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sábado, 6 de agosto de 2022

Guiné 61/74 - P23499: Os nossos seres, saberes e lazeres (517): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (62): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 7 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 16 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
Nisto das viagens não há chegada que não tenha partida, neste caso parte-se inconsolável, ainda por cima era a 1ª viagem depois da pandemia, houvera passamentos na ilha, gente muito estimada, caso de uma comadre, uma grande afeição, caso de um médico oftalmologista, alguém que cuidara dos meus olhos em Bissau, depois da explosão de uma mina anticarro, amizade para sempre. E logo no dia da partida, não ter conseguido despedir-me do professor António Machado Pires, meu professor de Cultura Portuguesa, que me recebia sempre com atenção e desvelo e um livro de oferta, uma grande perda, exímio mestre, a cultura seguramente que dará pela sua falta. Escusado de referir que estou pronto a regressar, haja circunstância, é tudo uma questão agora de bombear essa circunstância, dou-me bem nesta atmosfera de paz, de pontas, picos, águas em cascata, a bagacina a estalar sobre os pés. Adeus, até à próxima viagem!

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (62):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 7


Mário Beja Santos

É o meu último dia em São Miguel e pesa-me a consciência, nada de remorsos, viajante que se preza sabe que há limites entre o chegar e partir, mas este mais de meio século a calcorrear esta terra de feteiras, lagoas, faróis a apontar para o vasto oceano, pontas de sossego e desassossego, variações cromáticas a perder de vista, o exotismo dos parques, a constante afabilidade dos encontros, quer com amigos quer aqueles a quem se pede uma informação, toda esta escorrência de sons da água e do vento, aqui chegam comigo, e onde quer que esteja, depois de um avião aterrar em Lisboa, é a sempre e obsidiante vontade de aqui tornar, cada um de nós determina o Paraíso na terra, faz parte da sacrossanta autonomia da vontade, gostos não se discutem.
Pedira no Hotel Terra Nostra para voltar a visitar o espaço do antigo casino, dou-me bem com o regionalismo pictórico de Domingos Rebelo, não era possível, só que gente muito amável da receção cumpriu o prometido, recebi imagens que vou religiosamente guardar, de festas e panorâmicas com que o artista embelezou este belo espaço Arte Deco, tão bem conservado. Conforme as gravuras juntas.

É o último passeio pelo Parque Terra Nostra, mas é sempre o primeiro, deambulo com a saudade afogueada, imagino que já percorri todo o Nordeste, que estive sentado no jardim da Povoação, que conversei com um amigo do Faial da Terra, que aqui mesmo nas Furnas assisti a uma procissão com visita aos enfermos, posso fechar os olhos e antever o que o autocarro me irá oferecer de panorâmicas até Ponta Delgada, tenho uma visita surpresa ainda a fazer. Aqui ficam algumas imagens soltas da vegetação do parque, da casa sobranceira à piscina vigiada pelo busto de Thomas Hickling, a quem indubitavelmente devemos origem deste espaço edénico, só falta ouvir-se o murmúrio das águas, e depois o caminho da lagoa das Furnas e a vegetação que se avista do Parque José do Canto, chega de lágrima no olho, caminha-se para a paragem de autocarro, irresistível não registar a bruma que se levanta, pois adeus e até à próxima, e lembranças aos amigos que nos guardam estima e uma pequena oração para todos os que já partiram.
Não há visita a São Miguel que não inclua o bater à porta do meu querido professor de Cultura Portuguesa, António Machado Pires. Vimo-nos 1 ano antes da pandemia, era sempre uma questão de ritual, uma visita à Igreja do Colégio, uma entrada apressada na Biblioteca Municipal, por cima do Jardim Antero de Quental, para cheirar novidades editoriais, atravessado o jardim batia-lhe à porta. Tinha seguramente problemas sérios de visão, os olhos já entaipados com lentes escuras, conversámos de tudo e de nada, recebi prenda, Páginas Sobre Açorianidade, voltámos ao passado, quando me apresentei como estudante-militar para fazer a cadeira, sempre com aquele timbre de voz modulada, sem excitações, que lhe conheci ao longo destas décadas, deu-me o fardos das matérias, tudo bem organizado, foi um gosto preparar-me para tal exame, e ficou o encanto de nos revermos, sentia que gostava da minha companhia, a visita de um antigo aluno, de outras eras.
Bati à porta, com alguma insistência. Passou alguém e disse-me que o Sr. Professor já não vivia ali, na rua mais acima, e deu-me o número e a indicação de uma campainha. Ninguém atendeu, por absurdo não levava agenda. Mais tarde, o meu amigo Mário Reis disse-me que nesse preciso dia falecera a mulher, e que o professor tinha a saúde abalada, era o que sabia.
E agora, no preciso instante em que me despeço desta viagem, a sentida dor de uma perda, era um professor de comunicação rara, ouvi-lo falar sobre a cultura novecentista e ir mais atrás ao sebastianismo, era puro deleite, sempre a voz compassada, a gesticulação medida. Tudo isso perdemos, dou sempre comigo a pensar nos gigantes da cultura que aqui se ergueram, e permanecem, é uma dádiva do Espírito Santo, com certeza. E até à próxima viagem!

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Notas do editor

Poste anterior de 30 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23473: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 4 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23493: Os nossos seres, saberes e lazeres (515): Visita de um grupo de sócios do Núcleo de Matosinhos da Liga dos Combatentes à exposição "O Cristo das Trincheiras", em Fátima, em Abril de 2015 (Abel Santos)

sábado, 30 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23473: Os nossos seres, saberes e lazeres (515): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
É sempre assim, esta relutância em cumprir o programa à risca, amanhã é dia de regresso a Ponta Delgada, sinto-me tão bem aqui neste Vale das Furnas que quero vir o mais proximamente possível. Arrumo as últimas recordações, o regresso será em autocarro, lá em cima também se vê uma bela paisagem a caminho de Vila Franca do Campo e do seu inevitável ilhéu de sentinela, haverá passagens por Água de Alto, tenho pena de não poder subir à ermida de Nossa Senhora da Paz; e temos depois a Lagoa, está em franco crescimento, ali perto temos o porto e o Convento de Nossa Senhora da Conceição num local um tanto mítico, a Caloura, mas também a Ribeira Chã, que sempre me surpreendeu por aquele traço antigo que guarda entre a paisagem e o povoamento. E de Ponta Delgada vos falarei mais adiante. A cabeça anda às voltas para o próximo passeio, quando voltar a São Miguel, sim, tenho que regressar ao nordeste, à Tronqueira e a à Ponta da Madrugada, estou cada vez mais convencido que foi ali que Deus começou a criação do mundo.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (61):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 6


Mário Beja Santos

Estou a viver o penúltimo dia no paraíso, estes milhares de árvores e espécies arbustivas amainam-me o espírito, tal como o tanque de água férrea, os furtivos cursos de água, as coleções de plantas endémicas que não sei decifrar mas que são uma fantasia cromática sem igual, e então as camélias, os fetos, as azálias, aqui no centro na doçura do tempo, resolvi trazer comigo poemas de Natália Correia, a quem fiquei a dever muitas atenções, caso de um belo poema que me ofereceu para o meu primeiro livro publicado, corria o ano de 1981, chama-se Poema Posto em Saudade, e percorre esta minha adorada ilha, aqui fica um extrato: “Em Ilha verde e anilada/Por farturas de pastel,/deu a criação morada/Ao Arcanjo São Miguel./ Que lânguida maravilha/De terra no mar deitada/Quando a luz enlaça a Ilha/Pela cintura delicada!/Matas silentes e lúcidas/Do bosque primordial./Paz de pastos e poentes,/carmins que purpuram o mar.” Folheio as suas obras e dou com outro belo poema, tem a força de um Te Deum a mil vozes, é um bilhete de identidade, e gera-se-me a cumplicidade pela desmedida oração genesíaca, um quase sentido de eterno retorno que embala todo o qualquer açoriano: “Ilhas haverá muitas, letras de um dúbio beija-flor salpicando o mapa como a realidade dividida em horas. Um geográfico fascínio de pistolas abandonadas em bancos públicos, numa violenta imposição das mãos magnéticas dos suicidas. Mas isso não é ilha, é habitar a ilha, pelos dias inegáveis do regresso. Por isso, com a cumplicidade do peso húmido da morte, eu digo que a rigor só há uma ilha, a única, a minha, meu mistério selado pelos arbustos altivos da desaparecida”. E medito enquanto calcorreio avenidas e veredas, lagos e tanques, quanto este vigor primitivo, este coberto florestal, estas águas férreas, já em saudade me preparam para aqui voltar, tão rapidamente quanto possível. E de relance acarinho o olhar por inhames, magnólias em botão, azálias exuberantes, como se o mundo para mim tivesse nascido nesta ocasião.
Metrosideros, de cabeleira ao vento, terão séculos ou milénios?
Aí, para dezembro de 1967, o comandante do Batalhão Independente de Infantaria nº18 deu-me instruções para preparar o discurso endereçado aos recrutas, metia juramento de bandeira. Fui num fim de tarde para o café Gil e nada de melhor me ocorreu do que falar do que estava a viver, o sentir-me bem naquele espaço de basalto e lava, aquele cornucópia de flores, as que mais me assombravam eram as azálias e as hortênsias, estávamos no inverno, aqui a natureza revela sempre exuberância, e jamais esquecera a pátina dos plátanos, todos aqueles tapetes de terra musgosa, as hortênsias prontas para disparar nos meses próximos, estava-me na lembrança a primeira ida às furnas, estrada de paralelepípedos, flanqueada por quilómetros de hortênsias, fez-se então paragem na Lagoa, amor à primeira vista, passeio pela freguesia, demorada visita ao parque, e só depois o Pico de Ferro. E deu-me para ir alinhavando as letras do tal discurso, fazer uma ode àquelas gentes que me foram dado conhecer na Ilha Verde, uns vindos da Graciosa ou de Santa Maria, outros de São Miguel, falar de um povo destemido, com provas dadas no mundo baleeiro, profundo conhecedor das artes da navegação, de tais espaços saíram presidentes da República, poetas e escritores de primeira plana, missionários e grandes músicos, se Portugal se fizera ao mar, ao mar ali se lançaram as gentes do arquipélago, e com que reconhecimento internacional. E no discurso apareceram azálias e hortênsias, que o açoriano trata com esmero e fascínio, é o que lhe brota da terra e que sobressai, em contraste, do basalto e da lava e da bagacina.
Flores quase ciclâmicas, desvairados cursos de água, musgo, a água é elemento necessário, é fermento das grotas, da precipitação dos céus, recordatória de que há um imenso oceano a toda a volta, aqui estão microcosmos que o Homem pode domesticar, o oceano é aquele abismo que marca a distância ou a saudade em voltar.
Uma avenida leva à outra, ou à surpresa de uma pequena praça ou recinto florido, desta sombra, tão agradável em dia de quentura o que mais me embevece é o tom do céu e marcha vertiginosa das nuvens.
Nestas águas férreas repousei e não pude resistir a vir aqui à noite para colher o contraste, não é desejável por aqui esbracejar à noite, envolve perigos de vida, mas feliz fiquei com o produto da imagem, lembrou-me um quadro de uma cidade à noite, não sei de quem e qual sítio.
Despeço-me do dia mirando o edifício da Junta de Freguesia das Furnas, tudo num aprumo, até há para ali uma fonte com água a correr, o dia fina-se, vou agora pensar nas últimas imagens que me quero e vos quero oferecer, amanhã é o regresso a Ponta Delgada.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23454: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5 (Mário Beja Santos)

sábado, 23 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23454: Os nossos seres, saberes e lazeres (514): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Junho de 2022:

Queridos amigos,
Conheci a Lagoa, o Vale das Furnas e o Parque Terra Nostra na semana que precedeu o Natal de 1967, foi paixão à primeira vista, não há visita a esta ilha mágica sem peregrinação a este recanto de inumeráveis belezas. Ofereceram-se depois o livro "Um Inverno nos Açores e um Verão no Vale das Furnas", obra dos irmãos Joseph e Henry Bullar, edição antiga, de 1949, ardeu numa tempestade de fogo na Guiné, em março de 1969, tenho dado voltas para o reencontrar, consta que vai ser reeditado finalmente. Oferecido por João Hickling Anglin, tinha bonita dedicatória, um relato amorável de um irmão que acompanha outro muito doente, que ali vinha restaurar forças e salvar os pulmões, uma bonita coletânea de observações sobre aquela gente que vivia exclusivamente da terra e que para eles tinham uma estranha alegria de viver, até nas suas manifestações de fé e no langor das suas danças. Venho aqui com uma imensa alegria, banhar-me nestas águas férreas, calcorrear o parque, deambular entre as fumarolas e mastigar um cozido de louvar a Deus.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (60):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 5


Mário Beja Santos

Chegou a hora de arrumar algumas recordações desta inolvidável visita. Percorri alguns dos lugares que me são mais queridos em Ponta Delgada, de jardins a museus; de autocarro andei pela zona da Bretanha e fui até aos Mosteiros, um itinerário que vai da costa sul à costa norte; palmilhei a Lagoa, aí encontrei um monumento aos antigos combatentes, registei os mortos na Guiné; houve viagem meteórica na região da Povoação, tinha saudades do Faial da Terra, já percorri em toda a sua extensão a Lagoa das Furnas, o dia de hoje é todo ele para o Vale das Furnas (ou será Vale Formoso das Furnas?), estou cheio de ansiedade por fazer o primeiro passeio pelo Parque Terra Nostra, estou num território onde não há praias mas há plátanos, cedros, metrosideros, inúmeras camélias, as mais delicadas variações cromáticas, já me foi dado fruir paisagens a perder de vista e de se perder a vista nela, agora é tudo uma concentração dos rugidos vulcânicos e de floresta exótica, expressiva do mundo inteiro. Ao gizar o programa desta visita tão breve ainda pensei peregrinar pelas três principais lagoas, começando pelas Sete Cidades e acabando no Fogo. Mas rendi-me, seria uma insensatez passarinhar e fingir que ver, estou feliz com a decisão, de assentar arraiais nas Furnas, sei que é um dos lugares mais conhecidos, estimado pela grandiosidade do conjunto, há aquele esplendor do que é avistado no Salto do Cavalo ou no Pico do Ferro, mas já estou como li no guia turístico, “as Furnas não são um lugar para se dizer o que é, mas para ser ver como é”.
Estamos, pois, no fundo da cratera de um vulcão, quem se perde nesta imagem, ainda por cima não marcada por todos aqueles vapores das fumarolas que tanto impressionam o turista, até pode não atender que lá ao fundo na costa arribaram os povoadores, foram desbastando toda aquela massa florestal, bem impressionados com estes rugidos infernais como seguramente tomariam como um aviso de Deus. Aqui há águas termais, toda esta serrania penhascosa em derredor, sente-se o quente e o húmido, é a Corrente do Golfo que marca toda a ilha, toda a região arquipelágica. Não se imagina vendo esta imagem que a escassos metros a terra treme e ruge, as lamas revolteiam-se, e ali ficamos especados a inalar vapores enxofrados.
É um espetáculo incansável, deu-me para pensar que os tais povoadores e os donatários julgaram ver até um dia chegar uma explicação científica, as Furnas estão hoje no concelho da Povoação, e o povoamento iniciou-se exatamente naquela costa entre a Povoação e Fila Franca do Campo, um cronista, de nome Gaspar Frutuoso, deixou-nos o registo desses tempos primordiais. Eu pasmo-me sempre com todo este caleidoscópio que S. Miguel oferece, as distinções marcantes entre o que se vê no Nordeste, na Fajã de Baixo ou na Fajã de Cima, na Ribeira Grande ou na Ribeira Quente, nos Fenais da Luz ou nas Sete Cidades ou na Lagoa do Fogo ou em Água Retorta, parece que o bom Deus aqui engendrou um puzzle de altos e baixos, do cachoar oceânico, daquelas reentrâncias que parecem destinadas à pura meditação. Feita esta cogitação para os meus botões, parto para o Parque Terra Nostra, atenção é a primeira visita.
É um dos mais belos parques ao cimo da Terra, espraia-se por 12 hectares, tem mais de 2 séculos de vida. Tudo começou em 1775 quando o Cônsul dos Estados Unidos em S. Miguel, Thomas Hickling, aqui mandou construir a sua residência de verão, havia então 2 hectares. Em meados do século XIX iniciou-se o engrandecimento do parque, criaram-se jardins de água, plantaram-se alamedas e canteiros, vieram especialistas que procederam à construção do atual canal serpentiforme, deram ordenamento a grutas e avenidas e caminhos e chegaram plantas de vários continentes. O empresário Vasco Bensaúde adquiriu como complemento do Hotel Terra Nostra.
Estão aqui reunidos exemplares das principais plantas endémicas da ilha de S. Miguel, no jardim da flora endémica e nativa dos Açores. Prepare-se o visitante para o passeio paradisíaco neste jardim que tem tanto de exótico como de botânico, é uma sensação única andar a mirar a coleção de fetos, as vireyas, originárias da Malásia, daqui são provenientes os rododendros, saltamos para as azálias, na altura deste passeio estavam exuberantes em branco, vermelho e amarelo, vale a pena determo-nos a ver estas encostas que parecem cobertas de musgo, o que não falta aqui são araucárias, é indispensável ir até à coleção de camélias, temos aqui 800 exemplares de diferentes espécies e cultivares de camélias.
Monumento dedicado ao Marquês da Praia e de Monforte
Uma bela alameda, puxando um pouco pela imaginação até se pode pensar que estamos numa atmosfera asiáticas, o viajante sente-se consolado, sabe que chegar, contemplar e partir é uma história interminável, há sempre uma infinitude de ver e rever, logo aquelas calçadas onde estão em permanente diálogo o branco e o preto, as altitudes dos picos, o chá, o ananás e as hortências, os miradouros, as pastagens, os portos, as lombas e as canadas, ter o privilégio de ver passar os romeiros, estar sentado e ter tempo para que as cores da paisagem se matizem com as nuvens navegantes. E aqui neste Vale das Furnas há um cozido sem igual, até o estômago está em festa.
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Notas do editor

Poste anterior de 16 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23434: Os nossos seres, saberes e lazeres (512): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4 (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 21 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23449: Os nossos seres, saberes e lazeres (513): Retomadas as festividades à Senhora de Antime, em Fafe (Manuel Barros Castro, ex-Fur Mil Enfermeiro)

sábado, 16 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23434: Os nossos seres, saberes e lazeres (512): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2022:

Queridos amigos,
Não tinha a veleidade de numa semana percorrer de fio a pavio a minha ilha mágica, condicionei-me a andar a saltitar por localidades da costa sul e a acantonar-me nas Furnas, aqui larguei a âncora. Mas não faltou vontade de rever os Arrifes, em cujo quartel dei duas recrutas. Num outro passeio percorri São Vicente Ferreira e Fenais da Luz, ficara-me a lembrança dos crosses durante as ditas duas recrutas. Aqui ficam as imagens de locais esplendorosos como os Mosteiros e a Lagoa das Furnas, e deixa-se o aviso aos amantes da Natureza que o Parque Terra Nostra, em frondosa primavera, está mais belo do que nunca.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (59):
De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 4


Mário Beja Santos

São dias conduzidos ao sabor da memória, feita a deambulação por Ponta Delgada, houve lembranças dos primeiros passeios dados, logo uma ida de autocarro até à Lagoa das Sete Cidades, carreira com horário estranho, partiu-se ao despontar da manhã, e só havia regresso a meio da tarde, o mais grave era não se encontrar um sítio para amesendar, houve que pedir de mão estendida a alguém que fizesse uns ovos mexidos com linguiça, o turismo então era miragem fora da cidade, das povoações mais habitadas, havia o Hotel São Pedro e o das Furnas, locais para comer com tradições, o bife do Alcides, uns recantos panorâmicos para saborear as lapas com molho Afonso, e uns passarinhos da Ribeira Grande. Décadas depois, tudo mudara. Tinha saudades dos Mosteiros, daquele mar bravio inextinguível, o dia estava ensolarado, era promissor de águas azuladas, como se confirmou. Na Avenida, subi para o autocarro em direção aos Mosteiros, é aquele belo percurso da costa sul, revi Feteiras, Candelária, Ginetes, tive pena de não ir à Ponta do Escalvado, mas era dos Mosteiros que eu queria matar saudades, como mais tarde irei noutra carreira até João Bom, enfim, havia também lembranças da Bretanha. Saio da viatura e inicio a peregrinação, a beleza do mar e depois os Mosteiros, há grandes mudanças neste mais de meio século, é ponto de turismo, estamos a cerca de 30 km de Ponta Delgada, talvez a Freguesia tenha mais de mil habitantes, deve para aqui haver muita casa secundária, hei de comer um peixinho com alemães, franceses e ingleses à volta. Mas, entretanto, ando de olhar lavado pela ponta dos Mosteiros e a avistar os ilhéus.

Regresso a Ponta Delgada e vou até São Pedro, aproveito para prestar homenagem a Roberto Ivens que aqui nasceu, sigo para a igreja barroca posta em lugar ermo, é um dos mais ricos templos religiosos dos Açores, veja-se aquela talha dourada, a pintura do teto, foi pena ter começado a faltar a luz para não poder captar em todo o seu colorido um belo quadro de Pedro Alexandrino de Carvalho intitulado O Pentecostes.
Sigo agora para a cidade da Lagoa, aqui vim há mais de meio século comprar louça, e aproveito toda e qualquer circunstância para aqui me sentar à mesa, há repastos deliciosos. É nisto que dou com um monumento dedicado aos combatentes, aproximo-me e vejo que há referências de camaradas que tombaram na Guiné. E curvo-me respeitosamente na sua memória.
Impunha-se agora dar uma certa ordem à vagabundagem, já saltitei por aqui e por acolá, vou agora estacionar nas Furnas, enveredo por um passeio pedestre, não chega a 10 km, não tinham conto as saudades de percorrer esta lagoa, começa-se pela subida ao longo da vila, passa-se perto da Poça da Dona Beija, segue-se em direção ao Pico do Milho, a vista que aqui se desfruta é de estalo, segue-se estrada fora em direção à Ermida de Nossa Senhora das Vitórias, uma construção neogótica que se deve a José do Canto, insere-se este templo religioso na Mata Jardim do mesmo José do Canto, temos na berma da estrada a Casa dos Barcos, mais à frente avista-se o Centro de Monitorização e Investigação das Furnas, tem-se a contemplação da maior araucária classificada da Europa. A partir de agora anda-se em caminho de terra plano, é uma esplendorosa passeata até ao Recinto das Caldeiras. Começam a chegar autocarros de turismo, vêm desfrutar a atividade geotermal e ver enterrar ou desenterrar o cozido tradicional preparado com o calor interno do vulcão das Furnas. Aqui faz-se uma pausa, ainda há muito para palmilhar, ganha-se coragem e caminha-se para o Miradouro do Pico do Ferro, há que ter cuidado com o trânsito, encontra-se depois um caminho que nos vai levar ao centro da freguesia, já estou a aguar, quero ir comer o cozido ao Miroma, a primeira vez que aqui estive foi almoço com o Melo Bento e o José Medeiros Ferreira, meteram-me numa boa encrenca, fazer uma conferência no Ateneu Comercial de Ponta Delgada, acabou tudo em bem, houve gente que me quis conhecer, não esqueço um jantar memorável em casa do Dr. Armando Côrtes-Rodrigues, tive direito a receber livros autografados.
Vou passar a tarde no Parque Terra Nostra, que saudades, Deus meu! Vou partilhar convosco algumas das imagens deste cenário idílico, cada vez que o visito o parque deslumbramento é permanente, são constantes as surpresas deste mundo florar com espécies de todo o mundo.

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE JULHO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23418: Os nossos seres, saberes e lazeres (511): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (58): De novo em São Miguel, é infindável a romagem de saudade - 3 (Mário Beja Santos)