chaves a Bragança, que se move com um pequeno toque de um dedo.

(2) A Estrada Nacional 222 (EN 222) – considerada a estrada mais bonita do mundo - tem 226 km de extensão e liga o centro de Vila Nova de Gaia a Almendra, no concelho de Vila Nova de Foz Côa, (todos deviam fazer, pelo menos uma vez, o caminho de Santiago e a Nacional Nº 222!)

 

Vista da EN 222 > Douro vinhateiro; De cortar a respiração. Bem disse Miguel Torga em S, Leonardo de Galafura: "um excesso da natureza"....

(3) Pavão, não de nascimento mas pela forma peculiar de jogar com os braços bem abertos.

(4) -  Utilizado como quartel general pelo general Soult no tempos das invasões francesas. Foi recentemente restaurada e recebe hoje um Hotel de 4 estrelas.

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Nota do editor:

Último poste da série > 3 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21844: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-fur mil arm pes inf, CCAV 3851, 1972/74) - Parte I: Caldas da Rainha (A chegada às portas da tropa: um fardo pesado); Tavira (Amor, ódio e... trampa)


Guiné 61/74 - P21892: Parabéns a você (1932): Miguel Rocha, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2367/BCAÇ 2845 (Olossato, Teixeira Pinto e Cacheu, 1968/70)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21877: Parabéns a você (1931): José Brás, ex-Fur Mil TRMS da CCAÇ 1622 (Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21891: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (3): O canhangulo

1. Lembremos a mensagem do nosso camarada António Carvalho (ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74), com data de 7 de Fevereiro de 2021:

Meus caros amigos, combatentes.

O que vos mando é mais um capítulo do meu livro, para, caso entendam, o publicarem no nosso blog. Como é bastante volumoso poderá ser publicado de modo fatiado, admitindo até que algumas partes possam ser desinteressantes, logo não publicáveis.

Um abraço vos mando por esta via, com votos de saúde.
Carvalho de Mampatá.



3 - O CANHANGULO

O Samba era um soldado da milícia de Mampatá. Fazia parte do grupo de três ou quatro dezenas de civis armados da povoação, cuja missão principal era a defesa da população civil, perante um eventual ataque do inimigo. Todos eles tinham as suas famílias na localidade e ocupavam-se, paralelamente, dos seus afazeres, quase sempre, na cultura do arroz e do amendoim. Recebiam uma remuneração modesta do Exército Português, por participarem no esforço daquela guerra. Algumas vezes o dinheiro não lhes chegava até ao fim do mês, por isso, era frequente pedirem algum emprestado com a promessa de o devolverem, logo que voltassem a receber.

O Samba era um dos que me batiam à porta sempre que o mês se tornava mais longo que o dinheiro. Quando a importância era de valor muito residual fazia de conta que me esquecia, coisa que lhe agradava.
Da última vez tinha-me pedido setenta pesos, com a promessa de mos devolver, logo que recebesse, no fim desse mesmo mês. Passaram-se dias, semanas e até meses, e o Samba, sempre que o interpelava, respondia-me com aquela ingenuidade de quem acha que os prazos só são de cumprir quando se pode:
- Não pode ainda, eu tem filho doente, mulher está mal, espera mais.

Não tinha eu outro remédio, senão esperar.

Quase a acabar a minha comissão, já convencido que aquela dívida não seria mais cobrável, numa das minhas digressões pela tabanca, passei pela morança do Samba. Conversávamos do meu regresso a Lisboa, do fim da guerra, da revolução do 25 de Abril, abrigados pela sombra da cobertura de capim daquela casinha construída da forma mais primitiva que se possa imaginar, quando uma espingarda de fabrico artesanal, encostada a um canto me despertou a atenção. Pelo seu aspeto, coberta de poeira e um pouco desconchavada, não me pareceu que lhe merecesse muito apreço nem que lhe servisse de alguma coisa.
Para mim, aquele objeto ferrugento teria algum valor, se o mandasse restaurar por mãos habilitadas, quando regressasse às Medas. Mas era preciso que ele mo vendesse, coisa que me parecia muito provável quer pela amizade que havia entre nós quer por já não lhe servir de nada. Tomando-a nas mãos, como a mostrar-lhe o meu interesse por aquela arma inerte, perguntei-lhe se ma queria vender. Admirado pelo meu interesse numa arma que já não fazia fogo, agradado por me fazer feliz, como se me quisesse manifestar gratidão, recusou vender-ma, como se isso manchasse a nossa amizade.
- Se tu quer essa arma, leva ela pro Lisboa, eu não vendo, eu dá para ti.

Não tendo que lha pagar, sempre achei oportuno, declarar-lhe que, no mínimo, considerasse que já não me devia os setenta pesos, amortizados por aquele ato generoso e desprendido de sua parte. Só então, perante o seu ar de espanto, percebi que teria sido melhor não fazer referência à sua dívida, porque ele tinha-se desligado dela e só me pagaria num qualquer dia, se eu precisasse daquele dinheiro e a ele não fizesse falta.

Obrigado, amigo Samba, por me teres ensinado, que existem no mundo, outros paradigmas culturais, para além dos nossos conceitos ou preconceitos judaico-cristãos.
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Nota do editor

Último poste da série de 10 de Fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21880: Projecto de livro autobiográfico, de António Carvalho, ex-Fur Mil Enfermeiro da CART 6250/72 (Mampatá, 1972/74) (2): Despejado na Guiné

Guiné 61/74 - P21890: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (39): A funda que arremessa para o fundo da memória

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Fevereiro de 2021:

Queridos amigos,
Numa viagem de autocarro de Santarém para Lisboa, depois de cinco horas de aulas, e havendo que responder a várias questões postas por Annette, relacionada com episódios do quotidiano, praticamente silenciados a documentação que ele lhe envia, Paulo deu consigo a rememorar e simultaneamente a descobrir riquezas que a memória da guerra lhe tinha subtraído, era uma memória onde predominavam episódios bélicos, o torvelinho dos patrulhamentos, o interminável processo de reconstrução de Missirá e as melhorias de Finete.

 Afinal, em que termos ele fizera uma consistente relação de afeto e confiança com a gente da sua tropa? Fez um esforço, naquela viagem noturna de autocarro, uma luz se acendeu. As refeições tinham lugar na messe, naturalmente os arranchados eram os europeus. E deu-se o clique, a vigilância noturna nos postos de sentinela, podia ser antes do jantar ou na alta madrugada, sentava-se ao lado do vigilante em serviço, permutavam-se currículos, o que se tinha feito antes de andar para ali de armas na mão, o que se sonhava fazer depois, silencioso exercício em que se aprofundou a intimidade, antes de mais a confiança nesse alguém que os procurava como seres humanos, na sua identidade, na sua cultura e nesse aspeto assombroso que se desenvolveu depois da independência, a afabilidade.
 
Aqui se dá conta dessa memória recôndita que veio ao de cima na dita viagem de autocarro, e não só, também se fala nas vicissitudes do abastecimento, por pudor não se conta o muito que se ouviu em 
desabafos de arremedo de confessionário.
 
Aproximava-se a Páscoa, Paulo dá carta branca a Annette para organizar as delícias do reencontro. Tem sido sempre assim, ao longo de todo este amor à distância, e mal será se não foi assim, para estes dois sujeitos que estão permanentemente em palco e de quem nem suspeitamos como será o seu futuro.

Um abraço do
Mário


Esboços para um romance – II (Mário Beja Santos):
Rua do Eclipse (39): A funda que arremessa para o fundo da memória


Mário Beja Santos

Mon adorée Annette, escrevo-te um tanto à pressa, como bem sabes às segundas-feiras dou cinco horas de aulas em Santarém, vou praticamente a correr para a estação rodoviária, apanho o último autocarro para Lisboa, chego num afogadilho, tiro as coisas do frigorífico, meto no micro-ondas, janto cheio de apetite, pois almocei a correr num centro comercial ali perto, cerca de meia hora antes de começar a jornada da tarde. Aproveitei a viagem para ruminar o primeiro ano de comissão, já que tu concluíste todo o período de agosto de 1968 a agosto do ano seguinte. 

E súbito me ocorreu que nunca te falei num elemento importante que foi selando a minha amizade com as praças de Missirá e até com as milícias de Finete. Vejamos como. Vezes sem conta, pela noite fora, subia aos postos de vigia e conversava com quem estava de sentinela. Nunca me cansei deste tipo de comunicação. Explico porquê. Imagina um ponto alto, uma forma de guarita, telhada às três pancadas, suportada por fasquias de palmeira, constituída por bidons, um pequeno espaço que dá, quanto muito, para duas pessoas; para ali se sobe por uma escada tosca. Dava sinal da minha presença, subia e sentava-me ao lado da sentinela, a uma certa distância um petromax, um candeeiro que iluminava um ângulo da paisagem, sempre que subia ao posto ali ficava a contemplar a escuridão da mata, sempre à espera de ouvir uma hiena, e depois, conversava a ciciar, para dar proximidade ao meu interlocutor, contava-lhe o que fazia em Lisboa, falava-lhe da família, e com o passar do tempo a sentinela ia ganhando confiança, também me falava da sua família, do que ia fazer quando acabasse a guerra, foi nestes postos de sentinela que me ensinaram o que se planta na horta; quando se ceifa o capim para preparar o colmo das moranças; que Uam Sambu, mandinga do Oio, me descreveu a região altamente arborizada, e como era fácil ali se instalar a guerrilha, e como aquelas populações possuíam um elevado grau de espírito independente, nem Abdul Indjai, um mercenário que foi determinante nos êxitos do capitão Teixeira Pinto, os conseguiu fazer curvar; que Mamadu Baldé, o 86 da milícia, exprimindo-se num português próximo do imaculado, que passara quase dois anos nos hospitais de Lisboa a tratar braços e perna triturados à bala, me contava os seus passeios pela capital, não esquecera a Torre de Belém e visitara mesmo o Jardim Botânico Tropical, onde se lhe depararam bustos de guineenses; que Cibo Indjai, o mais indómito dos caçadores de porco do mato e de gazela, explicava que um caçador cheira o que o comum dos mortais não cheira na mata e lê na terra e no arvoredo o que o mais arguto e destemido guerrilheiro não sabe ler. Foi nestas vigilâncias, meu adorado amor, que se desenvolveu uma comunhão e confiança impossível de alcançar nas rotinas dos destacamentos, nos patrulhamentos que exigem uma severa concentração e absoluto silêncio, foi nesses postos de sentinela que procurei ler convicções, fidelidades, razões para lutar e para confiar em quem vinha de Portugal. Abençoadas noites de conversa, se pusesse em papel tudo quanto ouvi e quanto fui aprendendo, digo-te sem empáfia, tínhamos enciclopédia, um cacharolete da antropologia, etnologia, etnografia, história e algo mais. Há também o consultório sentimental, o ajudar a escrever aerogramas, ouvir desabafos… E, confesso-te, a prática de negligências que custaram caro. Tens aí o relato de um estimado furriel, um quase braço direito, fui descurando a sua exaustão, o seu definhamento. 

Um dia, imprevisivelmente, pegou numa espingarda, numa gritaria tresloucada, ameaçou abater quem não cumprisse as suas ordens, estava no meu abrigo a ver as contas da cantina e a preparar a escala do serviço noturno, saí na fornalha do sol, não eram mais do que três da tarde, e passei uma angustiante meia hora a avançar cautelosamente para ele, aquele homem vociferava, estridente ameaçava se eu desse mais um passo me abatia, procurei falar-lhe ao coração, e diante dele, num repelão, peguei-lhe na arma pela tapa-chamas, e no mesmo instante ele fletiu os joelhos e caiu redondo no chão. Foi evacuado, esteve em tratamento neuropsiquiátrico, demorou a recompor-se. E ainda hoje não sei qual foi a minha quota-parte de responsabilidade em não ter visto que ele se ia esgotando diante dos meus olhos.

E há episódios mil sobre a nossa alimentação. Lembras-te de te ter dito que os nossos abastecimentos eram altamente problemáticos, sobretudo na época das chuvas, mesmo dificultados quando as duas viaturas avariavam e fazíamos colunas de reabastecimento com sacos à cabeça, vasilhame nas mãos, pacotes de esparguete nos bolsos? Estive anos sem poder comer pé de porco, e temos uma receita em Portugal que eu tanto aprecio (é receita alentejana, pezinhos de coentrada), mas estivemos 47 dias confinados a barricas de pé de porco, acompanhado de feijão-verde enlatado, e quanto a bebidas havia leite achocolatado holandês e água Perrier ou de Evian, deu para não morrer de fome; foi na Guiné que comi o melhor bacalhau graúdo da Noruega, diga-se em abono da verdade. Quando acabávamos de comer, muitas vezes eu ficava deliciado a ver as crianças que auxiliavam na cozinha os nossos dois cozinheiros, Quebá Sissé e Umaru Baldé (este estudara no Senegal, insistia em servir-me com luva branca e ia-me chamar à morança em bom francês, que requinte!); comiam avidamente as sobras e uma vez fiquei assombrado a ver um dos miúdos a passar as mãos por dentro de um tacho e a dar as mãos a cheirar a outro, perguntei o que acontecera, e em toda a sua inocência a criança disse-me que gostava muito do cheiro do esparguete que não conheciam antes de chegar os brancos… 

As histórias multiplicam-se, meu adorado amor, desde as conversas em alta tensão com o chefe da tabanca que quase todos os dias me pedia uma coluna de reabastecimento ou me vinha informar existir uma caterva de doentes, as reuniões com o professor para avaliar a sua dedicação e que matérias estava a dar aos miúdos, que faziam uma parte dos seus estudos com o padre na escola corânica e a outra em regime estritamente secular, português, aritmética, umas ciências naturais aplicadas ao que as crianças viam no seu próprio meio, e o mesmo se passava com a geografia.

É uma questão de lembrança, estes temas aparecem avulsamente na minha correspondência e até nalgumas fotografias, entendi que esta obra de ficção não devia ser sobrecarregada com um tal tipo de impressões pessoais, os coletivos de Missirá e Finete parecem-me mais empolgantes. Até como tu podes ver, de julho a novembro sofremos flagelações, algumas delas muito estranhas, simples morteiradas, um bate-foge de quem parece limitar-se a fazer prova de vida e a demonstrar que ali vem quando lhe apetece, foram esses muito desgastantes, fui baixando a vigilância naquele rodopio de continuar as obras, mantendo a terrível cadência das idas a Mato de Cão, e assistindo impávido, impotente, à redução dos meus efetivos. 

Quando cheguei ao Cuor em agosto de 1968 era responsável por um pelotão de caçadores nativos e dois pelotões de milícias e mais alguns adventícios, cerca de 143 homens; um ano depois perdera quase 20% do efetivo inicial, iam-me tirando secções para novos destacamentos, sobretudo no Cossé. É provável que eu esteja a aliviar a minha consciência para decisões imprudentes que tomei, a mais grave delas foi a de, contrariando o apelo do motorista, ter-me posto na picada ao anoitecer naquele malfadado dia de outubro de 1969, de que em breve falaremos.

Estou completamente ensonado, prometo telefonar-te amanhã à hora do jantar, sei que estás em Bruxelas toda esta semana. Aproxima-se a Páscoa, o que significa que vou estar contigo, aproveitar as férias, amanhã já saberei o meu horário e vou imediatamente comprar o bilhete de ida e volta, se demoro custa-me os olhos da cara. Vivo sempre saudoso de ti, o que me vale é andar embalado de atividade em atividade, mas tal como tu já me começo a sentir desconfortado nesta casa onde tu não estás, mesmo que te dedique a minha escrita, a minha voz, o meu afeto, numa iluminação e num calor que iludem a nossa forçada distância. Bien à toi, Paulo
Rostos que Mamadu Baldé, o 86, nunca esqueceu, visitou-os no Jardim Botânico Tropical
Lavadeiras em Tombali, fotografia de João Sacôto, fico-lhe grato pela cedência
Estação liminigráfica de Ponta Varela, antes e durante a guerra
As ruínas da estação liminigráfica de Ponta Varela, em 2010
Caminhando num lamaçal, imagem retirada do blogue Guiné 1968/69, Recordações da Guerra, com a devida vénia
O bendito helicóptero, imagem retirada da Deutsche Welle, com a devida vénia
Uma pausa, mas a operação continua, imagem retirada de Roinesxxi, com a devida vénia
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Nota do editor

Último poste da série de 5 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21854: Esboços para um romance - II (Mário Beja Santos): Rua do Eclipse (38): A funda que arremessa para o fundo da memória

Guiné 61/74 - P21889: Pequenas histórias dos Mais de Nova Sintra (Carlos Barros, ex-fur mil at art, 2ª C/BART 6520/72, 1972/74) (17): O morcego, a cria, os pelicanos... e os apanhados do clima


1. Mais uma pequena história do Carlos Barros:

(i) ex-fur mil, 2ª C/BART 6520/72 (Bolama, Bissau, Tite, Nova Sintra, Gampará, 1972/74), "Os Mais de Nova Sintra", os últimos a ocupar o aquartelamento de Nova Sintra antes da sua transferência para o PAIGC em 17/7/1974; 

(ii) membro da Tabanca Grande nº 815, tem 2 dezenas de referências no nosso blogue; vive em Esposende, é professor reformado.


Mensagem de 2 do corrente: 

Assunto - O morcego e a cria

Estimado amigo:

Mais um texto produzido que tinha em arquivo e que sofreu ligeira alteração.
Um abraço
Carlos Barros


O morcego, a cria, os pelicanos... 

e os apanhados do clima 


por Carlos Barros


O Comando da 2ª Cart de Nova Sintra escalou, mais uma vez, o 3º grupo de combate para garantir a segurança da estrada Tite-Enxudé, uma via de extrema importância , uma vez que garantia o acesso, por via marítima e fluvial, à cidade de Bissau, através da utilização de várias embarcações: LDM, LDG, sintex...

Numa 4ª feira o furriel Barros estava descansado, devidamente armado, no seu posto de vigilância nesse percurso e, por sinal, entretinha-se a caçar alguns pássaros com a sua arma de pressão, no meio dos cajueiros.

Num desses cajueiros, amarrado a um ramo, encontrava-se um morcego e o Barros, decidiu dar-lhe um tiro já que nunca tinha visto “ao perto” um morcego.

Pegou na sua arma de pressão, zás!, um tiro certeiro... Passados segundos, esse animal cai no chão poeirento do posto de vigilância e algo de imprevisível tinha acontecido: O morcego caiu morto e tinha uma cria junto de si e o destino da cria estava traçado…

O Barros estava amarelo e tremendamente arrependido por ter morto o morcego, já que nunca tinha suspeitado que existiria uma cria em amamentação pois, se soubesse, jamais atiraria ao infeliz animal.

Um dia estragado, mais um “desastre” na caçada do Barros e este militar, como muitos outros, andavam um “pouco apanhados” da guerra que transformava os homens em autênticos “animais irracionais”…

Faz-me relembrar que, numa das idas a Lala, cais de reabastecimento de Nova Sintra, no Rio Geba, o alferes Domingos do 3º Grupo, a que pertencia o Barros, pegou na sua G3,  e começou a abater inúmeros pelicanos que estavam no cimo das árvores, no período de nidificação, sendo alguns trazidos para o aquartelamento de Nova Sintra para serem cozinhados na improvisada cozinha do destacamento, pelos cozinheiros Rochinha e Eduardo.

O Furriel Auto José Elias não se fez rogado e, com o amigo furriel Mendonça, participaram alegremente no repasto comido na messe dos graduados. A um canto da messe, o sargento “Rasteiro” perguntava ao soldado “Bichas”:

- O que é que aqueles furriéis estão a comer?

O Bichas sempre afoito, respondeu ao sargento para ir á mesa perguntar para saber a resposta…

Naturalmente, que o “Rasteiro” não foi saber a resposta e saiu em grande velocidade pela porta fora da messe porque temeu enfrentar o furriel Elias que andava de “candeias às avessas” com o sargento…

O Barros ficou revoltado com a situação, barafustando com o seu superior hierárquico, cujas relações sempre foram amistosas e respeitadoras. 

As indefesas crias,assistiram a esta carnificina e ficaram no cimo das árvores , “piando”,  talvez protestando contra este “vil assassinato” de aves que não incomodavam ninguém.

Se houvesse, na altura uma Associação Protectora dos Animais, o Barros assumiria a culpa e suportaria as consequência e, digo isto, porque o furriel, em parte, recuperou das mazelas psíquicas que a atroz guerra provocou.

A partir desse momento, a arma de pressão entrou de férias durante muito tempo…

Nova Sintra 1974

Barros - ex-furriel do BART 6520, 2ª Cart

“Os Mais de Nova Sintra”

Esposende, 2 de fevereiro de 2021          

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Guiné 61/74 - P21888: In Memoriam (393): Marcelino da Mata (1940 -2021), ingloriamente morto por tiro traiçoeiro da Covid-19 (Ramiro Jesus, ex-fur mil 'comando', 35ª CCmds, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73; Manuel Resende, régulo de A Magnífica Tabanca da Linha)




Foto nº 1
Foto nº 2

Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto > CAOP1 > 35ª CCmds (1972/74) > O Ramiro Jesus  e o Marcelino da Mata (1940-2021) (Foto nº 1) e o grupo "Os Vimngadores" (Foto nº 2)


Fotos ( e legendas): © Ramiro Jesus (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Marcelino da Mata (Ponta
Nova, Guiné, 1940 -
Amadora, 2021)
1. Mensagem de Ramiro Jesus [ex-fur mil 'comando', 35ª CCmds (Teixeira Pibto, Bula e Bissau, 1071/73); mora em Aveiro e é membro da nossa Tabanca Grande desde 9/12/2012]


Data - 11 fev 2021 18:24  
Assunto - Marcelino da Mata

Boa-tarde, Luís.


Acabo de ler nos jornais a notícia da morte - que lamento profundamente - do lendário guerrilheiro Marcelino da Mata.

Mais um que passou mil tormentas (até cá) e escapou de tantos e difíceis embrulhanços para agora ser vítima desta malvada praga [, a Covid-19].

Como não conheço ninguém da família, queria pedir-te o favor de, para lhe prestar a minha homenagem e agradecer por todos a quem protegeu com a sua acção ao comando do famoso grupo Os Vingadores, publicares a minha mensagem no nosso blogue e ilustrá-la com as duas fotos que envio em anexo, tiradas na pista de Teixeira Pinto (hoje Canchungo) em 1972. 

Era tal a auréola do Marcelino que até nós, os camaradas d'armas, queríamos umas fotos, semelhantes às que os adeptos pretendiam tirar com o Eusébio.

Paz à alma do Marcelino, o militar português mais condecorado!

Para vós, continuação de boa saúde.

Obrigado!
Ramiro

PS - Acabei de copiar uma foto do Marcelino da Mata, publicada pelo Observador, que envio em anexo, para o caso de entenderem publicar também, já que é de muito melhor qualidade que as minhas e o mostra fardado como verdadeiro herói.

Fonte: Xavier Figueiredo - Na morte de Marcelino da Mata, o mais graduado oficial do Exército. Obaservador, 11 fev 2021, 17:48 [Foto repoduzida com a devida vénia]


2. Mensagem do Manuel Resende, deixada 
na página do Facebook de A Magnífica Tabanca da Linha, h0je, às 15h28:

Caros Magníficos, é com tristeza que vos comunico o falecimento do nosso amigo e Magnífico Marcelino da Mata. Faleceu no Hospital Amadora-Sintra com COVID.

A seguir farei um post com fotos das suas participações nos nossos convívios, e que foram muitos.

 Sentidas condolências à sua família e paz à sua alma. Descansa em paz, amigo.

3. Comentário do editor LG:

Obrigado, Ramiro,pelo teu testemunho, mesmo  em cima do acontecimento. Antes de ti, já me tinha chegado a triste notícia da morte deste nosso camarada guineense por telefonema do Manuel Resende, régulo da Magnífica Tabanca da Linha, que também publicou uma  primeira nota necrológica no seu blogue.

A única vez que estive com o Marcelino foi justamente num convívio na Tabanca Linha. Ficámos frente a frente, à mesa.  E conversámos ainda um  bocado. Mas fiquei com a ideia de que ele era melhor operacional do que conversador.  Na altura insisti com ele para escrever e publicar as suas memórias em vida, sob pena de nunca se chegar a saber exatamente onde começava a lenda e acabava a história. Disse-me que tinha um jornalista encarregue dessa tarefa. Pareceu-me um homem com mais admiradores do que  amigos do peito.

A esta hora da noite,  o meu primeiro pensamento vai para a sua família, a quem envio os meus sentimentos de pesar. Como escreveu  aqui há 15 anos atrás, o Mário Dias,que participou com o Marcelino da Mata na Op Tridente, ele tinha orgulho em dizer que nascera português e queria morrer português. Infelizmente, ingloriamente, morto pelo tiro traiçoeiro da Covid-19. 

Era de facto um lenda viva, se bem que muito controversa, da guerra colonial na Guiné (1961/74). Compete à História,  e não a nós, e muito menos a quem conheceu, superficialmente, no pós-guerra,  fazer o seu retrato a corpo inteiro, como luso-guineense, homem, cidadão e militar. 

Também não conheço a família. Fui contactado, em 2006,  por email, por uma filha, Irene Rodrigues da Mata, que estava em Inglaterra a estudar, e que pretendia recolher testemunhos sobre ele, por alguns dos seus antigos camaradas de armas. Publicámos na altura cinco postes com depoimentos de quem o conheceu nos anos de 1964, 1965 e 1966  (*).

Como escrevi há tempos, em comentário a um poste do José Saúde (**), no nosso blogue há certos vocábulos e expressões que, por serem insultuosos , ou implicarem juízes de valor (sobre o comportamento dos nossos camaradas, humano, militar, operacional, disciplinar, ético...), nós não usamos: por exemplo, "vilões"... Como fazemos questão de dizer, "não diabolizamos nem santificamos" os camaradas que combateram ao nosso lado, independentemente da sua "história de vida"... Mesmo o termo "herói" deve ser usado com "reserva" e "parcimónia"... Não somos advogados em causa própria...

Devemos preservar, isso sim,  a memória dos ex-combatentes, de preferências através dos testemunhos ou depoimentos na 1ª primeira pessoal do singular ou do plural: eu vivi, eu estive lá, eu vi, nós estivemos lá, nós vivemos, etc. 

Vejo muita gente a falar de cor, nas redes sociais, sobre pessoas e situações que mal conheceram ou não conheceram de todo. Quem podia (e devia) falar sobre o Marcelino da Mata é/era ele próprio e os camaradas que o conheceram, de mais perto, por terem combatido e/ou convivido com ele no TO da Guiné... 

O nosso camarada Marcelino da Mata, nascido por volta de 1940, costumava frequentar a Tabanca da Linha, mas deixei de o ver, nos últimos anos... Tem cerca de meia centena de  referências no nosso blogue (que eu não sei se ele conhecia).

Há diversos camaradas que o conheceram bem, como o nosso editor jubiladoVirgínio Briote, que foi seu comandante no Grupo Diabólicos (a que o 1º cabo Marcelino da Mata pertenceu inicialmente)... 

Recorde-se que os Diabólicos faziam parte dos Comandos do CTIG, que estiveram sedeados em Brá, de 1965 a 1967, e de que foi primeiro comandante outro membro da nossa Tabanca Grande, o então capitão 'comando' Nuno Rubim (, hoje cor art ref).  Mas há mais: desse tempo, o Mário Dias, o João Parreira, o Luís Rainha, e outros. 

Como diziam os romanos, Requiescat in Pace, velho combatente!

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:



20 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1385: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata, a pedido de sua filha Irene (4): Nasceu e quer morrer português (Mário Dias)


 
(**) Vd. poste de 24 de dezembro de 2015 > Guiné 61/74 - P19330: Memórias de Gabú (José Saúde) (75): Marcelino da Mata, um homem que deu o corpo às balas (José Saúde)


(***) Último poste da série > 10 de fevereiro de  2021 > Guiné 61/74 - P21884: In Memoriam (392): João Manuel Vacas de Carvalho (Montemor-O-Novo, 1944 - Évora, 2021), referência da tauromaquia alentejana, antigo fur mil 'comando' em Moçambique, e irmão do nosso camarada José Luís Vacas de Carvalho (ex-alf mil cav, Pel Rec Daimler 2206, Bambadinca, 1969/71)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

Guiné 61/74 - P21887: No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande (19): O cardápio secreto do "chef" Tony (Levezinho) - Parte I: ainda não é verão (, mas um dia destes há de ser!), e já me está a apetecer uma saladinha de queixo fresco e uma paelha, com um bom branquinho...


 Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Portugal > Vila do Bispo > Tabanca da Ponta de Sagres - Martinhal  >  s/d >  O "chef" Tony, nas brasas (Foto nº 1); uma  salada de queijo fresco (foto nº 2); e uma paelha (foto nº 3)


Fotos (e legendas): © António Levezinho (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Ao longo destes 11  meses  de pandemia de Covid-19, com dois confinamentos gerais, temos aqui deixado algumas sugestões gastronómicas, nacionais e internacionais, apropriadas  para combater o "corno...vírus", e sobretudo para que os nossos "vagomestres" e os/as nossos/s cozinheiros/as não deem em doidos/as... 

Sabemos, de experiência própria, com 3 anos de tropa e de guerra, ao serviço da Pàtria, da Mátria e da Fátria, que não há um "bom moral na tropa" sem um bom rancho... 

Os tempos que correm, com longos períodos trancados em casa, e muitas incertezas para o futuro, são propícias à descoberta de talentos culinários que permitam diversificar a experiência de leitura do blogue e sobretudo nos ajudem a combater a tão falada "fadiga pandémica"... (Tmabém sabemos o que é isso, comvinte e tal meses de Guiné, passados no mato ou dentro do arame farapdo rodeado de mato, e níveis de temperatura e humidade brutais, seis meses de chuva,seis meses de seca...)

É o que temos feito, com esta série "No céu não há disto... Comes & bebes: sugestões dos 'vagomestres' da Tabanca Grande"...

Hoje, e em próximos postes, vamos revelar-nos alguns dos pratos do cardápio até agora "secreto", do nosso grande amigo do peito e excecional camarada dos bons e maus momentos da Guiné, o António Levezinho (Tony para os amigos, e aqui na Tabanca Grande, Tony Levezinho, com cerca de 7 dezenas de referências no blogue). 

Foi fur mil at inf, CCAÇ 2590 / CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, maio 69 / março 71). Está reformado da Petrogal. Perdeu recentemente a sua companheira de uma vida (50 anos!), a Isabel Levezinho. Está a fazer o difícil processo de luto. E continua a ser um grande ser humano, e, neste momento, a tomar a conta do neto, o DI, que fez 14 anos. Têm passado as últimas semanas na casa do Martinhal, em Sagres, ou melhor, na Tabanca da Ponte de Sagres - Martinhal de que ele é o régulo, 

Sabendo que ele é, entre outros talentos, um cozinheiro de primeira água, desafiei-o a "dar um cheirinho" dos seus pratos. Sempre modesto, mas solidário, não quis deixar de colaborar nesta série. Mandou-me dúzia e meia de fotos "com inteira liberdade" para as selecionar e editar,  e partilhá-las com os nossos leitores,  

Escrevi-lhe a agradecer, nestes termos: 

"Mas que grande "Chef"!... No céu  nao há disto, como dizia o meu velhote.    Com um avô destes até  eu queria ser teu neto!....Isto são obras de arte, a comida também é  cultura,  poesia , música,  pintura, arte.... Nestes pratos estás tu por inteiro, no teu melhor... o teu charme, a tua sensibilidade, a tua criatividade, os teus talentos, a tua empatia, o teu amor, a tua amizade, Vais ter que me deixar publicar algumas fotos  no blogue... A Alice adorou. E disse à  moda de Candoz, dando - te a nota maxima: "Porra, porra...Que  ele sabe da poda!"... Chicoração dos dois."

E ele respondeu-me, bem humorado: 

"Tens toda a liberdade para dares a publicidade que entenderes. Tens é que avisar que, devido à pandemia, estamos encerrados. Beijinhos e Abraços do Sul".

Para começar, sai uma saladinha de queixo fresco [foto nº 2]e depois uma paelha, de se lhe tirar o chapéu [foto nº 3]!... E um bom branquinho para acompanhar... 

Eu sei que ainda não é verão, mas um dia há de ser!... E a gente há de comemorar a nossa vitória, idividual e colectiva,  contra a maldita pandemia de Covid-19 que já nos roubou amigos e familiares... LG