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domingo, 15 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20736: Ficha de unidade (11): CCAÇ 1681 (Safim, Teixeira Pinto, Caió, Bassarel, Cacheu, Bachile e Quinhamel, 1967/69), foi comandada pelo cap inf Manuel Francisco da Silva (1933-2015) (Jorge Araújo)


Foto retirada do texto do João Rebola (1945-2018), Fur Mil da CCAÇ 2444 (Cacheu, Bissorã e Binar – 1968/1970), com o título “Guiné - O Inferno nos primeiros meses”, pdf. In:


Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); um homem das Arábias... doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; autor da série "(D)o outro lado do combate"; nosso coeditor.


 
A COMPANHIA DE CAÇADORES 1681 [CCAÇ 1681] - (1967/69) DO CAP INF MANUEL FRANCISCO DA SILVA (1933-2015)
- SUBSÍDIO HISTÓRICO -

1.   - INTRODUÇÃO
A origem da presente narrativa tem por base a informação específica obtida durante o processo de investigação, realizado recentemente, a propósito de uma foto tirada em Tomar, onde consta a figura de um capitão de infantaria com uma "Cruz de Guerra" ao peito, e publicitada nos P20680 e P20685.
Acreditamos, salvo melhor sugestão, que estaremos na presença do Cap Inf Manuel Francisco da Silva (1933-2015), que foi comandante da Companhia de Caçadores 1681, do Batalhão de Caçadores 1911, unidades formadas e mobilizadas pelo RI 15, em Tomar, e que cumpriram a sua missão ultramarina no CTIGuiné, no período de 1967/1969.
Uma vez que esta subunidade do BCAÇ 1911 não tem qualquer referência historiográfica no blogue da «Tabanca», aproveitei esta oportunidade para relatar alguns dos factos relevantes da sua actividade operacional no Sector que lhe foi atribuído - o Sector O1-A.
De acordo com o acima exposto, segue-se um subsídio histórico da CCAÇ 1681.

2.   - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1681 =
SAFIM - TEIXEIRA PINTO - CAIÓ - BASSAREL - CACHEU - BACHILE E QUINHAMEL (1967-1969)

2.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 15 [RI15], de Tomar, a Companhia de Caçadores 1681 (CCAÇ 1681), a primeira de três unidades de quadrícula do Batalhão de Caçadores 1911, liderado pelo TCor Inf Álvaro Romão Duarte, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 26 de Abril de 1967, 4.ª feira, sob o comando do Capitão Inf Manuel Francisco da Silva, seguindo viagem a bordo do N/M "UÍGE" rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 03 de Maio, 4.ª feira.

2.2 – SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

● A DO BCAÇ 1911


Após a sua chegada a Bissau, o BCAÇ 1911 ficou instalado em Brá, na situação de reserva de intervenção do Comando-Chefe. As suas subunidades foram utilizadas em diversas operações, ou em situação de reforço temporário de outros Batalhões. 

Em 17Ago67, rendeu o BCAV 1905 [de 06Fev67-19Nov68, do TCor Cav Francisco José Falcão e Silva Ramos, cargo que manteve até 14Ago67, sendo substituído pelo Maj Inf Rogério Castela Jacques até 26Out67, que, por sua vez, cedeu o seu lugar ao TCor Inf Domingos André (27Out67 a 19Nov68)], assumindo a responsabilidade do Sector A1-A com sede em Teixeira Pinto, integrando as subunidades existente na área.
Nesta situação, desenvolveu intensa actividade operacional, essencialmente orientada para a neutralização do esforço inimigo para atingir as regiões de Bassarel / Calequisse e Caió e exercendo, simultaneamente, uma constante acção psicossocial junto das populações, garantindo a sua segurança e promoção socioeconómica.

Em 07Mai68, o BCAÇ 1911 foi rendido no sector de Teixeira Pinto pelo BCAÇ 2845 [de 06Mai68-03Abr70, do TCor Inf Martiniano Moreno Gonçalves] e recolheu seguidamente a Bissau. Em 24Jun68, rendendo o BCAÇ 2834 [de 15Jan68-23Nov69, do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito] assumiu a responsabilidade do Sector de Bissau, com sede em Bissau e engobando os subsectores de Brá (Bissau), Nhacra e Quinhamel, com vista a garantir a segurança e protecção das instalações e das populações da área, tendo passado em 10Jul68 à dependência do CmdAgr 2952, por criação da respectiva zona de Bissau e depois do COMBIS. Em 31Mai69, foi rendido no sector de Bissau pelo BCAÇ 2884 [de 02Mai68-26Fev71, do TCor Inf José Bonito Perfeito], a fim de efectuar o embarque de regresso (p91).  



Mapa da região de Teixeira Pinto (Sector O1-A) por onde circulou o contingente da CCAÇ 1681 durante a sua comissão ultramarina no CTIG (1967-1969)





● A DA CCAÇ 1681


A CCAÇ 1681 ficou colocada em Bissau, tendo efectuado uma instrução de adaptação operacional de duas semanas [de 24Mai a 06Jun66] na região de Safim, ficando, seguidamente, como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe. 

Nesta situação, e por um período de três semanas [de 20Jun a 12Jul67], foi atribuída em reforço do BCAV 1905, para acções de patrulhamento, reconhecimento e batida nas regiões de Blequisse, Bachile e Pichilal. Seguiu-se, depois, o reforço do BCAÇ 1887, por um novo período de três semanas [de 25Jul a 13Ago67], para operações nas regiões de Biribão e Ponta Pinto.

Em 17Ago67, foi integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão [BCAÇ 1911], como subunidade de intervenção e reserva do Sector O1-A, estacionado em Teixeira Pinto, com um Gr Comb em Caió, sendo utilizada em acções de patrulhamento, batidas e emboscadas na região do rio Costa (Pelundo) e destacando um Gr Comb para Bassarel, a partir de 22Set67. De referir que foi nesse rio que, cinco dias após a sua chegada, a CCAÇ 1681 tem a primeira baixa, por afogamento do soldado José Marques Afonso, natural da freguesia de Mata Mourisca, Pombal.

Em 11Out67, rendendo a CCAV 1649 [de 06Fev67-19Nov68, do Cap Mil Cav João de Medeiros Constâncio], assumiu a responsabilidade do subsector de Cacheu, com um Gr Comb destacado em Bachile, então integrada no dispositivo do seu batalhão e depois do BCAÇ 2845. 

Em 07Dez68, saiu do subsector de Cacheu, após ser rendida pela [Madeirense] CCAÇ 2446 [de 15Nov68-01Out70, do Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho], seguindo para o subsector de Quinhamel, onde substituiu a CCAÇ 2435 [de 28Out68-01Out70, do Cap Inf José António Rodrigues de Carvalho], voltando novamente à dependência do seu batalhão. Em 11Mai69, foi substituída pela CCAV 1749 [de 25Jul67-07Jun69, do Cap Mil Art Germano da Silva Domingos] recolhendo seguidamente a Bissau a fim de aguardar embarque de regresso (p92).

Como "memorial" particular da CCAÇ 1681, no Cacheu, o camarada João Rebola (1945-2018) deixou-nos um testemunho da presença da unidade que precedeu a sua CCAÇ 2444 (1968/1970), pousando ao lado da placa aí existente.     

Foto retirada do texto do João Rebola, Fur Mil da CCAÇ 2444 (Cacheu, Bissorã e Binar – 1968/1970), com o título "Guiné - O Inferno nos primeiros meses", pdf. In:

● RECONHECIMENTO DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1681

Corolário da intensa e bem-sucedida actividade operacional da CCAÇ 1681, foi o seu Cmdt – Cap Manuel Francisco da Silva – elogiado pelos seus superiores hierárquicos, sendo-lhe atribuído um louvor do qual originou a condecoração com a medalha militar de Cruz de Guerra de 4.ª classe.

Como prova testemunhal, reproduzimos o conteúdo de ambos (louvor e condecoração).  



Na busca de mais elementos relacionados com a actividade operacional desenvolvida pela CCAÇ 1681, nomeadamente sobre as sete "operações" salientadas no texto do louvor acima: «Bota Janota», «Amedronta», «Almoster», «Alandroal», «Amesterdão», «Jacaré Raivoso» e «Hotel Portugal», nada foi encontrado, com excepção da primeira.

Na bibliografia "oficial" (CECA; 6.º Volume; p154) consta que a «Operação Bota Janota» foi realizada nos dias 25 e 26 de Janeiro de 1968, 5.ª e 6.ª feira, com o objectivo de detectar e destruir instalações e elementos In efectuando uma batida na mata de Pichilal (Sector O1-A). Participaram nesta missão as seguintes forças: CCAÇ 1681, 1 GC/CCAÇ 1682, CCAÇ 1683, PSap do BCAÇ 1911, GC "Os Templários", PCAÇ 58, PMil 129 e PMil 130, com APAR.

No decorrer da operação, as NT destruíram um acampamento abandonado recentemente, constituído por dez casas (de mato) e um posto de sentinela, localizado a nordeste de Catunco; apreenderam carregadores e cartuchos de armas ligeiras, livros, discos de propaganda, documentos e material diverso.

No regresso ao Cacheu, a CCAÇ 1681 foi emboscada por duas vezes, sofrendo quatro mortos, nove feridos e um desaparecido.

Procurando identificar os nomes dos quatro militares mortos, como é referido no relatório, com cruzamento a outras fontes "oficiais" (CECA; 8.º Volume; Livro 1; p329), nada foi encontrado. A data da "baixa" mais próxima às da operação supra é de 30Jan68 e reporta a um elemento da CCAÇ 1684, facto ocorrido a 3,5 kms do aquartelamento de Susana, na margem direita do rio Sancatuto.

Pelo exposto se conclui que os dados apresentados no "desenrolar da acção" contém imprecisões, nomeadamente em relação a "baixas" da CCAÇ 1681 [NT], como se prova no quadro que elaborámos para esse efeito.

● BAIXAS DA CCAÇ 1681 DURANTE A SUA COMISSÃO (1967/1969)

Da leitura do quadro abaixo, verifica-se que a CCAÇ 1681 registou seis baixas durante a sua comissão (1967/1969), sendo três por "acidente" e três em "combate".



Estas seis mortes aconteceram durante a permanência da unidade no Cacheu, tendo a primeira ocorrido em 22Ago67, cinco dias após a sua chegada, com um náufrago no rio Costa (Pelundo), junto à Ponte "Alferes Nunes". 
A segunda ocorrência, de que resultaram duas "baixas", foi consequência de uma emboscada sofrida pelas NT, em 04Out67, no itinerário Catora-Có, 200 mts depois de Barril. 
A quarta baixa verificou-se passados dez dias da ocorrência anterior, em 10Out67, por efeito de uma nova emboscada, agora em Capó, no itinerário entre Cacheu e Bachile. 
A quinta baixa resultou de um acidente ocorrido durante a noite do dia 09Fev68, no abrigo onde o militar dormia, provocado pelo fogo do combustível de uma lanterna. 
A sexta e última baixa aconteceu em 28Abr68, em novo acidente, este de viação, junto à porta de armas do Depósito de Adidos da Guiné, em Bissau.
_________________
Fontes Consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo VI; Cruz de Guerra (1970-1971); Lisboa; (1994); pp157-158. 
  
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2015); p154.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp91-92.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp276-284-290-331-349.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
27Fev2020
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Nota do editor:

Último poste da série >  16 de maio de  2018 > Guiné 61/74 - P18639: Fichas de unidades (10): A composição de um Conselho Administrativo de um batalhão de reforço (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15665: Notas de leitura (800): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

1. Reprodução da mensagem que o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou ao autor do livro Catarse em 22 de Janeiro de 2016:

Meu prezado Reverendo Abel Gonçalves,

Agradeço-lhe muito o envio do seu livro, que muito apreciei. As duas recensões serão publicadas no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Peço-lhe o favor de ver no seu computador esta referência, é bem possível que possa rever todos os locais por onde andou.

Em 2010, voltei à Capela de Bambadinca que está felizmente recuperada pelas missionárias que ali trabalham.

Porquê publicar as nossas recordações em blogue? No meu caso, trata-se de uma colaboração que vem de longa data e não tem fim, procuro repertoriar tudo aquilo que tem a ver com a Guiné, nomeadamente os testemunhos de quem ali combateu a partir de 1963.

O seu testemunho é singularíssimo, não conheço outro capelão que tenha bisado a comissão, o que acresce a importância do seu testemunho. Seria muito tocante que se inscrevesse no nosso blogue, estou certo e seguro que tem muitas histórias para contar e rever as imagens preciosas ali contidas também podem ser um refrigério para a sua alma.

Receba o agradecimento profundo e a elevada consideração do
Mário Beja Santos


Catarse, pelo Major-Capelão Abel Gonçalves (1)

Beja Santos

É a primeira vez que oiço falar num capelão que fez duas comissões na Guiné. Tem hoje 85 anos, é major, e vive na Ordem da Trindade, no Porto. Em 2007, em edição de autor, publicou Catarse (palavra que nos remete para o procedimento terapêutico pelo qual uma pessoa se cura revivendo acontecimento traumáticos). Telefonei-lhe, pedi-lhe o livro, prontamente acedeu e convidou-me a passar pela Rua da Trindade, para conversarmos. Lembro-me dele na capela de Bambadinca, num domingo em que vim muito cedo de Missirá, as fotos que ele publica no livro coincidem com a lembrança que me ficou.

Como escreve, estava pacatamente a ajudar nas confissões quaresmais, na paróquia de Oliveira do Douro, quando apareceram dois agentes da GNR que entregaram uma guia de marcha para se apresentar com urgência no RI 15, em Tomar.

Acha-se com o ordenado de alferes, habituado a paróquias pobres, começa a sonhar com uma máquina fotográfica. Em Abril de 1967, incorporado no BCAÇ 1911  [Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69], embarca no Uíge, em Bissau é despejado numa barcaça, dias depois, após uns treinos de desembarque no Ilhéu do Rei, ficam sediados em Brá. A experiência foi gratificante:


“Tive oportunidade de batizar um pequeno grupo de nativos que os militares catequistas do Batalhão de Engenharia tinham devidamente preparado".

Seguem para Teixeira Pinto numa LDM, fica a viver numa casa da missão católica e celebra numa pequena igreja. Aproveita a evacuação de um ferido grave e vai até ao Jolmete. O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama. Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe:
“Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.
Não ficou sem resposta:
“É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”.

[foto à esquerda, major-capelão ref Abel Gonçalves]

Fala da solidão, da falta de correio, da sensaboria da comida, apercebeu-se rapidamente da dureza da guerra. Regressa a Teixeira Pinto, sofrem uma emboscada, alguém a seu lado foi atingido mortalmente. Albino, o jovem cristão que guardava a casa de missionário, recebe-o com alegria quando chega a Teixeira Pinto e prepara-lhe um churrasco, ele não esqueceu a solicitude do jovem e guardou na memória a receita:
“Num tacho tinha posto rodelas de cebola, alhos, azeite, piripiri, loureiro, muito sumo de limão, de uns limões e pequeninos, casca fina como papel. Cada pedaço de carne era molhado naquele preparado e logo assado nas brasas”.

Dão-lhe instruções para sair Teixeira Pinto, vem de férias. Acaba por se comportar como qualquer militar, fica nervoso quando lhe fazem perguntas pois dirigem comentários descabidos, sente-se apático, indiferente às banalidades, tudo lhe parece insignificante com o que viu, sentiu e aguentou até à exaustão. Regressa e é destacado para um batalhão da cavalaria. Apresenta o novo território:
“É um setor muito grande, com 18 destacamentos. Trata-se de Bafatá. Na sede do batalhão não se conhecem problemas, a vida está difícil mais para a fronteira ou da povoação de Geba em diante”.

Presta igualmente assistência ao setor de Bambadinca, mas no essencial o seu território vai de Cambajú ao Xitole, de Banjara ao Xime, de Sara Bácar a Geba. Lembra-nos que a sua arma é sempre o terço, faz-se acompanhar com uma imagem do Imaculado Coração de Maria que lhe fora oferecida pelos ex-paroquianos de Ervedosa do Douro.

Cortesia do Carlos Coutinho
Gostou do ambiente de Bafatá e do primeiro comandante do BCAV 1905 [Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68]. É um capelão solícito:

“Os missionários não podiam sair da cidade, e quem prestava um mínimo de assistências às pequenas comunidades católicas era o capelão. Levava o dinheiro atribuído a essas comunidades a pedido do senhor Prefeito Apostólico. O capelão girava sempre de destacamento para destacamento, com a mochila às costas e o mínimo indispensável para celebrar a Eucaristia. Um bloco de notas para apontar pedidos”.

Levava também rebuçados, velas para oferecer às mesquitas, jornais, revistas e livros para toda a malta. Descreve as duas missões de Bafatá, a masculina e a feminina e depois dá-nos conta de certas solicitações insólitas para o seu múnus. Encontrou em cima da secretária o requerimento de um soldado que pedia para ser autorizado a usar barba, tinha feito uma promessa a Nossa Senhora de Fátima. O comandante despachou para ele. Leu, meditou e escreveu:
“Indeferido, porque não se pode prometer o que é contra a legislação”.
Falou com o soldado e tranquilizou-o, ficaram amigos.

Descreve Bambadinca:

“A povoação de Bambadinca tinha uma sala de aulas/capela, polivalente, que pertencia à missão católica de Bafatá, mas os missionários não podiam lá ir. Só os capelães militares e com grande escolta. Um cortinado separava o altar do resto da sala. Ao lado, outra sala mais pequena, sempre cheia de urnas com mortos, para oportunamente serem transportados para Bissau. Era no meio das urnas que me paramentava para a celebração da Eucaristia”.

Visitou várias vezes o Xime, bem como o Xitole, lembra-se muito bem das atribulações da viagem. E vem mais uma brejeirice que ele intitula “o médico do Xitole”:

“No Xitole havia um alferes médico, o Dr. Sílvio, que era quem praticamente comandava o destacamento.
O capitão miliciano era, creio eu, um notário que não queria saber de nada.
O Dr. Sílvio é que me recebia e sempre muito bem. Mostrava-me os abrigos que mandara fazer e as valas de acesso aos mesmos.
- Capelão, que quer comer ao pequeno-almoço? - O que o senhor doutor me receitar! 
- Umas sopas de vinho fresco que tenho no frigorífico. 
- Se dão força aos cavalos e o senhor doutor receita, vamos lá a elas!
Os dois, um de cada lado de um bidão de gasolina vazio, sentados em cadeiras improvisadas com as aduelas dos pipos. E este vinho era muito cristão, pois tinha sido muitas vezes batizado pelos lugares por onde tinha passado!”.

(Continua)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74).

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


2. Nota do editor:

Do BCÇ 1911, temos pelo menos um membro da nossa Tabanca Grande, desde 11/12/2011, o Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto rodas, CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69).  Tem vários postes publicados sobre a história do batalhão, além de uma história deliciosa sobre um outro capelão, um jovem alferes, que ele conheceu em Bissau e a quem deu um boleia...,  e "que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário"...

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11935: Manuscrito(s) (Luís Graça) (7): Praia do Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã... À memória dos meus avoengos Maçaricos... Ao Horácio Fernandes, capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69)...

(...) Desde 1974, os portugueses tentaram regressar ao mar duas vezes.  Há 40 anos que fugimos do mar. Mas vem aí a reabertura do canal do Panamá e a extensão da plataforma continental. Mesmo sem estratégia, a economia do mar vale 10 mil milhões de euros (.,.,.)

O que (não) fizemos para voltar ao mar. 


Por Lurdes Ferreira e Bárbara Reis. Público, 27/9/2012.



Praia do Porto Dinheiro
por Luís Graça

À memória dos meus antepassados Maçaricos
marinheiros, mareantes, navegantes, 
pescadores, mercadores, construtores navais... desde Quinhentos

Ao António Fernandes (Patas), 
contrutor naval que morreu na Califórnia
E ao seu neto, e meu primo e camarada, Horácio Fernandes,
capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69).


Finisterra, pórtico do tempo, 
És gare, és algar,
Porto dos portos das Atlântidas perdidas!
Foste estaleiro de vasos de guerra,
Galeões, naus e caravelas
Por haver ou nunca havidas,
Diz o livro do almoxarife.
Hoje não se constroem mais catedrais
Nas tuas fossas submarinas
Nem moinhos de vento 
No teu recife de corais,
Nem traineiras de grosso cavername
Nas rampas das tuas arribas fósseis.
Dóceis são as ondas com que afagas
A pele e apagas
A púbis das raparigas.

Porto Dinheiro: o
 irresistível apelo das algas
Que são as hormonas do mar,
Espigas, chicotes, valquírias, ninfas, najas, canibais,
Que vêm do fundo dos tempos imemoriais
Para seduzir os filhos dos homens,
Inebriar as suas almas, enlear os seus corpos.
Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
E rasgam a colina de neblina, por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários, 
Monstros e mostrengas, 
Dinossauros, loucos menestréis, 
Contadores de lendas,
Mouras encantadas, 
Mercadores, invasores, conquistadores,
Vikings e outros predadores... 
E os bretões com os seus barcos a vapor, 
Que vinham aqui pescar lagostas entre as duas guerras.
Mais o Bateau ivre, do  Rimbaud.

É de lá,do mar profundo,  que vêm os portadores da peste…
Mercator ergo pestiferus,
De que Deus nos livre!

Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.


Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
Emparedam-me vivo
Na canícula desta tarde de verão
Em que espero em vão 
Os mercadores fenícios,
As legiões romanas, 
Devidamente equipadas e alinhadas nas suas galeras,
Ou as hordas bárbaras, teutónicas, a cavalo blindado,
Ou o simples mensageiro da paz,
O carteiro que me há-de trazer a carta a Garcia,
Com a solução alquímica da vida
Ou o algoritmo da felicidade
Ou a password do sítio 
A gruta de Alibabá e os 40 ladrões.


Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
Depois de saborear uma sopa de navalheiras,
E comer uma posta de arraia frita,
Recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos…
E aqui penso em como a vida às vezes é tão simples,
Se descartada da econometria, da sociometria e da psicometria…
Dizem que aqui reinou o rei Midas,
O mesmo que transformava lagostas e algas em barras de ouro.


Porto Dinheiro,
Dos casais por detrás das tuas colinas,
Até ao mar imenso,
Por aqui andaram os meus antepassados.
Um dia há de desaparecer nas Américas
O teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval.
Nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia, na diáspora.


Maldita pátria amada e odiada
Que tantos filhos pariste e rejeitaste!

Luís Graça




Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Vista da tasca da Ti Augusta 


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Embarcações de pesca artesanal


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > A tasca da Ti Augusta,  hoje explorada por um filho, sargento da marinha reformado.


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Tasca da Ti Augusta > A famosa sopa de navalheiras.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)

segunda-feira, 25 de março de 2013

Guiné 63/74 - P11309: Notas de leitura (468): Catarse, por Abel Gonçalves (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Novembro de 2012:

Queridos amigos,
Aqui temos um livro escrito por um Padre Capelão, quase inteiramente dedicado às suas duas comissões na Guiné.
Percebe-se rapidamente porque escolheu o título para a sua obra "Catarse": Não esconde os comportamentos mandões, a falta de apoio que sentiu, em diferentes situações, de outros padres e seus superiores.
Teve manifesto orgulho pela sua missão em Bafatá, transcreve o louvor que lhe foi dado pelo BCAV 1905. Ali se diz claramente que tomou a iniciativa de percorrer toda a ação do batalhão para que a assistência religiosa não faltasse às tropas.
É um homem de coragem, confessa a sua admiração por Spínola e Amílcar Cabral. E pede humildemente desculpa por não ter feito livro mais claro e detalhado, conforta-se com a compreensão dos seus leitores.

Um abraço do
Mário


Catarse: As duas comissões na Guiné do Padre Abel Gonçalves

Beja Santos

Vem nos dicionários que a palavra catarse provém do grego, foi utilizada por Aristóteles para designar o processo de purgação ou eliminação das paixões que se produz no espectador quando, no teatro, assiste à representação de uma tragédia. Com a escola psicanalista o método catártico corresponde ao procedimento terapêutico pelo qual uma pessoa consegue eliminar os afetos patológicos revivendo os acontecimentos traumáticos a que estão ligados. Segundo esta última definição, uma parte substancial da literatura da guerra tem tal finalidade.

O Padre Abel Gonçalves foi nomeado pároco de Valença do Douro em 1958, a seguir passou por várias dioceses até que em Março de 1967 foi incorporado no BÇAC 1911, com destino à Guiné. Revive as suas memórias quase como se tivesse um bloco de notas onde registou impressões e estados de alma (“Catarse”, por Abel Gonçalves, edição de autor, 2007). Foi praxado pelo chefe da secretaria, fez-lhe tirar fotografias por quatro vezes. Vêm de Tomar para a Rocha do Conde de Óbidos e embarcam no Uíge em 26 de Abril de 1967. Regista que as praças iam nos porões, em condições desumanas.

Celebrava missa no convés, notou grande afluência e respeito. Filho único, o seu principal cuidado foi tranquilizar os pais, quando pôs os pés em terra. Seguem para o Quartel de Adidos, aí começa o treino para operações no mato. Morre um soldado atirador e ele escreve: “Transido de medo, não sei se da teimosa trovoada, da guerra devorada, do morto inofensivo e sereno ou da obrigação odiosa e cruel de comunicar à família aquela trágica e injusta perda… Parecia que me sentia criminoso por ter de anunciar que já estava morto aquele que vivia ainda num entendimento dos que o amavam. A pior coisa que confiavam aos capelães era esta de anunciar aos familiares a morte de um ente querido”. Nunca se ambientou a Bissau, às conversas com ataques, mortos e mutilados. Descobre, na sucessão dos dias, que um bom punhado de militares tem problemas de saúde, desde a epilepsia à tuberculose.

E rumam para Teixeira Pinto, fica numa pequena residência com chão e cimento junto de uma pequena igreja, era visível o aspeto de abandono. Guarda-lhe a casa e acolita-o nos deveres religiosos um menino chamado Albino. É chamado ao batalhão onde lhe comunicam que vai ser nomeado gerente de messe, recusa, alega que o serviço de assistência religiosa é o seu dever e nada mais. E vai para Jolmete, descreve o aquartelamento com as suas torres feitas de cibes, os abrigos, a falta de gerador elétrico, a iluminação era dada por garrafas de cerveja com uma torcida de pano; a casa de banho é constituída por um bidão, ele vinha com pudores entranhados por 12 anos de seminário, ali tinha mesmo que se expor e vencer o acanhamento, resistiu a frases irreverentes e maliciosas. Celebra regularmente missa no Jolmete, num local rodeado por bidões cheios de terra, comparecem crentes e descrentes. Ali perdia-se a noção do tempo, sofria-se pela falta de correio, pela péssima alimentação, pelo silêncio confrangedor, as noites em expetativa. Volta ao Jolmete, é iniciado em emboscadas e em minas. Um dia, dão-lhe ordem para regressar a Bissau, aproveita para vir de férias, sofre pelo alheamento da sua diocese. No regresso, apresenta-se ao chefe dos capelães, indicam-lhe que vai para Bafatá, tem um enorme setor para prestar assistência, estende-se mesmo ao sector de Bambadinca, inclui o Xime e o Xitole, sente-se em missão de paz, a sua arma era o terço do Rosário.

Descreve Bafatá, está contente com o bom ambiente militar, faz amizade com o 2º comandante do BCAV 1905, Andrade e Silva, e regista com satisfação: “No BCAV 1905 até me agradeciam uma colaboração franca e amiga. Compreenderam e respeitaram sempre os limites da minha, por vezes, melindrosa missão de capelão na guerra. Nunca me exigiram que fosse informador pidesco. Dava gosto trabalhar aqui”.

Percorre os destacamentos de lés a lés, faz amizade com os padres missionários e mesmo com a Missão da Sagrada Família de Bafatá, que estava a cargo das Irmãs Hospitaleiras Franciscanas Portuguesas, o seu auxiliar era o 1º Cabo Marques, assim apresentado: “Bondoso, paciente, humilde, simples, sincero, prestável. Só que tinha medo de ir comigo para o mato”.

Visita Bambadinca, o Xime e o Xitole. A viagem para o Xitole foi um calvário, nunca esqueceu o alferes médico, o Dr. Sílvio, seria ele quem comandava o destacamento já que o capitão miliciano, um notário, não queria saber de nada. É o Dr. Sílvio quem lhe receita para o pequeno-almoço umas sopas de vinho fresco, ali estavam os dois, um de cada lado de um bidão de gasolina a beber um vinho muito cristão, teria sido muitas vezes “batizado” pelos lugares onde tinha passado.

Visita sem desfalecimento Camamudu, Catacunda, Fajonquito, Cambajú, Jabicunda, Contuboel, Sare-Cacar, Sara-Banda, Banjara, Sinchã-Jobel, Geba, Sinchã-Dembel, Sinchã-Sulu, Furacunda, Udicunda e Banchi. Comunica com os chefes de tabanca, os régulos e os chefes religiosos. Faz amizade com o capitão miliciano Pires, de Contuboel. Por vezes, regista o pícaro entremeado pelo sofrimento: “A companhia que estava em Geba, era uma companhia distorçada. O capitão tinha morrido a levantar uma mina. Dos quatro alferes primitivos só restava um, o Fernandes. O capitão atual parecia transtornado quando vinha a Bafatá, num jipe de escape livre, com o barulho que fazia logo todos exclamavam: é o capitão de Geba!”.

Nunca esqueceu o presépio montado pelos militares de Banjara, com a imaginação e arte transformaram bugalhos, paus, latas de coca-cola, pequenas garrafas, gaze, algodão hidrófilo em imagens da Virgem, de S. José, do Menino, vaca, burro e anjos colocados numa fruta improvisada num barril de madeira. Finda a missão do BCAV 1905, o Padre Abel Gonçalves foi colocado no hospital militar, habituou-se a ver sangue por todos os lados.

Regressa no Niassa a Lisboa em Maio de 1969. É colocado na Base Aérea 7, em S. Jacinto, para além da assistência religiosa foi designado professor de deontologia militar e psicologia do voo. Entregam-lhe a sempre espinhosa missão de ir comunicar às famílias a morte deste ou aquele militar. Ao fim de 3 anos e meio de uma vida calma, parte novamente para a Guiné, é colocado na Base Aérea 12, em Bissalanca; fica igualmente encarregado de dar assistência a muitas unidades do Exército, enfim, todos os destacamentos a norte de Bissau até ao Biombo e, para o interior, todos os destacamentos até Mansoa. A Base tinha boa e espaçosa capela, o capelão dispunha de quarto e de um salão para aulas, leitura e estudo.

A tessitura das suas memórias revela que o trabalho é árduo, variegado, sente-se muito bem no relacionamento social. Refere a morte da paraquedista Celeste, acidentes de viação que levavam o capelão procurar dar apoio aos familiares dos sinistrados, nunca esqueceu o Padre Marcos, um simples e bondoso capuchinho italiano que vivia pobremente em Brá, vivia de esmolas, era de uma ingenuidade e franqueza que desarmava toda a gente. O seu passatempo era cuidar de uma horta onde plantou pedaços de tronco de mandioca, caroços de mangueiros, bananeiras e uma figueira.

Gostava de visitar Salgueiro Maia em Pete, e depois refere o agravamento da situação a partir de 1973. Assiste aos comícios do PAIGC em Bissau e os militares transformados em revolucionários. Impressionou-se com a saída dos últimos militares portugueses: os nossos soldados estavam na fortaleza de Amura, perto do cais de embarque e deitavam pelas muralhas abaixo parte das rações de combate que os nativos apanhavam e agradeciam de lágrimas nos olhos.

Assistiram ao embarque com manifesta tristeza. Sem sequer um insulto. Eles sabem que nós, ainda hoje, os temos no coração.

Em 15 de Agosto de 1974, regressa e é novamente colocado em S. Jacinto. Termina, rendendo homenagem a todos os capelães que prestaram serviço na Guiné, confessa que gostaria de ter feito melhor, mas aceita tranquilo a responsabilidade das suas limitações.
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Nota do editor:

Vd. último poste da série de 22 de Março de 2013 > Guiné 63/74 - P11292: Notas de leitura (467): A palavra aos desertores portugueses (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Guiné 63/74 – P9734: Convívios (413): 29.º Encontro do Pessoal do BENG 447, dia 5 de Maio de 2012 nas Caldas da Rainha e 33.º Almoço do Pessoal da CCAÇ 1911, dia 5 de Maio de 2012 na Mealhada (Lima Ferreira / Fernandino Vigário)

1. Mensagem do nosso camarada Lima Ferreira, ex-Fur Mil do BENG 447:

Caro Carlos Vinhal
Agradecia que divulgasses o Almoço do Batalhão de Engenharia 447 da Guiné.

29. º ENCONTRO DE EX-OFICIAIS, SARGENTOS E PRAÇAS DO BENG 447

QUE SE VAI REALIZAR NO PRÓXIMO DIA 05 DE MAIO, NO RESTAURANTE O CORTIÇO, EM TORNADA - CALDAS DA RAINHA.

AS INSCRIÇÕES PODEM SER EFECTUADAS PARA:

LIMA FERREIRA - lima_ferreira@soldex.pt ou lf.limaferreira@gmail.com
tel. 229 384 595 ou 919 977 304

FRANCISCO ARAUJO - f.g.araujo@live.com.pt
tel. 963 154 718 ou 229 956 462

Cumprimentos
Lima Ferreira

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2. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69):

Caro amigo Carlos Vinhal, uma boa noite.
De novo em contacto convosco, desta vez para confirmar a minha impossibilidade de estar presente no convívio da Tabanca Grande em Monte Real. De 15 a 22 do mês corrente, está prevista e marcada uma estadia de sete dias em Albufeira, Algarve, integrado no programa Turismo Sénior Inatel.

Aproveito para enviar em anexo o anúncio do convívio anual do BCaç 1911 na Mealhada, se acaso for possível anunciar o mesmo no Blogue, desde já agradeço.

Um forte abraço
Fernandino Vigário

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 10 de Abril de 2012 > Guiné 63/74 – P9729: Convívios (333): XXI Encontro do Pessoal da CCAÇ 2381, dia 28 de Abril de 2012 em Torres Vedras (José Teixeira)

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Guiné 63/74 - P9402: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (2): História do Batalhão de Caçadores 1911

1. Mensagem do nosso camarada Fernandino Vigário (ex-Soldado Condutor Auto Rodas da CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69), com data de 24 de Janeiro de 2012:

Caro amigo Carlos Vinhal uma boa noite.

Cá estou de novo, em anexo vou contar algo sobre a história do Batalhão de Caçadores 1911, e conto aquilo que sei, a minha condição de soldado raso nunca permitiu saber muito sobre aquela guerra, as poucas informações que tinha vinham do pessoal de transmissões e administrativos, e muita coisa já me esqueceu.

Um forte abraço
Fernandino Vigário


AS MINHAS MEMÓRIAS - 2

Batalhão de Caçadores 1911 - GUINÉ 1967 - 1969


COMANDANTES DO BATALHÃO

- Ten Cor Inf.ª Álvaro Romão Duarte - De 04DEZ66 a 14AGO67
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15AGO67 a 26OUT67
- Ten Cor Inf.ª Domingos André - De 27OUT67 a 04ABR68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 05ABR68 a 17JUL68
- Major Inf.ª Vitorino Azevedo Coutinho - De 18JUL68 a 21AGO68
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 22GO68 a 30OUT68
- Ten Cor Inf.ª Renato Nunes Xavier - De 31OUT68 a 14JAN69
- Major Inf.ª Rogério Castela Jaques - De 15JAN69 até ao fim de comissão



HISTÓRIA do BATALHÃO DE CAÇADORES 1911

Atividade operacional na Guiné

Ao Batalhão de Caçadores 1911, desembarcado em 2 de Maio de 1967 em Bissau, foi-lhe destinado o aquartelamento de Brá, com a missão de reserva do Comando-Chefe.

Como a preocupação dominante do Comando do Batalhão era preparar os seus quadros e tropas o melhor possível para a guerra que íamos travar, providenciou-se que todas as Companhias operacionais incluindo a CCS fizessem na área da ilha de Bissau as seguintes atividades:
- Intensa educação física;
- Tiro em todas as ocasiões disponíveis na carreira de tiro;
- Exercício de embarque e desembarque das LDM no ilhéu do Rei em terrenos lodosos, e instrução sobre o mesmo por oficiais da Marinha;
- Colaboração na atividade operacional do BArt1904 no Sector de Bissau com relevo em patrulhamentos e emboscadas noturnas.

Durante a estadia do Batalhão em Brá, as três Companhias operacionais realizaram no interior da província 15 operações.

Quando o Comando do Batalhão foi informado no Quartel-General que ia para o sector de Teixeira Pinto foi-lhe prestada a seguinte informação: O sector de T. Pinto não é um sector de “roncos” é um sector difícil e de importância capital, se conseguirem evitar que o inimigo penetre e domine o sector será o maior ronco da Guiné.

O Batalhão, seguiu para Teixeira Pinto onde desembarcou a 15 de Agosto de 1967 e sem o 1.º Comandante Álvaro Romão que não deixou saudades.

O Major Castela Jaques que à data era 2.º Comandante, foi nomeado Comandante do Batalhão, e em pouco tempo mostrou de que cepa era feito. Deu um prémio ao Capelão Abel Gonçalves e enviou-o para Jolmete, um hotel de ver estrelas!

Em 27OUT67 o Batalhão recebe um novo Comandante, o Tenente Coronel Domingos André, um grande militar e um ser humano cinco estrelas que viria a ser um verdadeiro e único Comandante digno deste nome, tive oportunidade de conversar com ele, sabia respeitar e era respeitado: este sim, quando partiu deixou saudades.

Durante os nove meses em que atuamos no sector de T. Pinto o Batalhão cumpriu com determinação as missões que lhe foram impostas.


Atividade exercida junto das populações (Acção Psicológica)

O inimigo durante o período de Agosto de 1967 a Maio de 1968 intensificou o seu esforço de subverter o povo manjaco com a finalidade de os empenhar ativamente na luta utilizando especialmente:
-Emigrantes manjacos do Senegal e da Gâmbia para a propaganda e mentalização do seu povo.
-Jovens raptados ou recrutados voluntariamente para atuarem depois de devidamente instruídos militarmente junto da população onde vivem os seus familiares, de quem recebem toda a proteção e auxílio.
-A técnica de intimidação e de comprometimento para forçar a colaboração dos chefes das Tabancas para a organização político-administrativa inimiga nas regiões do Sector.

O Comando do Batalhão 1911 desenvolveu uma intensa acção psicológica no Sector a saber, 110 operações de contato com a população visando especialmente:
- Apoiar a ação dos professores das escolas atribuindo livros e cadernos aos alunos de forma a elevar o nível cultural das camadas jovens.
- Executar e promover medidas de propaganda que conduzissem a uma mentalização adequada das populações, com vista a manter a adesão dos elementos não subvertidos, e conquistar aqueles que o inimigo tenha influenciado ou atraído para o seu campo.

A população do Pelundo fechada e hostil foi captada pelas nossas tropas com as quais trabalhou e colaborou na construção de abrigos e da mesquita.
A população do Cacheu igualmente foi captada e colaborou no reordenamento e auto-defesa, especialmente em Morocunda.
A população de Mata e Bianga colaborou sempre e forneceu os seus produtos apesar das intimidações do inimigo.
A profunda humanidade com que tratamos sempre a população permitira manter o povo manjaco fora do conflito e até receber de alguns elementos manifestações francas e sinceras.

Durante o período de nove meses em Teixeira Pinto, se a memória não me atraiçoa o Batalhão fez sete colunas de reabastecimento e escoltas a Có, e oito ou nove a Jolmete, e dezenas de operações nas matas com uma atividade bastante intensa.

Eu como soldado condutor da CCS nunca fiz operações através das matas: fui várias vezes a Có e Jolmete em colunas de reabastecimento, a minha primeira vez, o meu batismo foi algo imprevisto, e com certa dificuldade: foi no fim de Agosto ou princípio de Setembro de 1967 época das chuvas, eu conduzia um Unimog com atrelado carregadíssimo, sem qualquer experiência de conduzir com este, mesmo assim a viagem estava a correr bem sem perturbações e sinais do inimigo: a malta da picagem lá ia na frente como sempre, a determinada altura não muito longe de Jolmete, num piso sinuoso, com muita água, talvez perto de bolanha a minha viatura ficou atolada no lamaçal, fiquei bloqueado e senti-me frustrado, e por mais tentativas que fizesse ainda a enterrava mais, inexperiente perdi o controlo com aquela situação foi necessário ligar o guincho e com ajuda dos colegas lá conseguimos retomar percurso normal.

Se a memória não me atraiçoa sempre que fizemos as colunas de reabastecimento alguns quilómetros depois do pelundo em locais estratégicos e considerados perigosos, iam ficando pela picada um ou outro pelotão a montar segurança, as forças que estavam em Có vinham ao nosso encontro o que acontecia pela zona do Barril ou aí perto, os que estavam em Jolmete vinham a uma zona que não me recordo o nome, mas era zona de água talvez bolanha, ou perto dela onde eu atolei o Unimog no lamaçal.

Agora vou falar dos meus Anjos da Guarda: por sinal eu falo neles na minha apresentação, trata-se dos camaradas Sapadores e outros que nas picadas que eram bastante perigosas, tinham a tarefa de localizar esse inimigo invisível terror dos condutores e não só, que eram as minas anticarro: houve outro Anjo da Guarda que me acompanhou naquelas colunas a Có e Jolmete, fiz esses trajetos várias vezes, e nunca estive debaixo de fogo do inimigo, e ele existiu de facto, e várias vezes, não faço a mínima ideia a que distância estive do local onde houve contactos com o inimigo, nem a distância que separava a primeira da última viatura, mas devia ser longa, normalmente eu ia nos últimos lugares da coluna e a uma distância de quarenta a cinquenta metros da viatura que ia à minha frente e não presenciei nada de tiros.

Resumindo, nas colunas em que eu participei sempre que houve contactos com o inimigo foi com os ditos pelotões que ficavam a montar segurança, ou com os primeiros da coluna, eu tive a sorte e a felicidade de escapar, e devem ter sido poucos os que fizeram estas colunas sem cair debaixo de fogo do inimigo, daí eu falar no meu Anjo da Guarda!

Só depois da chegada a Teixeira Pinto é que me inteirava do que se tinha passado através de relatos dos colegas e camaradas que tinham tido os contactos com o inimigo.

Em 8 de Maio de 1968 o Comando do Batalhão ao deixar Teixeira Pinto, onde foi rendido pelo BCaç 2845, estava convicto de que tinha cumprido com honra as missões de evitar que o inimigo penetrasse e dominasse o chão manjaco.

Em 26 de Junho de 1968 foi destinado ao Batalhão 1911 o Sector de Bissau com sede em Stª Luzia e até à data do embarque, realizou uma intensa atividade operacional no Sector que se cifra numa média de centenas de ações mensais.

Durante a comissão deste Batalhão na Guiné, foram integrados no mesmo para atividade operacional as seguintes unidades:
- CART 1526 - CCAV 1649 - CCAÇ 2313 - CART 1614 - CART 1615 - CART 1617 - CCAV 1650 - CCAÇ 1622 - CART 1660 - CART 1689 - CART 1690 - CART 1692 - CART 1743 - CCAÇ 2435 - CCAÇ 2436 - PEL DAIMLER 1137 - PEL DAIMLER 2042 - PEL PANHARD 1143 - PEL MORT 2006 - 8.ª CMILICIA - 9.ª CMILICIA -10.ª CMILICIA – 20.ª CMILICIA

A média mensal de operações do Batalhão 1911, foi de 32 o que representa uma atividade bastante elevada.



SÍNTESE DA ATIVIDADE


O Batalhão tem mais 6 baixas por acidente.
Há muito mais para contar, faço votos para que quem o saiba o faça, exemplo: oficiais, furriéis, pessoal das transmissões, e administrativos, estes eram mais privilegiados na informação.

Carlos Vinhal um forte abraço, extensivo a toda a tabanca.
E um muito especial para o Padre Abel.

Fernandino Vigário
Ex-Sold. Condutor CCS/BCaç 1911
1967 /69
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Nota de CV:

Vd. primeiro poste da série de 6 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9321: As minhas memórias (Fernandino Vigário) (1): Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário