Chegou lentamente no inicio do ano de 2020, primeiro na
China, mas não se deu grande importância, era uma ‘epidemia’ nova centrada na
cidade de Whan na China, passou a chamar-se de Corona Vírus, era uma nova forma
do antigo Corona SARS, que nunca ouvi falar antes, e tinha passou por cá apenas
há alguns anos.
Depressa se estendeu a outros países, devagarinho, e assim
em Março de 2020 já estava instalada em muitos países de todos os Continentes,
entrou em Portugal, passamos a tratar de ‘Pandemia’ um nome estranho, para mim,
mas que significava que atingia todos os países isto é, o Planeta todo.
Matava sem deixar rasto, no principio ninguém ligava muito,
mas em breve passamos a ter os números reais de infectados e mortos em todos os
países, incluindo Portugal.
O Governo decretou o Estado de Emergência, uma nova
realidade, estava tudo confinado a casa e só os operacionais – da saúde, dos
transportes, da alimentação e pouco mais – tinham carta verde para sair sem ser
apanhado pelo controle que, entretanto, foi apertando, mais e mais. O País
parou, tudo o que era actividade não essencial à vida fechou portas, lojas e
estabelecimentos foram fechando e colocando os seus papeis de avisos nas portas.
Devido ao COVID-19, uma nova espécie de Corona Vírus, que
apareceu no final de 2019, era o nome mau e terrível que passou a chamar-se a
este estado descontrolado.
COVID-19
É o nome que está na ordem do dia, não se fala nem escreve
sobre mais nada. Os números de infectados, mortos, os poucos que se curavam,
são as estatísticas do dia, sobrepondo-se aos números do Orçamento do Estado, à
classificação das equipas, aos banais assuntos sem importância a que antes se
dava relevo.
Estou a escrever isto, hoje dia 30 de Março de 2020, pois já
não sei mais que fazer, para passar o tempo fechado dentro de casa, e sem
perceber patavina do que significa, o que é este vírus assassino, que ninguém
sabe explicar, cada um lança um palpite, e os debates televisivos acontecem
minuto a minuto, sem nada sair de concreto. Eu confesso-me um ignorante de
primeira linha, pois nunca dei grande importância a estes coisas de saúde,
talvez por felicidade minha, nunca passei, quer em família, quer pessoalmente
por uma situação destas, terrível em termos de saúde, daí o meu desinteresse anterior
e a minha ignorância, sei que não estou no bom caminho, mas foi assim que vivi
até aos 77 anos.
Os dramas acontecem com números diabólicos, não poupam
ninguém, esta mortalidade é transversal a todas as classes sociais, religião,
raça, sexo, ricos e pobres, famosos e anónimos, novos e velhos, homens e mulheres,
jovens e crianças.
Os mortos não têm sequer um funeral, são empilhados à espera
de vez para serem cremados, única forma de matar o vírus, os velórios e o luto
ficarão para mais tarde, quando tudo passar, se realmente vai passar
totalmente.
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Vila do Conde > Esplanadas, vazias, da marginal |
O isolamento social é uma forma de travar a pandemia, que
ninguém já sabe em concreto como se transmite, e agora passou a ter outro
palavrão – a mitigação -, o estado em que não se sabe de onde vem a
contaminação, pode ser tudo ou nada, é a ignorância e a impotência do ser
humano, que nunca se preparou para uma situação destas, pois já se passaram
mais de cem anos desde a ultima peste, e os países só pensaram nas defesas da
guerra convencional, da guerra biológica, da guerra atómica, de homens contra
homens, e não cuidaram de se acautelar contra a mãe natureza, que decide tudo
em última instância, não é uma critica a ninguém é apenas a constatação de um facto.
Eu não me dou bem com o isolamento, por isso há 15 dias que
ele existe oficialmente, mas não há nenhum dia que não saia de casa, tenho de
fazer o abastecimento das necessidades do dia a dia e não quero que falte nada,
vivo apenas com a minha mulher nesta chamada quarentena, e ela depende de mim, pois
não sai de casa, é oficialmente uma pessoa de risco agravado, não só devido à
idade, mas a outros problemas colaterais, por exemplo híper tensão.
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Vila do Conde > Café Concerto |
Por isso quando saio para as compras diárias, aproveito umas
horas, quer de manhã ou de tarde, e ando a fazer quilómetros e a fotografar o
«deserto» onde estamos metidos, quero gravar em imagens as lojas e
estabelecimentos fechados, as ruas, avenidas e praças desertas, para memória
futura. [Fotos nºs 1, 2 e 3]
Dia após dia, mais portas se fecham, até que hoje quase nada
está aberto, tirando as farmácias, lojas de pão e supermercados, tudo à fila
mas com espaços grandes uns dos outros, dizem, por causa das gotículas que
podem andar no ar, que eu não acredito de todo, por isso não ando assim com
tanta paranoia, talvez eu ainda não esteja crente do que está a acontecer,
mesmo com as centenas de mortes que diariamente são anunciadas pelos órgão de
comunicação, mais alarmistas do que realistas, mas têm de vender tempo de
antena, em tempos de crise, quando não há mais compradores nem tanto para
vender.
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Metro de Vila do Conde |
Isto tudo vem a propósito que ontem, sexta feira, fiz um
esticão maior, fui até à Estação do Metro e vi uma situação nunca vista, sem
ninguém, com tantas vagas para estacionar, nas informações avisava que havia em
todas as linhas uma composição de meia em meia hora e que não era preciso mais
pagar nem validar bilhetes, estava tudo desligado, e as portas abriam-se
automaticamente, para ninguém apanhar o vírus por causa disso. E eu que tinha
comprado o passe para o mês de Março todo, fiz apenas uma viagem e nunca mais
entrei noutro, quer eu bem como a minha mulher, que desde há uns meses tínhamos
o passe para as nossas deslocações de lazer ao Porto, já que no carro era
impensável, não tenho paciência de filas intermináveis.
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Vila do Conde > Espaço da feira semanal, vazio |
Antes tinha passado pelo mercado da vila, onde se faz a
feira semanal e estava tudo deserto, nem uma pessoa se via, em dias de outrora
apinhados de gente. Como vão sobreviver todos os que dependem desta actividade,
agora proibida, isto faz-me pensar em cenários brutais, mais para a frente, e
não vai levar muito tempo.
Então passei pelo Centro, tem lá um florista, a minha mulher
já se tinha queixado que saio todos os dias, duas vezes e nunca me lembro dela,
não lhe levo um miminho… Ia comprar uma flor ou um pequeno ramo, mas não o fiz, não
queria falar com mais ninguém.
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Vila do Conde > A minha rua, Av Baltazar do Couto |
Cheguei ao meu empreendimento a caminho de casa, e temos
muitas floreiras e jardins com flores selvagens, que afinal são de todos,
minhas inclusive. Fui arrancando uma aqui outra acolá, algumas eram difíceis de
partir os ramos. Fui à garagem, tenho lá um facalhão, peguei nele e fui
arrancar mais algumas, eram pelo menos de 4 ou 5 tipos de flores. Na garagem,
inventei um ramo, que nunca tinha feito, mas já vi muitas vezes a fazerem.
Juntei aquilo tudo à minha maneira, mas precisava de atar, não tendo nada, foi mesmo
com um pedaço de corda grossa.
Cheguei a casa, ofereci-lhe o ramo, acho que ela gostou
bastante, colocou num vaso, tirei-lhe uma foto como ela estava vestida e
penteada, fiquei com a sensação de dever cumprido. Afinal a necessidade aguça o
engenho.
Não sei o que se está a passar, isto é, não compreendo como
tudo isto aconteceu, vejo países como a Itália e agora Espanha, com centenas de
mortes por dia, e eu não sei como ajudar, pelo contrário, ainda faço pior,
segundo as instruções, a sair todos os dias e não por pouco tempo, ando duas a
três horas e uns quilómetros a pé, e faço umas dezenas de novas fotos em todas
as saídas.
Sei que tomo as precauções que acho suficientes, visto um
blusão de inverno, um chapéu de abas largas de Verão, uma máscara de papel,
pois não há outras, luvas de algodão e por cima quando tenho de pegar algo, um
par de luvas de borracha, e quando chego vai tudo para a máquina de lavar, faço
a limpeza de mãos e cara, e uso o novo sabão azul para me lavar, dizem que é
desinfectante e por outro lado faz bem ao meu problema da polpa dos dedos, que
me dizem tratar-se de psoríase, mas com isto posso eu bem.
Ninguém sabe na realidade o que se passa nos Hospitais,
louvo os profissionais da saúde e todos os que ajudam, no esforço
impressionante do dia a dia, para manter vivos a maior parte dos internados,
sem condições, pois nenhum sistema foi implementado nem pensado antes para
ocorrer a situações destas.
Nunca me passou pela cabeça, que nesta idade viesse a viver
uma guerra com um inimigo invisível que mata sem olhar a meios. Vivi, conforme outros da mesma geração, hoje com 65 a 80
anos, uma guerra diabólica em África, fomos requisitados à força e mandaram-nos
combater um inimigo a sério, cada um durante dois anos, e sem as condições
mínimas de subsistência, a maioria chegou viva, mas muitos ficaram pelo
caminho, nunca regressaram, ou vieram em caixas de pinho, do outro lado do mar.
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Vila do Conde > O meu Posto de Trabalho.
Troquei o escritório, pela Sala |
Outros vieram evacuados com os mais variados ferimentos ou
doenças, e todos os que sobreviveram sofrem hoje da síndrome de pós stress
traumático, mesmo aqueles que se recusam em reconhecer essa mazela. Durante 13 anos o nosso país enfrentou uma guerra em 3
frentes de combate, coisa que nenhum outro país fez antes nem depois. É uma
façanha e um orgulho para a capacidade dos Portugueses se adaptarem a formas de
vida que nunca pensaram, foram e não tinha escolhas, a não ser aqueles, que
escoltados em fantasias politicas, fugiram do país, e só regressaram quando
tudo tinha acabado, estes não são os heróis, mas os cobardes e traidores, eles
andam por aí, como se nada fosse e arranjaram poleiros nos organigramas dos
diversos governos deste Estado Português.
Agora este Estado, como forma de combater a Pandemia, pede apenas aos jovens que fiquem em casa sentados nos sofás, quando os seus avôs, 60
anos antes, foram obrigados a ir para uma guerra que não era deles.
Mas o que mais me incomoda é mesmo a mudança de hábitos, um
deles, deixar os sapatos fora de casa, os suecos com quem convivi nos finais do
ano de 1969, já faziam isso, e eu achava uma mania, nunca aprendi, até hoje. (**)