1. Mensagem do António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, Bissalanca, BA 12, 1972/74 (hoje Ten Gen Pilav Ref) (*)
Caro amigo Luís Graça
A minha ideia inicial era apenas a de escrever um pequeno comentário. Mas as palavras são como as cerejas e quando dei por mim já tinha um texto demasiado grande. As minhas desculpas.
Não consigo imaginar o trabalho necessário para manter um blogue desta dimensão, sempre activo e actual. Todos nós, os 400 atabancados, temos de reconhecer que só graças aos esforços do Luís Graça, Carlos Vinhal e restante equipa é que vamos tendo o prazer de, dia a dia, recordar, discutir, reviver memórias passadas numa terra que, não fosse a guerra, bem bonita era.
Certamente que, se os editores ainda estivessem na tropa, já tinham sido averbados com uma folha de papel das que normalmente terminam dizendo: “.....em reconhecimento pelos serviços prestados......”.
Mas como nem tudo o que luz é ouro, também aqui a minha missiva não se confina apenas aos elogios, também tenho uma critica a fazer, que isto de críticas mais vale que sejam postas logo a arejar em vez de ficarem, como se costuma dizer, escondidas e a aboborar.
Não é que a crítica tenha uma importância por ai além mas, como não pertenço ao brilhante grupo dos responsáveis pelo BPN e não tenho negócios na área do ferro velho, tenho que me entreter com alguma coisa.
E para que tudo seja transparente e não vá amanhã alguém vir a exercer vil chantagem por causa das minhas atitudes, pretendendo incriminar-me aos olhos do DIAP com umas eventuais escutas onde seja referido o meu nome, quero desde já confessar que até hoje apenas tive um problema com a Justiça quando, em Maio de 1973 e em colaboração com um amigo meu, estragámos 5 (cinco) gordas e belas Berliets que estavam estacionadas na estrada Binta-Guidage. (**)
E para que também não fiquem algumas dúvidas malévolas e insidiosas sobre o tema, quero informar os mais cépticos que este assunto já foi debatido em sede própria, tendo acabado por ser arquivado, muito antes da Justiça se ter tornado nesta máquina justa mas inflexível, que perdoa aos arguidos, sejam eles inocentes ou culpados, sejam eles grandes e poderosos ou grandes e poderosos.
Por outro lado também já constatei que quando no blogue aparecem “ataques imediatos”, daqueles que chegam de repente, tipo morteirada, existe logo pessoal a sair a terreiro e a executar as contramedidas apropriadas (como no caso do Lobo Antunes que ainda vai levar muito naquela cabeça).
Deixando estes casos à vigilância do Matos, Maia, Mexia e Associados, o que poderá trazer alguns problemas dado que volta e meia pegam-se, (aliás ultimamente todos se pegam com todos, deve ser do aquecimento global) permitam-me ser mais subtil e alertar-vos para insinuações que, devagar devagarinho, nos vão corroendo.
A minha crítica: Posso estar enganado e o defeito até pode ser meu, mas parece-me que de algum tempo a esta parte o blogue se tem desviado um pouco da postura e isenção que até aqui vinha evidenciando. Para que, num futuro próximo, possa ser referenciado como um local de busca dos que querem fazer a História de Portugal, algo tem que mudar!
Passo a explicar:
Como já alguém disse anteriormente, uma coisa são os comentários publicados em reacção aos postes, cada um por si e pela sua cabeça, uns “esquerdinos”, outros “direitinos”, apoiando, rejeitando, complicando, dizendo muito pouco ou mesmo nada, um ou outro a propósito e com interesse, alguns bem malcriados e ofensivos, a maioria de uma nulidade confrangedora.
Outra coisa é a publicação no blogue de textos que, quando não se reportam a factos ocorridos mas apenas a meras opiniões, deveriam manter um certo equilíbrio nas ideias, numa base de entendimento mútuo e onde deveria imperar um bom senso do autor ou, em última instância, dos editores.
Uma coisa são os postes, outra coisa são os comentários aos mesmos.
Porque digo isto?
Tenho verificado o forte apoio dado pelo pessoal da tabanca a eventos referentes à passagem dos portugueses por África, nomeadamente em alguns livros dos nossos bloguistas, como a “Retirada do Guileje”, do Maj Coutinho e Lima, ou “As lágrimas de Aquiles”, de José Manuel Saraiva, vindo agora a acontecer o mesmo a propósito do livro do Manuel Rebocho, “Elites Militares e a Guerra de África”.
Igualmente tenho visto o apoio dado a filmes como os da Diana Andringa ou do José Manuel Saraiva.
Não ponho em causa esses apoios mas preciso de respostas para as seguinte questões:
Por que razão os comentadores encartados e de serviço tratam os livros de autores de esquerda como obras literárias e os de direita como lixo?
O livro do Manuel Rebocho é tendencioso, falacioso e outros adjectivos terminados em OSO que, por pudor, não quero escrever.
Não resisto a anotar como uma das muitas cerejas do bolo, a conclusão do autor ao referir-se a Guileje e à Cav 8350/72, de que “quem iniciou as hostilidades no extremo sul da Guiné foi o Estado Maior Português e não a guerrilha, cuja resposta um Furriel previu e o Estado Maior não" (página 371). E a sua conclusão de que “foi a resposta que o Estado Maior não previu, nem soube contrariar.... estando os Oficiais milicianos bem acima deles”. [página 372].
Nem o mais pintado se lembraria de tamanhos disparates.
E o que dizem os nossos comentadores literários? SIM, NÃO, TALVEZ, NADA? Nada, mesmo nada, nem um comentário, ainda que pequenino? Vá lá, atrevam-se!
Já sobre o livro do Ten Cor Brandão Ferreira, “Em nome da Pátria”, nesse já estamos autorizados a malhar.... Como é?
Só os livros e os filmes dos autores esquerdinos é que têm valor, se for um livro de autor de direita é para deitar abaixo? E se não estiver em linha com as nossas convicções, estamos autorizados a enxovalhá-lo?
E as ideias, se forem conforme as minhas são verdades inquestionáveis, caso contrário são “mistificações”?
E com que direito se afirma em “poste oficial” e sem mais justificações que o autor é “ressabiado e atormentado” (poste 5215). Será por ser “Mestre em Estratégia” pelo ISCSP, ou por ser sócio fundador da associação Cristóvão Colon? Ou por não ser esquerdista? Será por ter feito uma crítica demolidora ao filme da Diana Andringa, “As duas faces da guerra”?.
E a Diana Andringa já é um exemplo de isenção ao apresentar o referido filme? E o José Manuel Saraiva, é isento ao apresentar o filme “De Guileje a Gadamael “ onde deitou para o lixo as entrevistas que iam contra as suas “ideias”?
Na dicotomia bestial/besta, porque razão os que enxovalharam o AB [Almeida Bruno] (militar mais valente que a maioria de todos nós, possuidor da mais alta condecoração nacional), pertencem à primeira categoria enquanto que o Constantino foi atacado e insultado dentro e fora do blogue, só porque o que disse ia contra a “verdade de outros”?
E o Prof. Adriano Moreira, tanto é um iluminado como um senil, conforme apoia o fulano A ou B?
Em que ficamos? Somos isentos ou tendenciosos?
Eu sei que o livro do Ten Cor Brandão Ferreira é grande e (muito, muito) maçudo mas não precisam de o ler todo, podem retirar quatro ou cinco capítulos sem que a essência das ideias se perca. Se são mesmo preguiçosos fiquem-se apenas pelo capítulos 9 e 10, “Porque desistimos da guerra” e as “Conclusões”.
O autor debate alguns temas, os tais que normalmente são tidos como verdades imutáveis, tentando desmontá-los. (reparem que eu disse tentando, cabe-nos o papel de validar ou rejeitar).
Leiam-nos, aceitem o que for de aceitar e critiquem o que acharem estar errado mas não embarquem na demagogia dos comentadores de serviço.
Pensem com a vossa cabeça, sem ideias preconcebidas.
Estão lá muitas respostas (e questões) a temas e dúvidas abordados no blogue, a saber:
1. - A guerra era insustentável e impedia o desenvolvimento do país;
2. - Portugal orgulhosamente só no mundo... ;
3. - A guerra durava há muito tempo;
4. - Portugal ia perder a guerra militarmente;
5. - Portugal devia ter descolonizado mais cedo;
6. - A população dos territórios ultramarinos queria ser independente;
7. - A guerra era injusta e actuávamos à revelia do Direito Internacional;
8. - A solução para a guerra era política e não militar.
Já enviei ao blogue um documento que dá uma pequena contribuição para a discussão do tema 1.
Alguém quer analisar os restantes? Como diz o António Graça de Abreu, “O que importa salientar é a verdade histórica”. Já somos dois.
Segundo o Luís Graça, pai do blogue, a quem eu presto o meu respeito e admiração pelo trabalho desenvolvido, a ideia inicial era juntar todos os portugueses, todos os guinéus, todos os que algum dia pisaram terras da Guiné, reencontrando-se, dialogando e aceitando as “Regras de Convívio” por si definidas e por nós aceites.
As histórias de cada um por terras da Guiné tem sido o fio condutor que nos tem deixado presos ao computador. E nem precisam de ser de guerra, ou de tiros, ou de rambos; vejam o poste 5346 do Manuel Amaro, tão simples e tão esclarecedor do muito que andámos a fazer por África.
E se as nossas histórias estiverem a acabar (o que não acredito) ainda faltam as histórias dos guinéus, o que pensavam dos portugas, como encaravam a guerra, o que sofreram, como se relacionavam com a população, como viram a independência ... .
No que respeita às visões de direita e de esquerda, também não vejo que haja qualquer problema desde que seja mantida uma postura isenta e em busca da verdade.
Do resto, dos comentários da treta e dos comentários aos comentários da treta confesso já estar farto.
Estamos a ir na direcção correcta, ou algo vai mal no reino da Dinamarca?
Peço desculpa se estou a ser demasiado pessimista, mas espero merecer o epíteto que se costuma utilizar na tropa: Clarinho clarinho para militar.
Um abraço
António Martins de Matos
2. Comentário de L.G.:
Mandei-te ontem uma primeira resposta, 6ª feira, por volta das 20h, no intervalo de uma aula, para te dizer que tinha lido com agrado a tua mensagem, e te reiterar o que tenho sempre dito, aqui, no blogue, que aprecio a verdade e a frontalidade dos amigos e camaradas da Guiné (ou dos camaradas e amigos da Guiné, que a ordem dos factores é arbitária). Mas só agora, sábado à noite, regressado a Lisboa, é que tenho tempo para alinhavar mais alguns ideias sugeridas pelo teu texto que é de apoio e de crítica, ao mesmo tempo, à 'orientação editorial' do blogue.
Agradeço-te em meu nome e sobretudo em nome dos restantes editores os elogios que nos fazes. Sem eles, co-editores, já há muito tinha fechado para obras. A verdade é que o blogue cresceu de tal maneira, que corre o risco de se tornar uma instituição. Ora, não queremos institucionalizar o blogue. Eu, pelo menos - falando em termos estrictamente pessoais - não tenho a veleidade de querer que ele se transforme numa espécie de extensão do Arquivo Histórico-Ultramarino. Muito menos quero um blogue sobre a história politicamente correcta da guerra colonial. E muito menos ainda quero um blogue ideologicamente alinhado... Definitivamente, no que me toca, também não quero escrever nem reescrever a História de Portugal. Não é o meu ofício nem tenho costas para arcar com esse pesado fardo. Quando muito, interesso-me pela "petite histoire" da guerra colonial na Guiné (1963/74). Agora, não posso impedir ninguém de o fazer, de pensar a história deste país em termos macro, de ter pensamento estratégico sobre este país, o seu passado, o seu presente e o seu futuro, etc.... Não sou general, nem quero fazer doutrina estratégica, como o Rebocho. Este blogue não é sobre estratégia, que é a arte do general (etimologicamente falando).
Agora aceito o teu repto e o teu apelo para, de novo, recentrarmos a nossa atenção naquilo que é essencial e que é a missão original do blogue: contarmos as nossas histórias (que estão longe, de facto, de estar esgotadas)...
A minha utopia foi, é e continua a ser apenas a de tentar (re)encontrar e agrupar, sob uma imaginária Tabanca Grande, amigos e camaradas da Guiné. Não lhes pergunto o que são ou foram. Interessa-me apenas saber que temos como maior denominador comum a experiência de (ou a relação com) a guerra colonial (ou a guerra do ultramar ou a luta de lilbertação na Guiné, como queiras) entre 1963 e 1974.
Vamos agora às tuas críticas, às quais não vou responder em detalhe. Não sou nem quero ser advogado de defesa em causa própria. Posso até concordar com quase tudo o que dizes, excepto uma: a referência aos "comentadores de serviço"... e a um hipotético grupo de combate que estaria de piquete ou de intervenção, sempre pronto para a porrada....
Não há comentadores de serviço, nem comentadores encartados, não há críticos literários, há apenas membros do blogue que são mais proactivos do que outros... Reconheço que neste domínio (recensão de livros, notas de leitura...) temos um leque de colaboradores limitado... Mas se me mandares um texto sobre o livro do Rebocho, ou do Brandão Ferreira, ou de outro autor qualquer - desde que a temática se centre na guerra colonial, e tudo o que lhe está a montante ou a jusante - , eu publico-o. Como tenho publicado os teus textos anteriores (*).
Reconheço que estamos inteiramente dependentes do mercado (editorial). Publicamos o que nos chega, publicamos o que nos mandam (os membros do blogue e outros). Não há, asseguro-te, nenhum grupo concertado para defender esta ou aquela posição (político-ideológica, literária, filosófica, estética, moral...).
Claro que apoiamos os membros do nosso blogue que têm publicado livro - seja o António Graça de Abreu, o Beja Santos, o Coutinho e Lima, o Traquina, o Rei, o Jero, o Branquinho, o Rebocho, o Maia... ou o António Martins de Matos (se vier a ser autor de uma publicação)... Mas o apoiar não significa concordar, dar o aval, legitimar... Também não significa diabolizar ninguém. E se há camaradas nossos que o fazem, é lamentável. O blogue é (ou deve ser) também uma escola de virtude(s). Vou/vamos estar mais atento(s) a eventuais excessos de linguagem que desvirtuam o espírito e a forma do nosso "livro de estilo" (que está em permanente construção).
Reafirmo o princípio da não-existência, a priori, de critérios ideológicos na admissão ao blogue e na publicação de conteúdos, desde que respeitado o essencial das nossas "regras de convívio"... Também não penso que o blogue esteja dividido como o parlamento em alas esquerda, direita e centro. O Brandão, o Saraiva, o Bernardo, etc., não são membros do nosso blogue... É natural que não mereçam a mesma atenção, pelo menos por parte dos editores (que de resto não são bloguistas profissionais nem tem todo o tempo para blogar e a editar as blogarias dos outros). Mas tu ou outro camarada ou eu podemos escrever, a título individual, sobre os seus livros da guerra colonial e temas correlacionados... Ninguém faz censura a ninguém, desde que o espírito do nosso blogue seja respeitado... Agora, admito que, eu ou os mesmos co-editores, possa(mos) "pecar" por defeito ou omissão: não podemos andar a pesar ao quilo ou medir ao metro os postes - e muito menos os comentários - dos tais "esquerdinos e direitinos" (a expressão é tua, tem direitos de autor, merece ser patenteada...). Como ninguém usa adesivo na testa, ou anda com crachá, eu/nós nunca sabería(mos) separá-los, apartá-los, discriminá-los... Eu, pessoalmente, mesmo que o soubesse, nunca o faria. Por defeito e feitio, são a favor da inclusão.
Quanto às tuas reservas em relação ao livro do Rebocho (que estou a ler), manda-as por escrito... O blogue não tem nem nunca terá "posição oficial" sobre as teses do Rebocho, como não tem nem nunca teve sobre o depoimento do Coutinho e Lima. Os textos,publicados no blogue, são assinados e, como tal, são da exclusiva e única responsabilidade dos seus autores... Por exemplo, vou publicar a crítica da Cor Art Ref e antigo professor da Academia Militar Morais da Silva, à tese de doutoramento do Rebocho (agora publicada em livro)... Isso não significa tomar partido a favor ou contra...
Em resumo, limitamos a ser um espaço aberto e plural, onde também cabem as críticas (positivas e negativas) aos livros (mas também aos filmes, programas de televisão, etc.) que saem sobre a guerra colonial (na Guiné). Naturalmente que terei muito gosto em publicar a tua leitura do livro do Rebocho ou do Brandão Ferreira, se ma mandares... Ou sobre o filme da Diana Andringa e do Flora Gomes ("As duas faces da guerra").
Uma nota final sobre os comentários e os comentários aos comentários: ao aceitar a regra da não- moderação, corro riscos, alguns dos quais tu apontas, e bem, no teu texto... Mas a liberdade é isso, a vida é isso, meu caro António: se não corressemos riscos, eu nunca aprenderia a andar nem tu a voar...
Espero que os amigos e camaradas da Guiné entendam e acolham bem esta nossa agradável e civilizada troca de ideias... Para que o mundo continue a ser... pequeno e o nosso blogue a ser... grande! Sobretudo para que a nossa Tabanca continue a ser um espaço de INCLUSÃO e de LIBERDADE... Luís Graça, editor.
3. Comentários que merecem subir da cave ("downstairs") para o 1º andar ("upstairs"):
31. Do António Graça de Abreu:
O raciocínio estruturado do António Martins de Matos, a resposta serena do Luís Graça, constituem matéria dourada para pensarmos todos melhor.
"Esquerdinos, direitinos". Ora todos sabemos que no meio é que está a virtude. A equidistância desapaixonada é uma virtude, difícil. Por isso, ao fim destes anos todos, ainda há camaradas prontos a descavilhar a granada, preparados para disparar a G 3, tiro a tiro, ou de rajada.
Há sempre gente pequena, também no blogue, que, para mostrar importância, passa a vida a pôr-se em bicos de pés, às vezes até sobem para um banco (não é o BPN, é mesmo daqueles bancos de madeira...) e gritam "Oiçam-me, eu tenho razão." Não têm razão nenhuma e acabam por cair do banco. Ah, mas como as pessoas gostam de subir, de subir para um poleiro.
"Esquerdino, direitino." No que a mim diz respeito, creio que sei do que falo. Em 1977, ainda maoísta e esquerdista, fui parar à China, onde aprendi na estadia até 1983 que tanta gente de esquerda, quando detém o poder, é na realidade de uma inominável direita. Às vezes também acontece o contrário, mas é mais raro.
No nosso blogue coabitam naturalmente camaradas de todas as tonalidades. Muitos ainda com a velha revolta, com a pedra no sapato, ou melhor na bota da tropa. Porque não tiram a pedra da bota e não a atiram para o fundo de um poço, para o leito de um rio?
Temos sessenta, quase setenta anos. Vêm aí as doenças e o inevitável fechar de olhos, a viagem final.
Porque não deixar aos nossos filhos e aos nossos netos a imagem, a memória de um pai e de um avô que participou um dia numa guerra cruel, como todas as guerras, mas saíu por bem desses dois anos da sua juventude? E hoje, reconciliado com Deus e com os homens, quer simplesmente viver, exercitar a mente, encontrar os amigos,(vivam os camaradas da tabanca de Matosinhos!), de contar estórias, fruir o que de bom a vida (e Portugal) ainda tem para nos dar.
Já agora, continuar a amar. E talvez sonhar ainda com as bajudas negras da Guiné que nos passaram por baixo, por cima do corpo varonil e fogoso nos nossos vinte anos sofridos e valentes.
Estamos vivos, a guerra da Guiné somos nós.
Um abraço aos camaradas de luta, aos amigos, aos companheiros de guerra.
António Graça de Abreu
3.2. Do António Ribeiro:
Também estive na Guiné, na guerra. Entre Fev 67 e Fev 69 com os obuses 8,8, 10,5 e 14 cm passei por Cufar, Gadamael, Guileje, Mejo (dez meses), Catió, Buba Aldeia Formosa, Tite, Xime, etc.
Ao escrever sobre aquele tempo será que tenho o conhecimento e visão das coisas como tenho hoje? Certamente que não. E todos os que escrevem ou emitem opiniões sobre a guerra, sobre aquela guerra? Certamente que não. Hoje é consensual que a guerra na Guiné era uma questão arrumada, isto é, mais mês menos mês Portugal perdia a guerra. Foi, na minha opinião, claro está, que foi o 25 de Abril que "salvou" Portugal de uma derrota militar "vergonhosa". Sabíamos, a grande maioria dos que lá estivemos disso? Seriam muito poucos, à época, os que previam esse inevitável desfecho. Quantos de nós conheciam "vale mais perder militarmente a guerra na Guiné do que negociar com terrorista"s, como hoje se sabe ter sido afirmado por Marcelo Caetano?.
Creio que o blogue tem sido muito bem dirigido. Agradeço aos seus criadores a possibilidade de me darem o privilégio de "revisitar" aqueles dolorosos tempos que vão desaparendo de cada um de nós à medida que vamos morrendo.
Quanto a comentários mais ou menos "correctos", defendendo mais esta ou aquela posição sobre a guerra, importa sublinhar que o stress de guerra existe, que as doenças com a idade se adensam, etc. Os que menos foram atinjidos fisica e psicologicamente pela guerra ajudariam muito os camaradas que também por lá passaram procurarem entendê-los. Ser de esquerda ou de direita não há mal nisso. Infelizmente naqueles tempos não era possível manifestar qualquer simpatia pela esquerda. Conhecemos hoje o que acontecia àqueles a quem o regime suspeitava terem ideais de esquerda, isto é, bastava a suspeita mesmo que infundadada para serem presos, diferentemente do que acontecia a quem manifestava apoio ao regime.
E hoje qual é a moda?. Alguém que se dê ao trabalho e ao estudo do que é ministrado nas nossas universidades e logo vê. Valia a pena uma tese de doutoramento sobre este tema. Pela comunicação social que hoje temos já ajuda a conhecer alguma coisa.
Por isso entendo que o blogue deva continuar como até aqui. Cada um sem necessidade de recorrer ao insulto ou ao ataque pessoal que diga sobre a guerra na Guiné o que bem entender.
Obrigado.Um abraço a todos. Aos que escrevem e aos que não escrevem e que também lá passaram as passas do Algarve.
António Ribeiro
(ex-Furriel Mil)
__________
Notas de L.G.:
(*) Vd. postes do António Martins de Matos:
1 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4271: Dossiê Guileje / Gadamael 1973 (10): Respondendo ao João Seabra (António Martins de Matos)
25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4077: FAP (19): Efeméride: há 36 anos sob os céus de Guileje 'Batata' procura e localiza 'Kurika' (António Martins de Matos)
11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4010: FAP (15): Correio com antenas... (António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)
11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3872: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (21): Resposta de António Martins de Matos a Nuno Rubim
31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strelas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)
23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)
23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3778: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (17): O cerco que nunca existiu (António Martins de Matos)
17 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3752: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (13): A missão de apoio aéreo de 21 de Maio de 1973 (António Martins Matos)
14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3737: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (11): Um erro de 'casting', o comandante do COP 5 (António Martins de Matos)
(**) Referência, creio que irónica, ao bombardeamento levado a cabo pela nossa aviação das viaturas, abandonadas pelas NT, carregadas de abastecimentos com destino a Guidaje, depois de violenta emboscada, a 8 de Maio, de coluna logística saída de Farim.