Guiné > Bissau > Brá > Companhia Caçadores Paraquedistas 122 > Emblema
Guiné > Bissau > Brá> 1970 > Os meus grandes amigos da Companhia de Caçadores Paraquedistas nº. 122: O Hoss e o Rodrigues. Em cima: O primeiro a começar da esquerda é o famoso Hoss, assim conhecido por todos incluindo os familiares, e julgo também o staf dos CTT, porque bastava escrever na carta ou no aerograma no endereço HOSS Paraquedista, sem SPM nem nada, que a correspondência lhe ia chegar às mão. Era 1º Cabo Enfermeiro (julgo eu). O segundo era o Soldado Manuel Conceição Rodrigues, que era meu amigo desde há muitos anos, quando ele esteve a trabalhar na construção dos Estaleiros da Lisnave. Daí quando ía a Bissau, em vez de ficar no Depósito Geral de Adidos, ía comer, beber e pernoitar no quartel de Brá com estes meus grandes amigos. O terceiro da fotografia sou. Na fotografia do meio, vê-se o Hoss a aparar um murro no estômago, como mandavam as regras. Na terceira foto em grupo, estou (à esquerda) e o Rodrigues (à direita).
Também tinha amigos nos Fuzileiros, pois sou natural da Cova da Piedade, onde está instalada a Base Naval do Alfeite, e por esse facto conhecia alguns. E enquanto estive em terras da Guiné, eu era... Parafuso... Sabes o que é ? Vou-te contar uma estória, mais uma estória de Bissau (1).
Fotos: © Tino Neves (2006). Direitos reservados.
Paraquedistas, Fuzileiros e... Parafusos
por Tino Neves (2)
Camarada Luís Graça:
Já há algum tempo que não participo no envio de histórias ou simplesmente a comentar algum assunto/tema, mas não tenho deixado de ler todos os e-mails para mim enviados, assim como visitar o blogue sempre que posso.
Desta vez, vou contar uma, aliás duas numa só, ou seja uma está inserida no contexto da outra. Vou tentar ser objectivo, pois o tema é um pouco complicado. É sobre duas Forças Especiais, de muito respeito: à parte dos Comandos, os Paraquedistas e os Fuzileiros foram as Forças mais sacrificadas no teatro de guerra da Guiné. Tem-se falado pouco nelas, pois na nossa Tertúlia não consta nenhum elemento dessas mesmas Forças (julgo eu) (3).
A estória é-me contada em 3ª ou 4ª mão, foi-me contada por uns amigos paraquedistas, portanto é a sua versão (deles, paraquedistas).
Então é assim:
Não tenho a data do acontecimento, mas julgo ter sido em 1968.Houve um jogo de futebol de onze no campo do Benfica. Não me recordo, ao certo, do nome completo do clube de futebol. Sei que era de Bissau, só me lembro que era do Benfica.
Os contentores eram obviamente os Fuzileiros contra os Paraquedistas, o jogo estava a correr muito bem, mas a um dado momento gerou-se uma troca de mimos, na assistência, entre as claques que chegaram mesmo a vias de facto (ou seja pancadaria).
Os Fuzileiros, estando relativamente perto do aquartelamento deles, correram a armarem-se, ou pedir reforços, não sei, mas os Paraquedistas aperceberam-se disso e foram em seu encalço. A praça que estava de guarda na porta de armas do quartel, apercebendo-se do que se estava a passar, chamou o Cabo da Guarda e perguntou-lhe o que deveria fazer neste caso. Foi-lhe dada ordem de disparar, o que fez, originando a morte de um Paraquedista.
A partir daí, qualquer Fuzileiro não se podia relacionar com Paraquedistas, e vice-versa, pelo que acontecia muitas vezes pancadaria entre ambos e, quando acontecia, cada um ia chamar o seu Camarada protector. O Protector dos Fuzileiros era um Cabo (julgo eu) chamado Lages, e da parte dos Paraquedistas também havia um Cabo, Enfermeiro,conhecido por Oitenta.
Em café, esplanada ou qualquer espaço onde houvesse confrontos entre Fuzileiros e Paraquedistas com os seus respectivos Protectores, não restava nada que ficasse de pé.
Quando os dois Cabos se encontravam no mesmo passeio, um deles tinha que mudar , porque ambos não se podiam cruzar.
Uma dada altura os Fuzileiros resolveram vingarem-se do Cabo 80, e sabendo que o 80, quase todos os dias antes de se recolher no quartel de Bissalanca, ia visitar a sua bajuda, que ficava relativamente perto, mas tinha que passar por alguns sítios isolados, resolveram fazer-lhe uma espera.
No dia combinado, o Cabo 80 quando já estava de regresso ao quartel, ouviu um cão a ladrar e, como o seguro morreu velho e o acautelado ainda é vivo, ele agarrou num pilão, não viesse o cão morder-lhe, mas para grande espanto dele, não foi o cão que apareceu, mas sim sete ou oito Fuzileiros armados de facas de ponte e mola.
Ele percebendo-se que também estava armado (e bem armado) com um grande pilão na mão, foi só despachar os Fuzileiros e, quando chegou ao quartel, telefonou para o Hospital para que os fossem buscar.
Após todos estes acontecimentos, os meses foram passando, e foram chegando novos militares para ambas as Forças, e esses novos militares começaram a confraternizar com amigos, vizinhos ou familiares vindos da Metrópole. Esses foram alcunhados de PARAFUSOS, o que eram uma grande desonra porque não eram PARA(quedistas) nem FUZ(ileir)OS... Eram uns híbridos, PARAFUZOS...
Espero que esta triste estória não passe disso mesmo, uma estória, e que tanto os FUZOS como os PARAS não levem a mal eu vir aqui contá-la, e que a vossa amizade hoje e sempre esteja bem FORTE e bem APARAFUSADA.
Pois como disse atrás, os Fuzileiros e os Paraquedistas foram (e são) umas grandes e respeitáveis Instituições, e com Grandes Homens e Valorosos Guerreiros. Dos Fuzileiros, só conheci - aliás vi várias vezes em Bissau, sempre à civil - um rapaz novo assim como nós, lourinho e sempre bem acompanhado. Tentei saber quem era, e alguém me contou que era um Fuzileiro e que só tinha uma farda, (um camuflado e um chapéu de palha). Era o Setúbal.
E da parte dos Paraquedistas, conheci vários entre eles, o Hoss assim era conhecido por todos: a correspondência que recebia dos amigos e própria família só dizia Hoss - Paraquedista, mais nada, nem sequer o SPM ou Guiné, e ela chegava-lhe semopre às mãos.
Junto fotos - eu com o meu amigo de longa data, desde a Metrópoloe, o Rodrigues, mais o Hoss, no aquartelamento de Bissalanca (Companhia Caçadores Paraquedistas nº. 122) em 1970. O Hoss assim como o Oitenta, ambos Cabos Enfermeiros, foram bastante condecorados. O Oitenta não cheguei a conhecer mas conheci (vi várias vezes em Bissau) também um grande Homem e combatente que na altura também diziam que ele tinha a cabeça a prémio. Estou a falar do Capitão na altura, hoje Coronel na reforma, Terra Marques.
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post desta série: 2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1484: Estórias de Bissau (10): do Pilão a Guidaje... ou as (des)venturas de um periquito (Albano Costa)
(2) Vd. post de 3 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1146: Constantino Neves, ex-1º Cabo Escriturário da CCS do BCAÇ 2893 (Lamego, 1969/71).
(3) Tino, não é verdade: O Jorge Santos, que é um tertuliano da primeira hora, pertenceu a uma companhia de fuzileiros, embora tenhfa estado em Moçambique. O Vitor Tavares e o Manuel Rebocho foram paraquedistas...
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
sábado, 10 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1511: Uma lição de... marinha (Manuel Lema Santos)
Dois esclarecimentos do Manuel Lema Santos que, para nós, infantes, ignorantes dos outros ramos das Forças Armadas, são uma lição... Também aqui o saber não ocupa lugar. Obrigado, camarada!
1. Caro Luis Graça,
Será possível efectuares uma correcção simples?
No texto, quando escrevi "Chegou a estar prevista a montagem de MP na ponte mas não chegou a ser efectuada" escreveste Morteiro Pesado em vez de Metralhadora Pesada, o verdadeiro significado da nossa abreviatura.
Ainda foram efectuadas algumas experiências com morteiro 60 mm e até houve quem pedisse 82 mm mas a resistência da estrutura não era suficiente e a ideia foi abandonada.
Um abraço e um bom fim de semana.
Manuel Lema Santos
2. Meu Caro Luis Graça,
Começo por te responder à tua pequena chamada, não percebendo muito bem se o teu código de página ou o Outlook Express está com dificuldades digestivas...
Dentro de todos aqueles palavrões, usuais à época, avultavam os sonantes Ordop (Ordens de Operações), Perintrep , Sitrep (Relatórios de Situação) , Relins, Relabs (Relatórios Abreviados), etc. e mais um inumerável rol de palavras sonantes utilizados a nível de Estados-Maiores e que suponho terem como função simplificarem as comunicações. Alguns, eu próprio não os sei retroverter para qualquer coisa mais compreensível mas confesso-me despreocupado com a ignorância.
Nesses mesmos relatórios, mensagens e todo o tipo de comunicações abreviadas era usual o ML (metralhadora ligeira), o MP (metralhadora pesada), o LGF (lança-granadas foguete), a ALG (suponho que arma lança-granadas) e todo um inumerável conjunto de abreviaturas para o qual nem sei se existem algumas regras estabelecidas.
Mesmo em anexos de comunicações de operações era muito vulgar a atribuição de abreviaturas que simplificava a extensão das comunicações efectuadas. Suponho que seria idêntico em todos os ramos das FA (cá está outra abreviatura em que até já fui corrigido para FFA para não se confundir com Força Aérea) pois se assim não fosse teríamos a Torre de Babel. Não tens essa sensibilidade adquirida?
No caso da ALG, não corresponderia este nome aos dilagramas utilizados pelo exército?
Na prática e numa LFG, correspondia a uma G3 fixa num suporte próprio (reparo) ao lado da MG 42 da ponte, reparo esse dispondo de uma mola bastante forte para suportar o recuo provocado pela munição de salva. O dispositivo, com um sistema de guiamento tipo morteiro, encaixava no cano da G3 e na ponta estava fixa uma granada defensiva a que era previamente retirada a cavilha de segurança depois de presa no encaixe do dispositivo, próprio para o efeito. Ao efectuar-se o disparo - com um atilho próprio para protecção do dedo - a munição de salva projectava a granada à distância, já com a cavilha solta e com os efeitos posteriores óbvios.
Esta era sim, uma arma de tiro curvo para as margens mas com algumas precauções obrigatórias na utilização.
Quanto aos aspectos específicos que focas, respeitantes a navios, vou tentar ajudar numa perspectiva simplificada:
1 - Todos os navios de guerra ostentam no costado (casco) e nas amuras de bombordo e estibordo (os guarda-lamas da frente esquerdo e direito) uma letra (correspondente ao tipo de navio) e normalmente também no painel de popa (parte de trás ou ré) seguida de um número correspondente atribuído essa unidade fabricada.
Assim poderemos dar alguns exemplos: F de Fragata, P de Patrulha, M de Draga-minas, U de Submarino (U boat), CV de Porta-Aviões (aircraft carrier), A de Auxiliar (abastecimento, hidrográfico, etc.) LDG de lancha de desembarque grande, LDM de lancha de desembarque média e LDP de lancha de desembarque pequena.
Claro que na origem está a língua inglesa e, mais especificamente, a nomenclatura NATO.
Ainda outros menos frequentes, por exemplo os Couraçados - BB (Battle ships), os Cruzadores - CV (designando navios mais poderosos que as Fragatas) e os DD - Destroyers que nesta altura não fazem parte dos tipos de navios que integram a nossa Marinha de Guerra.
Há ainda mais tipos de navios mas referi os mais frequentes. Apenas a observação de que no caso das nossas LFG's eram todas P (as LFP's ainda com mais sentido por terem quase metade do comprimento) por pertencerem efectivamente à classe dos Patrulhas mas designadas Lanchas pela tonelagem não atingir as 250 t.
Já agora, completando o ramalhete das oito que passaram pela Guiné foram a Argos - P372, Dragão - P374, Escorpião - P375, Cassiopeia - P373, Hidra - P376, Lira - P361, Orion - P362, Sagitário - P1131.
Quanto a fotos pessoais, referes-te a Marinha ou vida civil? Tenho alguma coisa que terei todo o gosto em enviar-te.
Tenho algumas coisas em carteira para o blo9gue mas terei que as trabalhar alguma coisa primeiro.
Um abraço e um bom fim de semana para ti e família!
Manuel Lema Santos
1. Caro Luis Graça,
Será possível efectuares uma correcção simples?
No texto, quando escrevi "Chegou a estar prevista a montagem de MP na ponte mas não chegou a ser efectuada" escreveste Morteiro Pesado em vez de Metralhadora Pesada, o verdadeiro significado da nossa abreviatura.
Ainda foram efectuadas algumas experiências com morteiro 60 mm e até houve quem pedisse 82 mm mas a resistência da estrutura não era suficiente e a ideia foi abandonada.
Um abraço e um bom fim de semana.
Manuel Lema Santos
2. Meu Caro Luis Graça,
Começo por te responder à tua pequena chamada, não percebendo muito bem se o teu código de página ou o Outlook Express está com dificuldades digestivas...
Dentro de todos aqueles palavrões, usuais à época, avultavam os sonantes Ordop (Ordens de Operações), Perintrep , Sitrep (Relatórios de Situação) , Relins, Relabs (Relatórios Abreviados), etc. e mais um inumerável rol de palavras sonantes utilizados a nível de Estados-Maiores e que suponho terem como função simplificarem as comunicações. Alguns, eu próprio não os sei retroverter para qualquer coisa mais compreensível mas confesso-me despreocupado com a ignorância.
Nesses mesmos relatórios, mensagens e todo o tipo de comunicações abreviadas era usual o ML (metralhadora ligeira), o MP (metralhadora pesada), o LGF (lança-granadas foguete), a ALG (suponho que arma lança-granadas) e todo um inumerável conjunto de abreviaturas para o qual nem sei se existem algumas regras estabelecidas.
Mesmo em anexos de comunicações de operações era muito vulgar a atribuição de abreviaturas que simplificava a extensão das comunicações efectuadas. Suponho que seria idêntico em todos os ramos das FA (cá está outra abreviatura em que até já fui corrigido para FFA para não se confundir com Força Aérea) pois se assim não fosse teríamos a Torre de Babel. Não tens essa sensibilidade adquirida?
No caso da ALG, não corresponderia este nome aos dilagramas utilizados pelo exército?
Na prática e numa LFG, correspondia a uma G3 fixa num suporte próprio (reparo) ao lado da MG 42 da ponte, reparo esse dispondo de uma mola bastante forte para suportar o recuo provocado pela munição de salva. O dispositivo, com um sistema de guiamento tipo morteiro, encaixava no cano da G3 e na ponta estava fixa uma granada defensiva a que era previamente retirada a cavilha de segurança depois de presa no encaixe do dispositivo, próprio para o efeito. Ao efectuar-se o disparo - com um atilho próprio para protecção do dedo - a munição de salva projectava a granada à distância, já com a cavilha solta e com os efeitos posteriores óbvios.
Esta era sim, uma arma de tiro curvo para as margens mas com algumas precauções obrigatórias na utilização.
Quanto aos aspectos específicos que focas, respeitantes a navios, vou tentar ajudar numa perspectiva simplificada:
1 - Todos os navios de guerra ostentam no costado (casco) e nas amuras de bombordo e estibordo (os guarda-lamas da frente esquerdo e direito) uma letra (correspondente ao tipo de navio) e normalmente também no painel de popa (parte de trás ou ré) seguida de um número correspondente atribuído essa unidade fabricada.
Assim poderemos dar alguns exemplos: F de Fragata, P de Patrulha, M de Draga-minas, U de Submarino (U boat), CV de Porta-Aviões (aircraft carrier), A de Auxiliar (abastecimento, hidrográfico, etc.) LDG de lancha de desembarque grande, LDM de lancha de desembarque média e LDP de lancha de desembarque pequena.
Claro que na origem está a língua inglesa e, mais especificamente, a nomenclatura NATO.
Ainda outros menos frequentes, por exemplo os Couraçados - BB (Battle ships), os Cruzadores - CV (designando navios mais poderosos que as Fragatas) e os DD - Destroyers que nesta altura não fazem parte dos tipos de navios que integram a nossa Marinha de Guerra.
Há ainda mais tipos de navios mas referi os mais frequentes. Apenas a observação de que no caso das nossas LFG's eram todas P (as LFP's ainda com mais sentido por terem quase metade do comprimento) por pertencerem efectivamente à classe dos Patrulhas mas designadas Lanchas pela tonelagem não atingir as 250 t.
Já agora, completando o ramalhete das oito que passaram pela Guiné foram a Argos - P372, Dragão - P374, Escorpião - P375, Cassiopeia - P373, Hidra - P376, Lira - P361, Orion - P362, Sagitário - P1131.
Quanto a fotos pessoais, referes-te a Marinha ou vida civil? Tenho alguma coisa que terei todo o gosto em enviar-te.
Tenho algumas coisas em carteira para o blo9gue mas terei que as trabalhar alguma coisa primeiro.
Um abraço e um bom fim de semana para ti e família!
Manuel Lema Santos
sexta-feira, 9 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1510: Os heróis do Chão Manjaco e o Alferes Giesteira (Paulo Raposo)
Guiné > Bissau > 1970 > Uma fotografia dos três majores que foram assassinados, no chão manjaco, em 20 de Abril de 1970: da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial, um alferes (o 3º, na fotografia, assinalado com um círculo a vermelho), que o Paulo Raposo identifica como sendo um dos seus antigos camaradas de Mafra, do Curso de Oficiais Milicianos, de apelido Giesteira (o Paulo não tem a certeza). [, Fernando Giesteira].
Em contrapartida, não há nenhum apelido destes na lista dos nossos camaradas que tombaram na Guiné. O Alf Mil que morreu, juntamente com os três majores naquela data fatídica, foi o Joaquim João Palmeira Mosca, natural do Redondo (1)
Foto: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. p. 373. (Com a devida vénia...).
Mafra > Escola Prática de Infantaria (EPI) > 1968 > Cerimónia do Juramento de Bandeira > Desfile dos novos militares onde se integrava o Paulo Raposo, frente ao Convento de Mafra (2). E muito provavelmente o futuro Alferes Giesteira (será que o apelido está correcto ?), que aparece na foto anterior, juntamente com os majores Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório.
Foto: © Paulo Raposo (2006). Direitos reservados.
Mensagem do Paulo Raposo, um dos baixinhos de Dulombi (CCAÇ 2405, 1968/70):
Caro Luís,
O Alferes que está na foto (3) era do meu pelotão de instrução em Mafra. Julgo que o nome dele era Giesteira, mas não estou certo. O baixinho do Beja Santos também é capaz de se lembar bem dele.
Quem deu ordem de os liquidar (4), sabia o que estava a fazer. Pois bloqueando a solução da Guiné, levava à revolta do pessoal que levou ao 25 de Abril.
Diga-se de passagem, eu não gostava do regime, nem um bocadinho. Isto que temos é que não é nada, e havia forçosamente alguma coisa de melhor entre os dois. Saímos da merda para entrar na caca.
Um abraço
Raposo
______
Notas de L.G.:
(1) Vd. lista disponível, em formato pdf, no sítio do António Pires > Moçambique - Guerra Colonial > José da Silva Marcelino Martins > Militares que Tombaram em Campanha (1961-1974) > Guiné
(2) Vd. post de 12 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCXCVI: O meu testemunho (Paulo Raposo, CCAÇ 2405, 1968/70) (1): Mafra
(3) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)
(4) Vd. dossiê organizado pelo nosso camarada Afonso M.F. Sousa:
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)
19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho
27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)
6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)
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Guiné 63/74 - P1509: Marinha: As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo (Manuel Lema Santos)
Guiné > 1966 > A LFG Cassiopeia entrando a barra do Rio Cacheu .
Foto: Lema Santos (2007) / Museu da Marinha
O Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972) serviu como Imediato no NRP Orio (Guiné, 1966/68) .
Fotos: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.
Mensagem do nosso querido amigo e camarada Manuel Lema Santos (1), o primeiro ex-oficial da Marinha a contactar-nos e a pedir-nos licença para entrar na nossa caserna (que era, até então, só de infantes). Nós recebêmo-lo de braços abertos e sempre concordámos com ele quando diz que história da guerra da Guiné (e do Ultramar, em geral) só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas. Pessoalmente tenho aprendido muito, com ele, sobre a Marinha, a nossa Marinha, e o seu papel durante a guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram). Aprecio nele o rigor do engenheiro, a determinação do investigador, a sua grande paixão pela Marinha e a sua sensibilidade humana e cultural, como pessoa, em relação aos outros. Consulte-se, por exemplo, a sua página pessoal na Net > Reserva Naval. É um privilégio tê-lo entre nós. (LG)
Caro Luis Graça,
Submeter-me-ei sempre aos teus ensinamentos como Sociólogo, área em que sou um leigo confesso e, complementarmente, seria impensável alhear-me do apreço e reconhecimento devidos à enormidade do tamanho dos teus ombros.
O simples facto de te lembrares permanentemente da Marinha é um sinal de algo e, de forma mais abrangente, um bom sinal de muita coisa possível, a esboçar mesmo um início de qualquer coisa inovadora que rasgue novos horizontes para a construção de uma mais articulada História da Guiné.
Pela parte do apelo que me toca, fico sensibilizado mas, considerando apenas a Marinha, a dimensão do trabalho de pesquisa e recolha que envolve a tua gigantesca tarefa, tem de passar muito para lá de colaborações fortuitas, ainda que grasse entre todos os tertulianos marinheiros, e estes são tão poucos, a maior boa vontade em conhecer, participar e relatar de formas interessantes, diferentemente personalizadas e com alguma exactidão factos em que directa ou indirectamente participaram.
Como repetidamente tenho afirmado e, fá-lo-ei sempre com a mesma convicção, não acredito ser possível interpretar e compreender política, económica e socialmente aquela dúzia alargada de massacrantes anos - e será alguma vez possível? - enquanto não se iniciar a articulação sistemática da participação dos três ramos das Forças Armadas nos principais acontecimentos ajudando a lembrar e reconstruir a memória de cada um deles de forma individualizada e como parte de um todo.
E digo de um todo que vai levar muitos anos a construir, muito para lá da nossa efémera opinião e até existência.
Se assim não for, será superficial e passaremos a dispor de um interessante conjunto de relatos de jogos diferentes, com equipas diferentes e em que até o resultado final também será diferente.
Enquanto estiver convencido da necessidade de disponibilizar alguma da minha capacidade na ajuda a esclarecimentos de facto, ainda que aos poucos de cada vez, terei de me cingir a seguir os caminhos óbvios que a minha sensibilidade e conhecimento apontam: pesquisar, documentar e ilustrar se possível sobre determinado acontecimento e, só então, relatar e divulgar.
Nunca de forma definitiva porque o própio conceito de História o não permite mas, cometendo erros da mesma forma, terei efectuado um percurso mais correcto no sentido de os evitar ou minimizar a sua importância.
Dificuldades em situar, com precisão, os acontecimentos no tempo
Não consigo uma ajuda imediata na questão que me colocaste por vários motivos (2):
– Antes de me abalançar a efectuar considerações sobre os acontecimentos relatados tive o cuidado de ler todos os posts anteriores do camarada Mendes Gomes que, com alguma fluidez de escrita, procede a relatos diversos e interessantes de acontecimentos havidos com a CCAÇ 728 que, só no final do tempo de comissão, tem alguma coincidência com o meu tempo de permanêmcia na Guiné.
– Senti claras dificuldades em situar os relatos no período de tempo referido - 1964 a 1966 - sobretudo no que diz respeito à referenciação no tempo. Notei alguma ausência de datas, dias e meses que permitam a localização de alguns dados importantes. Sabemos todos da dificuldade de retenção deste tipo de dados na memória mas algum elemento perdido com algum esforço adicional ajudaria ao esclarecimento de um percurso.
– Nestas situações há que voltar voltar criticamente ao desernrolar dos relatos e que me seja desculpada a minha ausência de coragem para, nesta altura do campeonato, estar a passar o corrector sobre passagens de artigos de alguns camaradas que com maior ou menor dificuldade aqui vêm expor relatos, opiniões e muitas vezes, afectividade e sentimentos.
– Confesso que me foi impossível nas tentativas efectuadas qualquer relacionamento directo entre os factos relatados e o meu tempo de permanência na Guiné de Maio de 1966 a Abril de 1968 como imediato da LGF Orion. Mesmo relativamente a um trabalho de investigação e pesquisa que mantenho em curso sobre todas as LFG e de 1963 a 1975, o tempo de vida ao activo daquelas unidades navais, nada consegui apurar.
– Na época referida e reporto-me a 1966, encontravam-se na Guiné as LFG (Lanchas de Fiscalização Grandes) Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário e das LFP (Lanchas de Fiscalização Pequenas], a Bellatrix, a Canopus e a Deneb. Ainda a considerar as LDG (Lanchas de Desembraque Grandes) Alfange Montante e, de maior porte, a FF Nuno Tristão (que anteriormente tinha participado na célebre Operação Tridente) e o NH Pedro Nunes (navio em Missão Hidrográfica) (3).
– As bacias hidrográficas dos Rios Cacine e Cumbijã tinham permanentemente uma LFG em cruzeiro e por períodos de 10 a 15 dias, tempo de autonomia aceitável para o conjunto de condições a satisfazer. Durante esse cruzeiro era quase certa uma ou duas deslocações ao rio Cumbijã, a Norte do rio Cacine, para apoio aos comboios de LDM e batelões das casas comerciais que efectuavam o abastecimento e transporte de pessoas e bens para Catió, Bedanda, Cabedú e Cacine. No percurso inverso efectuavam, do mesmo modo, o escoamento de produtos agrícolas, essencialmente o arroz e mancarra.
As especificidades e limitações dos nossos meios navais
- A protrecção e escolta no percurso do Rio Cumbijã fazia-se em condições de notável dificuldade e de elevado risco. As flagelações hostis por parte do IN à época eram quase sistemáticas e com diverso tipo de armamento. Faziam-no da Mata do Cantanhez no percurso entre a marca Almirante, início da formação do combóio, na foz do rio Cumbijã e a foz do rio Macobum depois de deixar para trás a foz do Cobade. As LFG's em conjunto com a LFP e as LDM ripostavam com o armamento disponível e já largamente referenciado em posts anteriores. Esta situação, manteve-se até ao 2º semestre de 1968, altura a partir da qual alguns aspectos estratégicos sofreram profunda alterações.
– As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo; apenas pontualmente foram efectuadas experiências com Morteiro e com ALG. Esse facto sempre constituiu um problema porque sendo as Boffors de 40 mm, peças de fogo anti-aéreo, apenas efectuavam tiro tenso, em linha recta que auto-deflagravam por gravidade quando iniciavam a trajectória descendente, mas nunca em tiro próximo. Chegou a estar prevista a montagem de MP [Metralhadoras Pesadas] na ponte mas não chegou a ser efectuada.
– Não tenho conhecimento de qualquer acção como a referida mas, com elementos mais precisos, é possível uma pesquisa mais pormenorizada em que colaborarei depois de me serem facultadas algumas informações suplementares, sobretudo datas.
– Admito ainda ser possível, com alguma facilidade e a alguém menos conhecedor de navios de guerra, confundir perfis de unidades navais a alguma distância.
– Nesta altura já procedi à leitura do articulado enviado pelo Pedro Lauret (2) que reputo de inteiramente correcto.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
Ex 1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion 66/68
_________________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
Vd. também o seu último post: 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)
(2) Vd. posts de
9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
(3) Vd. posts:
4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
Foto: Lema Santos (2007) / Museu da Marinha
O Lema Santos, ex-1º tenente da reserva naval (1965-1972) serviu como Imediato no NRP Orio (Guiné, 1966/68) .
Fotos: © Manuel Lema Santos (2006). Direitos reservados.
Mensagem do nosso querido amigo e camarada Manuel Lema Santos (1), o primeiro ex-oficial da Marinha a contactar-nos e a pedir-nos licença para entrar na nossa caserna (que era, até então, só de infantes). Nós recebêmo-lo de braços abertos e sempre concordámos com ele quando diz que história da guerra da Guiné (e do Ultramar, em geral) só pode fazer-se juntando a malta dos três ramos das Forças Armadas. Pessoalmente tenho aprendido muito, com ele, sobre a Marinha, a nossa Marinha, e o seu papel durante a guerra colonial (ou do Ultramar, como queiram). Aprecio nele o rigor do engenheiro, a determinação do investigador, a sua grande paixão pela Marinha e a sua sensibilidade humana e cultural, como pessoa, em relação aos outros. Consulte-se, por exemplo, a sua página pessoal na Net > Reserva Naval. É um privilégio tê-lo entre nós. (LG)
Caro Luis Graça,
Submeter-me-ei sempre aos teus ensinamentos como Sociólogo, área em que sou um leigo confesso e, complementarmente, seria impensável alhear-me do apreço e reconhecimento devidos à enormidade do tamanho dos teus ombros.
O simples facto de te lembrares permanentemente da Marinha é um sinal de algo e, de forma mais abrangente, um bom sinal de muita coisa possível, a esboçar mesmo um início de qualquer coisa inovadora que rasgue novos horizontes para a construção de uma mais articulada História da Guiné.
Pela parte do apelo que me toca, fico sensibilizado mas, considerando apenas a Marinha, a dimensão do trabalho de pesquisa e recolha que envolve a tua gigantesca tarefa, tem de passar muito para lá de colaborações fortuitas, ainda que grasse entre todos os tertulianos marinheiros, e estes são tão poucos, a maior boa vontade em conhecer, participar e relatar de formas interessantes, diferentemente personalizadas e com alguma exactidão factos em que directa ou indirectamente participaram.
Como repetidamente tenho afirmado e, fá-lo-ei sempre com a mesma convicção, não acredito ser possível interpretar e compreender política, económica e socialmente aquela dúzia alargada de massacrantes anos - e será alguma vez possível? - enquanto não se iniciar a articulação sistemática da participação dos três ramos das Forças Armadas nos principais acontecimentos ajudando a lembrar e reconstruir a memória de cada um deles de forma individualizada e como parte de um todo.
E digo de um todo que vai levar muitos anos a construir, muito para lá da nossa efémera opinião e até existência.
Se assim não for, será superficial e passaremos a dispor de um interessante conjunto de relatos de jogos diferentes, com equipas diferentes e em que até o resultado final também será diferente.
Enquanto estiver convencido da necessidade de disponibilizar alguma da minha capacidade na ajuda a esclarecimentos de facto, ainda que aos poucos de cada vez, terei de me cingir a seguir os caminhos óbvios que a minha sensibilidade e conhecimento apontam: pesquisar, documentar e ilustrar se possível sobre determinado acontecimento e, só então, relatar e divulgar.
Nunca de forma definitiva porque o própio conceito de História o não permite mas, cometendo erros da mesma forma, terei efectuado um percurso mais correcto no sentido de os evitar ou minimizar a sua importância.
Dificuldades em situar, com precisão, os acontecimentos no tempo
Não consigo uma ajuda imediata na questão que me colocaste por vários motivos (2):
– Antes de me abalançar a efectuar considerações sobre os acontecimentos relatados tive o cuidado de ler todos os posts anteriores do camarada Mendes Gomes que, com alguma fluidez de escrita, procede a relatos diversos e interessantes de acontecimentos havidos com a CCAÇ 728 que, só no final do tempo de comissão, tem alguma coincidência com o meu tempo de permanêmcia na Guiné.
– Senti claras dificuldades em situar os relatos no período de tempo referido - 1964 a 1966 - sobretudo no que diz respeito à referenciação no tempo. Notei alguma ausência de datas, dias e meses que permitam a localização de alguns dados importantes. Sabemos todos da dificuldade de retenção deste tipo de dados na memória mas algum elemento perdido com algum esforço adicional ajudaria ao esclarecimento de um percurso.
– Nestas situações há que voltar voltar criticamente ao desernrolar dos relatos e que me seja desculpada a minha ausência de coragem para, nesta altura do campeonato, estar a passar o corrector sobre passagens de artigos de alguns camaradas que com maior ou menor dificuldade aqui vêm expor relatos, opiniões e muitas vezes, afectividade e sentimentos.
– Confesso que me foi impossível nas tentativas efectuadas qualquer relacionamento directo entre os factos relatados e o meu tempo de permanência na Guiné de Maio de 1966 a Abril de 1968 como imediato da LGF Orion. Mesmo relativamente a um trabalho de investigação e pesquisa que mantenho em curso sobre todas as LFG e de 1963 a 1975, o tempo de vida ao activo daquelas unidades navais, nada consegui apurar.
– Na época referida e reporto-me a 1966, encontravam-se na Guiné as LFG (Lanchas de Fiscalização Grandes) Hidra, Lira, Orion, Cassiopeia e Sagitário e das LFP (Lanchas de Fiscalização Pequenas], a Bellatrix, a Canopus e a Deneb. Ainda a considerar as LDG (Lanchas de Desembraque Grandes) Alfange Montante e, de maior porte, a FF Nuno Tristão (que anteriormente tinha participado na célebre Operação Tridente) e o NH Pedro Nunes (navio em Missão Hidrográfica) (3).
– As bacias hidrográficas dos Rios Cacine e Cumbijã tinham permanentemente uma LFG em cruzeiro e por períodos de 10 a 15 dias, tempo de autonomia aceitável para o conjunto de condições a satisfazer. Durante esse cruzeiro era quase certa uma ou duas deslocações ao rio Cumbijã, a Norte do rio Cacine, para apoio aos comboios de LDM e batelões das casas comerciais que efectuavam o abastecimento e transporte de pessoas e bens para Catió, Bedanda, Cabedú e Cacine. No percurso inverso efectuavam, do mesmo modo, o escoamento de produtos agrícolas, essencialmente o arroz e mancarra.
As especificidades e limitações dos nossos meios navais
- A protrecção e escolta no percurso do Rio Cumbijã fazia-se em condições de notável dificuldade e de elevado risco. As flagelações hostis por parte do IN à época eram quase sistemáticas e com diverso tipo de armamento. Faziam-no da Mata do Cantanhez no percurso entre a marca Almirante, início da formação do combóio, na foz do rio Cumbijã e a foz do rio Macobum depois de deixar para trás a foz do Cobade. As LFG's em conjunto com a LFP e as LDM ripostavam com o armamento disponível e já largamente referenciado em posts anteriores. Esta situação, manteve-se até ao 2º semestre de 1968, altura a partir da qual alguns aspectos estratégicos sofreram profunda alterações.
– As LFG nunca dispuseram de armas de tiro curvo; apenas pontualmente foram efectuadas experiências com Morteiro e com ALG. Esse facto sempre constituiu um problema porque sendo as Boffors de 40 mm, peças de fogo anti-aéreo, apenas efectuavam tiro tenso, em linha recta que auto-deflagravam por gravidade quando iniciavam a trajectória descendente, mas nunca em tiro próximo. Chegou a estar prevista a montagem de MP [Metralhadoras Pesadas] na ponte mas não chegou a ser efectuada.
– Não tenho conhecimento de qualquer acção como a referida mas, com elementos mais precisos, é possível uma pesquisa mais pormenorizada em que colaborarei depois de me serem facultadas algumas informações suplementares, sobretudo datas.
– Admito ainda ser possível, com alguma facilidade e a alguém menos conhecedor de navios de guerra, confundir perfis de unidades navais a alguma distância.
– Nesta altura já procedi à leitura do articulado enviado pelo Pedro Lauret (2) que reputo de inteiramente correcto.
Um abraço,
Manuel Lema Santos
Ex 1º TEN RN 1965/72
Guiné, NRP Orion 66/68
_________________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 21 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXIII: Apresenta-se o Imediato da NRP Orion (1966/68) e 1º tenente da reserva naval Lema Santos
Vd. também o seu último post: 11 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1420: O cruzeiro das nossas vidas (5): A viagem do TT Niassa que em Maio de 1969 levou a CCAÇ 2590/CCAÇ 12 (Manuel Lema Santos)
(2) Vd. posts de
9 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
(3) Vd. posts:
4 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXXXI: A Marinha, as LDG e as LFG (Lema Santos)
25 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXC: Os marinheiros e os seus navios (Lema Santos)
Guiné 63/74 - P1508: LFG no Cumbijã, marujos contra infantes ? Acidentes de guerra (Pedro Lauret)
Guiné > Região de Tombali > Rio Cacine > O Pedro Lauret, oficial imediato da LFG Orion (1971/73), a navegar no Cacine. Em segundo plano, o comandante Rita.
Depois de ter completado o Curso de Marinha na Escola Naval (1967/71), o Pedro Lauret foi promovido a Guarda-Marinha em Julho de 1971, tendo embarcado para a Guiné, em Setembro de 1971. Aí exerceu o cargo de Oficial Imediato do NRP Orion. Na sua comissão na Guiné (1971/73) exerceu intensa actividade operacional em todos os rios e braços de mar navegáveis pelo navio (Cacheu, Geba, Buba, Tombali, Cumbijã, Cacine, Bijagós).
Foto: © Pedro Lauret (2006).Direitos reservados.
1. A propósito da última crónica do nosso Palmeirim de Catió (1), mandei aos nossos dois marinheiros, Manuel Lema Santos e Pedro Lauret, o seguinte SOS, com pedido de esclarecimento:
Queridos marinheiros: Peço para darem uma vista de olhos a esta crónica… O nosso Palmeirim troca o Cumbijã pelo Geba e as LGF pelas corvetas… Fiz a devida correcção… Mas queria a vossa douta opinião… E depois a Marinha a matar os nossos infantes, também não é coisa que se faça… Aconteceu, podia acontecer… (?). Saudações, com água doce e salgada. Luís
2. A resposta do Pedro Lauret (2) foi gentilíssima e célere. Aqui fica:
Caro Luís,
Não tenho conhecimento do episódio que é narrado, nem sequer tal assunto foi ventilado no tempo da minha comissão. De qualquer forma vou tentar investigar o que aconteceu para depois vos comunicar. Talvez o Lema Santos, que fez a sua comissão antes de mim, tenha ouvido falar no incidente.
Tenho alguma dificuldade em perceber a situação operacional que poderia estar por detrás de tão grave incidente. As LFG estavam armadas com duas peças Bofors de 40 mm, peças anti-aéreas, de ritmo de fogo de 120 munições por minuto. Como peças anti-aérea estavam preparadas para efectuar tiro tenso, ou seja, para aproveitar utilmente a parte rectilinea inicial da trajectória. O tiro contra-costa fazia-se sobretudo tudo em situações defensivas, com o IN à vista - tiro contra as margens ou para o orla da mata em clareiras.
Não possuíamos mecanismos de tiro contra alvos fora da visão directa dos apontadores. Ou seja, não havia condições para, de forma útil, efectuar tiro contra alvos fora do alcance visual, ou seja, tiro curvo. Nem as peças estavam vocacionadas para tal fim. Só seria possível se dispusesemos de uma direcção de tiro que permitisse posicionar as peças relacionando o movimento do navio, as coordenadas do alvo e os elementos de tiro.
Tanto quanto sei, quando foi necessário efectuar tiro contra costa foram utilizadas as peças de fragatas, no início da guerra, por exemplo na Operação Tridente [, na Ilha do Como, Janeiro a Março de 1964] ou posteriormente e raramente a peça de 120 mm do Navio Hidrográfico Pedro Nunes.
Acidentes numa guerra como foi a da Guiné existiram e não é de admirar, a proximidade dos combatentes era grande e as comunicações nas nossas FA nunca foram o seu forte!!! Numa operação em que estão envolvidos muitos meios, a coordenação deve ser perfeita, caso contrário os acidentes são inevitáveis. Todos estamos lembrados do Vietname e mesmo agora no Iraque.
Basta por vezes um conjunto de circunstâncias se conjugarem para o acidente ocorrer, por exemplo, o meu navio [, a LFG Orion,] foi uma vez flagelado pela artilharia de Binta.
Recebemos uma mensagem, ao fim do dia, para apoiar Binta que estava a ser flagelada com grande intensidade. Subimos o rio e um pouco a montante da clareira do Tancroal, vimos claramente as saídas do IN. Abrimos fogo intenso tendo calado aquele grupo atacante.
Em Binta o pessoal ouviu rajadas e uma chuva de tracejantes pouco habitual que presumiu ser do IN e abriu fogo. Fomos contemplados com uma salva de obus (salvo erro, de 14), que rebentaram na margem muito próximo de nós, com uma imponência de pôr em sentido o mais valente marinheiro. Suspendemos o tiro continuamos a subir o rio em direcção a Binta sem mais qualquer incidente.
Um abraço
Pedro Lauret
Capitão de Mar e Guerra, na reforma,
antigo imediato do NRP Orion,
Guiné (1971/73)
_________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
(2) Vd. também o último post do Pedro Lauret: 12 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1423: Questões politicamente (in)correctas (15): Na guerra não vale tudo (Pedro Lauret)
quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1506: Convívio do BCAÇ 1888: CCS e CCAÇ 1549 (1966/68) (Joaquim Peixeira / Natalino S. Batista, o barreirense)
1. Através do José Martins, procurou-me há tempos, na Escola Nacional de Saúde Pública onde trabalho, o Joaquim Peixeira, que foi Furriel Miliciano da CCAÇ 1549, pertencente ao BCAÇ 1888 (Tite, Fulacunda, Quinhamel, 1966/68). Tem, além disso, uma filha ligada à administração hospitalar, colega do nosso Paulo Salgado.
O Peixeira viu morrer nos seus braços o alferes do seu pelotão. Não se terá calado sobre o que se passou. A hierarquia militar não gostou. O Peixeira acabou por ser transferido por motivos disciplinares, para a CCAV 1617, pertencente ao BCAV 1897 (Mansabá).
Natural de Campo Maior, mora actualmnete em Loures: R José Marques Raso, 16, 2670-445 Loures. Infelizmente não tem e-mail.
2. Mais uma vez, ele vai organizar, este ano, o convívio da malta da CCAÇ 1549 . Deixou-me a seguinte mensagem, com pedido de divulgação no nosso blogue:
"Missiva aos amigos: passaram quatro décadas, mas não passou a amizade criada durante o tempo que estivemos juntos. Por isso vamos realizar mais um encontro e contamos com a vossa presença.
"Dia 25 de Abril de 2007. Mafra. Concentração junto ao Convento. Inscrições até 15 de Abril.
"Almoço (entradas, sopa, peixe, carne, sobremesa e digestivos) > Preço por pessoa: adultos= 22,5€; Crianças (de 5 a 12 anos)= 11,25€; menores de 5 anos= grátis.
"Contactos: J. Peixeira > Telef 21 983 24 78 / TM 96 293 05 30".
3. No dia 29 de Abril de 2007, será a vez de se reunirem os antigos elementos da CCS do BCAÇ 1888. Local: Restaurante David, sito na Estrada Leiria-Figueira da Foz (Ortigosa, Leiria).
A CCS do BCAÇ 1888 passou por Bambadinca (1966/68). Quem fazia parte desta unidade era o nosso camarada Natalino da Silva Batista, operador de transmissões. Era conhecido como o barreirense. Vive desde 1970 na Alemanha, onde "tenho a mulher mais querida da minha vida; duas filhas e um rapaz; e ainda dois netos, um moço e uma moça". O Natalino tinha-nos há tempo escrito: "tenho pena de só agora saber que ainda há malta do meu tempo e não poder estar com alguns porque a minha saúde não dá para ir aí"... Nessa altura (4 de Agosto de 2006), também me disse que não se lembrava de nenhuma explosão do paiol de Bambadinca, até porque ele andava sempre em destacamentos (Saltinho, Enxalé, etc.).
O J. Peixeira pediu-me para lhe transmitir, de qualquer modo, a notícia do convívio da sua unidade, a CCS do BCAÇ 1888.
A organização também é do J. Peixeira.
O Peixeira viu morrer nos seus braços o alferes do seu pelotão. Não se terá calado sobre o que se passou. A hierarquia militar não gostou. O Peixeira acabou por ser transferido por motivos disciplinares, para a CCAV 1617, pertencente ao BCAV 1897 (Mansabá).
Natural de Campo Maior, mora actualmnete em Loures: R José Marques Raso, 16, 2670-445 Loures. Infelizmente não tem e-mail.
2. Mais uma vez, ele vai organizar, este ano, o convívio da malta da CCAÇ 1549 . Deixou-me a seguinte mensagem, com pedido de divulgação no nosso blogue:
"Missiva aos amigos: passaram quatro décadas, mas não passou a amizade criada durante o tempo que estivemos juntos. Por isso vamos realizar mais um encontro e contamos com a vossa presença.
"Dia 25 de Abril de 2007. Mafra. Concentração junto ao Convento. Inscrições até 15 de Abril.
"Almoço (entradas, sopa, peixe, carne, sobremesa e digestivos) > Preço por pessoa: adultos= 22,5€; Crianças (de 5 a 12 anos)= 11,25€; menores de 5 anos= grátis.
"Contactos: J. Peixeira > Telef 21 983 24 78 / TM 96 293 05 30".
3. No dia 29 de Abril de 2007, será a vez de se reunirem os antigos elementos da CCS do BCAÇ 1888. Local: Restaurante David, sito na Estrada Leiria-Figueira da Foz (Ortigosa, Leiria).
A CCS do BCAÇ 1888 passou por Bambadinca (1966/68). Quem fazia parte desta unidade era o nosso camarada Natalino da Silva Batista, operador de transmissões. Era conhecido como o barreirense. Vive desde 1970 na Alemanha, onde "tenho a mulher mais querida da minha vida; duas filhas e um rapaz; e ainda dois netos, um moço e uma moça". O Natalino tinha-nos há tempo escrito: "tenho pena de só agora saber que ainda há malta do meu tempo e não poder estar com alguns porque a minha saúde não dá para ir aí"... Nessa altura (4 de Agosto de 2006), também me disse que não se lembrava de nenhuma explosão do paiol de Bambadinca, até porque ele andava sempre em destacamentos (Saltinho, Enxalé, etc.).
O J. Peixeira pediu-me para lhe transmitir, de qualquer modo, a notícia do convívio da sua unidade, a CCS do BCAÇ 1888.
A organização também é do J. Peixeira.
Guiné 63/74 - P1505: Lembranças da Vila de Catió (1): Albano Costa / Mendes Gomes / Vitor Condeço
Guiné > Região de Tombali > Catió > 1967 > O Fur Mil Mecânico de Armamento Victor Condeço, que pertenceu à CCS do BART 1913 (Catió 1967/69).
Foto: © Vítor Condeço (2006). Direitos reservados.
1. Mensagem do Victor Condeço que esteve em Catió (1) e que teve a gentileza de responder a um meu mail, em que lhe pedia, a ele e a outros camaradas que estiveram em Catió, para legendar uma colecção de fotos sobre aquela vila da região de Tombali , tiradas pelo Albano Costa (AC) e pelo seu filho, em Novembro de 2000.
Recorde-se que no tempo da guerra colonial Catió era um importante centro administrativo e militar. Era sede de concelho ou circunscrição tal como Bolama, Fulacunda, Bafatá, Nova Lamego, Bissorã, Farim, Mansoa, Teixeira Pinto e São Domingos.
Vocês que estiveram em Catió, embora em épocas diferentes, talvez queiram dar uma vista de olhos e pôr umas legendas ou fazer algum comentário a estas fotos que me mandou o Albano Costa. Ele esteve lá, em Novembro de 2000, com o filho (Hugo) e com um grupo de ex-combatentes.
Meu caro Luís: Acima de tudo quero agradecer-te as emoções que me proporcionas-te ao ver esta colecção de fotografias de Catió. O meu obrigado também ao Albano Costa e ao seu filho que no-las proporcionaram.
Não foi pacífico para mim rever Catió 38 anos depois de lá ter saído, foi um misto de alegria e tristeza.
- Alegria, por rever os locais onde passei os bons e maus momentos, as alegrias e as tristezas, de uma comissão de 22 meses. Alegria também por ver que a vila não parou, ao que se vê quando a guerra acabou terá crescido, demoliu muros e ocupou o quartel dando-lhe outras utilizações.
- Tristeza, por ver que em 2000 nem tudo ia bem, nota-se algum descuro na limpeza e conservação das ruas e do património que foi aproveitado. Dá indícios que depois do crescimento que a vila terá conhecido no pós guerra, houve um retrocesso.m Outrora foi uma vila limpa, de ruas de terra batida mas sem capim. Sinais dos tempos e da crise que grassa um pouco por todo lado.
Luís, o tempo que medeia entre o meu regresso e a data das fotografias é de 31 anos, procurarei descrever cada uma o mais fielmente possível, para isso vou socorrer-me da minha memória visual, das fotografias que tenho de certos locais e à planta do quartel do tempo em que ali estive. Algumas não conseguirei e se fossem fotografias actuais, decerto mais difícil se tornaria, vamos ver o que consigo.
Luís, revivi Catió, calcorreei de novo as suas ruas, contemplei de novo as suas casas, cruzei-me com os seus habitantes, revi amigos e pessoas que me trataram bem, revi cada canto do quartel, contemplei as bajudas lavadeiras no seu portão e senti-me mais novo quase 40 anos. Tudo graças a estas fotos!
Desculpa se fui exaustivo na minha descrição, estás a vontade para aligeirar o que entenderes, compara com as respostas do João Tunes e do Mendes Gomes.
Se existirem grandes discrepâncias diz, pois podemos ter de corrigir alguma coisa. Brevemente vou enviar-te as tais fotos de que te falei e que mostram alguns destes locais de Catió.
Um abraço
Victor Condeço
2. Mensagem do Mendes Gomes (MG), o palmeirim de Catió (2):
Caríssimo Luís: Antes de mais, quero renovar-te o meu agradecimento, pelo esforço e labor à tarefa que nos tem deliciado, a mim e a todos os amigos da tertúlia. Para além do serviço de valor imperecível que tem. Bem hajas.
Continuo em Berlim. A emboscada rendeu-me, já uma formosa neta, precisamente na madrugada do dia 26 de Dezembro [de 2006]. Um rebento saboroso, como são sempre os netos, nesta fase do caír da folha.
Da 5ª série de fotos, não consigo identificar nenhum daqueles trechos, tão frequentes em Catió. As construções, tipo arrecadação, das fotos poderiam ter sido luxuosa casernas, que não foram, do meu tempo. (...).
Como quer que seja, ali, nelas todas, cheirou-me a Catió...e ficou-me a nostalgia daqueles tempos, donde, apesar da guerra, se alcançava o infinito. Muita saúde e um enorme abraço, do tamanho deste mundo, para Ti e todos os amigos da tertúlia... Mendes Gomes.
3. O Albano Costa (AC), por sua vez, escreveu-me: "Quanto às legendas, vou tentar à distância de seis anos, e como só lá estive umas horas, ser o mais correcto possível, embora algumas é melhor deixar à imaginação de quem conheceu Catió"... O Albano esteve no norte, junto à fronteira do Senegal (CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74). Em Novembro de 2000, visitou também o sul, integrado num grupo de ex-combatentes.
Fotos: © Albano Costa / Hugo Costa (2007). Direitos reservados.
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > Foto 1 >
"A Igreja Católica, vista da rua que passava por dentro da zona antiga do quartel e ligava na estrada de Priame, que tinha duas faixas de rodagem separadas por uma fila de palmeiras" (VC).
"Igreja de Catió, em frente aos correios" (AC).
"Desta série, só identifico a igrejinha. Onde passei um Páscoa inesquecível. Tenho fotos, algures, lá por casa... com a pequenada de putos, na procissão dos ramos" (MG).
Foto 2 > "A foto é tirada da zona da Rotunda e mostra a curta mas larga avenida com passeios laterais cimentados e canteiros com árvores, divisória central ajardinada, era onde se situavam os edifícios públicos e administrativos, escola, enfermaria, residências do secretário e do administrador, esta última encimava a dita avenida" (VC).
Foto 3 > "Não consigo identificar este local, parece tratar-se de um monumento algures, mas que não recordo a sua existência em 1967/69" (VC).
Foto 4 > "Igreja vista do lado da Rotunda, à direita uma das antigas habitações coloniais, no mesmo sítio onde se vê a torre de telecomunicações, em 1967/69 eram os CTT, que também tinham uma torre para o mesmo fim" (VC)
"Centro de Catió, do lado esquerdo a igreja; e do direito os correios" (AC)
"Destas, à frente da igreja, seria a casa onde funcionava o posto administrativo...talvez...Esta memória não me ajuda. Ou então, falta lá a indispensável presença da malta fardada militar...
Foto 7 > "Rua com início próximo da Igreja e Rotunda" (VC).
Foto 8 > "Vista a partir da Rotunda, antiga rua das Palmeiras que ligava à estrada de Priame passando por dentro da parte antiga do quartel" (VC).
"Do lado direito , o local de partida do toca-toca" (AC).
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1336: Catió: Autor de pintura mural, procura-se (Victor Condeço)
3 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1335: Um mecânico de armamento para a nossa companhia (Victor Condeço, CCS/BART 1913, Catió)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1301: O cruzeiro das nossas vidas (4): Uíge, a viagem nº 127 (Victor Condeço, CCS/BART 1913)
(2) Vd. o seu último post > 8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
Guiné 63/74 - P1504: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (32): Aruma Sambu, o prisioneiro de Quebá Jilã
Capa do mundialmente famoso livrinho de Saint-Exupéry, Antoine Marie Roger de Saint-Exupéry (Lyon, 1900- Mar mediterrâneo, 1944). Ilustrações do autor. 4ª edição. Editorial Aster, Lisboa, s/d.
Le Petit Prince, no original, em francês, foi publicado em 1943, nos Estados Unidos. É considerado o livro francês mais divulgado de todos os tempos e, a seguir à Bíblia, a obra mais traduzida em todo o mundo. Beja Santos considera-o, ainda hoje, umn dos dos seus livros de cabeceira.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Texto enviado em 18 de Janeiro de 2007. Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.
O prisioneiro de Quebá Jilã
por Beja Santos
A 31 de Janeiro [de 1969], à noite, chegou a mensagem de Açor dirigido a Alce: "Apresente-se urgentemente este". Açor, neste caso, é o Comandante de Bambadinca, o incontornável Pimbas (2).
É evidente que a visita de Spínola e Felgas já chegara ao conhecimento de Pimbas, a convocatória não surpreendia, Bafatá (3) aproveitava qualquer pretexto para pressionar Bambadinca/Pimbas , exigindo-lhe energia e vigilância de e para todos os aquartelamentos.
A paternal admoestação do Pimbas, em Bambadinca
O Pimbas dava-se mal com este papel de reitor e vigilante implacável, ele próprio estava a ser enredado nas suas limitações de que começará a cair desamparadamente depois da Operação Lança Afiada (3) e do ataque a Bambadinca de 28 de Maio, de que sairá definitivamente exautorado.
Junto o útil ao agradável, e a 1 de Fevereiro apresento-me muito cedo na sede do Comando. O Pimbas recebeu-me com a afabilidade do costume, levou-me para o seu gabinete, não sem antes ter dito ao Bala, o lendário ordenança, que não queria ser incomodado na próxima meia hora.
- Menino, hoje é um dia terrível para mim, pois vai começar a evacuação de Madina do Boé e tenho que ser áspero contigo. Tu não sabes o que eu ouvi do Felgas. Para ele, tu não passas de uma desilusão, combates destemidamente mas tens o quartel como uma choldra. Ele até cafre te chamou. Vai voltar em breve para ver as alterações na segurança e na repartição entre o que é quartel e população. Peço-te que tenhas tudo limpo, exige à população que escove e se liberte da porcaria, se não ele dá-te mesmo uma porrada. Nesta altura, é mesmo o que nos faltava, eu sou repreendido por tudo e por nada, vê lá se não desiludes e me apoias.
É um cafre, diz o Hélio Felgas
Entendi relembrar ao Pimbas o que ele vira e a diferença abismal daquilo que eu recebera. Diariamente, trinta homens faziam 25 a 50 Km para ir a Mato de Cão, a prioridade das prioridades. As obras, a manutenção, a logística eram devoradoras da outra disponibilidade. As fieiras de arame farpado estavam renovadas, e eram três, ao contrário de duas a cair que encontrei; o plano de segurança, gizado pelo Reis para minar o que era exequível minar num espaço onde viviam várias dezenas de crianças, estava em execução; de duas viaturas permanentemente empanadas, havia melhorias; Finete ia conhecendo melhoramentos, tinha um abrigo novo e valas que podiam dar protecção à população civil no caso de uma flagelação; houvera reparações, funcionava a escola em Missirá, graças ao Payne assistia-se semanalmente a população doente; e o plano dos abrigos também estava em marcha, como o próprio Comandante Chefe constatara.
O que acima de tudo me estava a magoar era esta insidiosa incriminação de sujeira e bandalheira cafre. Era ímpossível, além de indesejável e imoral, meter a população num gueto. Tinham sido dadas intruções rigorosas aos responsáveis civis para haver mais cuidado no arrumo das alfaias e na limpeza doméstica, mas havia que atender que há valores culturais que não se mudam por ordem de serviço. E pus o meu lugar à disposição, se me considerava incompetente havia muita guerra para fazer , não queria ser estorvo para ninguém.
É de imaginar que esta conversa não levava a ponto nenhum, a não ser o Pimbas insistir na limpeza das cubatas e numa segurança revigorada para Missirá... mesmo sem se explicitar se se falava de armamento, da pesquisa de cartuchos na parada ou outras diligências afins.
As ameaças do Mamadu Jaquité
Findo o encontro, fui fazer o relatório ao Major das operações. A novidade da última semana de Janeiro foram documentos de propaganda que o PAIGC deixara numa bolsa de plástico na fonte de Cancumba e um papel garatujado que o Benjamim me ajudou a decifrar:
- Tu não passas de um alferes de merda. Andas a chatear um povo que quer ser livre. Tu vais morrer ou eu ter vergonha de viver na minha Pátria. Se quiseres desertar , tu vens cultivar a bolanha de Madina. O meu nome é Mamadu Jaquité.
O Benjamim, finda a leitura, esboçou um sorriso alargado e perguntou-me:
- E agora, o que o meu alferes vai fazer? Olhe que isto é uma ameaça.
Mais disse ao Major Viriato Pires da Silva que nessa semana acordámos todos pelas três da manhã com um estrondo monumental vindo da estrada de Morucunda, a 2 Km de Missirá. O Reis aceitara a minha sugestão de armadilhar o trilho que, tínhamos detectado, era usado por gente de Madina. Com o estrondo saímos dos abrigos e das cubatas e ouvimos um morteiro a funcionar, seguindo-se algumas rajadas espúrias e depois o silêncio. Não restava dúvidas: uma coluna do PAIGC caíra numa armadilha e estava a reagir.
Na manhã seguinte viera para Mato de Cão e o Casanova fora fazer o reconhecimento, com todas as cautelas possíveis. O que me descreveu à noite era de que havia uma imensa fossa com pastas de sangue, a picada pisada em várias direcções, certamente que a gente de Madina improvisara macas e suposera, no meio do caos, tratar-se de uma emboscada.
Informei o Major de operações que ia em breve visitar o último ponto do Cuor onde eu considerava ser possível patrulhar com um pequeno contigente: Quebá Jilã, para saber se era habitado, quais as redes de circulação até Madina, a escassos 8 Km. Ele deu-me a entender que estava em preparativos uma grande operação a Madina/Belel e que tal reconhecimento era bastante útil.
E do trabalho das armas passei para as coisas da construção civil e da mesa. Depois, cumpriu-se o jogo de futebol com o recém-chegado pelotão de caçadores nativos nº 54. Para além da sova monumental que levámos, recordo que em determinado momento parámos todos para ver o céu escurecido por aviões de diferente porte que avançavam para Leste, com ruído ensurdecedor. Começara a evacuação de Madina Boé e ali vinham bombas, canhões, tropa aerotransportada, munições várias, o conforto e o alívio de quem ia ajudar a evacuar Madina do Boé.
Como eu não sei ler as linhas do destino, não podia antever que a vida dos soldados de Missirá tinha o seu futuro selado aos acontecimentos trágicos que iriam ensombrar a companhia de Galomaro [, a CCAÇ 2405]. Terei essa resposta a descoberto no dia em que aparecemos esfarrapados em Bambadinca, lá para o fim de Março.
Cambámos o Geba com chapa ondulada, cimentos, pregos, rebites mas também com barricas com pé de porco, conservas de feijão verde, leite achocolatado, cerveja, detergentes e outros imperativos domésticos. Fiquei essa noite em Finete, não sem ter enviado uma mensagem ao Casanova para no dia seguinte escolher trinta homens que saíriam connosco na madrugada seguinte, para o patrulhamento de Quebá Jilã. Informei-o que levaria gente de Finete para suprir faltas, na eventualidade de haver uma ida a Mato de Cão. A haver, ele seria o Comandante e Bacari Soncó ficaria a substituir-me com o Furriel Pires.
O azar do Aruma Sambu, 18 anos, agricultor, mansoanque, apanhado em cima de um palmeira
Nessa noite, pedindo o maior sigilo a Bacari Soncó e Fodé Dahaba, expliquei-lhes o que pretendia saber na região de Quebá Jilã. Bacari foi categórico:
-Sabemos que Quebá Jilã tem população civil e faz a ligação com a base de Banir, já no Oio. É melhor levarmos de Finete uma secção de tropa muito bem preparada. É atacar e fugir, não se pode fazer mais.
Em Missirá, no dia seguinte, conversei com o Casanova e, separadamente, com Malã e Quebá Soncó. Tratava-se de um patrulhamento, e eu apostava numa progressão muito rápida a partir das 2 da manhã entre Missirá, o Rio de Biassa, até ao interior do Cuor, a aproximadamente 4 Km de Quebá Jilã. A partir das 8/9 da manhã, eu ficaria nas mãos do picador e dos conhecimentos de Cibo Indjai e Queta Baldé, que já tinham percorrido a região. Conversando com o Queta, ele rememorou os factos:
-Levámos um morteiro 60, uma bazuca, quatro apontadores dilagrama, rádio e várias metralhadoras ligeiras.
Chegámos ao pé de Quebá Jilã ia o sol no alto. Cibo e eu propusemos ao Quebá avançar dentro de uma floresta e contornar, bem protegidos, uma clareira que eu sabia chegar a Quebá Jilã. O Quebá escolheu sempre bem caminho fora de velhas picadas, entrámos na floresta e ao longe comecei a ouvir vozes de gente que cantava. De repente, tínhamos um grande campo de milho e mandioca e ao fundo palmeiras. É a olhar para as palmeiras que o Cibo avista alguém a apanhar vinho de palma.
Combinou-se então que um grupo ia a correr para aquela árvore e a coluna avançaria a protegê-los. Assim aconteceu. Estava um jovem de cerca de 18 anos em cima de uma palmeira que quando nos viu tentou atirar-se e fugir. Foi logo preso e, quando ele se preparava para gritar, alguém teve que lhe dar um tabefe. A sua expressão era de terror, usava uma tanga o que deu para ver como o seu corpo vibrava, supondo o horror da morte. Decidimos então trazer o preso para dentro da floresta e interrogá-lo. Quando abordei o Queta Baldé sobre este episódio, ele foi categórico:
-Eu lembro tudo. Chamava-se Aruma Sambu e era mansoanque. Uam conversou com ele em mansoanque. Ali perto do palmeiral estava um grupo de população civil a trabalhar protegido por tropa de Belel, com RPG 2 e morteiros. Foi nessa altura que o alferes decidiu retirar imediatamente com o preso para Missirá, onde chegámos ao fim da tarde. Ele ficou no armazém de géneros e depois do jantar o alferes voltou a interrogá-lo sobre Quebá Jilã. Não foi fácil obter informações. Ele disse viver perto do Banir e não conhecer Madina. Mas lá foi confirmando que havia um bigrupo em Madina e que as vias de abastecimento estavam presentemente a mudar devido à pressão de Missirá. Estava a chegar menos gente de Mero e havia medo nos Nhabijões. A tropa falava em atacar Missirá. Mas ele procurava dizer sempre que não tinha nada a ver com a tropa, era agricultor. E na manhã seguinte, levámo-lo a Bambadinca.
A arte da contra-informação nos mercados de Bambadinca
Assim fora. Nessa noite, tomei a decisão de criar uma corrente de contra-informação que submeti ao critério do Domingos e do Benjamim. A ideia era espalhar pelos mercados de Bambadinca a notícia que um prisioneiro informara as nossas tropas sobre quem ajudava Madina/Belel e quais os caminhos mais utilizados. O Domingos e o Benjamim aprovaram a ideia, escolheram-se intoxicadores para espalhar a atoarda em várias línguas, com relevo para o Balanta, Beafada, Mandinha e Fula. Escrevi uma carta para o Comandante, relatando-lhe sumariamente os acontecimentos e pedindo à sala de operações que tivesse em conta todos os depoimentos de Aruma Sambu, ligando-os às exigências da operação.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > O famoso SDintex com que o Beja Santos (e depois os seus sucessores, aqui na foto o Mexia Alves) fazia a travessia do Rio Geba (4).
Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados
As idas a Mato de Cão vão ser um sorvedouro de energias nos próximos dias. Eu irei a Bafatá, por imposição, ouvir a admoestação do Felgas. Este mês de Fevereiro incluirá as operações Anda Cá e Fado Hilário com dolorosas lembranças e o espectro das abelhas. Vão-se viver os últimos tempos da velha Missirá que vai ficar carbonizada. A grande surpresa reserva para o fim: neste mês de Fevereiro vamos provar a delícia de viajar num Sintex a partir do porto de Bambadinca pelos meandros estreitos do Geba até Gã Joaquim. Os nossos abastecimentos vão ficar transfigurados, se bem que exigindo dura provas no patrulhamento da margem esquerda do Geba, sobretudo entre Boa Esperança, Gã Gémeos e Gã Joaquim.
O Princepezinho, minha leitura de cabeceira
Está decidido que depois da Fado Hilário partirei para Bissau a 1 de Março. As dores no joelho são insuportáveis, sempre que vou a Mato de Cão tenho que estar 1 hora com saco de gelo com a perna hirta. Aproveito para ler e continuo cheio de sorte, dentro deste ciclo de obras magistrais. Desta feita, trata-se de De víbora na mão, por Hervé Bazin, numa tradução de Maria Judith de Carvalho e Urbano Tavares Rodrigues.
Filho muito amado por uma mãe inesquecível, entro a medo nesta história de ódio gélido e recíproco entre um filho e uma mãe. Bazin faz um relato violento, viperinamente violento, de uma família de aristocracia rural decadente onde a mãe, Paule Rezeau, domina tudo e todos. Os Reazeau têm o seu nome ligado à história da França, casam com duques, marqueses, condes e barões. Paule Pluvignec era neta de um banqueiro e filha de um senador. Quando se torna Rezeau traz um dote de 300 mil francos-ouro. Educa os filhos com máxima dureza, manipula sentimentos, neutraliza o marido, mantém os filhos andrajosos e mal alimentados, em regime de internato severo. Os filhos vingam-se, procurando tripodear os planos maléficos da agressiva Sra Rezeau. É um combate sem tréguas que se alimenta de ódio, uma arquitectura literária sublime em que o verbo prodigioso acompanha a decomposição dos valores e sentimentos. O livro é ácido e vai desembocar em posições extremadas de uma mãe que odeia e vive a maquinar o sofrimento dos filhos e estes a crescer como serpentes. Ainda hoje quando pergunto a alguém o que pensa deste relato familiar catastrófico, oiço sempre dizer, entre suspiros e interjecções: "É a obra prima absoluta!".
Leio e volto a reler, incansavelmente, O Principezinho, certamente o testamento poético e humano de Saint-Exupéry. Nesta idade, ainda não sei que este bravo homem vive permanentemente à procura de superar os limites, e que vai morrer, um ano depois de ter escrito O Principezinho, sob os céus da França.
É um monólogo de um escritor ao espelho, sob o disfarce de um piloto que no meio do Saará é obrigado a uma paragem forçada que leva a conversas inocentes com uma aparição de um jovem que veio de um asteróide. Fala-se de embodeiros, ovelhas, muitas flores, pássaros, de outros asteróides, de histórias de encantar, de viagens fabulosas pelo espaço. Até ao dia em que a visita do Principezinho termina como se chegasse o momento de só regressar ao sofrimento humano na paisagem do mundo. O Principezinho é uma estrela quente que nos afugenta os sonhos maus no mundo em guerra. E na minha guerra, no fim do mundo, entre o Cuor e o Oio, cercado pelo Geba, por obrigações inevitáveis, se alguém dissesse ter dúvidas que o livro é melhor companhia eu passava-lhe para a mão a ternura de O Principezinho.
É com os sonhos de O Principezinho que a seguir vou ouvir as admoestações do Coronel Felgas, viajar no Sintex e apanhar dois dias de prisão simples. Ora escutem lá.
___________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts relativos ao ano de 1969:
2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas
25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel
(2) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias
(3) Badtá era sede do Agrupamento 2957, que abarcava toda a Zona Leste, sendo constituído por cinco sectores. O de Bambadinca era o L1. Este agrupamento, comandado pelo Coronel Hélio Felgas, deu origem mais tarde ao CAOP 2.
Sobre a figura deste oficial superior, que se reformou como brigadeiro, há vários posts no nosso blogue:
24 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIX: O Hélio Felgas do nosso tempo (A. Marques Lopes)
23 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos
25 de Novembro de 20065 > Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas
29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIII: Antologia (29): depoimento de Hélio Felgas (3): os ataques aos acampamentos do IN
9 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIII: Antologia (32): depoimento de Hélio Felgas (4): "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela"
13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas
(4) Vd. post de 25 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1115: O Destacamento do Mato Cão, no tempo em que comandei o Pel Caç Nat 52 (1972/73) (Joaquim Mexia Alves)
Le Petit Prince, no original, em francês, foi publicado em 1943, nos Estados Unidos. É considerado o livro francês mais divulgado de todos os tempos e, a seguir à Bíblia, a obra mais traduzida em todo o mundo. Beja Santos considera-o, ainda hoje, umn dos dos seus livros de cabeceira.
Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.
Texto enviado em 18 de Janeiro de 2007. Continuação das memórias do Mário Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70) (1). Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue.
O prisioneiro de Quebá Jilã
por Beja Santos
A 31 de Janeiro [de 1969], à noite, chegou a mensagem de Açor dirigido a Alce: "Apresente-se urgentemente este". Açor, neste caso, é o Comandante de Bambadinca, o incontornável Pimbas (2).
É evidente que a visita de Spínola e Felgas já chegara ao conhecimento de Pimbas, a convocatória não surpreendia, Bafatá (3) aproveitava qualquer pretexto para pressionar Bambadinca/Pimbas , exigindo-lhe energia e vigilância de e para todos os aquartelamentos.
A paternal admoestação do Pimbas, em Bambadinca
O Pimbas dava-se mal com este papel de reitor e vigilante implacável, ele próprio estava a ser enredado nas suas limitações de que começará a cair desamparadamente depois da Operação Lança Afiada (3) e do ataque a Bambadinca de 28 de Maio, de que sairá definitivamente exautorado.
Junto o útil ao agradável, e a 1 de Fevereiro apresento-me muito cedo na sede do Comando. O Pimbas recebeu-me com a afabilidade do costume, levou-me para o seu gabinete, não sem antes ter dito ao Bala, o lendário ordenança, que não queria ser incomodado na próxima meia hora.
- Menino, hoje é um dia terrível para mim, pois vai começar a evacuação de Madina do Boé e tenho que ser áspero contigo. Tu não sabes o que eu ouvi do Felgas. Para ele, tu não passas de uma desilusão, combates destemidamente mas tens o quartel como uma choldra. Ele até cafre te chamou. Vai voltar em breve para ver as alterações na segurança e na repartição entre o que é quartel e população. Peço-te que tenhas tudo limpo, exige à população que escove e se liberte da porcaria, se não ele dá-te mesmo uma porrada. Nesta altura, é mesmo o que nos faltava, eu sou repreendido por tudo e por nada, vê lá se não desiludes e me apoias.
É um cafre, diz o Hélio Felgas
Entendi relembrar ao Pimbas o que ele vira e a diferença abismal daquilo que eu recebera. Diariamente, trinta homens faziam 25 a 50 Km para ir a Mato de Cão, a prioridade das prioridades. As obras, a manutenção, a logística eram devoradoras da outra disponibilidade. As fieiras de arame farpado estavam renovadas, e eram três, ao contrário de duas a cair que encontrei; o plano de segurança, gizado pelo Reis para minar o que era exequível minar num espaço onde viviam várias dezenas de crianças, estava em execução; de duas viaturas permanentemente empanadas, havia melhorias; Finete ia conhecendo melhoramentos, tinha um abrigo novo e valas que podiam dar protecção à população civil no caso de uma flagelação; houvera reparações, funcionava a escola em Missirá, graças ao Payne assistia-se semanalmente a população doente; e o plano dos abrigos também estava em marcha, como o próprio Comandante Chefe constatara.
O que acima de tudo me estava a magoar era esta insidiosa incriminação de sujeira e bandalheira cafre. Era ímpossível, além de indesejável e imoral, meter a população num gueto. Tinham sido dadas intruções rigorosas aos responsáveis civis para haver mais cuidado no arrumo das alfaias e na limpeza doméstica, mas havia que atender que há valores culturais que não se mudam por ordem de serviço. E pus o meu lugar à disposição, se me considerava incompetente havia muita guerra para fazer , não queria ser estorvo para ninguém.
É de imaginar que esta conversa não levava a ponto nenhum, a não ser o Pimbas insistir na limpeza das cubatas e numa segurança revigorada para Missirá... mesmo sem se explicitar se se falava de armamento, da pesquisa de cartuchos na parada ou outras diligências afins.
As ameaças do Mamadu Jaquité
Findo o encontro, fui fazer o relatório ao Major das operações. A novidade da última semana de Janeiro foram documentos de propaganda que o PAIGC deixara numa bolsa de plástico na fonte de Cancumba e um papel garatujado que o Benjamim me ajudou a decifrar:
- Tu não passas de um alferes de merda. Andas a chatear um povo que quer ser livre. Tu vais morrer ou eu ter vergonha de viver na minha Pátria. Se quiseres desertar , tu vens cultivar a bolanha de Madina. O meu nome é Mamadu Jaquité.
O Benjamim, finda a leitura, esboçou um sorriso alargado e perguntou-me:
- E agora, o que o meu alferes vai fazer? Olhe que isto é uma ameaça.
Mais disse ao Major Viriato Pires da Silva que nessa semana acordámos todos pelas três da manhã com um estrondo monumental vindo da estrada de Morucunda, a 2 Km de Missirá. O Reis aceitara a minha sugestão de armadilhar o trilho que, tínhamos detectado, era usado por gente de Madina. Com o estrondo saímos dos abrigos e das cubatas e ouvimos um morteiro a funcionar, seguindo-se algumas rajadas espúrias e depois o silêncio. Não restava dúvidas: uma coluna do PAIGC caíra numa armadilha e estava a reagir.
Na manhã seguinte viera para Mato de Cão e o Casanova fora fazer o reconhecimento, com todas as cautelas possíveis. O que me descreveu à noite era de que havia uma imensa fossa com pastas de sangue, a picada pisada em várias direcções, certamente que a gente de Madina improvisara macas e suposera, no meio do caos, tratar-se de uma emboscada.
Informei o Major de operações que ia em breve visitar o último ponto do Cuor onde eu considerava ser possível patrulhar com um pequeno contigente: Quebá Jilã, para saber se era habitado, quais as redes de circulação até Madina, a escassos 8 Km. Ele deu-me a entender que estava em preparativos uma grande operação a Madina/Belel e que tal reconhecimento era bastante útil.
E do trabalho das armas passei para as coisas da construção civil e da mesa. Depois, cumpriu-se o jogo de futebol com o recém-chegado pelotão de caçadores nativos nº 54. Para além da sova monumental que levámos, recordo que em determinado momento parámos todos para ver o céu escurecido por aviões de diferente porte que avançavam para Leste, com ruído ensurdecedor. Começara a evacuação de Madina Boé e ali vinham bombas, canhões, tropa aerotransportada, munições várias, o conforto e o alívio de quem ia ajudar a evacuar Madina do Boé.
Como eu não sei ler as linhas do destino, não podia antever que a vida dos soldados de Missirá tinha o seu futuro selado aos acontecimentos trágicos que iriam ensombrar a companhia de Galomaro [, a CCAÇ 2405]. Terei essa resposta a descoberto no dia em que aparecemos esfarrapados em Bambadinca, lá para o fim de Março.
Cambámos o Geba com chapa ondulada, cimentos, pregos, rebites mas também com barricas com pé de porco, conservas de feijão verde, leite achocolatado, cerveja, detergentes e outros imperativos domésticos. Fiquei essa noite em Finete, não sem ter enviado uma mensagem ao Casanova para no dia seguinte escolher trinta homens que saíriam connosco na madrugada seguinte, para o patrulhamento de Quebá Jilã. Informei-o que levaria gente de Finete para suprir faltas, na eventualidade de haver uma ida a Mato de Cão. A haver, ele seria o Comandante e Bacari Soncó ficaria a substituir-me com o Furriel Pires.
O azar do Aruma Sambu, 18 anos, agricultor, mansoanque, apanhado em cima de um palmeira
Nessa noite, pedindo o maior sigilo a Bacari Soncó e Fodé Dahaba, expliquei-lhes o que pretendia saber na região de Quebá Jilã. Bacari foi categórico:
-Sabemos que Quebá Jilã tem população civil e faz a ligação com a base de Banir, já no Oio. É melhor levarmos de Finete uma secção de tropa muito bem preparada. É atacar e fugir, não se pode fazer mais.
Em Missirá, no dia seguinte, conversei com o Casanova e, separadamente, com Malã e Quebá Soncó. Tratava-se de um patrulhamento, e eu apostava numa progressão muito rápida a partir das 2 da manhã entre Missirá, o Rio de Biassa, até ao interior do Cuor, a aproximadamente 4 Km de Quebá Jilã. A partir das 8/9 da manhã, eu ficaria nas mãos do picador e dos conhecimentos de Cibo Indjai e Queta Baldé, que já tinham percorrido a região. Conversando com o Queta, ele rememorou os factos:
-Levámos um morteiro 60, uma bazuca, quatro apontadores dilagrama, rádio e várias metralhadoras ligeiras.
Chegámos ao pé de Quebá Jilã ia o sol no alto. Cibo e eu propusemos ao Quebá avançar dentro de uma floresta e contornar, bem protegidos, uma clareira que eu sabia chegar a Quebá Jilã. O Quebá escolheu sempre bem caminho fora de velhas picadas, entrámos na floresta e ao longe comecei a ouvir vozes de gente que cantava. De repente, tínhamos um grande campo de milho e mandioca e ao fundo palmeiras. É a olhar para as palmeiras que o Cibo avista alguém a apanhar vinho de palma.
Combinou-se então que um grupo ia a correr para aquela árvore e a coluna avançaria a protegê-los. Assim aconteceu. Estava um jovem de cerca de 18 anos em cima de uma palmeira que quando nos viu tentou atirar-se e fugir. Foi logo preso e, quando ele se preparava para gritar, alguém teve que lhe dar um tabefe. A sua expressão era de terror, usava uma tanga o que deu para ver como o seu corpo vibrava, supondo o horror da morte. Decidimos então trazer o preso para dentro da floresta e interrogá-lo. Quando abordei o Queta Baldé sobre este episódio, ele foi categórico:
-Eu lembro tudo. Chamava-se Aruma Sambu e era mansoanque. Uam conversou com ele em mansoanque. Ali perto do palmeiral estava um grupo de população civil a trabalhar protegido por tropa de Belel, com RPG 2 e morteiros. Foi nessa altura que o alferes decidiu retirar imediatamente com o preso para Missirá, onde chegámos ao fim da tarde. Ele ficou no armazém de géneros e depois do jantar o alferes voltou a interrogá-lo sobre Quebá Jilã. Não foi fácil obter informações. Ele disse viver perto do Banir e não conhecer Madina. Mas lá foi confirmando que havia um bigrupo em Madina e que as vias de abastecimento estavam presentemente a mudar devido à pressão de Missirá. Estava a chegar menos gente de Mero e havia medo nos Nhabijões. A tropa falava em atacar Missirá. Mas ele procurava dizer sempre que não tinha nada a ver com a tropa, era agricultor. E na manhã seguinte, levámo-lo a Bambadinca.
A arte da contra-informação nos mercados de Bambadinca
Assim fora. Nessa noite, tomei a decisão de criar uma corrente de contra-informação que submeti ao critério do Domingos e do Benjamim. A ideia era espalhar pelos mercados de Bambadinca a notícia que um prisioneiro informara as nossas tropas sobre quem ajudava Madina/Belel e quais os caminhos mais utilizados. O Domingos e o Benjamim aprovaram a ideia, escolheram-se intoxicadores para espalhar a atoarda em várias línguas, com relevo para o Balanta, Beafada, Mandinha e Fula. Escrevi uma carta para o Comandante, relatando-lhe sumariamente os acontecimentos e pedindo à sala de operações que tivesse em conta todos os depoimentos de Aruma Sambu, ligando-os às exigências da operação.
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Cuor > Destacamento de Mato Cão > 1973 > Pel Caç Nat 52 > O famoso SDintex com que o Beja Santos (e depois os seus sucessores, aqui na foto o Mexia Alves) fazia a travessia do Rio Geba (4).
Foto: © Joaquim Mexia Alves (2006). Direitos reservados
As idas a Mato de Cão vão ser um sorvedouro de energias nos próximos dias. Eu irei a Bafatá, por imposição, ouvir a admoestação do Felgas. Este mês de Fevereiro incluirá as operações Anda Cá e Fado Hilário com dolorosas lembranças e o espectro das abelhas. Vão-se viver os últimos tempos da velha Missirá que vai ficar carbonizada. A grande surpresa reserva para o fim: neste mês de Fevereiro vamos provar a delícia de viajar num Sintex a partir do porto de Bambadinca pelos meandros estreitos do Geba até Gã Joaquim. Os nossos abastecimentos vão ficar transfigurados, se bem que exigindo dura provas no patrulhamento da margem esquerda do Geba, sobretudo entre Boa Esperança, Gã Gémeos e Gã Joaquim.
O Princepezinho, minha leitura de cabeceira
Está decidido que depois da Fado Hilário partirei para Bissau a 1 de Março. As dores no joelho são insuportáveis, sempre que vou a Mato de Cão tenho que estar 1 hora com saco de gelo com a perna hirta. Aproveito para ler e continuo cheio de sorte, dentro deste ciclo de obras magistrais. Desta feita, trata-se de De víbora na mão, por Hervé Bazin, numa tradução de Maria Judith de Carvalho e Urbano Tavares Rodrigues.
Filho muito amado por uma mãe inesquecível, entro a medo nesta história de ódio gélido e recíproco entre um filho e uma mãe. Bazin faz um relato violento, viperinamente violento, de uma família de aristocracia rural decadente onde a mãe, Paule Rezeau, domina tudo e todos. Os Reazeau têm o seu nome ligado à história da França, casam com duques, marqueses, condes e barões. Paule Pluvignec era neta de um banqueiro e filha de um senador. Quando se torna Rezeau traz um dote de 300 mil francos-ouro. Educa os filhos com máxima dureza, manipula sentimentos, neutraliza o marido, mantém os filhos andrajosos e mal alimentados, em regime de internato severo. Os filhos vingam-se, procurando tripodear os planos maléficos da agressiva Sra Rezeau. É um combate sem tréguas que se alimenta de ódio, uma arquitectura literária sublime em que o verbo prodigioso acompanha a decomposição dos valores e sentimentos. O livro é ácido e vai desembocar em posições extremadas de uma mãe que odeia e vive a maquinar o sofrimento dos filhos e estes a crescer como serpentes. Ainda hoje quando pergunto a alguém o que pensa deste relato familiar catastrófico, oiço sempre dizer, entre suspiros e interjecções: "É a obra prima absoluta!".
Leio e volto a reler, incansavelmente, O Principezinho, certamente o testamento poético e humano de Saint-Exupéry. Nesta idade, ainda não sei que este bravo homem vive permanentemente à procura de superar os limites, e que vai morrer, um ano depois de ter escrito O Principezinho, sob os céus da França.
É um monólogo de um escritor ao espelho, sob o disfarce de um piloto que no meio do Saará é obrigado a uma paragem forçada que leva a conversas inocentes com uma aparição de um jovem que veio de um asteróide. Fala-se de embodeiros, ovelhas, muitas flores, pássaros, de outros asteróides, de histórias de encantar, de viagens fabulosas pelo espaço. Até ao dia em que a visita do Principezinho termina como se chegasse o momento de só regressar ao sofrimento humano na paisagem do mundo. O Principezinho é uma estrela quente que nos afugenta os sonhos maus no mundo em guerra. E na minha guerra, no fim do mundo, entre o Cuor e o Oio, cercado pelo Geba, por obrigações inevitáveis, se alguém dissesse ter dúvidas que o livro é melhor companhia eu passava-lhe para a mão a ternura de O Principezinho.
É com os sonhos de O Principezinho que a seguir vou ouvir as admoestações do Coronel Felgas, viajar no Sintex e apanhar dois dias de prisão simples. Ora escutem lá.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts relativos ao ano de 1969:
2 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1486: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (31): Abelhas africanas assassinas
25 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1461: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (30): Spínola, o Homem Grande de Bissau, em Missirá
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1442: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (29): Finete contra Missirá mais as vacas e o bombolom dos balantas
10 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1418: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (28): Sol e sangue em Gambiel
(2) Vd. post de 3 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1399: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (27): Sinopse: os meus primeiros 150 dias
(3) Badtá era sede do Agrupamento 2957, que abarcava toda a Zona Leste, sendo constituído por cinco sectores. O de Bambadinca era o L1. Este agrupamento, comandado pelo Coronel Hélio Felgas, deu origem mais tarde ao CAOP 2.
Sobre a figura deste oficial superior, que se reformou como brigadeiro, há vários posts no nosso blogue:
24 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIX: O Hélio Felgas do nosso tempo (A. Marques Lopes)
23 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCVIII: Antologia (27): depoimento do brigadeiro Hélio Felgas (1): os aquartelamentos
25 de Novembro de 20065 > Guiné 63/74 - CCCXII: Antologia (28): depoimento de Hélio Felgas (2): as emboscadas
29 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIII: Antologia (29): depoimento de Hélio Felgas (3): os ataques aos acampamentos do IN
9 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLIII: Antologia (32): depoimento de Hélio Felgas (4): "Ou se faz a guerra ou se acaba com ela"
13 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1365: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (24): Discutindo os destinos do Cuor com o Coronel Hélio Felgas
(4) Vd. post de 25 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1115: O Destacamento do Mato Cão, no tempo em que comandei o Pel Caç Nat 52 (1972/73) (Joaquim Mexia Alves)
Guiné 63/74 - P1503: Dossiê: O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)
Guiné > Bissau > 1970 > Uma fotografia dos três majores: da esquerda para a direita, Pereira da Silva (1º), Passos Ramos (2º) e Magalhães Osório (4º). Há um quarto oficial (o 3º, na fotografia) que presumimos ser o Alf Mil Palmeiro Mosca, também assassinado em 20 de Abril de 1970.
Fonte: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: Antunes (1995. 373) (1) (com a devida vénia...).
Mensagem do Sousa de Castro (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)
Caros amigos, depois de ler o último post em que SE referia não haver fotos dos três Majores abatidos na noite de 20 para 21 de Abril de 1970 (2), consultei os meus Doc e encontrei esta foto no livro Guerra de África 1961 – 1974 de José Freire Antunes, volume 1 (1).
Legenda: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório (1.º, 2.º e 4.º na foto) foram os majores escolhidos por Spínola para uma missão secreta, de alto risco, que ficou conhecida como a Operação Chão Manjaco. Fonte: Maria da Graça Passos Ramos (que se presume seja a viúva do major Passos Ramos).
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Notas de L.G.:
(1) ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. pág. 373.
A Guerra de África 1961 - 1974 (2 Volumes) > Uma notável edição do Círculo de Leitores (1995)
Uma abordagem isenta de maniqueísmos e perspectivas dogmáticas, aos três teatros da guerra de África: Angola, Guiné e Moçambique. (...) Desenvolvida em dois volumes, esta obra constitui uma aproximação histórica globalizante das diversas facetas e cenários da guerra em África. É o assumir, sem complexos, um tema polémico da nossa história imediata numa perspectiva nacional, solidamente documentada por mais de uma centena de testemunhos de intervenientes directos. Tudo com o apoio de fotos, gráficos e ilustrações. Os testemunhos de quem viu, viveu e sofreu 13 anos de guerra em solo africano. Uma obra grandiosa, tão emocionante quanto esclarecedora.
(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)
Fonte: Maria da Graça Passos Ramos / Círculo de Leitores. In: Antunes (1995. 373) (1) (com a devida vénia...).
Mensagem do Sousa de Castro (CART 3494, Xime e Mansambo, 1972/74)
Caros amigos, depois de ler o último post em que SE referia não haver fotos dos três Majores abatidos na noite de 20 para 21 de Abril de 1970 (2), consultei os meus Doc e encontrei esta foto no livro Guerra de África 1961 – 1974 de José Freire Antunes, volume 1 (1).
Legenda: Pereira da Silva, Passos Ramos e Magalhães Osório (1.º, 2.º e 4.º na foto) foram os majores escolhidos por Spínola para uma missão secreta, de alto risco, que ficou conhecida como a Operação Chão Manjaco. Fonte: Maria da Graça Passos Ramos (que se presume seja a viúva do major Passos Ramos).
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Notas de L.G.:
(1) ANTUNES, J.F. - A Guerra de África: 1976-1974. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores. 1995. pág. 373.
A Guerra de África 1961 - 1974 (2 Volumes) > Uma notável edição do Círculo de Leitores (1995)
Uma abordagem isenta de maniqueísmos e perspectivas dogmáticas, aos três teatros da guerra de África: Angola, Guiné e Moçambique. (...) Desenvolvida em dois volumes, esta obra constitui uma aproximação histórica globalizante das diversas facetas e cenários da guerra em África. É o assumir, sem complexos, um tema polémico da nossa história imediata numa perspectiva nacional, solidamente documentada por mais de uma centena de testemunhos de intervenientes directos. Tudo com o apoio de fotos, gráficos e ilustrações. Os testemunhos de quem viu, viveu e sofreu 13 anos de guerra em solo africano. Uma obra grandiosa, tão emocionante quanto esclarecedora.
(2) Vd. post de 6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)
Guiné 63/74 - P1502: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (8): Com Bacar Jaló, no Cantanhez, a apanhar com o fogo da Marinha
Guiné-Bissau > Região de Tombali > Catió > Novembro de 2000 > O Albano Costa e o seu filho, Hugo Costa, de visita ao sul da Guiné. O Albano pertenceu à CCAÇ 4150 (Guidaje, 1973/74).
Fotos: © Albano Costa (2007). Direitos reservados.
Operação Tempestade [, nas matas do Cantanhez]por J.L. Mendes Gomes
Dizia-se que iria ser a maior operação, no sul, desde a da ilha do Como (2). Todas as companhias da região iriam entrar, além da força aérea vinda de Bissau e a da marinha, de Bolama, com um grupo de fuzileiros e o apoio fulminante das corvetas do Geba (3).
O dia da saída era uma incógnita; um silêncio estranho reinava em todo quartel. Os rostos transpareciam visível preocupação e não havia a frequência habitual nos bares exteriores da vila [de Catió]. Iria ser sempre assim, antes de se saber o destino de cada operação.
Depois da operação, seguia-se a compensação eufórica traduzida de muitas maneiras: era o ataque cerrado à cerveja, até esgotar; os casados, com filhos na metrópole, tinham acessos de verdadeira histeria, belicosa, uns, como um transmontano, que ponha a caserna em estado de sítio, depressiva e desesperante, outros.
Contra o habitual, o capitão Silva apareceu à hora do rancho, aparentando um ar bem disposto, a meter conversa com a rapaziada da companhia, já estendida pelas grandes mesas de tábuas toscas corridas, debaixo do refeitório e cozinha, atrás do sete e meio.
A notícia não se fez esperar. No final da ceia, estava tudo desvendado. Era nessa noite pelas 2 horas da manhã que a companhia sairia. Um silêncio fúnebre, nunca visto, caíu sobre a centena de rapazes, apagando a boa disposição que reinava.
Em escassos minutos, as casernas estavam cheias e começava-se os últimos preparativos. Munições a abarrotar. Três carregadores de cada cartucheira e as granadas de mão que cada um quisesse levar; ainda não se tinha a verdadeira noção do poder de fogo que representava uma carga simples das cartucheiras.
O receio de se verem sem munições, defronte aos turras, era medonho. As bazucas e os morteiros; os rádios e o material de enfermagem de primeiros socorros eram a principal preocupação.
Nem foi precisa a habitual insistência e controlo dos chefes. Tudo era mais importante que as próprias rações de combate. Excepto o tabaco, para os fumadores…
A maioria não se deitou, até à hora de partir. No Sete e Meio (1), a preocupação dos 3 alferes não era menor, apesar do disfarce dos trinados da viola a acompanhar a voz rouca do Sasso, nos fados da sua Lisboa amada, tão distante…
Eu deitei-me por cima da roupa, abrigado no mosquiteiro, e ainda passei pelas brasas, depois de me confortar no segredo da minha fé…
O pelotão negro do comandante João Bacar Jaló (3) estaria à nossa espera na tabanca dos fulas, mais adiante. Estes eram uma força de indígenas destemidos que iriam à nossa frente. Conheciam a selva melhor que ninguém. No decurso da nossa comissão, haviam de revelar-se um precioso escudo. Tantas vidas nos pouparam, sob o comando daquele chefe nativo, com uma capacidade e qualidades de comando admiráveis e inatas.
Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério (colonial) > Abril de 2006 > Lápide funerária do Capitão Comando João Bacar Jaló, natural da Guiné, morto em combate em 16 de Abril de 1971. Foi um valoroso e destemido combatente, segundo o Mendes Gomes.
Foto: © A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados.
O comandante de batalhão, tenente coronel Arsélio Matias e vários oficiais vieram despedir-se da companhia, à porta de armas, virada a sul. O capelão militar, um anafado salesiano, inseparável da sua apaixonada batina preta, bem disposto, também lá estava a amenizar a partida, com os habituais gracejos de quem fica, mas visivelmente preocupado…
Uns 50 metros à frente, e já nada se via do quartel que deixávamos, tal era o nevoeiro, carregado de cacimbo denso.
Íamos percorrer, no começo, o mesmo trajecto da estrada de Cufar, o mesmo onde tínhamos recebido o baptismo de fogo, tempos antes.
Lentamente, em fila indiana, espaçados, quanto possível, sem nunca perder de vista o camarada da frente, a caminhada nocturna começou.
Ao longe, ouvia-se o mesmo ribombar desconexo e o mesmo matraquear cavo de tambor, nas tabancas, em redor. O ladrar dos cães, disperso, fazia-nos pensar que poderíamos estar, algures, no meio dos montes alentejanos, não fosse o lúgubre piar constante das aves nocturnas, já nosso conhecido… a esvoaçar, medonhas, por entre a folhagem negra das matas cerradas, sempre presentes.
As primeiras arremetidas do sono da madrugada venceram-me os passos, lançados já de forma automática e dei comigo a andar e sonhar, de pé, ao mesmo tempo...
Eram já muitos os quilómetros de caminho sem parar e a alvorada parecia dar os primeiros sinais. O firmamento negro clareava lentamente. Tudo corria normal e a descontracção foi-se apoderando de todos.
O amanhecer, dizia-se, era a altura mais propícia a emboscadas. Os turras sabiam-no bem. O sono e o relaxamento diminuíam os necessários cuidados de vigilância e o mais provável era que a nossa saída e trajecto fossem já do seu conhecimento.
Um Lancha de Fiscalização Grande (LFG), neste caso a Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967. Mas também operava no sul, em rios como o Cumbijã.
Foto: © Lema Santos (2006). Direitos reservados.
Uma primeira chicotada, logo ao raiar do dia, tería um efeito desmoralizante sobre nós, os invasores dos seus domínios, enquanto eles se organizavam, em defesa, ou, simplesmente, poderiam desviar-nos da rota que levaria ao seu quartel.
Via-se agora umas cubatas de palha, sem ninguém lá dentro. Tinham debandado, há pouco. Galinhas e porcos a correr desorientadas com a nossa chegada. Não havia dúvida de que já estávamos detectados. A reacção deles estaria, por certo, iminente.
Veio a ordem de incendiar as casotas. Era preciso enfraquecê-los, de todo o jeito. Um pouco mais e as labaredas devoravam-lhes o colmo seco deixando só e nuas as paredes circulares de adobe avermelhado, agora ressequido e negro pelas chamas e volutas de fumo espesso. Espectáculo dantesco, aquele…nunca visto.
Os toscos utensílios da vida rudimentar, umas mesas e panelas de alumíneo, ardiam ou ficavam calcinados e retorcidos. Os ânimos exaltavam e a vontade, paradoxal, de encontrar resistência crescia dentro de cada um. Já não era a razão do ideal que nos impelia, mas a vontade cega de sobreviver e regressar...tranquilos com a sensação duma razia infligida.
Mas não foi assim. Uma chuva de metralha aérea desabou umas centenas de metros mais à frente, durante uma hora e tal, pelos nossos bombardeiros, ronceiros, de um só motor. Seguiram-se descargas de artilharia, veementes, sem resposta de ninguém. Os altos comandos sabiam bem o que estavam a fazer.
Nós tínhamos descido para a borda de um longo descampado de bolanhas em cultivo, por razão de segurança e passávamos a meros espectadores daquele espectáculo verdadeiramente empolgante.
Lá em cima, a fumarada do rescaldo, no seio da mata, subia para o ar, em ondas de cacimbo negro. Por volta do meio dia, quando nos preparávamos para comer a primeira ração de combate, silvos agudos, vindos da altura do céu, cada vez mais perto começaram a descer sobre nós…partidos, não se sabia donde.
O pressentimento de que eram granadas de morteiro que ali vinham, terríveis, fez-nos precipitar nos regos mais fundos da bolanha, indiferentes à água encharcada ou às cobras mortíferas, que tínhamos visto serpentear por ali, esverdeadas e abundantes.
Uma sequência de estrondos fortes, seguidos de uma chuva de lama espessa em redor, salpicou-nos, desordenada, em toda a área onde nos encontrávamos. Alguns de nós, já mergulhados, só de cabeça fora de água.
Era impossível que não houvesse mortos ou feridos. E muitos, tal foi a intensidade e o acerto da pontaria. Pareceu uma eternidade de silvos lancinantes e estampidos, ali ao pé. Só no fim se saberia… Fugir, nem pensar. Atacar, para onde?…
Apesar de tudo o cabo dos morteiros, corajoso, ainda fez subir algumas granadas, ao acaso, pela mata e umas bazucadas partiram loucas e à sorte, sobre o sítio do fumo.
A nossa artilharia não se fez esperar, retumbante, para nossa salvação, durante longas horas a seguir, sem deixar um metro por metralhar.
Fora a resposta implacável à nossa barbárie da manhã. Felizmente, nem um só ferido!…Parecia impossível…com tanto rebentamento. Não queríamos acreditar…
A metralha da artilharia fora eficaz. A pouco e pouco, a calma voltou e pudemos retomar a bem merecida refeição do meio dia, interrompida…
Depois, foram umas longas horas de repouso, à espera de ordens. Entretanto, o tiroteio distante não parara, segundo os altos planos, desconhecidos.
A tarde avançava lenta e os ânimos sairam exaltados daquele banho de fogo, sem consequências…
Havia que procurar um local seguro para pernoitar. O capitão Silva, sereno, fez chegar a todos os pelotões, a ordem de seguir. Avançámos para o interior da bolanha imensa, para bem longe das matas ameaçadoras. Fora do alcance das metralhadoras.
A ordem de acampar chegou. Havia que distribuir os homens por forma a evitar o perigo do fogo que poderia vir da orla das matas, distantes.
Do lado oposto, ficava o rio largo, onde andavam as corvetas amigas da nossa marinha.
Uma escala de sentinela foi montada para acautelar a aproximação atrevida de um eventual golpe de mão dos turras.
A lua começou a erguer-se, em balão de fogo, sobre as copas frondosas de palmeiras ondulantes, ao longe, iluminando em esplendor a manta de neblina densa que nos envolvia majestosa, como só na África se vê… Era um espectáculo de beleza estonteante, a prendar-nos todo o susto da manhã.
Podíamos dormir descansados. As cobras de água tinham sido afugentadas com meia dúzia de granadas defensivas, o remédio certo para todos os males.
Quando pegávamos no primeiro sono, profundo, reparando o cansaço de uma noite por dormir, em caminhada longa, de muitas léguas, uma chuva de fogachos tracejantes começou a varrer, alta, as copas das matas medonhas, pensávamos nós, para nosso bem… Vinha das corvetas do rio, por cima de nós. Lentamente, o fogo foi baixando, ameaçador. Não queríamos acreditar.
Por instinto, toda a gente saltou para o lado contrário dos muretes de lama que dividiam a bolanha, virados para a mata. Em boa hora o fizémos. O fogo destroçar-nos-ia, a todos, impiedoso.As balas explosivas rebentavam surdas nos muretes à nossa frente, terrificados, encharcando-nos de lama. De vez em quando eu dava uma mirada sobre o meu corpo a ver se ainda estava inteiro…
Um soldado, mais incrédulo ou apenas dorminhoco do sono profundo, não quis fazer o mesmo e foi, irremediavelmente, despedaçado ao meio da cintura…
O capitão Silva agarrou-se ao rádio, vociferando, desta vez com justiça, todos os impropérios que ele sabia e não sabia, a tentar avisar a marinha, assassina, de que éramos nós… a companhia 728, que ali estava. Em vão. A ordem era para desfazer todo o ser vivo que mexesse.
Um grande equívoco que poderia ter custado vidas sem conta. Para esquecer. Ninguém mais pregou olho nessa noite, inesquecível, até ao romper da manhã, a mais longa de sempre.
Tínhamos recebido já o baptismo, em fogo brando. Aquilo era a verdadeira confirmação, em brasa, ... de guerreiros.
Para compensação, no dia seguinte, fomos poupados, pelos altos comandos, a qualquer acção.
Dali regressámos, a pé, por bolanhas e bolanhas sem fim, na linha mais direita, até Catió, guiados pela bússola do capitão e o instinto felino do chefe João Bacar Jaló.
À porta de armas, virada a sul, lá estavam, à nossa espera, o comandante de Batalhão, mais o seu cortejo "das damas guerreiras, só de estufa". O simpático capelão, de ar compungido, a perguntar a cada um, como tinha corrido.
- Ó Sor Padre. Até rezei, caralho!... - exclamou-lhe, o ateu confesso, o furriel Cunha, o enviado do alferes Teixeira, “uma das tais damas de estufa” , responsável das transmissões.
- Diga palmeira, senhor - atalhou, o capelão, afável… meio a brincar, meio a sério.
- Até rezei, palmeira… palmeira? Palmeira, não... Até rezei, caralho! Assim é que foi… caralho. - Acrescentou o furriel, repondo a verdade dos factos.
- Está bem, palmeira !… - retorquiu, compreensivo e puro, o capelão, redondo, dentro da batina preta.
Uma bela bifalhada da vitela que o comandante de batalhão, na sua peculiar bonomia, mandara abater, de propósito, acompanhada de uma cerveja de litro, fresquinha, foi a melhor prenda daquela noite de glória …depois de um saboroso duche da água dos bidões.
Durante quinze dias, podíamos ficar descansados, à espera da próxima… Para onde seria?… Era sempre a tremenda incógnita.
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Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo
11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar
1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
(2) Sobre a batalha da Ilha do Como (1964), vd. posts de:
17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)
(3) Presumo que seja lapso do Mendes Gomes: deve ler-se lanchas de fiscalização grandes (LFG), não no Rio (Zona Leste), mas sim no Rio Cumbijã, no sul, na região do Cantanhez (vd. carta de Bedanda).
Fotos: © Albano Costa (2007). Direitos reservados.
VIII Parte das memórias de Joaquim Luís Mendes Gomes, ex-Alf Mil da CCAÇ 728, Os Palmeirins (Como, Cachil, Catió, 1964/66) (1) .
Operação Tempestade [, nas matas do Cantanhez]por J.L. Mendes Gomes
Dizia-se que iria ser a maior operação, no sul, desde a da ilha do Como (2). Todas as companhias da região iriam entrar, além da força aérea vinda de Bissau e a da marinha, de Bolama, com um grupo de fuzileiros e o apoio fulminante das corvetas do Geba (3).
O dia da saída era uma incógnita; um silêncio estranho reinava em todo quartel. Os rostos transpareciam visível preocupação e não havia a frequência habitual nos bares exteriores da vila [de Catió]. Iria ser sempre assim, antes de se saber o destino de cada operação.
Depois da operação, seguia-se a compensação eufórica traduzida de muitas maneiras: era o ataque cerrado à cerveja, até esgotar; os casados, com filhos na metrópole, tinham acessos de verdadeira histeria, belicosa, uns, como um transmontano, que ponha a caserna em estado de sítio, depressiva e desesperante, outros.
Contra o habitual, o capitão Silva apareceu à hora do rancho, aparentando um ar bem disposto, a meter conversa com a rapaziada da companhia, já estendida pelas grandes mesas de tábuas toscas corridas, debaixo do refeitório e cozinha, atrás do sete e meio.
A notícia não se fez esperar. No final da ceia, estava tudo desvendado. Era nessa noite pelas 2 horas da manhã que a companhia sairia. Um silêncio fúnebre, nunca visto, caíu sobre a centena de rapazes, apagando a boa disposição que reinava.
Em escassos minutos, as casernas estavam cheias e começava-se os últimos preparativos. Munições a abarrotar. Três carregadores de cada cartucheira e as granadas de mão que cada um quisesse levar; ainda não se tinha a verdadeira noção do poder de fogo que representava uma carga simples das cartucheiras.
O receio de se verem sem munições, defronte aos turras, era medonho. As bazucas e os morteiros; os rádios e o material de enfermagem de primeiros socorros eram a principal preocupação.
Nem foi precisa a habitual insistência e controlo dos chefes. Tudo era mais importante que as próprias rações de combate. Excepto o tabaco, para os fumadores…
A maioria não se deitou, até à hora de partir. No Sete e Meio (1), a preocupação dos 3 alferes não era menor, apesar do disfarce dos trinados da viola a acompanhar a voz rouca do Sasso, nos fados da sua Lisboa amada, tão distante…
Eu deitei-me por cima da roupa, abrigado no mosquiteiro, e ainda passei pelas brasas, depois de me confortar no segredo da minha fé…
O pelotão negro do comandante João Bacar Jaló (3) estaria à nossa espera na tabanca dos fulas, mais adiante. Estes eram uma força de indígenas destemidos que iriam à nossa frente. Conheciam a selva melhor que ninguém. No decurso da nossa comissão, haviam de revelar-se um precioso escudo. Tantas vidas nos pouparam, sob o comando daquele chefe nativo, com uma capacidade e qualidades de comando admiráveis e inatas.
Guiné-Bissau > Bissau > Cemitério (colonial) > Abril de 2006 > Lápide funerária do Capitão Comando João Bacar Jaló, natural da Guiné, morto em combate em 16 de Abril de 1971. Foi um valoroso e destemido combatente, segundo o Mendes Gomes.
Foto: © A. Marques Lopes (2006). Direitos reservados.
O comandante de batalhão, tenente coronel Arsélio Matias e vários oficiais vieram despedir-se da companhia, à porta de armas, virada a sul. O capelão militar, um anafado salesiano, inseparável da sua apaixonada batina preta, bem disposto, também lá estava a amenizar a partida, com os habituais gracejos de quem fica, mas visivelmente preocupado…
Uns 50 metros à frente, e já nada se via do quartel que deixávamos, tal era o nevoeiro, carregado de cacimbo denso.
Íamos percorrer, no começo, o mesmo trajecto da estrada de Cufar, o mesmo onde tínhamos recebido o baptismo de fogo, tempos antes.
Lentamente, em fila indiana, espaçados, quanto possível, sem nunca perder de vista o camarada da frente, a caminhada nocturna começou.
Ao longe, ouvia-se o mesmo ribombar desconexo e o mesmo matraquear cavo de tambor, nas tabancas, em redor. O ladrar dos cães, disperso, fazia-nos pensar que poderíamos estar, algures, no meio dos montes alentejanos, não fosse o lúgubre piar constante das aves nocturnas, já nosso conhecido… a esvoaçar, medonhas, por entre a folhagem negra das matas cerradas, sempre presentes.
As primeiras arremetidas do sono da madrugada venceram-me os passos, lançados já de forma automática e dei comigo a andar e sonhar, de pé, ao mesmo tempo...
Eram já muitos os quilómetros de caminho sem parar e a alvorada parecia dar os primeiros sinais. O firmamento negro clareava lentamente. Tudo corria normal e a descontracção foi-se apoderando de todos.
O amanhecer, dizia-se, era a altura mais propícia a emboscadas. Os turras sabiam-no bem. O sono e o relaxamento diminuíam os necessários cuidados de vigilância e o mais provável era que a nossa saída e trajecto fossem já do seu conhecimento.
Um Lancha de Fiscalização Grande (LFG), neste caso a Orion a navegar no Cacheu em Janeiro de 1967. Mas também operava no sul, em rios como o Cumbijã.
Foto: © Lema Santos (2006). Direitos reservados.
Uma primeira chicotada, logo ao raiar do dia, tería um efeito desmoralizante sobre nós, os invasores dos seus domínios, enquanto eles se organizavam, em defesa, ou, simplesmente, poderiam desviar-nos da rota que levaria ao seu quartel.
Via-se agora umas cubatas de palha, sem ninguém lá dentro. Tinham debandado, há pouco. Galinhas e porcos a correr desorientadas com a nossa chegada. Não havia dúvida de que já estávamos detectados. A reacção deles estaria, por certo, iminente.
Veio a ordem de incendiar as casotas. Era preciso enfraquecê-los, de todo o jeito. Um pouco mais e as labaredas devoravam-lhes o colmo seco deixando só e nuas as paredes circulares de adobe avermelhado, agora ressequido e negro pelas chamas e volutas de fumo espesso. Espectáculo dantesco, aquele…nunca visto.
Os toscos utensílios da vida rudimentar, umas mesas e panelas de alumíneo, ardiam ou ficavam calcinados e retorcidos. Os ânimos exaltavam e a vontade, paradoxal, de encontrar resistência crescia dentro de cada um. Já não era a razão do ideal que nos impelia, mas a vontade cega de sobreviver e regressar...tranquilos com a sensação duma razia infligida.
Mas não foi assim. Uma chuva de metralha aérea desabou umas centenas de metros mais à frente, durante uma hora e tal, pelos nossos bombardeiros, ronceiros, de um só motor. Seguiram-se descargas de artilharia, veementes, sem resposta de ninguém. Os altos comandos sabiam bem o que estavam a fazer.
Nós tínhamos descido para a borda de um longo descampado de bolanhas em cultivo, por razão de segurança e passávamos a meros espectadores daquele espectáculo verdadeiramente empolgante.
Lá em cima, a fumarada do rescaldo, no seio da mata, subia para o ar, em ondas de cacimbo negro. Por volta do meio dia, quando nos preparávamos para comer a primeira ração de combate, silvos agudos, vindos da altura do céu, cada vez mais perto começaram a descer sobre nós…partidos, não se sabia donde.
O pressentimento de que eram granadas de morteiro que ali vinham, terríveis, fez-nos precipitar nos regos mais fundos da bolanha, indiferentes à água encharcada ou às cobras mortíferas, que tínhamos visto serpentear por ali, esverdeadas e abundantes.
Uma sequência de estrondos fortes, seguidos de uma chuva de lama espessa em redor, salpicou-nos, desordenada, em toda a área onde nos encontrávamos. Alguns de nós, já mergulhados, só de cabeça fora de água.
Era impossível que não houvesse mortos ou feridos. E muitos, tal foi a intensidade e o acerto da pontaria. Pareceu uma eternidade de silvos lancinantes e estampidos, ali ao pé. Só no fim se saberia… Fugir, nem pensar. Atacar, para onde?…
Apesar de tudo o cabo dos morteiros, corajoso, ainda fez subir algumas granadas, ao acaso, pela mata e umas bazucadas partiram loucas e à sorte, sobre o sítio do fumo.
A nossa artilharia não se fez esperar, retumbante, para nossa salvação, durante longas horas a seguir, sem deixar um metro por metralhar.
Fora a resposta implacável à nossa barbárie da manhã. Felizmente, nem um só ferido!…Parecia impossível…com tanto rebentamento. Não queríamos acreditar…
A metralha da artilharia fora eficaz. A pouco e pouco, a calma voltou e pudemos retomar a bem merecida refeição do meio dia, interrompida…
Depois, foram umas longas horas de repouso, à espera de ordens. Entretanto, o tiroteio distante não parara, segundo os altos planos, desconhecidos.
A tarde avançava lenta e os ânimos sairam exaltados daquele banho de fogo, sem consequências…
Havia que procurar um local seguro para pernoitar. O capitão Silva, sereno, fez chegar a todos os pelotões, a ordem de seguir. Avançámos para o interior da bolanha imensa, para bem longe das matas ameaçadoras. Fora do alcance das metralhadoras.
A ordem de acampar chegou. Havia que distribuir os homens por forma a evitar o perigo do fogo que poderia vir da orla das matas, distantes.
Do lado oposto, ficava o rio largo, onde andavam as corvetas amigas da nossa marinha.
Uma escala de sentinela foi montada para acautelar a aproximação atrevida de um eventual golpe de mão dos turras.
A lua começou a erguer-se, em balão de fogo, sobre as copas frondosas de palmeiras ondulantes, ao longe, iluminando em esplendor a manta de neblina densa que nos envolvia majestosa, como só na África se vê… Era um espectáculo de beleza estonteante, a prendar-nos todo o susto da manhã.
Podíamos dormir descansados. As cobras de água tinham sido afugentadas com meia dúzia de granadas defensivas, o remédio certo para todos os males.
Quando pegávamos no primeiro sono, profundo, reparando o cansaço de uma noite por dormir, em caminhada longa, de muitas léguas, uma chuva de fogachos tracejantes começou a varrer, alta, as copas das matas medonhas, pensávamos nós, para nosso bem… Vinha das corvetas do rio, por cima de nós. Lentamente, o fogo foi baixando, ameaçador. Não queríamos acreditar.
Por instinto, toda a gente saltou para o lado contrário dos muretes de lama que dividiam a bolanha, virados para a mata. Em boa hora o fizémos. O fogo destroçar-nos-ia, a todos, impiedoso.As balas explosivas rebentavam surdas nos muretes à nossa frente, terrificados, encharcando-nos de lama. De vez em quando eu dava uma mirada sobre o meu corpo a ver se ainda estava inteiro…
Um soldado, mais incrédulo ou apenas dorminhoco do sono profundo, não quis fazer o mesmo e foi, irremediavelmente, despedaçado ao meio da cintura…
O capitão Silva agarrou-se ao rádio, vociferando, desta vez com justiça, todos os impropérios que ele sabia e não sabia, a tentar avisar a marinha, assassina, de que éramos nós… a companhia 728, que ali estava. Em vão. A ordem era para desfazer todo o ser vivo que mexesse.
Um grande equívoco que poderia ter custado vidas sem conta. Para esquecer. Ninguém mais pregou olho nessa noite, inesquecível, até ao romper da manhã, a mais longa de sempre.
Tínhamos recebido já o baptismo, em fogo brando. Aquilo era a verdadeira confirmação, em brasa, ... de guerreiros.
Para compensação, no dia seguinte, fomos poupados, pelos altos comandos, a qualquer acção.
Dali regressámos, a pé, por bolanhas e bolanhas sem fim, na linha mais direita, até Catió, guiados pela bússola do capitão e o instinto felino do chefe João Bacar Jaló.
À porta de armas, virada a sul, lá estavam, à nossa espera, o comandante de Batalhão, mais o seu cortejo "das damas guerreiras, só de estufa". O simpático capelão, de ar compungido, a perguntar a cada um, como tinha corrido.
- Ó Sor Padre. Até rezei, caralho!... - exclamou-lhe, o ateu confesso, o furriel Cunha, o enviado do alferes Teixeira, “uma das tais damas de estufa” , responsável das transmissões.
- Diga palmeira, senhor - atalhou, o capelão, afável… meio a brincar, meio a sério.
- Até rezei, palmeira… palmeira? Palmeira, não... Até rezei, caralho! Assim é que foi… caralho. - Acrescentou o furriel, repondo a verdade dos factos.
- Está bem, palmeira !… - retorquiu, compreensivo e puro, o capelão, redondo, dentro da batina preta.
Uma bela bifalhada da vitela que o comandante de batalhão, na sua peculiar bonomia, mandara abater, de propósito, acompanhada de uma cerveja de litro, fresquinha, foi a melhor prenda daquela noite de glória …depois de um saboroso duche da água dos bidões.
Durante quinze dias, podíamos ficar descansados, à espera da próxima… Para onde seria?… Era sempre a tremenda incógnita.
_______________
Notas de L.G.:
(1) Vd. posts anteriores:
22 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1455: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (7): O Sr. Brandão, de Ganjolá, aliás, de Arouca, e a Sra. Sexta-Feira
8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1411: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (6): Por fim, o capitão...definitivo
11 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1359: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (5): Baptismo de fogo a 12 km de Cufar
1 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1330: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (4): Bissau-Bolama-Como, dois dias de viagem em LDG
20 Novembro 2006 > Guiné 63/74 - P1297: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (3): Do navio Timor ao Quartel de Santa Luzia
2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1236: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (2): Do Alentejo à África: do meu tenente ao nosso cabo
20 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1194: Crónica de um Palmeirim de Catió (Mendes Gomes, CCAÇ 728) (1): Os canários, de caqui amarelo
(2) Sobre a batalha da Ilha do Como (1964), vd. posts de:
17 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXCV: A verdade sobre a Op Tridente (Ilha do Como, 1964) (Carlos Fortunato / Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXX: Histórias do Como (Mário Dias)
15 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXII: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): Parte I (Mário Dias)
16 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXV: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): II Parte (Mário Dias)
17 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXXX: Op Tridente (Ilha do Como, 1964): III Parte (Mário Dias)
15 de Janeiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDLI: Falsificação da história: a batalha da Ilha do Como (Mário Dias)
(3) Presumo que seja lapso do Mendes Gomes: deve ler-se lanchas de fiscalização grandes (LFG), não no Rio (Zona Leste), mas sim no Rio Cumbijã, no sul, na região do Cantanhez (vd. carta de Bedanda).
quarta-feira, 7 de fevereiro de 2007
Guiné 63/74 - P1501: Blogoterapia (18): Carta aos tertulianos: sobre a vida e sobre a morte (Vitor Junqueira)
Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2005 > Crianças guineenses... Será que têm um avô, como o Vitor a quem as netas dizem 'Avô Vítor, vai vestir o teu pijama porque hoje podes dormir na minha cama, tá bem? E não te esqueças das tuas pistolas por causa do lobo mau'... ?
Fotos: © Hugo Costa (2006). (Gentilmente disponibilizadas por seu pai, Albano Costa, ex-1º cabo da CCAÇ 4150, Guidaje, 1973/74).
Mensagem do Vitor Junqueira (1), com data de 5 de Janeiro de 2007.
Luís Graça,
Hoje estou assim. Tem paciência pessoal, bota no Blog.
Obrigado.
V.J.
Carta aos Tertulianos
Meus queridos camaradas e amigos,
Espero que ao receberem esta se encontrem todos de boa saúde e óptima disposição na companhia dos vossos. Eu por aqui também m’acho bem, embora com muito frio, que é tempo dele.
Resolvi escrever-vos hoje, apenas porque sim, apeteceu-me. Talvez porque estou só e já tenho saudades das minhas netas que não vejo desde esta manhã, quando saíram para a escolinha.
Sei que nem sempre apreciam as minhas lérias, mas estou certo de que no fundo todos vocês m’amam, tal como eu a vós. Afinal, fazemos parte de uma grande família, porventura a mais alargada de Portugal. E, como tal, atrevo-me a contar antecipadamente com a vossa indulgência.
Pois é, manos, tenho andado meio macambúzio. Completei há dias os 59 anos de idade. Interiorizei subitamente, como se tivesse levado uma murraça nas ventas, que sou um … sexagenário! É assim que a malta dos jornais se refere a nós quando noticia uma desgraça qualquer. Mas pior ainda, meus caros, é que a cada dia que passa me vou dando conta de que este mundo em que vivemos já não é o meu. Os faróis que balizaram a minha existência, têm vindo a extinguir-se. Os valores em que firmei as minhas convicções, estão despencando como as falésias da nossa costa. Os jovens falam uma língua que não entendo, bebem shots, participam em raves e ouvem umas músicas estranhas. As sociedades e os povos que as constituem, eivadas de maniqueísmos absurdos, esmagam-se sem cerimónias, fazendo questão se infligirem mutuamente o maior sofrimento possível. Autênticos holocaustos ocorrem todos os dias aqui e além. Guernicas do nosso tempo (eran las cinco menos veinte de la tarde), em que já ninguém repara. E quando são notícia, nem pestanejamos, não é coisa que nos perturbe o sossego.
Perdemos a capacidade de estremecer, assobiar para o lado tornou-se a atitude mais comum. O amor ao próximo não existe, e o amor tout court já não é o que era.
Interrogo-me sobre o que ando por cá a fazer, o que andamos a fazer. Esta Humanidade merece existir? Ou andará Deus distraído?
Daqui em diante, é ver a pila a encolher, os tomates a chegarem aos joelhos, o cheiro a mijo nas calças, os olhos a lacrimejar e o pingo no nariz. Quando ao velho pinga o nariz, não faças caso do que ele diz, dizia o meu pai, a quem o nariz nunca pingou. E o receio de que a travadinha nos apanhe à falsa-fé, gera insónias levadas da breca.
Como diz uma comadre minha, cá vou indo porque ando sempre debaixo dos médicos, ficamos totalmente dependentes desses sacanas. Levam-nos o couro e o cabelo para nos esquadrinharem o corpo ao centímetro, enfiam o dedo em cada buraco que encontram e nem pedem licença, introduzem varetas de aço nas virilhas que chegam até ao coração e não contentes, esfaqueiam-nos por onde querem e lhes apetece, à traição. Sim, à traição, porque primeiro põem-nos a dormir! Entram-nos pela alma dentro, adivinham-nos o pensamento, cheiriscam nos recantos mais secretos do nosso ser e têm a lata de discutir a nossa vidinha toda em grandes simpósios internacionais onde nos reduzem à insignificância de casos clínicos. São assim os médicos. Mesmo que às vezes não pareça, mesmo com as inevitáveis excepções, eles são também os tipos mais interessados, solidários e humanos que conheço.
Por falar em casos clínicos, vem-me à memória um que gostaria de vos contar. Então com vossa licença:
Já lá vão uns vinte e tal anos, estava eu a consultar na Caixa quando me aparece uma freguesa habitual. Doméstica, de trinta e poucos anos, ocupava-se das lides da casa e do amanho da terra. Aparecia porque lhe doíam as costas, ou o coração batia demais, ou sentia um aperto no pescoço que a não deixava resfolgar devidamente … Acho que se sentia melhor só de vir à consulta, e por isso vinha muitas vezes! Era uma mulher tipicamente rural, nos modos e na indumentária, bonita, perna bem torneada, cabelo curto e encaracolado, pele muito morena tisnada pelo sol. Cara alegre (apesar do sofrimento…), tinha uns olhos ternurentos e um sorriso cativante. Perdiz serrana, como por aqui lhes chamam!
Naquela manhã vinha acompanhada pela filha, fruto de um descuido quando era ainda uma garota. A jovem, uma rapariga grande para os seus quinze anos, possuía estrutura de mulher. Atraente como a mãe, era o seu oposto quanto ao tom de pele e cor do cabelo, castanho claro a fugir para o louro. Parecia simpática, mas via-se que não estava para grandes conversas. Estaria ali contrariada? Nunca a tinha visto.
Depois de ter observado a senhora e enquanto fazia a prescrição, vira-se esta para mim e diz-me:
- Doutor, se não se importa ponha aí também umas vitaminas aqui para a minha filha.
- Porquê? Ela parece estar tão bem …
- É que este raio tem crescido muito ultimamente. Está tão grande que eu até tenho medo que fique com os ossos fracos … e além disso tem andado com o período muito alterado, inquietava-se a mãe. Hum, normal nesta idade, reflecti para mim.
A rapariga respirava saúde, mas pelo sim pelo não auscultei-a, espreitei-lhe as conjuntivas oculares, palpei-lhe o pulso, medi-lhe a tensão arterial e a temperatura. Nada, tudo em ordem. Já iam de saída quando à claridade da luz fluorescente do corredor, reparei numa manchazita hiperpigmentada por cima de uma sobrancelha que contrastava com o tom quase leitoso da pele. Parecia um pannus gravídico.
- Olha menina, volta aqui se fazes favor e deita-te na marquesa.
Obedeceu a contra gosto. Parece que lhe ouvi um resmungo.
Roupas para cima, roupas para baixo e … surpresa! Um belo par de mamas de adolescente, túrgidas, com grandes auréolas castanhas, uma linha branca que tinha virado marron e, à palpação, um fundo de útero a dar pelo umbigo, denunciavam uma gravidez no segundo trimestre. Sim senhor, lindo trabalho, pensei!
Peguei naquela espécie de funilito que antes dos ultra-sons, era o que tínhamos para auscultar os batimentos cardíacos fetais e lá estava, a cento e sessenta à hora, uma criatura pequenina a caminho do Mundo.
Sentei-me à secretária a rabiscar um papel enquanto pensava na forma de dar a notícia à rapariga mais velha.
- O sr. doutor sempre lhe receita alguma coisa?
- Sim, hei-de receitar, mais tarde. Umas três dúzias de fraldas e dois biberões, assim como um creme contra as assaduras.
Riram ambas! De repente, a mãe espantou-se. Muito séria, lançou-me um olhar interrogativo. Com um aceno de cabeça confirmei:
- É verdade minha senhora, a sua filha está grávida.
A moça, atordoada, riso histérico, perguntava repetidamente:
- Grávida, eu? Grávida, eu? Este médico não deve estar bom da cabeça - rematava. A mãe coitada, ficou pregada ao chão. A única frase que lhe ouvi foi:
- Ó rapariga, tu, vê lá se arranjas um buraco bem fundo e mete-te dentro dele, coisa que o teu pai não te ponha a vista em cima.- E de novo para mim:
- Veja bem, sr. doutor, que começou a namorar ainda não há um mês! E antes deste não teve nenhum. Como é que isto pode ser? Parece um fenómeno, eu nem acredito!
Conversámos longamente. Como profissional, tratei das formalidades para que a gravidez da jovem fosse acompanhada numa consulta da especialidade. Saíram ambas e durante largos meses, quem não lhes pôs a vista em cima fui eu. Até que um dia, no final da consulta, vem uma funcionária dizer-me:
- Dr., está ali uma doente sua que lhe quer falar, mas diz que não é para consulta.
- Mande entrar, respondi.
Nem foi necessário. Através da porta deixada entreaberta avançam, impantes de felicidade, a avó com o bebé ao colo, e a seu lado a jovem mamã agora casada e visivelmente bem disposta.
- Dr., aqui está o fenómeno - exclamou a avó descobrindo o rosto de uma belíssima catraia com cerca de três meses.
Eu próprio fiquei embevecido com o quadro belo e forte que tinha na minha frente: Três gerações de mulheres-meninas, unidas para toda a vida, por laços de amor, cumplicidade e partilha à prova de tudo!
A história do fenómeno foi-me contada em poucas palavras. A rapariga, terminada a escola aos catorze anos, tinha arranjado trabalho num estabelecimento hoteleiro da região. No final do verão participou com os restantes colegas de trabalho numa excursão a S. Martinho do Porto, Foz do Arelho e Alfeizerão com pernoita a Nazaré. Pelos vistos terá sido uma noite particularmente quente e …, já se sabe, estas coisas acontecem.
Quanto a o pai da muchacha e contrariando todas as expectativas, foi quem melhor reagiu aos acontecimentos. Inchado de orgulho com a extemporânea promoção a avô, foi o primeiro a correr o lugar levando a notícia à vizinhança e parentela. Quando a criança nasceu, não lhe cabia chícharo no cu, dizia-se por lá. O namorado, que já gostava da cachopa ainda antes de iniciarem a relação, honrou esse amor casando com ela, assumindo por inteiro a paternidade da criança que estava para nascer. Foi de Homem! Pais e sogros lá se arranjaram e fez-se o casamento com boda e tudo.
O tempo foi correndo, já repararam como passa depressa? A jovem mamã conseguiu um emprego onde lhe era permitido ter a menina. Como os meios eram escassos, transportava-a num banquito de madeira que adaptou ao suporte da sua scooter. Cruzei-me várias vezes com elas, trocando acenos.
Um dia, ao chegar a casa depois de uma manhã de trabalho, fui informado de que à minha porta se tinha dado um grande acidente com uma vítima mortal. Nesse acidente, contaram-me, a motoreta do meu caso havia sido abalroada por um automóvel com o consequente despiste seguido de queda aparatosa. A mãe esteve um ror de tempo nos cuidados intensivos, mais para lá do que para cá. Ficou muito desfigurada na face. A menina, na altura com dois anitos, teve morte imediata. Ainda não consegui abarcar o significado de tão funesto acontecimento, se é que tem algum. Estou inclinado a que o tenha, porque neste mundo andamos todos por conto, e não acredito no acaso.
Dizem que não há amor mais incondicional do que o de uma mãe pela sua criança. Nem dor mais pungente do que a da perda de um filho. Sei, por instinto, que é verdade. Sei também que esta família, completamente destroçada, mergulhada no mais profundo desespero, voltaria a passar por tudo e jamais deixará de agradecer ao Altíssimo, seja Ele quem for, a suprema ventura que lhes foi concedida; a de terem conhecido e convivido com aquele pequenino ser.
Ao evocar este caso, acodem-me ao pensamento outros casos de meninas-mães, escoiceadas de todos os lados. Como eu gostaria poder abraçá-las, enxugar-lhes com beijos as lágrimas de desespero, de insegurança e medo. Segredar-lhes que gostaria de ser o avô dos seus bebés. E como a todas, eu gostaria de abrigar debaixo das minhas telhas, sentar à minha mesa. Mas infelizmente não posso. E os meus impostos, e os vossos, mal chegam para pagar os míseros ordenados a quem tão dedicadamente se dedica à causa da governação, e comprar os submarinos, helicópteros, éfes qualquer coisa, mísseis, bombas inteligentes etc. que tanta falta nos fazem!
É tarde, numa tarde cinzenta e triste que contemplo através da minha janela. Da casa ao lado, chega-me o som trinado da vozearia de crianças. São as minhas netas acabadas de regressar da escola. A mãe terminou o turno no hospital, passou pelo jardim-de-infância e trouxe-as. Ouço-as chamar avô Viiiitor, avô Viiiitor … Num ápice estão encavalitadas sobre os meus joelhos.
- Abuô (assim mesmo, à nortenha), deixa-me fazer desenhos no teu computador - diz a Inês, que tem cinco anos.
- Eu também quero - reclama a Carolina de dois anos e meio. E para não ficar em desvantagem trata de me aliciar, a matreira:
- Avô Vítor, vai vestir o teu pijama porque hoje podes dormir na minha cama, tá bem? E não te esqueças das tuas pistolas por causa do lobo mau …
Não lhes resisto. O sol quente e brilhante, invadiu de novo a minha casa, a minha vida. Tenho que aproveitar! Retomarei o fio à meada mais tarde.
…………
Meus queridos amigos, como esta já vai longa e eu não vos quero maçar mais, vou terminar enviando abraços para todos e este pedacinho de um poema do José Régio, chamado Cântico Negro (2):
A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
--------------------------------
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga “vem por aqui”!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou …
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou,
…Sei que não vou por aí.
Despeço-me até à volta do correio,
Deste vosso que se assina:
Vítor Junqueira
________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação (Vitor Junqueira)
(2) Do livro Poemas de Deus e do Diabo (1926)
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