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quarta-feira, 29 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20919: Historiografia da presença portuguesa em África (207): Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
São curiosidades, este punhado de notas respigadas do Boletim Geral das Colónias, mas permitem várias leituras. Sarmento Rodrigues, o Governador que pôs a Guiné no mapa, muito fez para intensificar processos agrícolas que assegurassem autossuficiência alimentar, que garantissem trabalho. Na inauguração desta barragem de ourique, di-lo expressamente, aquelas toneladas de arroz seriam para a população, não para o Governo. E satisfaz-nos a curiosidade o artigo com dados científicos sobre o sucesso da cultura de amendoim na Guiné.
Recordo que por essas décadas de 1930, 1940 e 1950, os responsáveis do BNU na Guiné falavam abertamente na venda da mancarra com uma absoluta falta de qualidade, cheia de impurezas, o que a desqualificava no preço junto dos mercados para onde se exportava, aliavam essas informações críticas à falta de apoio no fomento agrícola, pondo os serviços agrícolas oficiais pelas ruas da amargura. São pois curiosidades mas que permitem, de qualquer modo, perceber os graus de desenvolvimento da Guiné no exato momento e que a sua economia levantava voo.

Um abraço do
Mário


A planta do amendoim, Guiné.


Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (2):
A que se deve o êxito da cultura do amendoim na Guiné Portuguesa

Beja Santos

No número de Abril de 1948 no Boletim Geral das Colónias, Armando Xavier da Fonseca, a quem já devemos uma referência a um artigo seu sobre madeiras da Guiné, debruça-se sobre o sucesso da exportação da mancarra, a Guiné superava Moçambique e Angola, e por números expressivos. Ele escreve: “Se com más sementes, sem nenhuma interferência das mais rudimentares máquinas agrícolas, sem mais do que uma monda, melhor ou pior, usando de processos violentos, mesmo que fossem usados fora de um clima de África, na preparação da terra, na sementeira, sem o principal granjeio que é a amontoa, para afofar a terra, para que as flores mais facilmente se enterrem para fortificarem, qual é o segredo que permite que o amendoim, se as chuvas de outubro não vêm, dê uma tonelada de sementes por descascar, como dão as piores culturas do Estado do Texas, na América do Norte?”.
E ele procura responder:  
“Na Guiné temos a demonstração feita do valor que tem a cultura das leguminosas, representadas principalmente pelo amendoim. O exemplo da nossa Guiné tem sempre de ser citado, como verdade que é: onde as leguminosas se cultivam abundantemente raras vezes é necessário aumentar a riqueza dos terrenos, salvo nas faltas de cálcio, fósforo e potássio. A própria experiência agrícola reconhece, desde sempre, o facto evidente de que, onde se cultivam as leguminosas em abundância, raramente se recorre a adubos químicos, principalmente aos azotados, sendo apenas precisos os de cálcio, fósforo e potássio, que na Guiné se obtêm pelas queimadas. Como não vi até agora campo de demonstração mais positivo, cito sempre o exemplo da Guiné na cultura da leguminosa que é o amendoim, que é valiosíssima porque se trata também, como se sabe, de um grande alimento, uma excelente forragem e acima de tudo isso, fertilizadora das terras em que é cultivada”. E demonstra possuir conhecimentos bastos sobre o valor do amendoim: “Desde 1886, que se sabe que esta extraordinária qualidade, até então misteriosa, que têm as leguminosas de reunir, armazenar e oferecer, em forma de alimento, forragem ou adubo, muito mais azoto do que aquele que se encontra na terra, é devido à presença, função e actividade de umas bactérias que se metem pelos estomas ou poros dos pelos das radículas, quando estas saem do germe ou semente”.

É um artigo de divulgação científica de quem domina a química alimentar e sabe da engenharia de solos, explica as funções das bactérias fixadoras do azoto, das bactérias das nodosidades das raízes das leguminosas e as suas propriedades.
E termina assim o seu trabalho:  
“Há também outro assunto que desejo focar e que é vulgaríssimo nas extensas lalas da Guiné, cultivadas com amendoim; é a facilidade com que as palhas do amendoim se transformam, mesmo nos terrenos mais ordinários de laterite grosseira. A razão já a deu a ciência: é porque os restos das leguminosas, devolvidos às terras, são rapidamente atacados por microrganismos que se multiplicam muito em resultado deste alimento adicional azotado. Muitos estudos têm sido feitos para determinar quanto azoto aproveita uma colheita a seguir a uma de leguminosas, empregando esta última como adubo verde e em que condições resulta mais perfeita e efectiva, e demonstraram que 50 a 80% do azoto é aproveitado pela primeira colheita seguinte. O efeito fertilizante dos restos dura uns dois ou três anos, mas diminui progressivamente de eficácia. A acção da cultura do amendoim tem-se desenvolvido afortunadamente nas nossas colónias, nestes últimos anos, e a Guiné não escapou a essa onda salvadora”.

Terminamos esta ronda de curiosidades extraídas do Boletim Geral das Colónias com a inauguração feita em 10 de fevereiro de 1946 da “grande barragem de Picle, situada no Posto Administrativo do Biombo, Bissau”. Atribuía-se grande importância ao empreendimento, era uma barragem cuja extensão de ourique era orçada em mais 14.000 metros. A previsão era uma produção de arroz calculada em 2.000 toneladas. Esteve presente Sarmento Rodrigues, mulher e filhos, recebeu os cumprimentos do Administrador do Concelho de Bissau, Francisco Artur Mendes e do Chefe do Posto do Biombo, João de Oliveira Seborro. O Governador percorreu cerca de um quilómetro sobre o dique, conversou com os indígenas e garantiu-lhes que o arroz produzido por esta nova extensão era para eles. Inaugurou-se um padrão, o Administrador pronunciou algumas palavras alusivas à cerimónia, estava-se ainda nas comemorações no âmbito do V Centenário do Descobrimento da Guiné. Sarmento Rodrigues encerrou os discursos declarando ser destituído de lógica o conceito tão generalizado de que os indígenas não estavam prontos a trabalhar, ele estava absolutamente seguro que eles empregariam o seu esforço desde que nele vissem a justa compensação de um objetivo que lhes facilitasse os meios de subsistência. Sarmento Rodrigues, finda a cerimónia junto do padrão, procedeu à distribuição de tabaco aos chefes indígenas assim como de vacas e mantimentos – arroz, vinho e aguardente – aos habitantes que colaboraram no ourique.




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Nota do editor

Último poste da série de 22 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20888: Historiografia da presença portuguesa em África (206): Algumas curiosidades respigadas do Boletim Geral das Colónias (1) (Mário Beja Santos)

terça-feira, 28 de abril de 2020

Guiné 61/74 - P20913: Da Suécia com saudade (69): Eu destrui um país [em sueco, "Jag har förstört ett helt land"], por Patrik Engellau... (José Belo)


Guiné-Bissau > Bissau > 2020 > Afribaba > Anúncio de venda de "Camião Volvo, de 20 toneladas, báscula para dois lados, com motor,  arroçaria e caixa em muito bom estado". Preço: 9 100 000 CFA (cerca de 13 870 euros, ao câmbio de hoje, 1 euro = 655,96 CFA).  Anunciante: Afribaba.(Reproduzido com a devida vénia...)


1. Mensagem de  José Belo,  ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português; jurista, vive entre (i) Estocolmo, Suécia, (ii) nas imediações de Abisco, Kiruna, Lapónia, no círculo polar ártico, já próximo da fronteira com a Finlândia, e (iii) Key-West, Florida, EUA; é o único régulo da tabanca de um homem só (, mas sempre bem acompanhado das suas renas, dos seus cães e dos seus ursos)

Data: sábado, 25/04, 20:16



Assunto: : "Eu destruí completamente um País" (*)


Luís: seguem as as declaracões de Patrik Engellau, um alto quadro do funcionalismo público sueco, sobre a Guiné-Bissau.. Junto foto dele, Patrik Engellau em artigo publicado no "Alla Skribenter", 27 dezembro de 2015. Faço uma tradução adaptada do artigo. Atenção aos muitos erros ortográficos na língua de Camões, por mim pouco usada há muitas décadas, a pedir benevolências extras quando escrita sobre o joelho nesta tradução do sueco original.



Ámen, J.Belo


2. Eu destrui um país [em sueco, "Jag har förstört ett helt land"]

"Alla Skribenter", 27 de dezembro de 2015.

por Patrik Engellau


Trabalhei durante cerca de 10 anos na ajuda económica ao Terceiro Mundo, primeiro nas Nações Unidas e depois  na agência sueca para o a cooperação internacional e o desenvolvimento (SIDA - Swedish International Development Cooperation Agency), em países como o Brasil, Índia, Etiópia, e por último como chefe na embaixada sueca em Bissau.

Cheguei a Bissau em 1976, com 50 milhões de coroas suecas, no bolso, por ano,  para apoio económico (,hoje equivalente a cerca de 250 milhões). Isto foi mais ou menos na mesma altura em que o novo governo guineense tomava posse após a queda do império português.

A Guiné-Bissau era um dos países favoritos da Suécia. Tanto a União Soviética como a Suécia tinham feito grandes doações ao PAIGC, o movimento de libertação de orientação socialista, agora no poder. Mas a Suécia era, então, de longe, o maior doador.

As nossas contribuições totalizavam uma soma muito superior ao Orçamento do Estado guineense. Sentia-me, então, como um dos elementos com maior influência no país. Tanto o Presidente [, Luís Cabral,] como os Ministros procuravam-me quase diariamente para obter as mais variadas coisas.

Mas os que julgam que tudo então se perdeu por os políticos terem aberto contas particulares em bancos suíços, estão enganados. Pelo menos no início, a líderança política eram constituída por gente honesta, bem intencionada, verdadeiros socialistas idealistas.
Queriam reformar e fazer progredir o país.

Obviamente que, ao olhar-se hoje [2015] retrospeticamente, não teria sido pior se a nossa ajuda económica tivesse terminado nas tais contas bancárias particulares.

A principal produção da Guiné-Bissau, além da agricutura de autosubsistência, era o arroz e o amendoim, os dois produtos de exportação,O comércio entre os produtores e o porto de Bissau estava nas mãos dos libaneses. Estes usavam carrinhas de marca Peugeot, em estradas lamacentas e com pouca manutenção, para transportarem para o interior produtos importados (, artigos de plástico, tecidos e outros), consumidos pelas populações, e no regresso a Bissau voltavam carregados com arroz e amendoim.

O governo não estava nada satisfeito com este sistema por considerar que os libaneses ganhavam demasiado com estes negócios de verdadeira exploração dos produtores locais. Considerava também que as pequenas quantidades transportadas não eram economicamente viáveis na perspetica da exportação em grande escala.

Ambos os problemas foram resolvidos com um plano que previa a nacionalização do comércio por grosso e a retalho e o transporte das mercadorias a realizar por camiões modernos.

Claro está que foi a Suécia quem, a meu pedido, veio a fornecer umas dúzias de moderníssimos camiões Volvo, desembarcados em Bissau em poucos meses.

Estes camiões último modelo,com ar condicionado, rádio estereofónico e confortável cabine para o condutor dormir, eram naves espaciais aos olhos da populção, e depressa se tornaram num instrumento de "engate" das belezas locais nas ruas de Bissau.

Durante uns tempos era mais importante esta "mercadoria" do que os tradicionais produtos de plástico e tecidos a serem transportados para o interior.

Se o problema tivesse sido só esse, as coisas näo teriam sido tão graves. Mas...quando os camionistas mais consciencios finalmente se puseram a caminho do interior (o que não deveriam ter feito!), concluiu-se que as estradas existentes [, "picadas",] não foram feitas para estes mastodontes ma sim para as carrinhas Peugeot.

Todos os tipos imagináveis de problemas surgiram, acabando por liquidar este tipo de transporte. Em menos de seis meses todos os camiões Volvo estavam parados.

Sendo as marcas de camiões Volvo e Scania as mais vendidas mundialmente, e utilizadas nas condições mais extremas, foi enviada a Bissau uma equipa de mecâncios para estudar o problema surgido.

Chegou-se à conclusão de que, para além dos problemas quanto ao peso que as estradas não suportavam, ambém tinham surgido pequenos problemas de manutenção das viaturas, do tipo: esqueceram-se de mudar o óleo, houve componentes dos motores que desaparecera, etc.

Com a falta de intermediários tradicionais, como os comerciantes libaneses, os camponeses não conseguiam escoar a sua produção, pelo que se voltaram a concentrar-se na produção para consumo local.

O arroz passou a não chegar para alimentar a população de Bissau. Aí a coisa tornou-se grave! O Presidente [, Luís Cabral,] justificou perante mim, que as coisas tinham-se agravado por razões climatéricas que teriam acarretado doenças para as plantas. Devido a isto, perguntou-me de imediato se seria possível um aumento da ajuda económica estipulada para estas situações de emegência.

Telegrafei de imediato para os escritórios centrais da SIDA (que são as iniciais ou o acrónimo da Agência Estatal Sueca para a ajuda aos países em vias de desenvolvimento) e, em muito curto espaço de tempo, tínhamos em Bissau um barco fretado, chinês, que transportava 3 mil toneladas de arroz para que a população não morresse de fome.

Estou a simplicar mas as coisas passaram-se basicamente assim.
História semelhante poderia ser aqui contada quanto ao enorme apoio económico sueco à indústria da pesca local.

São muitos os detalhes e sobre eles escrevi um romance publicado pela editora Atlantis. [Obs : Tenho em minha posse esses "detalhes"... Referência bibliográfica: Patrik Engellau - Genom Ekluten. Stockholm, Atlantis, 1980].

Pessoalmente acabei por me cansar destes contínuos fracassos na utilização de tão vastos recursos económicos, afastando-me de vez deste negócio escuro que é a assistência económica aos países pobres.(**)

Mas antes ainda de puxar a mim prórpio as orelhas, dei-me conta de que fui cúmplice no ato de destruição de um país.

Alguns anos depois, tanto o Ministério dos Negócios Estrangeiros como a 
agência sueca para o a cooperação internacional e o desenvolvimento (SIDA) cansaran-se, decidindo terminar com estes apoios à Guiné-Bissau, com o argumento de que este país, afinal,  não tinha o perfil adequado. Mas não podemos nem devemos "lavar as mäos" quanto ao processo e aos resultados.

Fomos nós, afinal, quem forneceu ao governo do PAIGC as ferramentas e as oprotuniades, para eles efectuarem as suas estúpidas experiências sociais...

Enquanto isto sucedia, nós estávamos ao lado deles e aplaudíamos este país heróico com os seus belos princípios sociais.

Agora que Guiné-Bissau se tornou num "narco-estado", o estado ganha dinheiro com a ajuda ao tráfego de droga da América Latina para os mercados europeus.

E o que pode fazer o pobre do governo? Os camiões Volvo são agora sucata e os libaneses provavelmente foram-se embora!



Em defesa das ajudas deste tipo aos países pobre, é claro que pode-afirmar-se que geralmente o seu montante é tão pequeno em relação aos recursos próprios do país destinatário que o eventual insucesso  não é assim  tão importante.

Patrik Engellanm 27/12/2015.
Publicado no "Alla Skribenter"


[Reprodução com a devida vénia... Tradução, revisão e fixação de texto: JB. O editor LG cotejou o original em sueco, e a tradução livre do JB, com tradução automática,pelo Google Translate, em inglês e português]. 

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 20 de abril de 2020 > Guiné 61/74 - P20878: Da Suécia com Saudade (68): por causa da tal pandemia, as minhas renas não podem agora andar em bicha de pirilau e muito menos em manada... (José Belo)
 

(**) Vd, postes de:

3 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13842: Da Suécia com saudade (40): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte I)... à Guiné-Bissau, de 1974 a 1995, foi de quase 270 milhões de euros... Depois os suecos fecharam a torneira... (José Belo)

4 de movembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13847: Da Suécia com saudade (41): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte II)... Um apoio estritamente civil, humanitário, não-militar, apesar das pressões a que estavam sujeitos os sociais-democratas, então no poder (José Belo)


5 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13849: Da Suécia com saudade (42): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte III)... Pragmatismos de Amílcar Cabral e do Governo Sueco, de Olaf Palme, que só reconheceu a Guiné-Bissau em 9 de agosto de 1974 (José Belo)

6 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13853: Da Suécia com saudade (43): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte IV): Rússia e Suécia, vizinhos e inimigos fidalgais, foram os dois países que mais auxiliaram o partido de Amílcar Cabral (José Belo)

7 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13859: Da Suécia com saudade (44): A ajuda sueca ao PAIGC, de 1969 a 1973, foi de 5,8 milhões de euros (Parte V): Quando se discutia, item a item, o que era ou não era ajuda humanitária: catanas, canetas, latas de sardinha de conserva... (José Belo)

domingo, 7 de abril de 2019

Guine 61/74 - P19654: (Ex)citações (352): O amendoim ('mancarra'), a semente do Diabo ('Iblissa', em fula) (Luís Graça / Cherno Baldé)


Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > BART 2917 (1970/72) > Tabanca fula em autodefesa do Regulado de Badora ou talvez do Regulado do Corubal, como Sansancuta... Crianças.

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Ano
Mil toneladas
Mil
contos
Contos por tonelada
1960
24,0
78,8
3,27
1961
40,0
126,3
3,17
1962
38,7
133,3
3,44
1963
36,6
124,7
3,41
1964
34,0
119,2
3,50
1965
15,2
64,3
4,23

Quadro  - Exportação do amendoim (1960-1965). Há uma evidente quebra das exportações com o início da guerra, e mais acentuadamente em 1965. O valor máximo das exportações, em milhões de escudos, foi em 1962, com um um total de 133,3 (o equivalente hoje a cerca de 54,2  milhões de euros. Em 1965, esse valor baixou para 64,3 milhões de escudos (o que equivaleria hoje a c. 25, 2 milhões de euros. 

Fonte: Adapt. de Dragomir Knapic - Geografia económica de Portugal: Guiné. Lisboa: Instituto Comercial de Lisboa, 1996, 44 pp., policopiado.

1. Comentários ao poste P19648 (*)

(i) Luís Graça:

Meu caro Mário: obrigado pro mais esta "pepita de ouro" para a historiografia da presença portuguesa na Guiné... Ao ler o excerto do documento que "descobriste" na Sociedade de Geografia, passo a perceber melhor o sentido da expressão, que ouvi aos fulas do regulado de Corubal, "Mancarra, semente do diabo"... Se o Cherno Baldé me ler, que me corrija... 

De qualquer modo há aqui um grande sabedoria africana, alicerçada na experiência (amarga) da imposição a África, pelo colonialismo europeu, no séc. XIX, da cultura das oleaginosas...

Vd. aqui um excerto de um poste que publiquei há 12 (!) anos, como o tempo passa!(**)


(...) É interessante notar que na mitologia fula a mancarra (amendoím) esteja associada ao Diabo em pessoa (Iblissa).

O cherno Umaru, que dirige uma pequena escola nesta tabanca de Sansancuta, do regulado do Corubal, e que se prepara, como bom muçulmano devoto (Tijanianké), para fazer no próximo ano a sua peregrinação a Meca (Iado Hadjo, em fula) e assim juntar ao seu nome o título venerando de Al-hadj, contou-me, por intermédio do José Carlos Suleimane Baldé (o meu braço direito, guarda-costa, intérprete, cozinheiro, secretário – é um dos nossos poucos soldados que sabe ler e escrever português, daí ser soldado arvorado e em breve 1º cabo (...) - contou- me ele a seguinte estória:

- Um dia Iblissa (o Diabo) quis desafiar a autoridade divina de Mohamadu (o Profeta Maomé). Tinha chovido muito e o Profeta dissera que então nasceriam todas as sementes que fossem lançadas à terra. O Diabo, em vez de uma semente de milho ou de arroz, deitou leite numa cova que ele próprio tinha feito no chão. Mohamadu, intrigado e inquieto com a provocação de Iblissa, foi falar com Alá, que lhe mandou guardar uma semente. E, ao fim desse tempo, não é que do leite nasceu mesmo a mancarra ? (...)


(ii) Cherno Baldé:

Caro amigo Luis,

Já conhecia a mitologia fula sobre a origem da mancarra, todavia, vivendo no meio social fula desde a nascença, não me suscitou especial curiosidade porque não há uma nem dez, são centenas de mitologias à volta dos mais diversos assuntos que, à partida, não faziam parte da vida social, económica e cultural dos fulas.

No caso particular da mancarra que os fulas descobriram primeiro no Senegal e depois na região do Rio Grande de Buba (Guinala) é, antes do mais, um produto associado ao homem branco e logo ao Diabo em pessoa. 


Se a este facto acrescentarmos o factor trabalho intensivo que a produção deste produto exige, não é de estranhar que os indígenas tivessem uma clara aversão à sua prática, o que justificaria a sua diabolização.

Já a partir dos anos 50 a sua produção estava tão vulgarizada e dispersa no território, devido à imposição dos impostos de capitação em parte, mas também pelo forte incremento e dinâmica que se assistia no vizinho Senegal, que este velho mito estava morto e enterrado. 


Antes do início da guerra, a principal actividade, na zona leste, estava associada ao seu cultivo e comercialização e, pelo meio, um salto até ao Senegal (durante a campanha sazonal da colheita da mancarra) para os jovens, para angariação de um pé de meia antes do primeiro casamento.

Com o início da guerra, a ida à tropa/milícia substituiu em parte esta prática iniciada desde o séc. XIX e diminuiu a produção deste produto, antes de desaparecer com a independência.

Certamente, o "Iblissa" (o diabo) dos fulas dos séc. XVIII/XIX e XX, está intimamente ligado ao desenvolvimento do capitalismo internacional na sua frenética voracidade de acumulação do capital e neste sentido emergimos da arcaica mitologia indígena para a realidade do mundo em rápida globalização a que nenhum povo do planeta escapou.

Um abraço amigo,

Cherno Baldé (***)

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(*) Vd. poste de 4 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19648: Historiografia da presença portuguesa em África (156): Um relato histórico guineense do maior interesse: O documento do capitão Caetano Filipe de Sousa, de 1883 (Mário Beja Santos)

(**) Vd. 14 de agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2048: Cusa di nos terra (4): Mancarra, semente do diabo (iblissa, em fula) (Luís Graça)

(***) Último poste da série > 6 de março de 2019 > Guiné 63/74 - P19557: (Ex)citações (351): Manel Pereira, amigo e camarada. Reencontro em Monte Real. (José Saúde)

sexta-feira, 15 de junho de 2018

Guiné 61/74 - P18743: Notas de leitura (1075): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39) (Mário Beja Santos)

Nas cerimónias evocativas, em Bissau, do centenário do BNU


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,
Se bem que o registe nem sempre seja percetível, os relatórios da década de 1960 tornam claro as mudanças operadas pela luta armada, fala-se das transferências decorrentes do contingente militar, que ajudam a equilibrar as contas da delegação de Bissau; noticia-se que a partir de 1962 houve uma quebra drástica da cultura do arroz no Sul; e surge um dado insólito, um espantoso relatório onde se analisa o mais elementar da agricultura guineense e se fazem propostas para um aumento de produtividade na mancarra, no arroz, no coconote e óleo de palma. Também estes relatórios anunciam a chegada, ainda a título experimental, do caju. E o relatório de 1965 não esconde que a guerrilha é desgastante, pela primeira vez fala-se explicitamente em flagelações, minas, tabancas fiéis incendiadas.
A guerrilha, lê-se nas entrelinhas, estava para durar.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (39)

Beja Santos

O gerente de Bissau é um homem convicto, depois de ter efetuado um diagnóstico à agricultura, desvelando as mazelas do primitivismo, procura apresentar respostas e explica à administração em Lisboa o que é imperativo fazer. 

Começa por dizer que a divulgação das novas técnicas exige prévia doutrinação das populações, se acaso se pretende produzir mais reduzindo as áreas de cultivo, há que formar um escol de agricultores, escolas práticas, complemento da escola missionária ou oficial onde o agricultor veja e execute processos mais evoluídos:

“A disseminação de adubos e alfaias poderá permitir maiores colheitas, em certos casos maior área cultivada por família, sem necessidade de êxodo cíclico de mão-de-obra. A estrutura social do nativo é um entrave, por vezes, à evolução rápida do progresso, todavia, com um plano bem cisado, pacífica e persistentemente algo se conseguirá. Para atingir o objectivo proposto é necessário pessoal técnico que, enquadrado num programa, tenha sequência, por forma a mentalizar as populações em novos métodos de cultivo. Essencialmente do que a Guiné precisa é de técnicos”.

E vai dissertar sobre o que há e se deve fazer quanto a mancarra, arroz, coconote e óleo de palma e caju. Quanto à mancarra:

“São muito fracas as produções unitárias de mancarra. A densidade da sementeira, a ausência de desinfecção de sementes, a tardia preparação do terreno e a consequente sementeira que facilita o ataque da roseta, a colheita antecipada e por outro lado o esgotamento dos terrenos já de si de fraca produtividade, contribuem para o baixo rendimento. Aproveitando uma semente nova, pensou-se em introduzir simultaneamente outras práticas agrícolas. Os resultados obtidos foram, na generalidade, surpreendentes. Fizeram-se campos de comparação em algumas tabancas dos postos de Contuboel e Bafatá. Nestes campos, em metade foram a sementeira e a adubação orientados por pessoal dos serviços respectivos e na restante área os nativos praticaram a cultura conforme os usos locais. Não tem interesse para a economia guineense aumentar as áreas de cultivo da mancarra mas sim aumentaras produções nas actuais”.

Passando para o arroz, disserta assim:

“Não faltou nos terrenos baixos da Guiné áreas extensas de cultivo. No entanto, as populações locais agarradas a métodos de trabalho seculares vêm utilizando práticas que por vezes redundam em fracassos estrondosos. Na generalidade as sementeiras são feitas tardiamente e quando adrega de baixa pluviosidade os meses de Setembro/Outubro, as produções já baixas, escasseiam e notam-se os efeitos. Por outro lado, as baixas produções devem-se ainda ao fraco rendimento de algumas sementes, a fracas densidades de plantação e ao sistema de armação do terreno que leva ao aproveitamento de 50 a 60% da área total.

Recuperar bolanhas e não ter sementes em condições de maior rentabilidade do esforço humano e até não ter a produção de valor comercial é trabalho incompleto. Foi pensando nestes inconvenientes que se distribuíram sementes de valor comercial padronizado pela Comissão Reguladora do Arroz e se fez a sua multiplicação no Posto Agrícola do Pessubé, com recurso a adubações. O que se fez neste capítulo parece-nos aceitável e o melhor caminho a seguir, mas só o recurso a adubações se nos afigura indispensável. No entanto, é difícil levar o agricultor pouco evoluído a seguir esta peugada. Só o sistema de cooperativas de produção e o estabelecimento de culturas piloto podem levar á adesão a estes métodos de cultivo”.

A sua atenção dirige-se agora para o coconote e óleo de palma:

“A exploração dos palmares naturais é feita, na generalidade, na época seca entre Fevereiro e Maio. Dessa exploração retira uma parte das populações locais o numerário para custear obrigações e necessidades familiares e sociais. Nos Bijagós, com uma maior rede de postos de britagem aliada ao interesse da administração local, a produção de 1964 passou de 200 para 600 toneladas, o que demonstra algo do que atrás se apontou”.

E chegamos agora a uma novidade, o caju, informa-se que a Brigada da Guiné da Missão de Estudos Agronómicos do Ultramar iniciara os estudos preliminares julgados necessários para a expansão do cultivo do cajueiro. Dos estudos efetuados chegara-se a conclusões promissoras, o trabalho ia continuar.
E depois da detalhadíssima exposição quanto à necessidade de uma reforma profunda da economia agrária, o relatório espraia-se por outros pontos, fala-se no preço médio local dos géneros alimentícios e outros bens essenciais, enumeram-se as indústrias locais e são referidas as vias de construção em curso. Estava então asfaltado o troço Bissau-Mansoa. Para o gerente de Bissau era crucial alargar picadas, abrir valetas, construir inúmeros aquedutos, fazer-se a correção do solo do pavimento em alguns casos.

E dá informações de tudo quanto se está a fazer:

“Começaram em Outubro as obras para a pavimentação asfáltica e obras de arte no troço da estrada Mansoa-Mansabá, na extensão de 30 quilómetros. Iniciaram-se os trabalhos para construção em estacaria de uma ponte provisória com o comprimento total de 72,5 metros sobre o rio Colúfi, em Bafatá, situada logo à saída desta última localidade e que assegurará o trânsito permanente para o Sul da Província, uma vez que a existente está em ruínas. Concluiu-se a construção da rampa de acesso ao ferryboat no Enxudé. Procedeu-se também ao estudo da terraplanagem, pavimentação e trabalhos complementares em várias ruas de Bissau e terraplanagens e obras de arte na Avenida Marginal de Bissau.

A Guiné dispõe de óptimas e numerosas vias navegáveis na faixa litoral e no interior, calculando-se que a rede de comunicações fluviais seja superior a quase um milhar de quilómetros. Contudo, se bem que na situação normal que a Província atravessa se tenha recorrido ao barco como meio de ligação, não atingiu ainda a navegação fluvial o desenvolvimento que seria de desejar”.

Ponte de Bafatá

É na primeira parte do relatório de 1965 que se fala claramente na guerra:

“Mais um ano findou sem que a tranquilidade tivesse voltado a esta portuguesa terra da Guiné.
Política e militarmente, a situação da Província não sofreu alteração digna de menção.
Se não houve agravamento, também não se vislumbra melhoria de vulto, o que de resto é tradicional neste tipo de guerra em que os factores tempo e desgaste, este quer em homens quer economicamente têm papel de preponderante influência.

A táctica dos terroristas continua, de um modo geral a caracterizar-se por emboscadas com a utilização simultânea de minas anticarro e antipessoal seguidas de ataques à metralhadora e à bazuca, destruição de tabancas fiéis com vista à intimidação das populações e cortes de estradas e pontes afim de impedirem não só a livre movimentação das nossa tropas como criar dificuldades ao escoamento dos produtos da terra com o objectivo de atingirem um dos seus principais, ambicionados e confessados fins: a ruína económica da Guiné.

Esperamos que tal não aconteça e para tanto contamos com o brio e valor dos homens a quem cabe o dever de velar pela integridade desta parcela do território nacional”.

(Continua)

Desenho de Jorge Barradas publicado na revista “Mundo Português”
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Nota do editor

Poste anterior de 8 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18722: Notas de leitura (1073): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (38) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 11 de junho de 2018 > Guiné 61/74 - P18733: Notas de leitura (1074): História das Missões Católicas na Guiné, por Henrique Pinto Rema; Editorial Franciscana, Braga, 1982 (4) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18568: Notas de leitura (1061): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (32) (Mário Beja Santos)

Interior do BNU em Bissau


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2017:

Queridos amigos,
Os efeitos do conflito mundial, como temos vindo a observar, fizeram-se sentir na colónia da Guiné na perda de poder aquisitivo, na perda de receitas devido ao contrabando, à rarefação de matérias-primas, até que chegamos a 1945e verificam-se duas velocidades: o Governador Sarmento Rodrigues traz projetos e meios de financiamento e a praça revitalizou-se, foram duas situações nem sempre coincidentes. Mas chegara a prosperidade e até conflitos noutro extremo do globo, caso da guerra da Coreia, trouxeram benefícios económicos, o preço da borracha subiu bastante e conforme anota o gerente do BNU as matérias-primas, todas elas, deram um salto. É uma década completamente diferente das anteriores, basta pensar que muito do arroz que se come na metrópole é arroz da Guiné.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (32)

Beja Santos

É no final da década de 1940 que é possível retomar os relatórios de exercícios do BNU em Bissau. Como se constatará mais abaixo, há uma relativa discrepância entre o surto desenvolvimentista, inegável, contemporâneo da governação de Sarmento Rodrigues e o que se vai escrever. Mudou a gerência, aproveita-se a circunstância para se fazer o ponto da situação e assim se escreve para Lisboa:

“Excelentíssimos Senhores:
Em cumprimento das disposições em vigor, foi este relatório elaborado com inteira observância das normas de há muito estabelecidas, pelo que apresenta, nos seus vários capítulos e mapas que o acompanham, todos os elementos indispensáveis ao exacto conhecimento e apreciação de como decorreu a acção desta dependência nos dois últimos exercícios de 1949 e 1950.
Ao assumirmos a gerência desta filial, em 15 de Agosto de 1949, viemos encontrar a colónia no auge da segunda crise comercial que a atingira depois da última guerra, ambas resultantes de ter cessado o avultado e rendoso comércio praticado com os territórios vizinhos.
Da primeira vez, ocorreu isso em 1944, quando, libertada a França do jugo alemão, as suas colónias da África Ocidental passaram a importar tecidos americanos e dispensaram os da indústria nacional, que o comércio da Guiné importou e lhes forneceu, em grande escala, nos três anos anteriores; da segunda vez, em meados de 1948, quando novamente cessou esse comércio, que se voltara a fazer em 1947, porque as perturbações internas daquele país e a desvalorização da sua moeda haviam dificultado a importação dos países de meda forte, tanto de tecidos como de muitas outras mercadorias.

Na desmedida ânsia de auferir os excessivos lucros que dessa situação lhes adivinha, só curou o comércio de importar o máximo possível e o resultado foi ao falharem depois esses mercados, poucos serem os que não ficarem com colocação imediata para os stocks que constituíram.
E a isso, claro está, seguiu-se o sudário de letras protestadas e o consequente descrédito da praça.
Ao findar, porém, o ano de 1949, já a situação se havia desanuviado um pouco, porque, nesse lapso de tempo, não só se verificou o aumento dos preços como da produção dos principais produtos da colónia, o que veio elevar o poder aquisitivo do indígena e possibilitar o escoamento de uma boa parte dos excedente importado, não sem que, todavia, o comércio o tivesse de fazer com prejuízo, porque, entretanto também, mexeram os preços dos tecidos e houve que sacrificar mercadorias para realizar dinheiro e satisfazer compromissos, tudo isso nos levando a querer que alguns exportadores da metrópole terão ainda por algum tempo os seus créditos em mãos do comércio da colónia, sobretudo no libanês, se todos conseguirem reaver.

No decurso do ano 1950, circunstâncias várias contribuíram para que essa melhoria se acentuasse, pois, à regular campanha de produtos que nesse ano se verificou, seguiu-se a inconsequência da guerra na Coreia, uma razoável alta nos preços dos tecidos e a procura da borracha desta colónia, que passou a ser extraída pelo indígena em grandes quantidades e que tendo começada a ser vendida ao comércio a 8 escudos o quilo, ao findar do ano já atingia 16 escudos, o que tudo se crê que é permitido o completo escoamento desses tecidos. E a resolução que tomou o governo central, já no início de 1951, de providenciar o aumento de 20 centavos na cotação da mancarra estabelecida pelos industriais da metrópole, como também que fosse elevado para 40% o contingente da exportação para o estrangeiro do coconote, onde se obtêm preços elevadíssimos em comparação com os que se cotam na metrópole, permitirão certamente que o comércio se refaça completamente dos prejuízos que sofreu.
No respeita à posição da filial, com a prudência de que se tem rodeado, a crise que afligiu o comércio nos últimos anos, embora não desejável, só lhe trouxe benefícios, pois a excessiva importação que a originou em muito contribuiu para os elevados resultados verificados nesse período”.


Passara pois a haver progresso, desafogo, valorização dos produtos da terra. É neste contexto que o relatório introduz a novidade de nos informar quais as instituições então existentes que realizam operações consideradas bancárias, devidamente autorizadas. Diz o gerente que não se poderiam considerar concorrentes e explica porquê: “É bem de ver que se usássemos os mesmos processos, todas essas operações seriam canalizadas para o nosso banco porque a nossa organização lhes permitiriam serem prontamente atendidos, sem terem de aguardar, como naquelas, os dias marcados, semanas seguidas e até meses, para que apurem os fundos necessários”.

As instituições em causa eram três: a Caixa Económica Postal, fazendo empréstimos a funcionários, a diferentes taxas de juro, consoante os meses de liquidação da dívida; a Caixa de Aposentações e Pensões às Famílias dos Funcionários Públicos da Colónia e da Guiné, dispunha de um migalheiro que, por falecimento do sócio ou do pensionista inscrito assegurava aos herdeiros um capital de 50 contos, a Caixa também facultava empréstimos aos seus sócios e pensionistas; o Montepio das Alfândegas da Guiné, que tem como fins estabelecer pensões de sobrevivência, conceder subsídios de reforma, dar subsídios de luto, auxiliar os seus sócios por meio de empréstimos incluindo a construção ou compra de moradias.

Sendo a maior riqueza da Guiné a sua agricultura, entende-se que é por aí que o relator inicia a situação da praça. Tece um comentário lisonjeiro:

“Porque foram maiores as áreas cultivadas e o tempo se manteve sempre propício, permitindo que as plantações se conservassem em excelente estado até às colheitas, esperava-se que a produção fosse superior no corrente ano agrícola, tanto da mancarra como do arroz, mas se é certo que com este cereal isso se está a verificar, tanto em qualidade como em quantidade, outro tanto não sucede com aquela oleaginosa, pois há já informações seguras de que se apresenta este ano muito leve, com uma quebra sobre o peso normal que se computa em 20 a 25%. Esta circunstância aliada ao grande contrabando que dessa oleaginosa se está a fazer para os territórios vizinhos, porque ali a pagam por preço muito superior, um pouco mais do dobro, permite prever-se uma diminuição em relação ao ano anterior de umas 8 a 10 mil toneladas na sua exportação. Estão, porém, longe de ser fidedignos os dados fornecidos pelas estimativas, pois não sendo possível conseguir do indígena o manifesto da produção esta é calculada grosso modo”.

Dá um enfoco das obras que correm nos portos e sobre as vias de comunicação. Revela-se seguramente informado, os dados que envia constam de vários documentos oficiais, até de relatórios anteriores: “Depois que a ponte-cais de Bissau se arruinou totalmente, passou-se a utilizar a velhíssima ponte-cais do Pidjiquiti, resto de um velho fortim colocado fora do recinto das antigas fortificações da cidade”. E faz menção do que se já se escrevera em 1852, notificando o estado desastroso em que se encontrava a ponte-cais de Bissau. E então anuncia que se espera que dentro do ano seja o porto de Bissau dotado de uma excelente ponte-cais que está em construção e refere as suas caraterísticas.

Falando das vias de comunicação, tem boas novas a dar: “Têm sido consideravelmente melhoradas nos últimos anos, mas não o bastante ainda para evitar que se danifiquem na época das chuvas e com as fortes pressões da rodagem dos camiões, sobretudo na ocasião das campanhas de compra da mancarra, do que resulta estarem pouco tempo durante o ano em bom estado de conservação". A sua extensão total aproxima-se dos 3 mil quilómetros, mas não especifica as estradas em terra-batida, macadamizadas e alcatroadas.

Outra novidade é a de terem sido iniciadas, a 10 de Julho de 1948, os trabalhos de construção da ponte de Ensalmá, que vai ligar a ilha de Bissau ao continente. E apresenta a obra ainda em curso no canal do Impernal: “Consta essencialmente de três tramos metálicos, os dois extremos apoiados em encontros nas margens e em pilares no leito do rio e o tramo central, móvel, apoia-se nos outros dois. O vão útil do tramo móvel é de 9,5 metros e permite, folgadamente, a passagem de embarcações que fazem a navegação pelos canais, cuja largura não chega a atingir 6 metros. Cada um dos pilares que serve de apoio aos tramos fixos é constituído por 2 cilindros de ferro fundido de 1,8 metros de diâmetro, cravados por havage e cheios de betão, cravados ao lado do outro e contraventados. A fundação dos encontros é feita empregando estacas de madeira com 20 centímetros de diâmetro”.

Este início da década de 1950 dá sinais claros de que a agricultura prospera e as exportações aumentam, para o gerente de Bissau o contexto internacional é facilitador: “Pode dizer-se, de um modo geral, em 1951 a situação voltou a prosperar, o que de resto só se poderia esperar de uma praça que viu os seus produtos valorizados e a sua exportação aumentada em 22%, mercê da procura que durante alguns meses e em consequência da guerra na Coreia voltou a ter a borracha desta província melhores preços. Enquanto que em 1950, o preço médio dos principais produtos de exportação – a mancarra, o coconote, o óleo de palma, os couros, a cera e, eventualmente, a borracha, foram de 2$19, 2$46, 3$79, 15$00, 20$99 e 5$55, por quilo, respectivamente, em 1951 subiram para 2$62, 2$99, 6$46, 21$33, 31$07 e 15$32. E melhor o atesta o pequeno número de letras protestadas existentes em carteira”.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 20 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18542: Notas de leitura (1059): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (31) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 23 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18553: Notas de leitura (1060): “Integração Nacional na Guiné-Bissau desde a Independência”, por Christoph Kohl, no Caderno de Estudos Africanos do Centro de Estudos Africanos do ISCTE, n.º 20, Janeiro de 2011 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Guiné 61/74 - P17785: Historiografia da presença portuguesa em África (92): quando a Guiné do tempo de Sarmento Rodrigues tinha uma "boa imprensa": Norberto Lopes, o grande repórter da "terra ardente"



Um dos muitos anúncios de casas comerciais que existiam na Guiné em 1956. A empresa  Aly Souleiman & Companhia, com sede em Bissau, tinha filiais em diversos  pontos do território da Guiné, de norte a sul, incluindo Bafatá e Gadamael.

"Aly Souleiman  (apelido grafado à francesa...),  e não "Ali Suleimane" (à portuguesa) era um  próspero comerciante sírio-libanês, já citado pelo repórter Norberto Lopes em 1947 aquando da sua visita a Bafatá...

O acrónimo da empresa era ASCO, tal como o seu endereço telegráfico (*)... Algumas das mais importantes empresas estrangeiras, e nomeadamente as de origem francesas, com negócios no Senegal e na Guiné portuguesa, usavam acrónimos ou siglas: NOSOCO, SCOA, CFAO...

Está, definitivamente, explicado o  mistério do acrónimo ASCO que aparece num edifício de Gadamael, e sobre o qual gastámos alguns bons KB...


Foto: © Màrio Vasconcelos (2015). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART 2410 (1968/69) > Messe e quarto de sargentos... Foi também, até ao início da guerra o edifício da filial local da empresa ASCO - Aly Souleiman & Conpanhia... O durante muito tempo o enigmático acrónimo (ou sigla)  A.S.C.O. ainda já estava nessa época. (e ainda hoje lá está) , ao cima da parede lateral direita (*).

Foto (legenda): © Luís Guerreiro (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Norberto Lopes (Vimioso, 1900-Linda A Velha, Oeiras, 1989) foi um notável jornalista e escritor, tendo estado entre outros ao serviço do "Diário de Lisboa", onde foi chefe de redação, desde 1921, cronista e grande repórter, além de diretor (entre 1956 e 1967). Saiu do "Diário de Lisboa" para cofundar em 1967 o vespertino "A Capital" (que dirigiu até 1970, ano em que se jubilou).

Mestre do jornalismo na época da censura, transmontano de
alma e coração,. sempre se bateu pela liberdade de expressão, que considerou a maior conquista do 25 de Abril. Entre a suas obras publicadadas, destaque-se:"Visado pela Censura: A Imprensa, Figuras, Evocações da Ditadura à Democracia "(1975). Aprendeu a lidar com a censura e os censores e a escrever nas entrelinhas.

Em sua honra e memória, foi criado pela Casa de Imprena o Prémio Norberto Lopes de Reportagem de Imprensa. Claro, conciso, preciso. objetivo e imparcial... são alguns dos atributos da sua escrita e do seu estilo como repórter da imprensa escrita, um dos maiores do nosso séc. XX português. Foi. além disso, um grande amigo da Guiné e dos guineenses. Tal como nós, também ele bebeu a água do Geba...

Já aqui publicámos uma nota de leitura sobre o seu livro "Terra Ardente -Narrativas da Guiné". (Lisboa, Editora Marítimo-Colonial, 1947, 148 pp. + fotos) (**).

Sobre o livro, o nosso crítico literário Beja Santos escreveu o seguinte:

"(...) Visitou a Guiné, como jornalista por ocasião das celebrações do 5.º centenário do seu descobrimento. Do que viu e sentiu publicou uma série de artigos e depois enfeixou-os sob o título de Terra Ardente. É uma prosa afogueada, sem fazer tagatés aos poderes do dia mas sem esconder a profunda admiração pelo trabalho do seu amigo Comandante Sarmento Rodrigues. 

(...) Convém recordar que Norberto Lopes tinha da Guiné um termo de comparação, visitara-a cerca de 20 anos antes. Agora, mostra o seu entusiasmo (...)' É incontestável que a Guiné está no limiar de uma era nova. Quem tenha percorrido, como eu, o interior da colónia e admirado alguns dos aspectos mais salientes do progresso realizado nos últimos tempos, não pode deixar de reconhecer que está a escrever na Guiné uma página nova e brilhante em matéria de administração colonial'. (...)


Enfim, diz Beja Santos, "há momentos em que o jornalista sem contenção mostra-se lavrante da prosa, aprimora o que em princípio é o espartilho do espaço da reportagem" (...)

Pois está  na altura de dar a conhecer,  um pouco mais, o trabalho de Norberto Lopes, sobre a Guiné ao tempo do governador geral Sarmento Rodrigues (***). O livro, "Terra Ardente", não é de fácil acesso,  para a generalidade dos nossos leitores, mas em contrapartida as suas reportagens publicadas do "Diário de Lisboa" podem ser lidas no portal Casa Comum, da Fundação Mário Soares.


2. Recuperámos e publicamos com a devida vénia, a narrativa nº 8, relativa à viagem Bolama-Bafatá... A reportagem foi originalmente publicada no "Diário de Lisboa",  em 25/2/1947.

Síntese:

(i) Norberto Lopes deixa Bolama, agora decadente, que ele conhecera, há anos atrás, ainda com o estatatuto de capital da Guiné, sob o governo de Velez Caroço, personagem que admira;

(ii) segue, cambando o Rio Grande, para São João e Fulacunda;

(iii) a decadência dos biafadas leva-o a refletir sobre o risco de crescente "islamização" dos povos da Guiné e a necessidade de apostar forte numa política de integração dos povos ribeirinhos, animistas (balantas, felupes, papéis, bijagós...);

(iv) dali segue para Buba, Xitole e Bambadinca, atravessando o rio Corubal de canoa, dado o colapso de um setor da ponte  General Carmona, logo depois da sua inauguração (1937);

(v) fala dos problemas de comunicação no território, de difícil resolução, o que é ilustrado com uma incrível foto de uma "ponte de estacaria" na estrada Gabu-Pirada (e não Tirada, evidente gralha tipográfica);

(vi) do outro lado do rio Corubal está uma carrinha "Austin" que o levará a Bambadinca e Bafatá, passando pelo Xitole, sendo esta  região descrita como uma das mais férteis e prósperas da Guiné;

(vii) Bambadinca é referida como uma "florescente povoação" e "importante centro comercial" mas é Bafatá que lhe enche os olhos;

(viii) aqui produzia-se na altura cerca de 14 mil toneladas de mancarra por ano, metade do total da produção da colónia;

(ix) vila desde 1918, Bafatá destronara a  histórica vila de Geba, tornando-se o segundo maior centro populacional e o maior entreposto comercial do território;

(x) são citadas duas grandes casas comerciais, que florescem na capital da mancarra;  a Aly Souleimane & Companhia, de origem sírio-libanesa (***), e a Barbosa & Comandita, de origem cabo-verdiana.

A descrição da vila de Bafatá e dos seus progressos termina com a seguinte nota de belo recorte literário:

“À noite acende-se a luz eléctrica. Já corre a água nos marcos fontenários. Trilam ralos. Coaxam sapos. Chiam morcegos. Silvos agudos anunciam a proximidade do mato, porque, em qualquer povoação da Guiné em que se estejam, a selva nunca está distante e faz sempre valer os seus direitos milenários”.

Como diríamos hoje,  a Guiné do tempo de Sarmento Rodrigues  (****) também teve a sorte de ter uma "boa imprensa"... Muito melhor, de resto,  da que tem hoje, infelizmente,  a Guiné-Bissau. (LG)
.





















Recorte do "Diário de Lisboa" (diretor: Joaquim Manso), nº 8708, ano 26, terça feira, 25 de fevereiro de 1947, pp. 1 e 3 .


Cortesia de portal Casa Comum > Fundação Mário Soares > Arquivos > Diário de Lisboa / Ruella Ramos > Pasta: 05780.044.11059

Citação:

Citação:(1947), "Diário de Lisboa", nº 8708, Ano 26, Terça, 25 de Fevereiro de 1947, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_22398 (2017-9-20)


[Seleção, montagem dos recortes, edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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(***) Vd. poste de 19 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17155: Historiografia da presença portuguesa em África (72): Subsecretário de Estado das Colónias em visita triunfal à Guiné, de 27/1 a 24/2/1947 - Parte I: A consagração do governador geral, o comandante Sarmento Rodrigues, como homem reformador e empreendedor (Reportagem de Norberto Lopes, "Diário de Lisboa", 27/1/1947)

(****) Último poste da série > 20 de setembro de  2017 > Guiné 61/74 - P17782: Historiografia da presença portuguesa em África (91): 1ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934: parte do seu sucesso foi devido à Rosinha Balanta, 'exposta ao vivo', e ao seu fotógrafo, o portuense Domingos Alvão (1872-1946)