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quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27365: Humor de caserna (218): Análise interpretativa da história de Fernandino Vigário, "O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário"



Cartoon: adaptação e edição por Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/. Imagem original: Fernandino Vigário  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (2012)



1. Análise interpretativa da história “Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso... ao Vigário”, da autoria de Fernandino Vigário (*)

A narrativa do Fernandino Vigário, membro da nossa Tabancas Grande, insere-se num contexto histórico e cultural muito particular,  a Guerra Colonial Portuguesa, mais concretamente na então Guiné Portuguesa, no primeiro semestre de 1969. 

Apesar de decorrer num cenário de guerra (embora nos arredores de Bissau, na época uma zona  relativamente tranquilam a caminho de Safim, onde o capelão ia dizer a missa dominical),    o tom da história é ligeiro e humorístico, integrando-se, de acordo com o editor LG, na série “Humor de caserna”, género em que o quotidiano militar é visto com ironia, brejeirice e humanidade. 

Afinal, o humor ajuda a "climatizar os pesadelos". E até o absurdo das situações-limite, como o universo concentracionário dos quartéis, o isolamento no mato,  a guerra, a violência, a brutalidade, a morte.


(i) Contexto histórico e humano

Trata-se de uma pequena história do quotidiano de um soldado condutor,  onde apesar de tudo a guerra (operações, patrulhamentos, emboscadas, minas, etc.) fica entre parênteses. 

Era um quotidiano onde  havia também  lugar para  momentos de descontração,  convivência, "desopilanço", enfim,   episódios banais que serviam para aliviar o peso da guerra e a claustrofobia do arame farpado. Bissau  era um oásis de paz para quem vinha do mato... Chamavam-lhe, justa ou injustamente, a "guerra do ar condicionado", o "bem-bom"...

O protagonista, Fernandino Vigário, é um soldado condutor auto, da CCS / BCAÇ 1911 (1967/69),  conduz um jipe, enfim, uma função que o coloca frequentemente em contacto com figuras da hierarquia, como o alferes capelão (ou alferes graduado capelão), responsável por prestar assistência religiosa às tropas. 

Está em fim de comissão, à espera de regresayr à Metrópole (o que aconteceria em finais de maio de 1969, segundo informação do editor LG). É, portanto, um veterano, um "velhinho", em contraste com o capelão que, tudo o indica, é um "periquito", acabado de chegar da metrópole, e ainda desambientado. Ou seja, "não apanhado do clima".

O relato é uma memória pessoal, contada muitos anos depois (mais de 40), num tom simples, oral, quase confessional, revelando a vontade do autor de preservar a autenticidade da experiência vivida. 

Ele próprio reconhece que não escreve para acusar ou diabolizar ninguém,  nem para exaltar ou santificar, mas apenas para deixar um registo humano e bem-disposto. Tinha algumas dúvidas se devia / podia ou não ser publicado no blogue (não fosse interpretá-lo mal, os leitores, seus antigos camaradas).


(ii) O humor e a ironia

O cerne da história reside no contraste irónico entre o papel religioso do capelão e o seu comportamento, digamos,  “mundano”. 

O “jovem alferes capelão”, “cheio de sangue na guelra”, deixa transparecer a sua juventude e impulsos humanos,  elogiando de maneira desabrida,  para não  dizer  algo machista ou marialva (que era a cultura dominante na "caserna"),  mulheres cabo-verdianas, que passam na estrada. O vigor ou  entusiasmo com que o faz, choca o soldado Vigário, habituado a ver o clero com respeito, reverência, distância e reserva moral.

Há aqui uma dupla camada humorística:

  • por um lado, o apelido do soldado (“Vigário”) presta-se ao trocadilho, ao jogo de palavras com o termo eclesiástico (“vigário” = padre);
  • por outro, o próprio título, muito bem escolhido pelo autor (“Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso... ao Vigário")  é uma inversão cómica e simbólica: o padre que quer ensinar o “Padre-Nosso” a alguém chamado Vigário,  é, no fundo, o que menos parece cumprir o papel do “pastor" ou "guardião da doutrina e da moral".

Este jogo linguístico é típico do humor popular português, fundado na ironia, brejeirice e  irreverência, sem ultrapassar o limite do respeito, nem extravasar para a boçalidade.

(iii) O  retrato do capelão e a dimensão moral

Apesar do tom jocoso, ou até pícaro,  há uma dimensão moral implícita. O narrador não pretende “denegrir” a Igreja Católica, Apostólica Romana (com a qual de resto se identifica), como faz questão de sublinhar no "post scriptum" (PS).  Pelo contrário , parece querer humanizar e até desculpar  a figura ou as "bocas foleiras" do capelão (afinal "bastante jovem, devia ter a minha idade ou pouco mais").

 Em traços muito breves, mostra-nos um padre jovem, impulsivo e até mesmo algo ingénuo, que de algum modo quer "acamaradar" e "ser cúmplice" com o soldado que o conduz no jipe, utilizando a linguagem de caserna, para se pôr ao seu nível, talvez de maneira tosca e contraproducente. 

O paradoxo da situação é que o condutor está a levar o capelão, num domingo de manhã, até ao próximo quartel, Safim, onde irá dizer missa,  o "santo sacrifício da missa".  A viagem, relativamente curta (cerca de 20 km) deveria ser de recolhimento e contenção verbal, no entender do narrador.

O autor, Fernandino Vigário,  revela que, mesmo no contexto militar e religioso, as pessoas são falíveis, influenciáveis, permeáveis às tentações  do mundo, expostas à vida que gira à sua volta. Mais: são capazes de transgressão, ou muito simplesmente de "brincar com coisas sérias"... E, para mais, em África, em que todos os sentidos estão  à flor da pele, face a exuberância de cores, formas (a começar pelo corpo feminino), cheiros, sabores, ruídos, etc.

A reação do soldado é reveladora do seu carácter ponderado, respeitador, crente, senáo memso conservador: ele sente o desconforto da situação e do diálogo com o seu superior hierárquico,  mas não confronta o capelão que tem galões de alferes e que o pode teoricamente  "punir" (disciplinarmente falando)... Pelo contrário, responde-lhe com modéstia, ironia e diplomacia, mostrando-se fiel à hierarquia e à ética. 

É esse contraste, entre o alferes capelão, irreverente, "desbocado", e o soldado sereno, educado e contido, que sustenta a comicidade e o significado moral da narrativa.  Afinal, ele é que é o "Vigário" ( de apelido),  o que surpreende o capelão que, em tom brusco e deselegante, o interpela: " Vigário ou vigarista?!"...

(iv) Estilo e tom narrativo


A linguagem é coloquial, direta e oralizada, aproximando o leitor da voz do próprio narrador. O uso de expressões populares como:

  • “palonço”, 
  • “falava pelos cotovelos”,
  • "gaja boa", 
  • "jeitosa"
  •  "uff!", 
  •  “que brasa!”
  • "o gato comeu-te a língua"...

 reforça a autenticidade e o sabor local da história, projetando-a na tradição portuguesa das  conversas e anedotas de caserna.

O "post-scriptum" (PS) introduz uma nota reflexiva e conciliadora, típica de quem, ao olhar para o passado, o faz com compreensão e benevolência. A anedota deixa de ser apenas um episódio engraçado e passa a ser também um testemunho de humildade, tolerância,. reconciliação e humanidade:

(...) "Sou católico praticante, e nada me move contra a igreja e os padres, antes pelo contrário, porque sempre os respeitei e,  ao contar esta história, não pretendo denegrir nem esta, nem os padres, e estou convicto que aquele jovem capelão tenha dado um bom padre, para mim aqueles comentários sobre mulheres eram fruto da sua juventude." (...) (*)


(v) Síntese interpretativa

Em suma, esta história pode ser lida em três planos:

  • Histórico:  testemunho de uma vivência concreta da Guerra Colonial;
  • Humorístico:  episódio leve que satiriza as hierarquias e os comportamentos ( "Bem prega frei Tomás:  faz o que ele diz mas não o que ele faz");
  • Humano e moral:  reflexão sobre a juventude, a autoridade e a tolerância.

Mais do que uma simples “história brejeira”, o texto é um retrato vivo do quotidiano dos militares portugueses na Guiné: um microcosmo onde a fé, o humor, a informalidade e  a humanidade coexistem no meio da adversidade.

Resumo final:

A história de Fernandino Vigário revela-se uma crónica de costumes do tempo da Guerra Colonial,  divertida, humana e sem malícia (nem anticlericalismo...),  onde o autor transforma um encontro algo insólito num episódio de humor e reflexão moral sobre a condição humana, que é comum aos dois protagonistas, mesmo quando escondida sob a farda, de um, ou  sob a batina, de outro. (De qualquer modo, era  mais provável que o alferes graduado capelão fosse vestido de camuflado e com os seus galões dourados, contrariamente ao que o "cartoon", de traço classicizante,  deixa ver).

 Pesquisa: LG + Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/.

(Condensação, revisão / fixação de texto: LG)
__________________

Nota do editor LG:

(*) Último poste da série > 29 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27362: Humor de caserna (217): O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário (Fernandino Vigário, ex-sold cond auto, CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete 1967/69)

( O título original é  "Um Alferes Capelão que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário".)

quarta-feira, 29 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27362: Humor de caserna (217): O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário (Fernandino Vigário, ex-sold cond auto, CCS/BCAÇ 1911, Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69)



Guiné > Região do Cacheu Teixeira Pinto (?)  CCS / BCAÇ 1911 (1967/69) O sold cond auto Fernandino Vigário, no seu jipe


Guiné >  Bissau > Café Bento / 5ª Rep (?) > s/d (c. 1967/69) >  "
Malta amiga, maiatos, num café de Bissau: a partir da esquerda:  (i) 1.º cabo op cripto/QG Domingos; (ii) Sousa, da CCAÇ 1743; (iii)  um militar náo identificado; (iv)  1.º cabo escriturário/QG;  e (v) eu, Fernandino Vigário
 

Fotos (e legendas): © Fernandino Vigário  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Fernandino Vigário foi soldado condutor auto,  CCS / BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, mai 1967/ mai 69); é membro da Tabanca Grande desde 
112/12/2011; é autor da série "As Minhas Memórias" (de que infelizmente só se publicaram dois postes); é maiato, natural e residente em Nogueira da Maia, cidade da Maia, distrito do Porto.

Tem muita a honra no seu apelido, Vigário. E já aqui publicámos , em 2012, uma história divertida, que se passou com um alferes graduado capelão, num domingo, em que ele foi dizer missa a Safim e outros destacamentos do setor de Bissau, onde havia pelotões do BCAÇ 1911. O Vigário foi destacado para levar o capelão.

 Em mensagem enviada do nosso coeditor Carlos Vinhal, com data de  2 de janeiro de 2012, o Vigário deu os seguintes elementos importantes para se perceber o texto e o contexto:

(...) Aproveito para enviar uma história passada comigo e um alferes capelão que, creio, estava no QG/,CTIG, não sei o seu nome nem o conhecia. 

Entre missas e funerais eu conheci vários, havia um que, se não estou em erro, com o posto de tenente,  corpo franzino mas espírito de oficial militar, não dava grande confiança aos soldados.

Vai também duas fotos, uma sou eu no jipe, a outra sou eu mais três amigos e vizinhos da Maia que estavam no QG. O outro elemento não faço a mínima ideia quem seja. (...)

A história passa-se no 1º semestre de 1969, talvez no final do 1º trimestre / princípio do 2º trimestre. O Vigário regressa  à metrtópole, com o seu batalhão, em maio de 1969, juntamente com o capeláo, Abel Gonçalves, que ele conhecia. Por exclusão de partes, o protagionista da história não podia ser o padre Abel Gonçalves, já falecido (em 2019),   figura popular entre o pessoal do  BCAÇ 1911. 

Nessa altura, o capelão-chefe, que estava no QG/CTIG, em Santa Lusia. seria o padre Manuel Joaquim da Silva Capitão (17/1/1968 - 3/3/1970) que veio render o padre Bártolo Paiva Pereira (1966/68) (*).

Mas não é relevante tentar descobrir quem terá sido o "jovem alferes capelão", cheio de sangue na guelra, que queria dar uma lição ... ao Vigário. É mais uma história brejeira que fica bem na série "Humor de caserna" (**).



Um Alferes Capelão que queria ensinar o Padre Nosso...  ao Vigário

por Fernandino Vigário


Estou de volta, e às voltas com a minha memória: como não tenho nada escrito,  vou tentar reconstituir uma história passada comigo e um alferes capelão. Hesitei se a devo contar ou não, mas resolvi contar,  nem que seja para ficar em arquivo.

Eu, Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto, estava em Bissau no quartel conhecido por "600". Já no fim da comissão, numa manhã de domingo (não me recorda a data, mas deve ter sido num dos primeiros meses de 1969), fui escalado para transportar um alferes capelão, ainda bastante jovem,  a três ou quatro destacamentos limítrofes de Bissau, Safim e outros, onde estavam destacados Pelotões de Companhias do meu BCAÇ 1911.

Transportar um capelão, para ir celebrar a Eucaristia aos ditos destacamentos, foi serviço que eu fiz várias vezes, e nem sempre foi o mesmo. 

O que aconteceu nesse domingo, com um bastante jovem, devia ter a minha idade ou pouco mais, que eu não o conhecia, nem nunca soube o nome porque só fiz um único serviço com ele.

Nesse domingo de manhã, depois de darmos os bons dias e trocarmos algumas palavras de circunstância, iniciámos a viagem que nos iria levar aos ditos destacamentos. 

O capelão, além de jovem, era simpático e extrovertido, falava pelos cotovelos, e para espanto meu, ainda na estrada de Santa  Luzia,  ao cruzarmos com uma mulher ainda jovem, cabo-verdiana, por sinal bem jeitosa, atira a seguinte frase:

 
−  Ena,  pá! Que gaja boa. Uff, que brasa!

Percorridas mais umas dezenas de metros, e de novo ao avistar outra mulher cabo-verdiana, repete os comentários. Eu, perante este cenário e vindo de um padre, olhei-o de soslaio, meio petrificado e a pensar no que é que viria a seguir. Seria aquilo verdade?

Como eu falava pouco, na verdade sou um pouco introvertido e reservado, havia também a hierarquia, alferes e soldado, a separar-nos, o capelão resolve puxar por mim.

−  Então, condutor, não dizes nada, o gato comeu-te a língua ?!... Pra começar diz-me lá o teu nome?!

− Fernandino Vigário, meu Capelão, mas todos me tratam por Vigário.

−  Vigário? Oh, pá, mas és Vigário ou és vigarista?!

Hesitei um pouco, mas logo respondi:

−  Meu Capelão, eu sou Vigário de nome, mas sei que há por aí uns Vigários com obras feitas. Olhe, alguns até vieram parar a Bissau.

−  Pois é, condutor, para quem falava pouco já estás a falar de mais, eu vou ter que te ensinar o Pai-Nosso.

Tive que me fazer um pouco palonço, não senti a rigidez militar e respondi:

−  Meu Capelão, não é necessário! Eu na minha parvónia aprendi a Doutrina toda, foi o meu pai que me ensinou. Até fiz a comunhão solene!

−  O teu pai ensinou-te a Doutrina mas foi às avessas, agora quem te vai ensinar sou eu.

−  Meu Capelão, peço desculpa se o ofendi, mas não vejo onde o tenha feito, e longe de mim ofender quem quer que seja.

−  Bem condutor, aceito as tuas desculpas e não se fala mais nisso, afinal hoje é Domingo, é o dia do Senhor, e de ouvir a Santa missa.

PS - Sou católico praticante, e nada me move contra a igreja e os padres, antes pelo contrário, porque sempre os respeitei e,  ao contar esta história, não pretendo denegrir nem esta, nem os padres, e estou convicto que aquele jovem capelão tenha dado um bom padre, para mim aqueles comentários sobre mulheres eram fruto da sua juventude.

(Revisão/ fixação de texto, título: CV / L G)

 
2. Comentário do editor LG:

Fernandino, uma corrida de jipe, a caminho da missa, não dá para se ter grandes conversas e conhecer em profundidade as pessoas, muito menos um capelão (que é antes de tudo... um senhor oficial, militar, fardado, homem...). Havia, nessa época, uma atitude algo reverencial mas também ambivalente, para não dizer,  hipócrita,  em relação ao clero. 

Mas achei interessante as tuas observações e o teu humor, brincando com o teu apelido, Vigário...

"Ensinar o Padre Nosso ao Vigário" é , afinal, um dos  muitos, nossos, fabulosos provérbios populares... Tem muito que se lhe diga... Acho que se podem fazer várias leituras da tua pequena história...Mas deixemos isso aos leitores.

 O provérbio popular "Ensinar o padre nosso ao Vigário" significa tentar ensinar algo a alguém que já é "catedrático na matéria", tem autoridade, é especialista, sabe muito do assunto.

É usado, pois,  para descrever uma situação em que uma pessoa, muitas vezes com menos experiência, traquejo ou conhecimento, presume instruir outra que tem muito mais  autoridade na matéria em questão.

Neste caso, não é preciso recordar que o "Padre Nosso" (ou o Pai Nosso) é a oração mais básica e elementar do cristianismo, todo a gente a sabe de cor, do tempo da catequese (aqueles que foram batisados e andaram na catequese). 

O Vigário (padre adjunto a um pároco, "substituto do prior", do latim "vicarius", "aquele que age em lugar de outro"), sendo  um sacerdote católico, tem a obrigaçáo saber e ensinar o "padre nosso".  Portanto, tentar "ensinar o padre nosso ao vigário"  é uma ação completamente desnecessária, despropositada, redundante e até presunçosa.

A expressão é usada coloquialmente,   de forma crítica ou humorística, quando alguém está a dar conselhos óbvios ou a tentar explicar algo a quem claramente domina o tema. Em suma, é também uma crítica ironica à presunção ou ingenuidade de  tentar ensinar algo a quem já é mestre ou perito no assunto.

 Expressões equivalentes: "Ensinar a missa ao padre.", "Querer ensinar o peixe a nadar"; "Ensinar o gato a caçar ratos"; "Ensinar o pescador a pescar"; "Descobrir a pólvora".

PS - Vígário também pode querer dizer, no Brasil e nalgumas regiões de Portugal," a pessoa que mostra manha ou esperteza para enganar outrem" (vd. a expressão "conto-do-vigário").  A nossa língua é tramada, Fernandino ( e não Fernandinho)...

________________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 17 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.

domingo, 15 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20736: Ficha de unidade (11): CCAÇ 1681 (Safim, Teixeira Pinto, Caió, Bassarel, Cacheu, Bachile e Quinhamel, 1967/69), foi comandada pelo cap inf Manuel Francisco da Silva (1933-2015) (Jorge Araújo)


Foto retirada do texto do João Rebola (1945-2018), Fur Mil da CCAÇ 2444 (Cacheu, Bissorã e Binar – 1968/1970), com o título “Guiné - O Inferno nos primeiros meses”, pdf. In:


Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); um homem das Arábias... doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; autor da série "(D)o outro lado do combate"; nosso coeditor.


 
A COMPANHIA DE CAÇADORES 1681 [CCAÇ 1681] - (1967/69) DO CAP INF MANUEL FRANCISCO DA SILVA (1933-2015)
- SUBSÍDIO HISTÓRICO -

1.   - INTRODUÇÃO
A origem da presente narrativa tem por base a informação específica obtida durante o processo de investigação, realizado recentemente, a propósito de uma foto tirada em Tomar, onde consta a figura de um capitão de infantaria com uma "Cruz de Guerra" ao peito, e publicitada nos P20680 e P20685.
Acreditamos, salvo melhor sugestão, que estaremos na presença do Cap Inf Manuel Francisco da Silva (1933-2015), que foi comandante da Companhia de Caçadores 1681, do Batalhão de Caçadores 1911, unidades formadas e mobilizadas pelo RI 15, em Tomar, e que cumpriram a sua missão ultramarina no CTIGuiné, no período de 1967/1969.
Uma vez que esta subunidade do BCAÇ 1911 não tem qualquer referência historiográfica no blogue da «Tabanca», aproveitei esta oportunidade para relatar alguns dos factos relevantes da sua actividade operacional no Sector que lhe foi atribuído - o Sector O1-A.
De acordo com o acima exposto, segue-se um subsídio histórico da CCAÇ 1681.

2.   - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE CAÇADORES 1681 =
SAFIM - TEIXEIRA PINTO - CAIÓ - BASSAREL - CACHEU - BACHILE E QUINHAMEL (1967-1969)

2.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG

Mobilizada pelo Regimento de Infantaria 15 [RI15], de Tomar, a Companhia de Caçadores 1681 (CCAÇ 1681), a primeira de três unidades de quadrícula do Batalhão de Caçadores 1911, liderado pelo TCor Inf Álvaro Romão Duarte, embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 26 de Abril de 1967, 4.ª feira, sob o comando do Capitão Inf Manuel Francisco da Silva, seguindo viagem a bordo do N/M "UÍGE" rumo à Guiné (Bissau), onde chegou a 03 de Maio, 4.ª feira.

2.2 – SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

● A DO BCAÇ 1911


Após a sua chegada a Bissau, o BCAÇ 1911 ficou instalado em Brá, na situação de reserva de intervenção do Comando-Chefe. As suas subunidades foram utilizadas em diversas operações, ou em situação de reforço temporário de outros Batalhões. 

Em 17Ago67, rendeu o BCAV 1905 [de 06Fev67-19Nov68, do TCor Cav Francisco José Falcão e Silva Ramos, cargo que manteve até 14Ago67, sendo substituído pelo Maj Inf Rogério Castela Jacques até 26Out67, que, por sua vez, cedeu o seu lugar ao TCor Inf Domingos André (27Out67 a 19Nov68)], assumindo a responsabilidade do Sector A1-A com sede em Teixeira Pinto, integrando as subunidades existente na área.
Nesta situação, desenvolveu intensa actividade operacional, essencialmente orientada para a neutralização do esforço inimigo para atingir as regiões de Bassarel / Calequisse e Caió e exercendo, simultaneamente, uma constante acção psicossocial junto das populações, garantindo a sua segurança e promoção socioeconómica.

Em 07Mai68, o BCAÇ 1911 foi rendido no sector de Teixeira Pinto pelo BCAÇ 2845 [de 06Mai68-03Abr70, do TCor Inf Martiniano Moreno Gonçalves] e recolheu seguidamente a Bissau. Em 24Jun68, rendendo o BCAÇ 2834 [de 15Jan68-23Nov69, do TCor Inf Carlos Barroso Hipólito] assumiu a responsabilidade do Sector de Bissau, com sede em Bissau e engobando os subsectores de Brá (Bissau), Nhacra e Quinhamel, com vista a garantir a segurança e protecção das instalações e das populações da área, tendo passado em 10Jul68 à dependência do CmdAgr 2952, por criação da respectiva zona de Bissau e depois do COMBIS. Em 31Mai69, foi rendido no sector de Bissau pelo BCAÇ 2884 [de 02Mai68-26Fev71, do TCor Inf José Bonito Perfeito], a fim de efectuar o embarque de regresso (p91).  



Mapa da região de Teixeira Pinto (Sector O1-A) por onde circulou o contingente da CCAÇ 1681 durante a sua comissão ultramarina no CTIG (1967-1969)





● A DA CCAÇ 1681


A CCAÇ 1681 ficou colocada em Bissau, tendo efectuado uma instrução de adaptação operacional de duas semanas [de 24Mai a 06Jun66] na região de Safim, ficando, seguidamente, como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe. 

Nesta situação, e por um período de três semanas [de 20Jun a 12Jul67], foi atribuída em reforço do BCAV 1905, para acções de patrulhamento, reconhecimento e batida nas regiões de Blequisse, Bachile e Pichilal. Seguiu-se, depois, o reforço do BCAÇ 1887, por um novo período de três semanas [de 25Jul a 13Ago67], para operações nas regiões de Biribão e Ponta Pinto.

Em 17Ago67, foi integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão [BCAÇ 1911], como subunidade de intervenção e reserva do Sector O1-A, estacionado em Teixeira Pinto, com um Gr Comb em Caió, sendo utilizada em acções de patrulhamento, batidas e emboscadas na região do rio Costa (Pelundo) e destacando um Gr Comb para Bassarel, a partir de 22Set67. De referir que foi nesse rio que, cinco dias após a sua chegada, a CCAÇ 1681 tem a primeira baixa, por afogamento do soldado José Marques Afonso, natural da freguesia de Mata Mourisca, Pombal.

Em 11Out67, rendendo a CCAV 1649 [de 06Fev67-19Nov68, do Cap Mil Cav João de Medeiros Constâncio], assumiu a responsabilidade do subsector de Cacheu, com um Gr Comb destacado em Bachile, então integrada no dispositivo do seu batalhão e depois do BCAÇ 2845. 

Em 07Dez68, saiu do subsector de Cacheu, após ser rendida pela [Madeirense] CCAÇ 2446 [de 15Nov68-01Out70, do Cap Mil Inf Manuel Ferreira de Carvalho], seguindo para o subsector de Quinhamel, onde substituiu a CCAÇ 2435 [de 28Out68-01Out70, do Cap Inf José António Rodrigues de Carvalho], voltando novamente à dependência do seu batalhão. Em 11Mai69, foi substituída pela CCAV 1749 [de 25Jul67-07Jun69, do Cap Mil Art Germano da Silva Domingos] recolhendo seguidamente a Bissau a fim de aguardar embarque de regresso (p92).

Como "memorial" particular da CCAÇ 1681, no Cacheu, o camarada João Rebola (1945-2018) deixou-nos um testemunho da presença da unidade que precedeu a sua CCAÇ 2444 (1968/1970), pousando ao lado da placa aí existente.     

Foto retirada do texto do João Rebola, Fur Mil da CCAÇ 2444 (Cacheu, Bissorã e Binar – 1968/1970), com o título "Guiné - O Inferno nos primeiros meses", pdf. In:

● RECONHECIMENTO DA ACTIVIDADE OPERACIONAL DA CCAÇ 1681

Corolário da intensa e bem-sucedida actividade operacional da CCAÇ 1681, foi o seu Cmdt – Cap Manuel Francisco da Silva – elogiado pelos seus superiores hierárquicos, sendo-lhe atribuído um louvor do qual originou a condecoração com a medalha militar de Cruz de Guerra de 4.ª classe.

Como prova testemunhal, reproduzimos o conteúdo de ambos (louvor e condecoração).  



Na busca de mais elementos relacionados com a actividade operacional desenvolvida pela CCAÇ 1681, nomeadamente sobre as sete "operações" salientadas no texto do louvor acima: «Bota Janota», «Amedronta», «Almoster», «Alandroal», «Amesterdão», «Jacaré Raivoso» e «Hotel Portugal», nada foi encontrado, com excepção da primeira.

Na bibliografia "oficial" (CECA; 6.º Volume; p154) consta que a «Operação Bota Janota» foi realizada nos dias 25 e 26 de Janeiro de 1968, 5.ª e 6.ª feira, com o objectivo de detectar e destruir instalações e elementos In efectuando uma batida na mata de Pichilal (Sector O1-A). Participaram nesta missão as seguintes forças: CCAÇ 1681, 1 GC/CCAÇ 1682, CCAÇ 1683, PSap do BCAÇ 1911, GC "Os Templários", PCAÇ 58, PMil 129 e PMil 130, com APAR.

No decorrer da operação, as NT destruíram um acampamento abandonado recentemente, constituído por dez casas (de mato) e um posto de sentinela, localizado a nordeste de Catunco; apreenderam carregadores e cartuchos de armas ligeiras, livros, discos de propaganda, documentos e material diverso.

No regresso ao Cacheu, a CCAÇ 1681 foi emboscada por duas vezes, sofrendo quatro mortos, nove feridos e um desaparecido.

Procurando identificar os nomes dos quatro militares mortos, como é referido no relatório, com cruzamento a outras fontes "oficiais" (CECA; 8.º Volume; Livro 1; p329), nada foi encontrado. A data da "baixa" mais próxima às da operação supra é de 30Jan68 e reporta a um elemento da CCAÇ 1684, facto ocorrido a 3,5 kms do aquartelamento de Susana, na margem direita do rio Sancatuto.

Pelo exposto se conclui que os dados apresentados no "desenrolar da acção" contém imprecisões, nomeadamente em relação a "baixas" da CCAÇ 1681 [NT], como se prova no quadro que elaborámos para esse efeito.

● BAIXAS DA CCAÇ 1681 DURANTE A SUA COMISSÃO (1967/1969)

Da leitura do quadro abaixo, verifica-se que a CCAÇ 1681 registou seis baixas durante a sua comissão (1967/1969), sendo três por "acidente" e três em "combate".



Estas seis mortes aconteceram durante a permanência da unidade no Cacheu, tendo a primeira ocorrido em 22Ago67, cinco dias após a sua chegada, com um náufrago no rio Costa (Pelundo), junto à Ponte "Alferes Nunes". 
A segunda ocorrência, de que resultaram duas "baixas", foi consequência de uma emboscada sofrida pelas NT, em 04Out67, no itinerário Catora-Có, 200 mts depois de Barril. 
A quarta baixa verificou-se passados dez dias da ocorrência anterior, em 10Out67, por efeito de uma nova emboscada, agora em Capó, no itinerário entre Cacheu e Bachile. 
A quinta baixa resultou de um acidente ocorrido durante a noite do dia 09Fev68, no abrigo onde o militar dormia, provocado pelo fogo do combustível de uma lanterna. 
A sexta e última baixa aconteceu em 28Abr68, em novo acidente, este de viação, junto à porta de armas do Depósito de Adidos da Guiné, em Bissau.
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Fontes Consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 5.º Volume; Condecorações Militares Atribuídas; Tomo VI; Cruz de Guerra (1970-1971); Lisboa; (1994); pp157-158. 
  
Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; Tomo II; Guiné; Livro 2; 1.ª edição, Lisboa (2015); p154.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002); pp91-92.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001); pp276-284-290-331-349.

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
27Fev2020
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Nota do editor:

Último poste da série >  16 de maio de  2018 > Guiné 61/74 - P18639: Fichas de unidades (10): A composição de um Conselho Administrativo de um batalhão de reforço (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Guiné 63/74 - P15665: Notas de leitura (800): "Catarse", da autoria do Pe. Abel Gonçalves (Major-Capelão do BCAÇ 1911 e do BCAV 1905), edição de autor, 2007 (1) (Mário Beja Santos)

1. Reprodução da mensagem que o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), enviou ao autor do livro Catarse em 22 de Janeiro de 2016:

Meu prezado Reverendo Abel Gonçalves,

Agradeço-lhe muito o envio do seu livro, que muito apreciei. As duas recensões serão publicadas no blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Peço-lhe o favor de ver no seu computador esta referência, é bem possível que possa rever todos os locais por onde andou.

Em 2010, voltei à Capela de Bambadinca que está felizmente recuperada pelas missionárias que ali trabalham.

Porquê publicar as nossas recordações em blogue? No meu caso, trata-se de uma colaboração que vem de longa data e não tem fim, procuro repertoriar tudo aquilo que tem a ver com a Guiné, nomeadamente os testemunhos de quem ali combateu a partir de 1963.

O seu testemunho é singularíssimo, não conheço outro capelão que tenha bisado a comissão, o que acresce a importância do seu testemunho. Seria muito tocante que se inscrevesse no nosso blogue, estou certo e seguro que tem muitas histórias para contar e rever as imagens preciosas ali contidas também podem ser um refrigério para a sua alma.

Receba o agradecimento profundo e a elevada consideração do
Mário Beja Santos


Catarse, pelo Major-Capelão Abel Gonçalves (1)

Beja Santos

É a primeira vez que oiço falar num capelão que fez duas comissões na Guiné. Tem hoje 85 anos, é major, e vive na Ordem da Trindade, no Porto. Em 2007, em edição de autor, publicou Catarse (palavra que nos remete para o procedimento terapêutico pelo qual uma pessoa se cura revivendo acontecimento traumáticos). 

Telefonei-lhe, pedi-lhe o livro, prontamente acedeu e convidou-me a passar pela Rua da Trindade, para conversarmos. Lembro-me dele na capela de Bambadinca, num domingo em que vim muito cedo de Missirá, as fotos que ele publica no livro coincidem com a lembrança que me ficou.

Como escreve, estava pacatamente a ajudar nas confissões quaresmais, na paróquia de Oliveira do Douro, quando apareceram dois agentes da GNR que entregaram uma guia de marcha para se apresentar com urgência no RI 15, em Tomar.

Acha-se com o ordenado de alferes, habituado a paróquias pobres, começa a sonhar com uma máquina fotográfica. Em Abril de 1967, incorporado no BCAÇ 1911  [Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69], embarca no Uíge, em Bissau é despejado numa barcaça, dias depois, após uns treinos de desembarque no Ilhéu do Rei, ficam sediados em Brá. A experiência foi gratificante:


“Tive oportunidade de batizar um pequeno grupo de nativos que os militares catequistas do Batalhão de Engenharia tinham devidamente preparado".

Seguem para Teixeira Pinto numa LDM, fica a viver numa casa da missão católica e celebra numa pequena igreja. Aproveita a evacuação de um ferido grave e vai até ao Jolmete. 

O então alferes capelão Abel Gonçalves gosta do pícaro, e não esconde certos embaraços por que passou. O caso do banho, nuzinho diante de todos, ele que estava marcado pelo seminário, onde não podiam tirar as calças, senão debaixo da roupa da cama. 

Um dos alferes comete a brejeirice, diz-lhe:

“Sabes o que estavam os soldados a dizer? Que viram os limões ao capelão!”.
 
Não ficou sem resposta:

“É para que fiquem a saber que os capelães também têm dessa fruta!”.

[foto à esquerda, major-capelão ref Abel Gonçalves]

Fala da solidão, da falta de correio, da sensaboria da comida, apercebeu-se rapidamente da dureza da guerra. Regressa a Teixeira Pinto, sofrem uma emboscada, alguém a seu lado foi atingido mortalmente. 

Albino, o jovem cristão que guardava a casa de missionário, recebe-o com alegria quando chega a Teixeira Pinto e prepara-lhe um churrasco, ele não esqueceu a solicitude do jovem e guardou na memória a receita:

“Num tacho tinha posto rodelas de cebola, alhos, azeite, piripiri, loureiro, muito sumo de limão, de uns limões e pequeninos, casca fina como papel. Cada pedaço de carne era molhado naquele preparado e logo assado nas brasas”.

Dão-lhe instruções para sair Teixeira Pinto, vem de férias. Acaba por se comportar como qualquer militar, fica nervoso quando lhe fazem perguntas pois dirigem comentários descabidos, sente-se apático, indiferente às banalidades, tudo lhe parece insignificante com o que viu, sentiu e aguentou até à exaustão. Regressa e é destacado para um batalhão da cavalaria. Apresenta o novo território:

“É um setor muito grande, com 18 destacamentos. Trata-se de Bafatá. Na sede do batalhão não se conhecem problemas, a vida está difícil mais para a fronteira ou da povoação de Geba em diante”.

Presta igualmente assistência ao setor de Bambadinca, mas no essencial o seu território vai de Cambajú ao Xitole, de Banjara ao Xime, de Sara Bácar a Geba. Lembra-nos que a sua arma é sempre o terço, faz-se acompanhar com uma imagem do Imaculado Coração de Maria que lhe fora oferecida pelos ex-paroquianos de Ervedosa do Douro.

Cortesia do Carlos Coutinho
Gostou do ambiente de Bafatá e do primeiro comandante do BCAV 1905 [Teixeira Pinto, Bissau e Bafatá, 1967/68]. É um capelão solícito:

“Os missionários não podiam sair da cidade, e quem prestava um mínimo de assistências às pequenas comunidades católicas era o capelão. Levava o dinheiro atribuído a essas comunidades a pedido do senhor Prefeito Apostólico. O capelão girava sempre de destacamento para destacamento, com a mochila às costas e o mínimo indispensável para celebrar a Eucaristia. Um bloco de notas para apontar pedidos”.

Levava também rebuçados, velas para oferecer às mesquitas, jornais, revistas e livros para toda a malta. Descreve as duas missões de Bafatá, a masculina e a feminina e depois dá-nos conta de certas solicitações insólitas para o seu múnus. Encontrou em cima da secretária o requerimento de um soldado que pedia para ser autorizado a usar barba, tinha feito uma promessa a Nossa Senhora de Fátima. O comandante despachou para ele. Leu, meditou e escreveu:

“Indeferido, porque não se pode prometer o que é contra a legislação”.

Falou com o soldado e tranquilizou-o, ficaram amigos.

Descreve Bambadinca:

“A povoação de Bambadinca tinha uma sala de aulas/capela, polivalente, que pertencia à missão católica de Bafatá, mas os missionários não podiam lá ir. Só os capelães militares e com grande escolta. Um cortinado separava o altar do resto da sala. Ao lado, outra sala mais pequena, sempre cheia de urnas com mortos, para oportunamente serem transportados para Bissau. Era no meio das urnas que me paramentava para a celebração da Eucaristia”.

Visitou várias vezes o Xime, bem como o Xitole, lembra-se muito bem das atribulações da viagem. E vem mais uma brejeirice que ele intitula “o médico do Xitole”:

“No Xitole havia um alferes médico, o Dr. Sílvio, que era quem praticamente comandava o destacamento.

O capitão miliciano era, creio eu, um notário que não queria saber de nada.

O Dr. Sílvio é que me recebia e sempre muito bem. Mostrava-me os abrigos que mandara fazer e as valas de acesso aos mesmos.
- Capelão, que quer comer ao pequeno-almoço? 
 - O que o senhor doutor me receitar! 
- Umas sopas de vinho fresco que tenho no frigorífico. 
- Se dão força aos cavalos e o senhor doutor receita, vamos lá a elas!

Os dois, um de cada lado de um bidão de gasolina vazio, sentados em cadeiras improvisadas com as aduelas dos pipos. E este vinho era muito cristão, pois tinha sido muitas vezes batizado pelos lugares por onde tinha passado!”.

(Continua)



Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > A parada do quartel de Bambadinca, a capela (que servia também de casa mortuária...) e, à direita, a secretaria da CCAÇ 12 (1969/74).

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados.


2. Nota do editor:

Do BCÇ 1911, temos pelo menos um membro da nossa Tabanca Grande, desde 11/12/2011, o Fernandino Vigário, ex-soldado condutor auto rodas, CCS/BCAÇ 1911 (Teixeira Pinto, Pelundo, Có e Jolmete, 1967/69).  Tem vários postes publicados sobre a história do batalhão, além de uma história deliciosa sobre um outro capelão, um jovem alferes, que ele conheceu em Bissau e a quem deu um boleia...,  e "que queria ensinar o Pai-Nosso ao Vigário"...

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Nota do editor

Último poste da série de 22 de janeiro de 2016 Guiné 63/74 - P15652: Notas de leitura (799): “La Découverte de L'Áfrique", por Catherine Coquery (2) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Guiné 63/74 - P11935: Manuscrito(s) (Luís Graça) (7): Praia do Porto Dinheiro, Ribamar, Lourinhã... À memória dos meus avoengos Maçaricos... Ao Horácio Fernandes, capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69)...

(...) Desde 1974, os portugueses tentaram regressar ao mar duas vezes.  Há 40 anos que fugimos do mar. Mas vem aí a reabertura do canal do Panamá e a extensão da plataforma continental. Mesmo sem estratégia, a economia do mar vale 10 mil milhões de euros (.,.,.)

O que (não) fizemos para voltar ao mar. 


Por Lurdes Ferreira e Bárbara Reis. Público, 27/9/2012.



Praia do Porto Dinheiro
por Luís Graça

À memória dos meus antepassados Maçaricos
marinheiros, mareantes, navegantes, 
pescadores, mercadores, construtores navais... desde Quinhentos

Ao António Fernandes (Patas), 
contrutor naval que morreu na Califórnia
E ao seu neto, e meu primo e camarada, Horácio Fernandes,
capelão militar em Catió e Bambadinca (1967/69).


Finisterra, pórtico do tempo, 
És gare, és algar,
Porto dos portos das Atlântidas perdidas!
Foste estaleiro de vasos de guerra,
Galeões, naus e caravelas
Por haver ou nunca havidas,
Diz o livro do almoxarife.
Hoje não se constroem mais catedrais
Nas tuas fossas submarinas
Nem moinhos de vento 
No teu recife de corais,
Nem traineiras de grosso cavername
Nas rampas das tuas arribas fósseis.
Dóceis são as ondas com que afagas
A pele e apagas
A púbis das raparigas.

Porto Dinheiro: o
 irresistível apelo das algas
Que são as hormonas do mar,
Espigas, chicotes, valquírias, ninfas, najas, canibais,
Que vêm do fundo dos tempos imemoriais
Para seduzir os filhos dos homens,
Inebriar as suas almas, enlear os seus corpos.
Há olhos que perscrutam a linha do horizonte
E rasgam a colina de neblina, por detrás das Berlengas.
É de lá que vêm corsários, 
Monstros e mostrengas, 
Dinossauros, loucos menestréis, 
Contadores de lendas,
Mouras encantadas, 
Mercadores, invasores, conquistadores,
Vikings e outros predadores... 
E os bretões com os seus barcos a vapor, 
Que vinham aqui pescar lagostas entre as duas guerras.
Mais o Bateau ivre, do  Rimbaud.

É de lá,do mar profundo,  que vêm os portadores da peste…
Mercator ergo pestiferus,
De que Deus nos livre!

Deste nomes de fêmeas aos teus barcos
Que são machos,
Máquinas fálicas de lavrar e violar
O vento, a água, o ar,
Jessica, Mafalda, Sofia,
Inês, Patrícia, Maria.


Formidáveis muralhas de palavras e moluscos
Emparedam-me vivo
Na canícula desta tarde de verão
Em que espero em vão 
Os mercadores fenícios,
As legiões romanas, 
Devidamente equipadas e alinhadas nas suas galeras,
Ou as hordas bárbaras, teutónicas, a cavalo blindado,
Ou o simples mensageiro da paz,
O carteiro que me há-de trazer a carta a Garcia,
Com a solução alquímica da vida
Ou o algoritmo da felicidade
Ou a password do sítio 
A gruta de Alibabá e os 40 ladrões.


Estou sentado na esplanada da tasca da Ti Augusta,
Depois de saborear uma sopa de navalheiras,
E comer uma posta de arraia frita,
Recuando ao tempo dos meus avoengos Maçaricos…
E aqui penso em como a vida às vezes é tão simples,
Se descartada da econometria, da sociometria e da psicometria…
Dizem que aqui reinou o rei Midas,
O mesmo que transformava lagostas e algas em barras de ouro.


Porto Dinheiro,
Dos casais por detrás das tuas colinas,
Até ao mar imenso,
Por aqui andaram os meus antepassados.
Um dia há de desaparecer nas Américas
O teu último carpinteiro de naus, caravelas e traineiras.
Não sobreviveu à industrialização da construção naval.
Nem à crise dos anos 30.
Morreu longe, na Califórnia, na diáspora.


Maldita pátria amada e odiada
Que tantos filhos pariste e rejeitaste!

Luís Graça




Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Vista da tasca da Ti Augusta 


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Embarcações de pesca artesanal


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > A tasca da Ti Augusta,  hoje explorada por um filho, sargento da marinha reformado.


Lourinhã,  Ribamar, Praia do Porto Dinheiro > 18 de agosto de 2011 > Tasca da Ti Augusta > A famosa sopa de navalheiras.

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados
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Nota do editor:

Último poste da série > 8 de agosto de 2013 > Guiné 63/74 - P11916: Manuscrito(s) (Luís Graça) (6): No Chá de Caxinde, em Luanda, a lusofonia para além da nossa circunstância: recente homenagem ao poeta angolano Viriato da Cruz (1928-1973)