O regedor
e Junta de Freguesia são hoje as autoridades que superintendem e dão ordens ao povo. É digno
de se ver e ouvir o povo junto, aos
domingos e dias antes, fora da igreja e ouvir as ordens do regedor ou juntas
de freguesia. Nessas ordens:
- mandam compor
caminhos,
- consertar pontilhões,
- reparar
moinhos, fornos.
- combinam a venda ou merca de outro boi do
povo, resolvem a chega do boi com o de outra aldeia,
- marcam o dia
de segar o feno do boi,
- ou outros
trabalhos comuns,
- mandam abrir as regras da regra,
- avisam e dão
ordens de interesse público,
- marca reuniões
extraordinárias para fins utilitários.
E também os
populares têm vez de dizer as suas opiniões e razões ou queixas de qualquer
roubo, coisa partida, ou falta de comparência de algum favorito, nos juramentos
ou coutos.
As fontes
e lavadouros são para todos. Há pouco, quase ninguém tinha água ao domicílio. Todos, especialmente
as moças novas, à noitinha, hora poética, iam com os canecos de lata, barro
ou madeira. à fonte. Ali vinham os seus
namorados conversar, ajudar alevantar o cântaro. Algumas, ao acabar de encher, vazavam-no para terem
mais tempo de namorar. As mais velhas até das paredes da fonte fazem urinol, ementes
ninguém vem.
Nos lavadores
de água corrente e limpa:
As
Mulheres quando se juntam,
Só falam
da vida alheia,
Começam
na lua nova,
Acabam na
lua cheia (grávidas).
A Câmara fez tanques novos, mas o povo em muitos casos prefere o lavadouro antigo, mais escondido e próprio para lavar e esconder a roupa suja ou rota, e para mexericar ou cusculhar à vontade.
Nas ardenas,
ou seja, quando arde a casa do vizinho, todos ajudam com caldeiras e panelas a
apagar o lume. E na reconstrução, todos se cotizam.
Se prejuízo
é grande, assim é a proporção da ajuda. Arde uma casa. Todos entramna sua
reconstrução. conforme as posses e generosidade. Ins dão as traves, outros as
ripas, a palha, outros cplmam, outros
dão o vinho, etc.
Nas festas
familiares ou no luto, todos são solidários. Dia de boda, todos vão a boda. Compram os homens a vitela, as mulheres os doces (Cambezes, Padroso).
No enterro, igualmente, novos e velhos vão velar o morto no dia da
morte, durante a noite, em que se come e bebe. Uns vão chamar os
padres, outros, pelos montes, antes de haver telefone, vão dar
parte ao cangalheiro, outros vão abrir a cova. e as mulheres vão cozinhar para o forno, cozer
o carolo, ou em casa, cozinhar para
os padres e gente de fora da terra. Diz o povo: na morte e na boda verás quem te honra.
Se falta
de um animal, cabra da vezeira, vaca, burro ou até pessoa da família, todo
o povo vai pelos montes ajudar a procurar o perdido, enquanto um vai rezar o responso a Santo António para que depare as coisas
perdidas e não as deixe correr perigo. Ao aparecer tocam o sino, para avisar os
que andam no monte.
Quando um
filho vai à inspecção e fica apurado toda a aldeia é convidada a sentir a alegria na borga, que, rua abaixo, rua acima, os apurados fazem. E na
véspera de ir assentar praça, todos os vizinhos, familiares e amigos vão
despedir-se dele e dão-lhe coisas ou dinheiro.
Se emigra, na
despedida fazem igual, solidarizando-se na alegria e na saudade.
Alguém
está doente. Antes
todo o povo acompanhava quando quando ia o Senhor fora. Fazem o trabalho
do doente se ele não pode.
Nos serões,ou
se vai para o forno, que está a cozer, ou
está ainda quente, ou para casa dos
amigos ou familiares. O petról é pago por todos â vez.
Há relógios
de pedra públicos. Em Pincães (Cabril) há a pedra de água. (…)
Há canelhos
ou recintos públicos ao ar livre, que servem de retrete a mais de uma família.(Comua).
Há pedras
de amolar e afiar instrumentos de corte, gadanhos, fouces, machadas,
facas, onde toda a gente amola. Seja na pedra do tanque. do adro (Solveira). do pé do Cruzeiro (Gralhas).
Há maçadouros
públicos onde todos podem maçar o linho (Tourém).
Em Vilar de
Perdizes, há lagares e alambique onde
alguns podem pisar o seu vinho e cozer o bagaço.
Em Fafião e Pincães há lagares do azeite para
todos, assim como alambiques.
Enfim, tudo é
de todos, quando a necessidade oprime. Se o vizinho tem uma vaca e precisa de
outra, pede uma vaca, ou uma junta se precisa de um carro. de qualquer utensílio, o vizinho que tem,
empresta.
Quando
apareceram os escaravelhos da batateira, agrupavam-se vizinhos para comprar e utilizar em comum o
pulverizador. Para limpar o grão, compravam em conjunto a limpaderia.
Quando o forno não cozer e a vizinha precisa do pão,
vai pedir emprestado â que cozeu há pouco e depois passa a torná-lo, quando
cozer,.
Se precisa de lume para acender de manhã,
porque a cinza do rescaldo se apagou à míngua de lenha, vai-se pedir uma brasa
ou. numa lanterna, o lume, a casa da vizinha que fumega.
Quando pare
a vizinha, todas a amigas, especialmente
as que foram à boda, vão nos primeiros 8 dias visitar a parturiente e levar a cesta. A cesta é a prenda que se dá:
açúcar, arroz. massa, trigo, ovos, etc.
O soqueiro,
o alfaiate. o carpinteiro, o colmador não
eram pagos. tornavam lhe os dias em trabalhos agrícolas.
O cabeleireiro é pago
em alqueires de pão por família.
Até ao médico (boticairo) se era pago em alqueires ó ano.
Quando a
folha está ceibe, isto é, quando se carrou o centeio das terras, as vacas e
outro gado podem pastar livremente nas terras, sejam de quem forem. A vezeira
alaga paredes, come espigas que ficaram,
e ninguém pode dizer olé. pois é um direito comum.
Embora a propriedade
seja particular, nesta ocasião, cede ao
bem de todos. Também é certo que as messes não pode de pé, a rés das vezeiras não pode pastar nessa folha,
até que as carradas estejam feitas. Esta ordem de pastar,
por vezes, é dada no adro da Igreja pelo regedor.
Há caminhos
e passagem comuns
Há águas de régua para lameiros de vários herdeiros, onde cada qual rega dias fixos, ou as horas marcadas Há poços e poças
de vários vizinhos ou de toda a povoação.
Umas são para rega, outros é proibido abrir-lhe a água com regar. São
reservadas, em todo o Verão, para acudir a possíveis incêndios.
Enfim, era
um rosário de aplicações do sistema comunal. se fossemos a desafiar todos os
casos e momentos da vida do Barrosão.
Não serei eu o mais indicado para fazer
uma observação e análise crítica e rigorosa
do comunitarismo na minha terra. Vivo-o, estou impregnado dele, como quase todo o Barrosão, que ainda se não deixou dominar pelo
individualismo de origem capitalista.
Por isso, é para
mim anormal que, em Barroso, se não viva e pratique este modo de vida, enquanto que um estranho à terra nota estas
divergências, de povo para povo.
Apesar
disso, procurei abstrair de mim mesmo e da minha terra, fazendo-me estranho, para poder chegar e descrever a nossa
originalidade de vida, ao nosso sistema de produção e de consumo.
In: Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre(pp. 57/61)
© António Lourenço Fontes (1977).
[Seleção / fixação e revisão de texto / itálicos e negritos, para efeitos de publicação deste poste; LG. (Com a devida vénia ao autor... )]
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