Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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segunda-feira, 16 de dezembro de 2019
Guiné 61/74 - P20460: Notas de leitura (1246): “Capim Rubro”, de José Monteiro; Chiado Books, 2018 (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2019:
Queridos amigos,
Não se discute o empenho didático do autor que, do princípio ao fim da sua obra de ficção nos dá apontamentos sobre a instrução na recruta e na especialidade, o que é um aerograma, onde se situa a Guiné, como eclodiu a guerrilha, as etnias existentes, o pormenor das operações, vê-se claramente que se documentou, o que é questionável é o modo como entremeia um acervo de dados consabidos no evoluir da trama.
Alude-se nesta obra de ficção a um drama vivido na região de Fulacunda, o desaparecimento, em plena atividade operacional, de um alferes e um conjunto de militares, seguramente uma das histórias mais dramáticas que se viveu naquele teatro de operações.
Mais um livro autobiográfico, certamente bem intencionado, talvez para que aqueles militares que andaram por Fulacunda e perto do Morés tenham mais um rosário de recordações ao seu dispor.
Um abraço do
Mário
Novamente, com rumo a Fulacunda e depois ao Morés
Beja Santos
“Capim Rubro”, de José Monteiro, Chiado Books, 2018, apresenta-se como uma obra de ficção, tem como palco a guerra de Guiné entre 1965 e 1967, o leitor, em dado momento, constatará existirem claras aproximações com a obra de Rui Alexandrino Ferreira “Rumo a Fulacunda”, obra a que aqui já se fez recensão.
Tudo começa com uma visita, em maio de 1968, do Furriel Silveira à aldeia de António Ribeiro, não longe de Lamego, e antes de sabermos as razões que o ali levam, retornamos ao passado, António dos Santos Ribeiro está em Estremoz, é informado que vai gozar dez dias de férias e depois apresenta-se no Regimento de Infantaria 2, onde irá formar-se o seu Batalhão. António Ribeiro é conhecido pelo 127. Segue-se a paixão assolapada entre o mancebo e a sua apaixonada, Maria do Céu. Com o sangue a ferver, ambos perdem as estribeiras num local chamado a “Pedra da Moura”, António irá para a Guiné, a Maria do Céu ficará grávida enquanto António anda por Abrantes e o Campo Militar de Santa Margarida. Estamos em 31 de julho de 1965, o Batalhão parte para a Guiné a bordo do Niassa. António vai conversar com o Capelão, o Padre Miguel Sampaio, primo direito da sua Maria do Céu, é um capelão muito original, só fala aos palavrões, talvez porque vai a caminho da sua segunda comissão na Guiné, o bispo não o quer a paroquiar, andou envolvido com uma senhora casada. Estamos em agosto de 1965, o autor entremeia a narrativa com dados da vida guineense. Vão a caminho de Santa Luzia, passaram em frente da capela mortuária em cujo interior se amontoava uma pilha de caixões a aguardar barco para Lisboa. Começa a Instrução de Aperfeiçoamento Operacional, um soldado dispara inadvertidamente e atinge mortalmente um companheiro. É a primeira baixa.
Na Cervejaria Bento, o Alferes Varela de Castro disserta sobre o Estatuto do Indigenato, é uma alocução em que ele diz que a guerra colonial foi resultado lógico e natural da conjugação de dois fatores: imobilismo e intransigência do Estado Novo sobre a questão colonial; incapacidade de negociação para responder aos apelos de negociação, repetidas vezes feitos pelos movimentos de libertação. O Furriel Silveira assiste a toda esta exposição e pensa que existe motivação séria para um povo reclamar a sua libertação e definir o seu destino coletivo.
Maria do Céu é maltratada pelos seus pais, é bem acolhida pelos pais de António, este embarca rumo a Fulacunda, os bens dos militares chegam praticamente deteriorados, houvera muita chuva, as malas de cartão prensado desfaziam-se, tudo quanto era papel tornou-se em pasta pegajosa. Descreve-se Fulacunda, começa a atividade operacional, em setembro ocorre a primeira incursão a uma base do PAIGC, é o batismo de fogo, destrói-se o acampamento. Em outubro, durante uma operação, sucede o impensável, o Alferes Varela de Castro desaparece com mais cinco militares, sucedem-se as tentativas de encontrar os desaparecidos à volta de Gamol, onde a tragédia ocorrera (a tal propósito, tem bastante utilidade ler a obra de Rui Alexandrino Ferreira, é um documento pungente em que se procura recriar o drama daqueles homens perdidos dentro da mata e perseguidos pelas forças do PAIGC). Para substituir o malogrado Varela de Castro chegou o Alferes Miliciano Rodrigo, inicialmente recebido de forma fria, quase hostil. Rodrigo ir-se-á impondo, definiu uma estratégia de aproximação, irá ganhar a confiança de todos. Continuam as operações, apreende-se armamento, as abelhas atacam, há mortos e feridos.
O autor não poupa o Capitão Cordeiro, Comandante de Companhia, um manhoso que tudo faz para ser evacuado. Tivera uma ligeira fratura de costelas na queda de um cavalo, preparou a atmosfera para voltar a cair, acabou por ser evacuado para o Hospital Militar de Bissau, em Lisboa tratou da vidinha, reformou-se.
Como escreve o autor:
“O capitão Mário dos Santos Sobral Cordeiro, no exercício das suas funções do comando no CTI, em plena zona de forte ação da guerrilha, no local em que, com a sua companhia, em plena zona de campanha, montou uma emboscada às tropas inimigas, caiu desamparadamente numa ravina, agravando, de forma irreversível, lesões anteriormente sofridas em duas costelas. E assim se livrou de Fulacunda, se livrou da Guiné e se livrou definitivamente da guerra”.
A Companhia sai de Fulacunda no início de janeiro de 1966, nova conversa entre António Ribeiro e o Padre Sampaio, o palavrão ferve. António parte para Bissorã, é a sede do seu Batalhão. Multiplicam-se as missões, por exemplo, manter a segurança à ponte de Braia, no caminho de Mansoa para Bissorã. A amizade entre o Furriel Silveira e António Ribeiro cresce com o tempo. Há as escoltas a Cutia, bom pretexto para António rever o capelão. Assim se passou o primeiro ano de guerra e inopinadamente há uma forte emboscada entre Mansoa e Bissorã, o Alferes Rodrigo é agora um verdadeiro exemplo de dedicação aos seus homens.
Nasce o filho de Maria do Céu e António, é uma menina. António está delirante, as operações prosseguem. Vamos saber tudo sobre o currículo do Padre Sampaio, de seu nome Miguel dos Santos Almeida Sampaio, e do adultério que o senhor bispo puniu. São frequentes os encontros entre António e o capelão, tudo regado a uísques no clube Os Balantas, em Mansoa. Segue-se a descrição dos quartos-de-final do campeonato mundial de futebol de 1966, entre a Coreia do Norte e Portugal e saltamos para a ponte de Uaque onde um grupo de guerrilheiros do PAIGC ataca furiosamente.
E aqui nos fica um texto, da melhor prosa que se encontra ao longo destas quinhentas páginas:
“Aparentemente não era coisa grave, apenas um pequeno orifício, onde se tinha alojado um estilhaço.
Contudo, por esse minúsculo orifício começou a perder massa encefálica, foi ficando pálido, quedou-se nos movimentos, perdeu a voz, toldou-se-lhe a vista.
Natural de uma pequena aldeia das proximidades de Aveiro, pensou na beleza do pôr-do-sol espraiando-se mansamente na ria. Como por magia, a lona da maca em que se encontrava deitado, foi-se transformando num espelho de água, refulgente de luz, de quando em vez entrecortado pela passagem ritmada e dolente de um moliceiro, como ele aflito e afoito, que na sua profusão de cores deixava nas águas da ria um rasto de rara beleza.
Por breves momentos, recordou a arte da xávega e, numa dolência que já não controlava, recuou aos seus tempos de menino e viu seu pai vestido de camisa branca e curta, feita de estopa, manaia e barrete preto de malha, apanhando o moliço.
Pensou no resto da família. Depois, sem um único gemido, no rosto antes queimado pelo sol e pela maresia, começaram a correr-lhe, ritmada e silenciosamente, lágrimas sofridas. Pensou na namorada, nos sonhos que ambos tinham para concretizar. A cara marfínea em agonia a coalhar de vítreo os olhos glaucos, alguns espasmos e, traiçoeira e injusta, a morte levou-o”.
Não se pode roubar ao leitor a curiosidade em desvendar a trama final, o que aproxima e pode afastar estes dois amigos, Silveira e António.
Intuitivamente, e nada mais, fica-nos a ideia que Silveira é o alter-ego de José Monteiro.
____________
Nota do editor
Último poste da série de 13 de dezembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20448: Notas de leitura (1245): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (36) (Mário Beja Santos)
quarta-feira, 26 de setembro de 2012
Guiné 63/74 - P10436: Notas de leitura (411): "Rumo a Fulacunda", de Rui Alexandrino Ferreira (Belarmino Sardinha)
1. Mensagem do nosso camarada Belarmino Sardinha (ex-1.º Cabo Radiotelegrafista STM, Mansoa, Bolama, Aldeia Formosa e Bissau, 1972/74), com data de 21 de Setembro de 2012:
Luís e Carlos,
Junto envio a minha opinião sobre o que li e achei que devia partilhar com o blogue, do livro Rumo a Fulacunda do Rui Alexandrino Ferreira.
Se entenderem que devem publicar, força.
Um abraço,
BS
Começo por dizer que não conheço pessoalmente o Rui Ferreira*, melhor dito, ainda não o conheço, espero em breve poder ultrapassar essa situação e poder dar-lhe um abraço, agradecer-lhe e trocar com ele algumas palavras, até porque a minha curiosidade, depois de ter lido este livro, leva-me a procurar saber a verdadeira razão que o levou a enveredar pela carreira militar, mesmo dizendo ele não se ter adaptado à vida civil.
Há muito que procurava encontrar este livro e confesso, nem no círculo de amigos o consegui. Contrariado, por dar a entender o que não era, vi-me forçado, perdi a vergonha e escrevi-lhe dando-lhe conhecimento do meu interesse e dos intentos frustrados na aquisição do livro. O Rui Ferreira, assim quer que o trate, de pronto respondeu e disse-me estar o livro esgotado, ter apenas alguns exemplares, mas mostrou-se logo disponível para o enviar gratuitamente por correio e assim fez.
Passemos então ao livro.
Começa a narrativa contando como foi parar ao serviço militar na Metrópole (na altura), diga-se já que o Rui é nascido em Angola, Sá da Bandeira, como cadete e depois aspirante a oficial miliciano que se vai remetendo a dar instrução a novos recrutas até ao dia em que a sorte lhe reserva o prémio de ser eleito a ocupar um lugar numa das frentes da batalha de então, a Guiné.
Mas não se pense que o autor descura pormenores. Conta-nos como são distribuídas as condecorações e os louvores e como eram atribuídas as antigas colónias aos militares, como a política se fazia e ainda hoje se faz sentir. Cuidado e minucioso, não deixa para mão alheia e lembra o passado e o presente, quer dizer, o antes e o após 25 de Abril de 1974.
Sem rodeios ou “papas na língua” não omite e critica severamente a incompetência e o comportamento de responsáveis e decisores da vida ou morte dos seus subordinados, sem se esquecer de enaltecer aqueles que para ele o merecem.
É neste contexto que nos relata a sua mobilização para a Guiné, a ele, nascido e criado em Angola, onde esperava poder regressar e dar o seu contributo como militar, pois tendo-se oferecido nunca foi aceite o seu pedido.
Após o desembarque, descreve-nos como vê ou era o movimento da cidade de Bissau, dependente dos militares e por força destes o Hospital Militar, o seu pessoal, dedicando-lhe palavras de apreço e reconhecimento, o seu verdadeiro e essencial papel nas vida de todo o militar que teve a infelicidade de ter que por lá passar (infelicidade termo da minha responsabilidade, por entender que, por muito bem tratado, o necessitar-se foi uma infelicidade).
Na continuação da sua viagem por terras da Guiné, conta-nos como foi parar a Fulacunda e o que diziam. Descreve-nos o que se via antes e depois de aterrar. Fala-nos da sua aceitação num grupo desfalcado pela perda do seu comandante e os laços que envolviam e fortaleciam as ligações do grupo e o quanto eram/são importantes e necessárias.
Uma vez mais não se escusa a confrontos e emite a sua opinião sobre aqueles com quem conviveu e partilhou missões e decisões ou a falta destas.
Sem fazer a sua defesa ou estimular esse tipo de procedimentos, descreve de forma soberba sentimentos e formas de sentir, estar e até proceder, perfeitamente desumanas, só possíveis em determinadas alturas e perante situações vividas (chegadas ao conhecimento de quem não as viveu, ou que, sem escrúpulos ou por outros interesses utilizam a exceção para denegrirem tudo o que lá se fez ou aconteceu ao longo de treze anos de guerrilha. Nota da minha responsabilidade), após a morte de um furriel que tentava desativar e levantar uma mina.
Aproveitando as narrativas sobre o desenrolar da sua atividade operacional, não esquece e individualmente dedica uma palavra de apreço, gratidão ou de simples amizade a todos que fizeram parte do seu grupo de combate.
Relembra-nos com era o sol e o calor, a humidade e as baixas temperaturas noturnas, os mosquitos, a transpiração, o mato e o seu emaranhado de árvores e vegetação, as trombas de água e os seus relâmpagos, dignos de filmagem para qualquer espetáculo, enfim, descreve tudo por que muitos foram obrigados a passar e viver durante 24 meses, meses que pareciam não ter fim.
Sendo estas notas escritas de acordo com a narrativa do Rui no decorrer do livro, tomo a liberdade de aqui com ele concordar inteiramente sobre o que diz acerca dos militares em convalescença e lembrar que já nessa época, da sua primeira comissão, era arrepiante o depósito de indisponíveis, de feridos e estropiados que passavam ou eram deixados na Rua Artilharia 1, em Lisboa, e que devia fazer envergonhar qualquer ser humano, mas assim continuou mesmo depois de 25 de Abril de 1974 até há poucos anos…
Aquando das suas férias, faz-nos uma descrição minuciosa da sua terra, Angola, mais propriamente de Sá da Bandeira, onde nasceu e viveu até à vida militar, uma vez que não conseguiu ali fazer a sua comissão como oficial miliciano cujo destino foi a Guiné.
Já para o final conta-nos umas histórias que servem para nos distraírem e aliviarem a pressão com que estas obras nos carregam, na procura de uma melhor disposição para de novo regressarmos à Guiné a sabermos como foi o final da sua comissão.
Com a mesma frontalidade com que nos brinda ao longo das páginas do seu livro, dá-nos a sua opinião sobre o 25 de Abril de 1974 e sobre alguns dos envolvidos, bem como o que achou da forma como foi feita a descolonização e as pessoas que ocuparam os lugares de responsabilidade na condução dos povos tornados independentes.
Assim conclui a leitura de Rumo a Fulacunda. Entendo-o como uma autobiografia da sua primeira comissão na Guiné, com algumas variantes sobre a sua origem e recordações, mas onde nunca ficam esquecidos o coletivo e menos ainda a amizade estabelecida por força das circunstâncias, laços de amizade que são, segundo o autor, mantidos até hoje.
Em condições tão adversas como a guerra, onde impera a necessidade de unir esforços, acontecia, por vezes, com alguns, lembrarem-se disso apenas e só enquanto metidos no mesmo inferno, imediatamente a separação de classes se fazia serenados os ânimos. Parece não ser o que se passou com o Rui, agraciado pelos militares do seu próprio grupo, distinção a que ele dá o máximo valor, muito embora tenha recebido muitas medalhas e louvores ao longo da sua carreira que, não menos importantes e até mais sonantes, relega para segundo plano.
Resta-me agradecer ao Rui Ferreira ter-me proporcionado a leitura do seu livro e dar-me a oportunidade de dizer-me seu amigo, depois de o conhecer um pouco melhor através da sua escrita.
Um abraço,
BS
____________
Notas de CV:
(*) Rui Alexandrino Ferreira foi Alf Mil Inf.ª na CCAÇ 1420, Fulacunda, nos anos de 1965 a 1967 e Cap Mil Inf.ª na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, nos anos de 1970 a 1972.
"Rumo a Fulacunda" de Rui Alexandrino Ferreira, foi editado por Palimage Editores
Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10431: Notas de leitura (410): "A Viagem de Tangomau", de Mário Beja Santos, ou um livro de afectos e de plena reconciliação (Armor Pires Mota)
Luís e Carlos,
Junto envio a minha opinião sobre o que li e achei que devia partilhar com o blogue, do livro Rumo a Fulacunda do Rui Alexandrino Ferreira.
Se entenderem que devem publicar, força.
Um abraço,
BS
Começo por dizer que não conheço pessoalmente o Rui Ferreira*, melhor dito, ainda não o conheço, espero em breve poder ultrapassar essa situação e poder dar-lhe um abraço, agradecer-lhe e trocar com ele algumas palavras, até porque a minha curiosidade, depois de ter lido este livro, leva-me a procurar saber a verdadeira razão que o levou a enveredar pela carreira militar, mesmo dizendo ele não se ter adaptado à vida civil.
Há muito que procurava encontrar este livro e confesso, nem no círculo de amigos o consegui. Contrariado, por dar a entender o que não era, vi-me forçado, perdi a vergonha e escrevi-lhe dando-lhe conhecimento do meu interesse e dos intentos frustrados na aquisição do livro. O Rui Ferreira, assim quer que o trate, de pronto respondeu e disse-me estar o livro esgotado, ter apenas alguns exemplares, mas mostrou-se logo disponível para o enviar gratuitamente por correio e assim fez.
Passemos então ao livro.
Começa a narrativa contando como foi parar ao serviço militar na Metrópole (na altura), diga-se já que o Rui é nascido em Angola, Sá da Bandeira, como cadete e depois aspirante a oficial miliciano que se vai remetendo a dar instrução a novos recrutas até ao dia em que a sorte lhe reserva o prémio de ser eleito a ocupar um lugar numa das frentes da batalha de então, a Guiné.
Mas não se pense que o autor descura pormenores. Conta-nos como são distribuídas as condecorações e os louvores e como eram atribuídas as antigas colónias aos militares, como a política se fazia e ainda hoje se faz sentir. Cuidado e minucioso, não deixa para mão alheia e lembra o passado e o presente, quer dizer, o antes e o após 25 de Abril de 1974.
Sem rodeios ou “papas na língua” não omite e critica severamente a incompetência e o comportamento de responsáveis e decisores da vida ou morte dos seus subordinados, sem se esquecer de enaltecer aqueles que para ele o merecem.
É neste contexto que nos relata a sua mobilização para a Guiné, a ele, nascido e criado em Angola, onde esperava poder regressar e dar o seu contributo como militar, pois tendo-se oferecido nunca foi aceite o seu pedido.
Após o desembarque, descreve-nos como vê ou era o movimento da cidade de Bissau, dependente dos militares e por força destes o Hospital Militar, o seu pessoal, dedicando-lhe palavras de apreço e reconhecimento, o seu verdadeiro e essencial papel nas vida de todo o militar que teve a infelicidade de ter que por lá passar (infelicidade termo da minha responsabilidade, por entender que, por muito bem tratado, o necessitar-se foi uma infelicidade).
Na continuação da sua viagem por terras da Guiné, conta-nos como foi parar a Fulacunda e o que diziam. Descreve-nos o que se via antes e depois de aterrar. Fala-nos da sua aceitação num grupo desfalcado pela perda do seu comandante e os laços que envolviam e fortaleciam as ligações do grupo e o quanto eram/são importantes e necessárias.
Uma vez mais não se escusa a confrontos e emite a sua opinião sobre aqueles com quem conviveu e partilhou missões e decisões ou a falta destas.
Sem fazer a sua defesa ou estimular esse tipo de procedimentos, descreve de forma soberba sentimentos e formas de sentir, estar e até proceder, perfeitamente desumanas, só possíveis em determinadas alturas e perante situações vividas (chegadas ao conhecimento de quem não as viveu, ou que, sem escrúpulos ou por outros interesses utilizam a exceção para denegrirem tudo o que lá se fez ou aconteceu ao longo de treze anos de guerrilha. Nota da minha responsabilidade), após a morte de um furriel que tentava desativar e levantar uma mina.
Aproveitando as narrativas sobre o desenrolar da sua atividade operacional, não esquece e individualmente dedica uma palavra de apreço, gratidão ou de simples amizade a todos que fizeram parte do seu grupo de combate.
Relembra-nos com era o sol e o calor, a humidade e as baixas temperaturas noturnas, os mosquitos, a transpiração, o mato e o seu emaranhado de árvores e vegetação, as trombas de água e os seus relâmpagos, dignos de filmagem para qualquer espetáculo, enfim, descreve tudo por que muitos foram obrigados a passar e viver durante 24 meses, meses que pareciam não ter fim.
Sendo estas notas escritas de acordo com a narrativa do Rui no decorrer do livro, tomo a liberdade de aqui com ele concordar inteiramente sobre o que diz acerca dos militares em convalescença e lembrar que já nessa época, da sua primeira comissão, era arrepiante o depósito de indisponíveis, de feridos e estropiados que passavam ou eram deixados na Rua Artilharia 1, em Lisboa, e que devia fazer envergonhar qualquer ser humano, mas assim continuou mesmo depois de 25 de Abril de 1974 até há poucos anos…
Aquando das suas férias, faz-nos uma descrição minuciosa da sua terra, Angola, mais propriamente de Sá da Bandeira, onde nasceu e viveu até à vida militar, uma vez que não conseguiu ali fazer a sua comissão como oficial miliciano cujo destino foi a Guiné.
Já para o final conta-nos umas histórias que servem para nos distraírem e aliviarem a pressão com que estas obras nos carregam, na procura de uma melhor disposição para de novo regressarmos à Guiné a sabermos como foi o final da sua comissão.
Com a mesma frontalidade com que nos brinda ao longo das páginas do seu livro, dá-nos a sua opinião sobre o 25 de Abril de 1974 e sobre alguns dos envolvidos, bem como o que achou da forma como foi feita a descolonização e as pessoas que ocuparam os lugares de responsabilidade na condução dos povos tornados independentes.
Assim conclui a leitura de Rumo a Fulacunda. Entendo-o como uma autobiografia da sua primeira comissão na Guiné, com algumas variantes sobre a sua origem e recordações, mas onde nunca ficam esquecidos o coletivo e menos ainda a amizade estabelecida por força das circunstâncias, laços de amizade que são, segundo o autor, mantidos até hoje.
Em condições tão adversas como a guerra, onde impera a necessidade de unir esforços, acontecia, por vezes, com alguns, lembrarem-se disso apenas e só enquanto metidos no mesmo inferno, imediatamente a separação de classes se fazia serenados os ânimos. Parece não ser o que se passou com o Rui, agraciado pelos militares do seu próprio grupo, distinção a que ele dá o máximo valor, muito embora tenha recebido muitas medalhas e louvores ao longo da sua carreira que, não menos importantes e até mais sonantes, relega para segundo plano.
Resta-me agradecer ao Rui Ferreira ter-me proporcionado a leitura do seu livro e dar-me a oportunidade de dizer-me seu amigo, depois de o conhecer um pouco melhor através da sua escrita.
Um abraço,
BS
____________
Notas de CV:
(*) Rui Alexandrino Ferreira foi Alf Mil Inf.ª na CCAÇ 1420, Fulacunda, nos anos de 1965 a 1967 e Cap Mil Inf.ª na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, nos anos de 1970 a 1972.
"Rumo a Fulacunda" de Rui Alexandrino Ferreira, foi editado por Palimage Editores
Vd. último poste da série de 25 de Setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10431: Notas de leitura (410): "A Viagem de Tangomau", de Mário Beja Santos, ou um livro de afectos e de plena reconciliação (Armor Pires Mota)
quarta-feira, 11 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9342: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (9): Fragmentos Genuínos - 7
FRAGMENTOS GENUÍNOS -7
Por Carlos Rios,
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66
Vista aérea de Bissorã
O tempo de permanência em Bissorã, já uma pequena cidade característica da colonização portuguesa e onde a sensação de isolamento patente em Fulacunda estava pelo menos psicologicamente sublimada, dado que, desde que devidamente protegidas já se organizavam colunas de viaturas e outras ligações por estrada com Olossato, Mansoa etc.., e onde as condições de aboletamento já eram minimamente aceitáveis, onde se verificava algum movimento, com o funcionamento ainda do administrador local, de alguns resistentes comerciantes mantendo a população residente na cidade como nas redondezas actividades autónomas, tendo curiosamente dois templos de culto, um católico e um muçulmano, realizando até semanalmente uma feira em campo aberto, onde se transaccionava uma parafernalha de artigos, teve em mim e penso que na maioria dos camaradas, pesem embora algumas acções e confrontos com o IN, um efeito retemperador e propiciador de um aumento de confiança , depois de um ininterrupto sucedâneo de tragédias e peripécias negativas até aí vividas.
O ambiente então proporcionado, permitiu-me, ainda que intermitentemente, passear palas tabancas das redondezas, acompanhado do meu amigo Djaló, um jovem nativo da Secção de Milícias que nos acompanhava e me servia de confiante companhia e de interprete. Raros eram os elementos da população estando autonomizados, que sabiam ou queriam falar ao menos crioulo, utilizando sempre os seus diversos dialectos. Uma curiosidade que pude detectar, era o facto de muitos escreverem com desenvoltura o árabe e nalguns locais se utilizar um idioma afrancesado, comunicando entre si, na errada convicção de que eu nada entenderia. Jamais me manifestei e foi-me de grande utilidade, deslocarmo-nos a algumas tabancas, com o prosaico intuito de observar e aprender, e onde, ainda que com alguma relutância inicial e que após pouco tempo, em que me senti como animal de feira a apreciar, se transformava na mais sincera e apreciada troca de opiniões, muitas das vezes tivemos que recorrer a garatujas desenhadas no chão, para nos entendermos.
Foi um tempo enriquecedor para mim, um compulsivo curioso, permitindo-me assim assistir a um sem número de vivências, rituais, danças tradicionais, jogos, cerimónias (estas nunca na totalidade) etc… das quais mesmo com as explicações do Djaló, francamente apenas retive alguns momentos em que uma estética rara e deslumbrante com uma beleza estonteante, que nos levava ao encontro de um etéreo visionamento. As próprias lutas (combates mano a mano), eram de uma dignidade e lealdade arrebatadora e elas próprias propiciadoras de esbeltos movimentos e momentos do conjunto em acção. Estes contactos despertaram em mim a curiosidade de conhecer os aspectos etnográficos, e assim vim a conseguir informação esclarecedora de muitas das minhas duvidas e que passo a transcrever mais à frente.
Mas porque o nosso “mote” era a guerra e o combate para o qual nos tinham empurrado e onde se teria de “matar ou morrer” tivemos mesmo assim neste períodos diversos recontros com o IN.
Ainda passados poucos dias de ter sido integrado na nova estrutura que agora constituía o grupo, e na escolta a uma coluna para o Olossato fomos vítimas de duas emboscadas, sendo atingido na barriga, com bastante gravidade um dos nossos habituais acompanhantes da Secção de Milícias.
Ainda mal refeitos das informações que nos chegaram sobre graves incidentes com o pelotão do Malaca dos Santos, era o nosso pelotão que actuava geralmente com uma Secção de Milícias, encarregado de executar uma emboscada na região de Embondé, já junto à estrada que vinha de Mansoa no caminho que conduzia depois da estrada ao Cambajo, aos primeiros vestígios que sentiram da nossa presença os elementos da população, que eram escoltados por dois guerrilheiros, no transporte de géneros para aquela base IN, fugiram desordenadamente, tendo nós capturado 20 deles que como era nosso timbre, entregamos na sede de Batalhão, não permitindo nunca, e já perfeitamente interiorizado e elogiado pelo nosso pessoal, menosprezos maus tratos físicos, ou verbais, antes tratando-os com a dignidade e respeito que o ser humano tem direito. Os géneros, confiscados, foram distribuídos pelos Milícias sempre disponíveis para receber as sobras com algum valor.
Contrapondo àquela nossa humanista preocupação e confirmando o velho aforismo popular “não há bela sem senão”, deu-se um acontecimento deveras insólito e dramático, proporcionado por um soldado da 1419, um mosca morta, pequeno e aloirado, donde parecia não poder advir nada de bem ou mal, mas que iludindo a vigilância do grupo de segurança ao conjunto de prisioneiros, enfiou pelo meio destes e numa demonstração de ódio e ferocidade inauditas, apanágio creio eu, de má formação, incultura e absorção da tremenda propaganda difundida e martelada pelo sistema político então vigente, e apunhalou um destes, liquidando-o sumariamente.
À boca pequena, contavam-se muitas estórias semelhantes. Oficialmente nada havia.
Quantas ignomínias e ferocidades cometemos ao longo de treze anos.
Foi ainda daqui que ficou interiorizada a má impressão e desilusão que me levam a ainda hoje uma negativa opinião da capacidade de actuação de alguns Grupos de Comandos na época, porquanto a par de invulgar destreza e destemor por parte de diversos Comandantes de Grupo e seus subordinados que digo com franqueza me deixavam pasmado, noutros casos e nas diversas saídas que tivemos com eles, mais que um grupo, podemos dizer que foram outros tantos revezes, porque havia sempre argumento para não avançarmos até ao objectivo: “já é muito tarde para atacar, tinha que ser na alvorada; houve demasiado barulho na aproximação; etc…etc…, nestas condições creio que o nosso grupo nunca tinha realizado um golpe de mão; fizeram-me recordar o velho grito épico do Caria, “Rumo a Fulacunda”.
Também em Bissorã vim a tomar conhecimento com a tremenda realidade que ainda estava reservada à nossa terrível passagem por este chão da Guiné onde nos tinham colocado, vejo hoje, para fazer uma guerra inaceitável e que na realidade tinha para alguns, objectivos obscuros que só agora entendo e são visíveis nas cópias dos blogues que apresento no fim.
"A guerra é um massacre de homens que não se conhecem em
benefício de outros que se conhecem mas não se massacram."
(Paul Valéry)
A zona de intervenção do Batalhão que veio a acabar em Mansoa onde pudemos verificar que as condições ainda se agravavam e onde tivemos maiores dificuldades e alguns revezes, abarcava uma imensa área com pavorosas e ameaçadoras condições de terreno, em que para além de imensa zonas de bolanhas pantanosas, que obrigatoriamente tínhamos que transpor, variadas vezes, tornando cada deslocação numa fonte de dificuldades, ainda tínhamos que contar, aproveitar a maré-baixa, para atravessar os canais de agua do mar que devido à orografia do terreno naquelas terras, são imensos, tendo em linha de conta que medeiam às vezes quilómetros entre uma maré e outra, e que fica no piso que tínhamos de percorrer, para além do terrível tarrafo (um tipo de vegetação que ficava quase submersa nas marés-cheias), uma espécie de argamassa que ao longe parecia compacta, mas que veio a revelar-se uma espécie de lama, mole, pegajosa, movediça, mal cheirosa, pútrida e de ténue consistência, só se conseguido atravessar, com tremendas dificuldades, sendo que nas maiores extensões terem de ser os mais altos e expeditos a terem de arrastar os mais baixos e alguns menos lestos que chegavam a correr riscos de atolamento. Estes eram momentos de terrível tensão dado, como chegou a acontecer sermos fustigados por parte do inimigo. Quando terminadas estas “travessias” parecíamos um conjunto de miseráveis soldadinhos de chumbo. Tremendas eram estas situações porquanto pouco tempo depois sob um sol e colores inclemente ficarmos secos e completamente enlameados, de tal maneira que nos dificultava ao movimentos, e com um cheiro nauseabundo.
As penosas situações em que por vezes fomos emboscados. Aqui maré cheia
A acrescer a este agreste e inóspito ambiente tínhamos ainda a toda a volta e obrigatoriamente nos percursos a atravessar as omnipotentes e majestosas florestas virgens, onde me parecia que a natureza tinha concentrado as suas forças para transmitir o que a vegetação tem de mais rico e variado. Para se conhecer toda a beleza que se pode usufruir destes autênticos santuários torna-se imprescindível introduzirmo-nos nestes locais tão antigos como o Mundo. Nada faz relembrar a cansativa monotonia das nossas florestas de carvalhos e pinheiros, cada ente constituinte deste luxuriante meio, tem por assim dizer, uma postura que lhe é singular, cada árvore tem um porte que lhe é próprio e a sua folhagem oferece frequentemente uma policromada tonalidade de verdes diferentes das que a rodeiam;
De comum apenas o ar majestático e a grandiosidade. Vegetação rasteira imensa, com lianas que abraçam as imensas árvores e onde se misturam e confundem sua folhagem, para atravessarmos este mar imenso de verdura tínhamos a maior parte das vezes de rastejar ou abrir caminhos com tremenda dificuldade á catanada.
Mais que uma vez tive a felicidade de ficar deslumbrado ao avistar alguma das imensas aves tropicais que habitavam este meio.
Enfim aqui nos meandros desta floresta que crescia ao deus dará, numa profusão de espécies que disputando o mesmo espaço muitas vezes se irmanavam e noutras se antagonizavam na procura da luz, que não era mais que a sua vida, não éramos mais que infinitésimos seres desambientados no seu interior, sentindo-a vigilante majestática, agreste e opressiva, ciosa da sua imponência e recato. Aqui me sentia como que protegido e resguardado por um manto de ilusão como se estivesse a ser objecto de afagos maternos. Quanta nostalgia.
Tomando como certa a informação de um dos elementos que antes tínhamos capturado, o Comando, encarregou-nos de executar um golpe de mão à tabanca de Quenhaqué, onde se realizava uma cerimónia, onde se iriam encontrar vários elementos do IN. Não sei porquê o Rui aceitou com alguma relutância esta missão. Avançámos a meio da noite, em conjunto com outro pelotão que ficou emboscado para proteger o nosso regresso e avançámos já de madrugada tendo o nosso pelotão sido dividido em dois, em que o grupo que eu comandava circundou a tabanca após o que daria o sinal para o restante pessoal, comandado pelo Rui entrar na mesma, Não chegámos a concretizar o plano porque fomos detectados e de dentro da tabanca, rebentou forte tiroteio. Rispostámos de imediato sobre elementos que entretanto se tinham posto em fuga, tendo abatido seis e capturado três armas, após o que encetamos minuciosas buscas na procura se mais armas o que não aconteceu, mas vindo a capturar um elemento do PAIGC, que me fez ver praticar o maior e mais arrepiante e ousado acto de insubmissão e lealdade de um ser humano. De mãos atadas atrás das costas no centro do nosso grupo, pediu para lhe pormos as cordas menos apertadas. Assim que sentiu aquelas ligeiramente mais frouxas ainda sem terminado o acto desatou em louca correria de fuga pelo meio do capim vindo a ser abatido, passados poucos metros por um elemento do grupo emboscado.
Já com o conhecimento do facto, de que iríamos para Mansoa, parti para férias na Metrópole, vindo a regressar aquela cidade em 06AGO66, para dar inicio ao mais violento e agressivo período, com que a Companhia se debateu, foi um tempo em que a par das inóspitas, agrestes e perigosas condições do terreno em que tivemos de actuar imensas vezes, algumas delas com fortes e trágicos revezes, ainda tivemos de suportar um ambiente húmido e infestado de milhões de mosquitos que não permitiam um momento de descanso fora dos mosquiteiros.
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Nota de CV:
Vd. último poste da série de 9 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9336: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (8): Fragmentos Genuínos - 6
sexta-feira, 6 de janeiro de 2012
Guiné 63/74 - P9320: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (7): Fragmentos Genuínos - 5
FRAGMENTOS GENUÍNOS - 5
Por Carlos Rios,
Ex-Fur Mil da CCAÇ 1420/BCAÇ 1857, Mansoa e Bissorã, 1965/66
A minha curiosidade e ânsia de aprendizagem e o imutável espírito popularucho que sempre fez o meu tipo, contribuiu para que em todo o tempo e locais por onde passei, me interligasse com toda a facilidade com as populações e estas me aceitassem quase sem reserva.
Aqui em Fulacunda e através do Soleimane Djaló e do Salu, milícias que trabalhavam comigo observei e participei em algumas actividades que a população realizava.
Mais que uma vez o Soleimane acompanhado com diversos elementos em que se incluíam mulheres me veio ao quartel chamar para ir à pesca com eles.
O meu amigo pedia-me para levar duas granadas, o que eu fiz embora de pé atrás, desconfiado, levando também à cintura ma pistola Walter e a minha acompanhante, a Formosa (G3); saí a sorrelfa do arame farpado (nunca na Companhia ninguém soube) o aparecer armado, mereceu alguma critica, – não tem perigo Rios, dizia o Soleimane, quando me juntei ao grupo já na tabanca e onde muitos demonstraram o seu desagrado, mas depois de algumas explicações em que transmiti a minha insegurança, não fosse aparecer algum inimigo, etc… lá aceitaram relutantemente e partimos pela picada por 4/5 Km até ao porto no Geba.
Este grupo era constituído por todo o tipo de população em que se incluíam mulheres e crianças e transportava imensos cestos, esteiras e catanas.
De notar que eu era sempre o ultimo da fila; alguma insegurança, sei lá?
Chegados ao local, estava a maré vazia, o pessoal espalhou as esteiras pelo chão e pôs-se na beira da rio com os cestos e as catanas, após o que o Soleimane me disse para lançar as granadas para dentro de água .
Poucos momentos passados um imenso cardume de todo o tipo de peixes, vogava à superfície e foi recolhido em grande quantidade com os cestos principalmente utilizados pelas mulheres, enquanto os homens aos pares junto do tarrafo apanhavam ostras às centenas, enquanto um aparava com um cesto, o outro com a catana raspava aí para dentro as grandes quantidade ali presas.
As mulheres espalhavam o peixe nas esteiras, escolhiam os que entendiam e logo ali na beira do rio os arranjavam e escalavam para depois de preparados, salpicavam-nos com sal e qualquer outro ingrediente que nunca soube o que era, para serem postos ao sol nas coberturas dos tabancas.
Depois do regresso e após um retemperador banho de agua fria, o regresso era sempre muito cansativo e ensolarado dirigia-me à cantina onde se comentava que de certeza ao “turras” tinham bombardeado algum barco patrulha da marinha lá para os lados do porto porque se ouviram bem os rebentamentos. Pela minha parte moita carrasco!
Grandes petiscadas de ostras, peixe seco, etc..etc… fiz no seio da tabanca! Só o diabo dos picantes e bebidas é que eram fogo.
Só muitos anos mais tarde tive oportunidade de entender o porquê daquela preparação do peixe, quando em Sesimbra vi um sistema de tratamento e secagem do bacalhau.
Passados mais alguns dias de momentos e vivências num meio hostil, agreste em que a par de milhões de mosquitos e toda a espécie de insectos, também o barulho ensurdecedor do gerador, e a natural ansiedade e sobressalto pouco nos deixavam descansar, apresentou-se a Companhia 1423, comandada pelo então Capitão P. A., sendo que no dia seguinte saímos em conjunto para uma operação, dita pelos chefes, de grande importância, seguindo então através do capim dado que a estrada se encontrava cheia de abatizes e o caminho por aí nos tornar mais vulneráveis. Perto de Nova Sintra onde à posteriori veio e ser construído um destacamento nosso no entroncamento com a estrada que levava à Ponta de Maasa, já no litoral do rio Geba, o Comandante da Operação mandou avançar ao encontro da estrada decidindo que o nosso Pelotão devia formar três colunas de frente, sendo que após o a realização desta actividade retornaríamos àquele lugar que era o de encontro, o que foi feito, ficando o Vasco à direita eu no centro e o Monteiro na esquerda.
Assim que entrámos na picada aconteceu aquilo que se pode considerar o nosso baptismo de fogo. Fomos confrontados com uma imensa fuzilaria a partir do interior da mata do outro lado da estrada. Coibidos de nos movimentarmos e disparar ou actuar sem pôr em risco os nossos camaradas que se encontravam a par connosco, conforme a desbragada técnica que engendrou o Comandante da operação, e com receio e na iminência de ficarmos imobilizados, avancei de supetão, acompanhado por todo o Pelotão, impulsiva e obstinadamente, sendo nesta altura que toda a coluna se partiu, porquanto o resto das Companhias recuou para o local de encontro já esfrangalhado em grupos, vindo o nosso pelotão e ficar segmentado em três, cada uma das secções laterais tomado a sua direcção e conseguido os meus rapazes obrigar à fuga dos elementos do IN tendo dois destes sido feridos deixando no terreno uma metralhadora PPSH, uma das primeiras a ser capturada na Guiné-Bissau.
Dramático veio a tornar-se este nosso baptismo de fogo, porque seis dos elementos do grupo que estava à minha direita e em que estava incluído o meu amigo e conterrâneo Alferes Miliciano Vasco Sousa Cardoso, curiosamente sobrinho do na altura Governador Geral de Angola, General Silva Tavares, o que pôs em polvorosa as cabeças pensantes daquele Sector, veio a perder-se e infiltrar-se em zona onde proliferavam forças do IN que lhe moveram implacável perseguição durante dois dias, onde passaram provações tremendas acabando depois de um deles se ter suicidado com um tiro na cabeça, já depois de um outro se ter deixado arrastar pela corrente do rio, acabando o Vasco por ser abatido e tendo o Leiró por ultimo sido capturado. Foi por este elemento que foi depois evacuado a partir da Guiné-Conacri, creio que depois de três anos de cativeiro através da Suíça para Portugal. Apenas viemos a tomar conhecimento destes dolorosos momentos, já que uma aura de incompreensão e mistério nos acompanhou, nada jamais nos foi transmitido, já nos anos noventa por nos ter chamado a atenção um artigo numa das revistas da época, e nos deslocámos a Marrases-Leiria (aquilo a que auto-chamo a confraria sempre presente) - o Rui, o Malaca dos Santos, o Monteiro, o Bastos, o Cabral e o Rios, enfim a nata da Companhia. Ah..ah…ah…! Os corpos destes infelizes jovens filhos de Portugal nascidos numa época madrasta para a juventude, exceptuando os filhos e afilhados de figuras de proa e os que fugiam, por lá ficaram a servir de pasto nas miseráveis condições atmosféricas, aos predadores que por lá existiam – esta é a ditosa pátria minha amada!!!
A par da actividade normal e tímida desenvolvida pela desmotivada Companhia, algumas peripécias verdadeiramente rocambolescas iam servindo como motivadoras de uma maior aproximação e conhecimento do pessoal. Num dos dias, entendeu o inaudito Capitão C. que se devia abater uma vaca que tínhamos capturado e trazido para o aquartelamento de um dos patrulhamentos que tínhamos realizado nas redondezas, e munindo-se de uma pistola disparou dois tiros no bicho, ele mais não fez que soltar débeis mugidos mantendo-se placidamente de pé, ai o azougado Silva, condutor auto-rodas, que já não conduzia pois que tinha entrado directamente com o jipe, dentro do buraco junto da messe de Sargentos que o Cap. C. tinha mandado abrir igual ao que também mandara fazer, colado a messe de Oficiais e destinados a abrigos de protecção, pegou numa segunda-feira (marreta de cinco quilos) e pum…, deu uma pancada brutal e certeira na cabeça da vaca e ei-la como fulminada virada de pantanas, ganhou de imediato o cognome de mata-vacas que ainda hoje nas nossas reuniões de confraternização o acompanha; veio a ser um precioso auxiliar do Jaime, o cozinheiro da nossa messe. Nestes buracos que nunca serviram para nada, o da messe de Oficiais foi ainda palco de uma das mais hilariantes cenas a que assistimos: Num violentíssimo ataque ao aquartelamento em que caíram dentro deste dezenas de granadas de morteiro que provocaram imensos estragos, felizmente, sem acidentes pessoais porquanto na maioria nos metemos dentro dos abrigos desmoronou-se para dentro do abortado pré-abrigo a parede lateral da messe e que correspondia ao quarto dos Capitães C. e P. A., pelo que aquele ainda não completamente refeito do ataque, chamou o pessoal, para retirar os escombros e procurar a sua estimada máquina fotográfica, sendo que um dos rapazes ao encontrar uma máquina se apressou a entregá-la ao nervoso e ansioso Caria que de imediato respondeu: - Esse caixote é do P. A., a minha é uma Kodak genuína. Foi o efeito descompressor da tensão daqueles rapazes e o motivo de imensa gargalhada geral.
Com este conjunto de acontecimentos vividos na área de intervenção da Companhia na solidão e isolamento deste local cercado de uma imensidão de mata verde luxuriante que deveria aparentar paz e tranquilidade, mas que era em nosso entendimento, propiciadora dos maiores receios, ansiedades e perigos que se vieram a confirmar; houve ainda oportunidade para as peripécias o mais caricatas possíveis. A messe de Sargentos era mensalmente gerida por um dos comensais, tendo nesta ocasião calhado ao inaudito trovador, Ernesto Fernandes (parece que ainda o estou a ver onde passava a maior parte do tempo; placidamente deitado a simultaneamente, fumar umas cigarrilhas de cheiro horroroso (Negritas), a ler e a beber latas de leite com chocolate; raramente tomava uma refeição como nós entendemos como normal. O Ernesto (bela voz que acompanhava à guitarra, é de origem indiana o que se nota acentuadamente), resolveu um dia presentear-nos com um almoço VIP, com dois pratos.
Estupefactos, quando nos sentamos à mesa, estava com a respectiva chave, dentro de cada prato, uma lata de atum ou sardinha em conserva por abrir. Quem quisesse podia trocar, eram dois pratos dizia o cómico sacripanta. Foi uma paródia pegada para a malta, apenas um pretensioso, isolado complexado Sargento da Companhia barafustou. Como nota curiosa relembro-me do ênfase com que esta codiciosa criatura salientava o facto de já aqui ter feito, em Fulacunda, uma comissão como Furriel Miliciano, mas curioso é que nas diversas conversas com as nossas conselheiras na tabanca, nenhuma delas o conhecia.
Ainda traumatizados e rejeitando sub-conscientemente, a perca do Vasco Cardoso e dos seus companheiros, acreditando que os mesmos ainda poderiam aparecer, ficamos ainda surpreendidos ao tomar conhecimento da ida do Cap. C. para o Hospital de Bissau, para tentar, o que conseguiu, a evacuação para a Metrópole, invocando o agravamento na inócua deslocação a Uaná Porto, que deu origem a sua épica frase “Rumo a Fulacunda”, que utilizava a todo o momento nas parcas curtas incursões que fez fora do Aquartelamento.
Foram feitas alterações na Companhia de tal modo que de quatro passámos a três Pelotões passando o Serigado que era o comandante do segundo pelotão e com o desaparecimento do Vasco a livrar-se das saídas para o mato, passando acolitado pelo inefável Dr. D. N., a comandar interinamente a Companhia.
O Serigado para além de ser o introvertido que já tínhamos detectado desde o início da formação da Companhia ainda em Abrantes, veio a revelar-se um individuo calado, distante e frio, alentejano complexado e desconfiado, que ao assumir o Comando da Companhia, criou um clima de difícil relacionamento porquanto eram visíveis e intoleráveis para nós os tiques de sobranceria e displicência que ostentava despudoradamente, inadequados quanto a nós para um miliciano e poucas vezes encontrado nas nossas andanças e contactos com diversos Oficiais do Q.P. de patente superior.
Nestas alterações e durante um pequeno período ficou o nosso grupo sem comandante de pelotão.
(Continua)
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Nota de CV.
Vd. último poste da série de 4 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9310: Fragmentos da minha passagem pela tropa (Carlos Rios) (6): Fragmentos Genuínos - 4
quarta-feira, 20 de julho de 2011
Guiné 63/74 - P8579: (Ex)citações (143): Ex-Fur Mil Carlos Rios da CCAÇ 1420, um menino que as circunstâncias fizeram homem (Rui Alexandrino Ferreira)
1. Mensagem de Rui Alexandrino Ferreira (ex-Alf Mil na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e ex-Cap Mil na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72, actualmente Coronel Reformado), com data de 10 de Julho de 2011:
Meu caro Luís,
Meus caros membros do Comando e Estado Maior do blogue do nosso contentamento,
Meus caros camarigos, soldados rasos como eu, empenhados ou não na árdua luta contra o esquecimento, contra o ostracismo a que nos querem sujeitar, a nós velhos combatentes duma guerra que já nem sei mesmo se chegou a haver.
O imenso orgulho que nos merecem, a gratidão por quanto têm feito para o não permitir, são um lenitivo para quem caminha para a velhice, arrastando no chão os pés cansados, sofridos e desgastados pelo louco palmilhar daquelas imensidões duma África inóspita e traiçoeira, misteriosa e desconhecida.
Velhos combatentes que sentem os corpos precocemente envelhecidos e alquebrados, tisnados pela canícula dum sol que tudo queimava, enrugados pelas oscilações da temperatura, que nas madrugadas passadas ao relento junto a locais com água, descia a níveis jamais imaginados como possíveis para quem Guiné condiz com calor, muito calor.
Que veem esses mesmos corpos carregados de doenças que em muitos casos nunca chegaram a sarar.
Que sofrendo na alma o desalento, a frustração e o desencanto por tanto penar, tantos sacrifícios feitos em vão, tantas mortes sem sentido, por tantos que pelos matos se perderam, por aqueles que nunca mais se encontraram, por uma Pátria cuja classe dirigente saída do 25 de Abril, feita muito mais de desertores, compelidos, refratários, fugidos, refugiados, exilados, comodamente instalados nos países amigos dos nossos inimigos de então, com muito mais afinidades com os Movimentos então adversos, revendo-se nas alegres notícias da Rádio Argel, ou escutando as patacuadas da Maria Turra que num só dia matava muitos mais pára-quedistas que o PAIGC num ano, Pátria que então renegaram, mas em nome de quem se permitem hoje falar como se a tivessem servido e não se tivessem dela servido.
Pátria que num misto de medo e vergonha não lhes reconhece o valor, o mérito, o muito que fizeram por aquelas terras e aquelas gentes, que não quer saber dos sacrifícios e privações, que nem deles quer ouvir falar e muito menos dos traumas de guerra, as psicoses, as neuroses, ansiedades, agonias, tormentos e pesadelos de que se não conseguem livrar ou da visão trágica da morte que teima em os acompanhar.
É dum desses meninos que as circunstâncias fizeram homem, herói duma verdadeira epopeia de Portugal em África, por quem tenho o maior orgulho de que te quero falar, pois vi o seu nome vir à baila não faz muito tempo no nosso blogue.
Recorrendo a quanto está escrito em Rumo a Fulacunda aqui te vou dar uma ideia do que foi, como era e como me marcou na vida esse ser de excepção que dá pelo nome de Carlos Rios.
Cruz de Guerra de 1.ª classe sem qualquer tipo de favor, ele era um dos furriéis do meu grupo de combate.
Das várias referências que faço sobre ele ao longo do livro, permito-me destacar algumas.
Começava por falar do meu batismo de fogo. Transcrevo : "Guardo do meu batismo de fogo, da reação àquela primeira emboscada que nos foi montada, uma recordação precisa: da indecisão inicial, da ténue desorientação em identificar de onde provinham os tiros, da ânsia de cumprir quanto me havia sido ensinado e rapidamente me atirar para o chão donde. como já referi, nada se via e pouco reagia, acabando quem assim procedia normalmente a dar tiros para o ar [...]
[...] A reação do Grupo, de princípio pouco indecisa, foi sendo cada vez mais ousada e a confiança ia crescendo... tendo por especial referência o Rios que foi ao longo do tempo que permaneceu entre nós, até ser gravemente ferido, o elemento mais activo, dos que nunca se incomodava na busca de um abrigo ou de qualquer outra protecção [...]
[...] Seguramente sem ele a minha ação teria sido bem mais difícil se não mesmo impossível... Nunca lhe poderemos, nem eu nem seguramente todo o grupo... retribuir o muito que por nós sacrificou, a generosidade com que nos brindou, o exemplo que nos contagiou [...]"
Seguindo em frente, ao falar do acidente que vitimou o José Monteiro escrevi: "As nossas relações que foram sempre de uma total lealdade evoluíram para uma franca amizade e perduram hoje tão imutáveis, tão vivas, tão seguras e tão fraternas como a partir de então sempre o foram. O acidente que sofreu meses mais tarde, constituiu, tal como com o do Rios, dos momentos de maior desilusão, algum desânimo e da mais profunda tristeza por que passei em toda a minha vida.
Para mim eram e continuam a ser verdadeiros irmãos."
Na apresentação que faço do pessoal do meu grupo e na parte que lhe diz respeito, focando principalmente a operação onde foi ferido permito-me destacar:
"[...] foi ele que insistiu em integrar a operação [...] Mas a verdade é que ele foi porque me impuseram que nela tomasse parte. O nosso pelotão estava a ocupar os destacamentos. Tanto ele como eu estávamos em Mansoa por motivos meramente circunstanciais: ele porque ia no dia imediato à consulta externa, a Bissau e eu porque embarcava de férias para Angola daí a três dias. [...] Nessa tarde o capitão [...] mandou-me chamar:
- Oh. Rui! Gostava que fosse connosco logo à noite [...]
- Nem pensar nisso! [...] Nenhum dos pelotões intervenientes é o meu e por conseguinte não tenho mesmo nada a ver com o assunto! Além do mais vou de férias, não se lembra?! - Há mais dois anos que não vou a casa e a proposta parece-me totalmente descabida e absolutamente despropositada.
- Mas a verdade é que não tenho mais ninguém [...]
- Então e o Senhor não vai?
- Claro que sim, não tenho outra alternativa.
- Então é quanto basta [...]
- E além do mais já falei do assunto ao comando do Batalhão e alvitraram que o levasse comigo.
- Quem? O Comandante?
- Também. Mas quem o sugeriu foi o capitão C... [...]
- É uma grande sacanice! [...]
E saí porta fora a remoer a questão. De caminho encontrei o Rios... [...]
- Não te preocupes. Desisto da consulta e também vou e assim já somos dois a tomar conta do barco.
- Nem pensar nisso! [...]
Pois sim! [...] Foi na operação [...] e quando tentava apanhar à mão um turra que se esgueirava, foi alvejado [...] um tiro lhe destroçou a cabeça do fémur e o estropiou para o resto da vida [...]
[...] Recolhidas as forças por uma lancha da Marinha... até Bissau... Parada... frente ao Hospital Militar... aí fomos em busca de notícias.... Que me desalentaram por completo...
...destroçada a zona em que a cabeça do fémur fazia a articulação com o osso ilíaco... não mais dobraria normalmente a perna...
...Com a mais profunda e ressentida tristeza na alma.... sentado na borda da minha cama deixei que amargamente as lágrimas me corressem pela cara... aquelas lágrimas eram o sinal exterior da minha enorme revolta contra a injustiça...."[...]
Alguns graduados da CCAÇ 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e Rui Alexandrino Ferreira.
Meu caro Luís.
Espero ter dado uma ideia da grandeza de alma do Carlos Rios.
Em anexo vão duas fotos.
Na primeira eu e ele em Mansabá durante a realização duma coluna de reabastecimentos a essa localidade e ao K3. Nesse mesmo dia accionada uma mina entre o K3 e o rio frente a Farim tinha causado a morte do Capitão Corte Real.
Na segunda alguns graduados da 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e eu.
Fica para uma próxima oportunidade os meus comentários ao anexo do HMP.
Um grande abraço
Rui Alexandrino Ferreira
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8166: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (21): Saúdo o núcleo permanente de colaboradores que vem mantendo absolutamente impecável este grande projecto (Rui Ferreira)
Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8528: (Ex)citações (142): O espaldar do morteiro 81 de Cancolim estava no meio da parada (Juvenal Amado)
Meu caro Luís,
Meus caros membros do Comando e Estado Maior do blogue do nosso contentamento,
Meus caros camarigos, soldados rasos como eu, empenhados ou não na árdua luta contra o esquecimento, contra o ostracismo a que nos querem sujeitar, a nós velhos combatentes duma guerra que já nem sei mesmo se chegou a haver.
O imenso orgulho que nos merecem, a gratidão por quanto têm feito para o não permitir, são um lenitivo para quem caminha para a velhice, arrastando no chão os pés cansados, sofridos e desgastados pelo louco palmilhar daquelas imensidões duma África inóspita e traiçoeira, misteriosa e desconhecida.
Velhos combatentes que sentem os corpos precocemente envelhecidos e alquebrados, tisnados pela canícula dum sol que tudo queimava, enrugados pelas oscilações da temperatura, que nas madrugadas passadas ao relento junto a locais com água, descia a níveis jamais imaginados como possíveis para quem Guiné condiz com calor, muito calor.
Que veem esses mesmos corpos carregados de doenças que em muitos casos nunca chegaram a sarar.
Que sofrendo na alma o desalento, a frustração e o desencanto por tanto penar, tantos sacrifícios feitos em vão, tantas mortes sem sentido, por tantos que pelos matos se perderam, por aqueles que nunca mais se encontraram, por uma Pátria cuja classe dirigente saída do 25 de Abril, feita muito mais de desertores, compelidos, refratários, fugidos, refugiados, exilados, comodamente instalados nos países amigos dos nossos inimigos de então, com muito mais afinidades com os Movimentos então adversos, revendo-se nas alegres notícias da Rádio Argel, ou escutando as patacuadas da Maria Turra que num só dia matava muitos mais pára-quedistas que o PAIGC num ano, Pátria que então renegaram, mas em nome de quem se permitem hoje falar como se a tivessem servido e não se tivessem dela servido.
Pátria que num misto de medo e vergonha não lhes reconhece o valor, o mérito, o muito que fizeram por aquelas terras e aquelas gentes, que não quer saber dos sacrifícios e privações, que nem deles quer ouvir falar e muito menos dos traumas de guerra, as psicoses, as neuroses, ansiedades, agonias, tormentos e pesadelos de que se não conseguem livrar ou da visão trágica da morte que teima em os acompanhar.
É dum desses meninos que as circunstâncias fizeram homem, herói duma verdadeira epopeia de Portugal em África, por quem tenho o maior orgulho de que te quero falar, pois vi o seu nome vir à baila não faz muito tempo no nosso blogue.
Recorrendo a quanto está escrito em Rumo a Fulacunda aqui te vou dar uma ideia do que foi, como era e como me marcou na vida esse ser de excepção que dá pelo nome de Carlos Rios.
Cruz de Guerra de 1.ª classe sem qualquer tipo de favor, ele era um dos furriéis do meu grupo de combate.
Das várias referências que faço sobre ele ao longo do livro, permito-me destacar algumas.
Começava por falar do meu batismo de fogo. Transcrevo : "Guardo do meu batismo de fogo, da reação àquela primeira emboscada que nos foi montada, uma recordação precisa: da indecisão inicial, da ténue desorientação em identificar de onde provinham os tiros, da ânsia de cumprir quanto me havia sido ensinado e rapidamente me atirar para o chão donde. como já referi, nada se via e pouco reagia, acabando quem assim procedia normalmente a dar tiros para o ar [...]
[...] A reação do Grupo, de princípio pouco indecisa, foi sendo cada vez mais ousada e a confiança ia crescendo... tendo por especial referência o Rios que foi ao longo do tempo que permaneceu entre nós, até ser gravemente ferido, o elemento mais activo, dos que nunca se incomodava na busca de um abrigo ou de qualquer outra protecção [...]
[...] Seguramente sem ele a minha ação teria sido bem mais difícil se não mesmo impossível... Nunca lhe poderemos, nem eu nem seguramente todo o grupo... retribuir o muito que por nós sacrificou, a generosidade com que nos brindou, o exemplo que nos contagiou [...]"
Seguindo em frente, ao falar do acidente que vitimou o José Monteiro escrevi: "As nossas relações que foram sempre de uma total lealdade evoluíram para uma franca amizade e perduram hoje tão imutáveis, tão vivas, tão seguras e tão fraternas como a partir de então sempre o foram. O acidente que sofreu meses mais tarde, constituiu, tal como com o do Rios, dos momentos de maior desilusão, algum desânimo e da mais profunda tristeza por que passei em toda a minha vida.
Para mim eram e continuam a ser verdadeiros irmãos."
Na apresentação que faço do pessoal do meu grupo e na parte que lhe diz respeito, focando principalmente a operação onde foi ferido permito-me destacar:
"[...] foi ele que insistiu em integrar a operação [...] Mas a verdade é que ele foi porque me impuseram que nela tomasse parte. O nosso pelotão estava a ocupar os destacamentos. Tanto ele como eu estávamos em Mansoa por motivos meramente circunstanciais: ele porque ia no dia imediato à consulta externa, a Bissau e eu porque embarcava de férias para Angola daí a três dias. [...] Nessa tarde o capitão [...] mandou-me chamar:
- Oh. Rui! Gostava que fosse connosco logo à noite [...]
- Nem pensar nisso! [...] Nenhum dos pelotões intervenientes é o meu e por conseguinte não tenho mesmo nada a ver com o assunto! Além do mais vou de férias, não se lembra?! - Há mais dois anos que não vou a casa e a proposta parece-me totalmente descabida e absolutamente despropositada.
- Mas a verdade é que não tenho mais ninguém [...]
- Então e o Senhor não vai?
- Claro que sim, não tenho outra alternativa.
- Então é quanto basta [...]
- E além do mais já falei do assunto ao comando do Batalhão e alvitraram que o levasse comigo.
- Quem? O Comandante?
- Também. Mas quem o sugeriu foi o capitão C... [...]
- É uma grande sacanice! [...]
E saí porta fora a remoer a questão. De caminho encontrei o Rios... [...]
- Não te preocupes. Desisto da consulta e também vou e assim já somos dois a tomar conta do barco.
- Nem pensar nisso! [...]
Pois sim! [...] Foi na operação [...] e quando tentava apanhar à mão um turra que se esgueirava, foi alvejado [...] um tiro lhe destroçou a cabeça do fémur e o estropiou para o resto da vida [...]
[...] Recolhidas as forças por uma lancha da Marinha... até Bissau... Parada... frente ao Hospital Militar... aí fomos em busca de notícias.... Que me desalentaram por completo...
...destroçada a zona em que a cabeça do fémur fazia a articulação com o osso ilíaco... não mais dobraria normalmente a perna...
...Com a mais profunda e ressentida tristeza na alma.... sentado na borda da minha cama deixei que amargamente as lágrimas me corressem pela cara... aquelas lágrimas eram o sinal exterior da minha enorme revolta contra a injustiça...."[...]
Mansabá > Ex-Fur Mil Carlos Rios e ex-Alf Mil Rui Alexandrino Ferreira da CCAÇ 1420
Alguns graduados da CCAÇ 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e Rui Alexandrino Ferreira.
Meu caro Luís.
Espero ter dado uma ideia da grandeza de alma do Carlos Rios.
Em anexo vão duas fotos.
Na primeira eu e ele em Mansabá durante a realização duma coluna de reabastecimentos a essa localidade e ao K3. Nesse mesmo dia accionada uma mina entre o K3 e o rio frente a Farim tinha causado a morte do Capitão Corte Real.
Na segunda alguns graduados da 1420 num jantar de confraternização no Bairro Alto. Da esquerda para a direita - Carlos Rios, José Monteiro, Henrique Sacadura Cabral, José Manuel Bastos e eu.
Fica para uma próxima oportunidade os meus comentários ao anexo do HMP.
Um grande abraço
Rui Alexandrino Ferreira
____________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 26 de Abril de 2011 > Guiné 63/74 - P8166: 7º aniversário do nosso blogue: 23 de Abril de 2011 (21): Saúdo o núcleo permanente de colaboradores que vem mantendo absolutamente impecável este grande projecto (Rui Ferreira)
Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8528: (Ex)citações (142): O espaldar do morteiro 81 de Cancolim estava no meio da parada (Juvenal Amado)
quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Guiné 63/74 - P6823: Parabéns a você (136): Coronel Reformado Rui Alexandrino Ferreira (Editores / Miguel Pessoa)
Postal de aniversário: Miguel Pessoa (2010)
1. Hoje, dia 4 de Agosto de 2010, está de parabéns por completar mais um ano de vida, o nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira*, que nasceu em Lubango, Angola, em 1943.
O Rui, como faz questão que o tratem, é Coronel na situação de Reforma, fez duas comissões de serviço na Guiné, a primeira como Alferes Miliciano na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e a segunda como Capitão Miliciano na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72.
Não podia a Tertúlia deixar de vir felicitar o Rui Alexandrino por este dia que queremos seja passado com saúde e alegria junto de sua família e amigos.
Rui Alexandrino Ferreira escreveu um livro com as memórias da sua passagem por Fulacunda com o título "Rumo a Fulacunda"**, tendo já um outro pronto a sair.
Tivemos o prazer da sua companhia no nosso último convívio de Monte Real e constatamos a sua excelente forma.
Em frente Rui, fica desde já marcado para o próximo ano novo encontro neste dia e local.
Recebe um abraço da Tertúlia
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de Rui Alexandrino Ferreira através do marcador Rui A. Ferreira
Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4776: Parabéns a você (16): Rui Alexandrino Ferreira, Cor Reformado (Editores)
(**) Vd. poste de 22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6448: Notas de leitura (111): Rumo a Fulacunda, de Rui Alexandrino Ferreira (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 31 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6810: Parabéns a você (135): Para o Manuel Reis, com miminhos de todo o pessoal da Tabanca Grande, incluindo os que fugiram... da canícula (Miguel e Giselda Pessoa, Luís Graça, Vasco da Gama)
1. Hoje, dia 4 de Agosto de 2010, está de parabéns por completar mais um ano de vida, o nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira*, que nasceu em Lubango, Angola, em 1943.
O Rui, como faz questão que o tratem, é Coronel na situação de Reforma, fez duas comissões de serviço na Guiné, a primeira como Alferes Miliciano na CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67 e a segunda como Capitão Miliciano na CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72.
Não podia a Tertúlia deixar de vir felicitar o Rui Alexandrino por este dia que queremos seja passado com saúde e alegria junto de sua família e amigos.
Rui Alexandrino Ferreira escreveu um livro com as memórias da sua passagem por Fulacunda com o título "Rumo a Fulacunda"**, tendo já um outro pronto a sair.
Tivemos o prazer da sua companhia no nosso último convívio de Monte Real e constatamos a sua excelente forma.
Em frente Rui, fica desde já marcado para o próximo ano novo encontro neste dia e local.
Recebe um abraço da Tertúlia
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de Rui Alexandrino Ferreira através do marcador Rui A. Ferreira
Vd. poste de 4 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4776: Parabéns a você (16): Rui Alexandrino Ferreira, Cor Reformado (Editores)
(**) Vd. poste de 22 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6448: Notas de leitura (111): Rumo a Fulacunda, de Rui Alexandrino Ferreira (Mário Beja Santos)
Vd. último poste da série de 31 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6810: Parabéns a você (135): Para o Manuel Reis, com miminhos de todo o pessoal da Tabanca Grande, incluindo os que fugiram... da canícula (Miguel e Giselda Pessoa, Luís Graça, Vasco da Gama)
sábado, 22 de maio de 2010
Guiné 63/74 - P6448: Notas de leitura (111): Rumo a Fulacunda, de Rui Alexandrino Ferreira (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Maio de 2010:
Luís,
Li os teus comentários sobre as guloseimas de Bambadinca. Seria bem interessante que se desencadeasse aí uma tempestade de recordações à volta da mesa, não os acepipes de Bissau mas os desenrascanços das gazelas de mato e peixe da bolanha, bem como os cantineiros que ainda conhecemos e que nos ajudaram a levantar a moral da muita comida sorumbática a que éramos obrigados.
Quase me sinto a entrar na loja do Rendeiro (o concorrente do José Maria de Bambadinca) onde eu encomendava o caldo de mancarra à subida da rampa, para todo o contingente que me acompanhava, naquele dia.
Estou convencido que ainda vamos fazer um livro de recordações gastronómicas...
Um abraço do
Mário
O privilégio de ter combatido com grandes amigos de hoje
Beja Santos
Em 6 de Março de 2008, aquando do lançamento do primeiro livro sobre a minha comissão na Guiné, na Sociedade de Geografia de Lisboa, recebi, com uma tocante dedicatória, “Rumo a Fulacunda”, que o Rui Alexandrino Ferreira me entregou depois de me ter abraçado. Como trabalho por objectivos, e é muito difícil sair de disciplina auto-imposta, reservei a oportunidade de o ler quando me lançasse na empreitada desde demencial inventário que ninguém me pediu. Chegou o momento azado, eis as minhas impressões.
Primeiro, desvanece ver alguém que reteve, com carinho, boas memórias dos seus camaradas do grupo de combate a que esteve associado na CCaç 1420. Ilustro com o que ele escreveu sobre o soldado António Pacheco Sampaio:
“Foi o caso mais espantoso de evolução de um ser humano a que tive oportunidade de assistir.
Completamente analfabeto, era meio marreco, deformado fisicamente pela posição em que trabalhava horas a fio, quando ingressou na vida militar. De feitio introvertido e pouco falador, mais parecia um “bicho”.
Frequentou as “escolas regimentais”, aproveitou as lições que lhes ia dando e tendo rapidamente a ler e a escrever passou a interessar-se por quanto o rodeava, ganhou complexão com a ginástica que nunca tinha tido e a correr atrás de um bola como nunca tinha feito. A par de alimentação apropriada como nunca tivera, do convívio em grupo, do contacto com elementos mais evoluídos e de ideias mais abertas, ganhou novas perspectivas do mundo. Foi se transformando aos poucos, passou a ser um elemento totalmente novo, muitas coisas em que nunca tinha reparado lhe chamavam à atenção e eram motivo de espanto.
Nunca ao longo da vida voltei a ter um caso tão extremo e tão marcante como este. Nunca mais vi alguém tirar tantos benefícios da sua passagem pela tropa. Tenho por ele um imenso carinho e uma grande amizade que nem o facto de nunca mais o ter visto os diminuem. Sei por outros camaradas que leva uma vida perfeitamente normal e que se encontra bem. É quanto me basta, me orgulha e me enche de satisfação pois sei nisso que tenho o meu quinhão”.
O Rui aparece na CCaç 1420 em condições dramáticas, vinha em rendição individual. Numa emboscada, um alferes e mais cinco militares separaram-se da coluna, desorientaram-se e andaram açulados por tropas do PAIGC. Só sobreviveu um soldado. O Rui veio substituir o alferes Vasco Cardoso. Ele descreve esses terríveis acontecimentos de modo impressionante. Antes, fala-nos da sua mobilização e, chegado à Guiné, dá-nos conta da sua inserção da companhia sediada em Fulacunda. O que à partida parecia um remedeio acabou por se transformar por uma profunda estima pela gente do seu grupo de combate. Foi uma relação gradual, com inequívocas provas dadas no terreno de combate. O Rui vai deixando desfiar a sua memória, nota-se que a cronologia não é o seu forte, é muito tentado pela divagação e pelo arrastar da corrente emocional. O que ele nos oferece em livro é o crescimento de uma amizade, da formação de vínculos entre combatentes, numa atmosfera de excepção, decorrente do trauma de, logo no início da comissão, terem desaparecido seis camaradas. “Rumo a Fulacunda” deve ser percebido pela energia positiva das suas memórias e pela construção dessa relação poderosa, inquebrantável. A CCaç 1420 irá depois para Bissorã, vai ser confrontada com emboscadas, minas e operações de grande risco, abarcando Olossato, Mansabá, Cutia e a estrada para Mansoa. O Rui torna-se um frequentador da região do Oio, passaram a andar à volta do Morés à procura de bases como Mansodé, Iracunda, Santambato e Cambajo. Tudo é descrito, as grandes capturas de armamento, os grandes dissabores, os sustos tremendos, as tropas à deriva, a selvajaria em combate, as chuvas torrenciais, a sede, o cansaço extremo. Segue-se Mansoa, a CCaç 1420 não foi descansar: reabastecimentos a Bissau, havia que os transportar para Mansabá, K-3, Bissorã e Olossato. O Rui anota inúmeras solidariedades, dá conta das refregas, o K-3 era um verdadeiro quebra-cabeças, as gentes dos Morés vinham testar regularmente a resistência deste destacamento.
O segundo aspecto que gostaria de destacar é a relação do Rui com Angola, as páginas sobre Sá da Bandeira são de uma beleza incomparável, percebe-se à légua que ele tem nesta sua infância e adolescência o filão para reconstruir o mundo que se perdeu: desde os professores aos vizinhos, a natureza dos tempos livres, as transformações operadas naquela região angolana entre os anos 50 e 60, ele tem aqui um alfobre para um livro espantoso.
O Rui prometeu voltar a escrever sobre a sua segunda comissão, aquela em que ele foi determinante na preparação da CCaç 18, a operar em Aldeia Formosa. Vamos ficar naturalmente a aguardar, com expectativa, raros são os registos (como os seus) tão detalhados no campo operacional. Estou convicto que ele irá aproveitar a oportunidade para eliminar referências e críticas desajustadas e seguramente desnecessárias para o objectivo em causa: o dever de memória do combatente. Aprendemos com a vida que há recriminações, denúncias, zangas que perdem a sua razão de ser, além disso ele foi mesmo um grande combatente e é timbre das pessoas valorosas e de bom carácter deixar no anonimato a vilania e mediocridade.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6444: Notas de leitura (110): A Guerra Colonial e o Romance Português, de Rui de Azevedo Teixeira (Mário Beja Santos)
Luís,
Li os teus comentários sobre as guloseimas de Bambadinca. Seria bem interessante que se desencadeasse aí uma tempestade de recordações à volta da mesa, não os acepipes de Bissau mas os desenrascanços das gazelas de mato e peixe da bolanha, bem como os cantineiros que ainda conhecemos e que nos ajudaram a levantar a moral da muita comida sorumbática a que éramos obrigados.
Quase me sinto a entrar na loja do Rendeiro (o concorrente do José Maria de Bambadinca) onde eu encomendava o caldo de mancarra à subida da rampa, para todo o contingente que me acompanhava, naquele dia.
Estou convencido que ainda vamos fazer um livro de recordações gastronómicas...
Um abraço do
Mário
O privilégio de ter combatido com grandes amigos de hoje
Beja Santos
Em 6 de Março de 2008, aquando do lançamento do primeiro livro sobre a minha comissão na Guiné, na Sociedade de Geografia de Lisboa, recebi, com uma tocante dedicatória, “Rumo a Fulacunda”, que o Rui Alexandrino Ferreira me entregou depois de me ter abraçado. Como trabalho por objectivos, e é muito difícil sair de disciplina auto-imposta, reservei a oportunidade de o ler quando me lançasse na empreitada desde demencial inventário que ninguém me pediu. Chegou o momento azado, eis as minhas impressões.
Primeiro, desvanece ver alguém que reteve, com carinho, boas memórias dos seus camaradas do grupo de combate a que esteve associado na CCaç 1420. Ilustro com o que ele escreveu sobre o soldado António Pacheco Sampaio:
“Foi o caso mais espantoso de evolução de um ser humano a que tive oportunidade de assistir.
Completamente analfabeto, era meio marreco, deformado fisicamente pela posição em que trabalhava horas a fio, quando ingressou na vida militar. De feitio introvertido e pouco falador, mais parecia um “bicho”.
Frequentou as “escolas regimentais”, aproveitou as lições que lhes ia dando e tendo rapidamente a ler e a escrever passou a interessar-se por quanto o rodeava, ganhou complexão com a ginástica que nunca tinha tido e a correr atrás de um bola como nunca tinha feito. A par de alimentação apropriada como nunca tivera, do convívio em grupo, do contacto com elementos mais evoluídos e de ideias mais abertas, ganhou novas perspectivas do mundo. Foi se transformando aos poucos, passou a ser um elemento totalmente novo, muitas coisas em que nunca tinha reparado lhe chamavam à atenção e eram motivo de espanto.
Nunca ao longo da vida voltei a ter um caso tão extremo e tão marcante como este. Nunca mais vi alguém tirar tantos benefícios da sua passagem pela tropa. Tenho por ele um imenso carinho e uma grande amizade que nem o facto de nunca mais o ter visto os diminuem. Sei por outros camaradas que leva uma vida perfeitamente normal e que se encontra bem. É quanto me basta, me orgulha e me enche de satisfação pois sei nisso que tenho o meu quinhão”.
O Rui aparece na CCaç 1420 em condições dramáticas, vinha em rendição individual. Numa emboscada, um alferes e mais cinco militares separaram-se da coluna, desorientaram-se e andaram açulados por tropas do PAIGC. Só sobreviveu um soldado. O Rui veio substituir o alferes Vasco Cardoso. Ele descreve esses terríveis acontecimentos de modo impressionante. Antes, fala-nos da sua mobilização e, chegado à Guiné, dá-nos conta da sua inserção da companhia sediada em Fulacunda. O que à partida parecia um remedeio acabou por se transformar por uma profunda estima pela gente do seu grupo de combate. Foi uma relação gradual, com inequívocas provas dadas no terreno de combate. O Rui vai deixando desfiar a sua memória, nota-se que a cronologia não é o seu forte, é muito tentado pela divagação e pelo arrastar da corrente emocional. O que ele nos oferece em livro é o crescimento de uma amizade, da formação de vínculos entre combatentes, numa atmosfera de excepção, decorrente do trauma de, logo no início da comissão, terem desaparecido seis camaradas. “Rumo a Fulacunda” deve ser percebido pela energia positiva das suas memórias e pela construção dessa relação poderosa, inquebrantável. A CCaç 1420 irá depois para Bissorã, vai ser confrontada com emboscadas, minas e operações de grande risco, abarcando Olossato, Mansabá, Cutia e a estrada para Mansoa. O Rui torna-se um frequentador da região do Oio, passaram a andar à volta do Morés à procura de bases como Mansodé, Iracunda, Santambato e Cambajo. Tudo é descrito, as grandes capturas de armamento, os grandes dissabores, os sustos tremendos, as tropas à deriva, a selvajaria em combate, as chuvas torrenciais, a sede, o cansaço extremo. Segue-se Mansoa, a CCaç 1420 não foi descansar: reabastecimentos a Bissau, havia que os transportar para Mansabá, K-3, Bissorã e Olossato. O Rui anota inúmeras solidariedades, dá conta das refregas, o K-3 era um verdadeiro quebra-cabeças, as gentes dos Morés vinham testar regularmente a resistência deste destacamento.
O segundo aspecto que gostaria de destacar é a relação do Rui com Angola, as páginas sobre Sá da Bandeira são de uma beleza incomparável, percebe-se à légua que ele tem nesta sua infância e adolescência o filão para reconstruir o mundo que se perdeu: desde os professores aos vizinhos, a natureza dos tempos livres, as transformações operadas naquela região angolana entre os anos 50 e 60, ele tem aqui um alfobre para um livro espantoso.
O Rui prometeu voltar a escrever sobre a sua segunda comissão, aquela em que ele foi determinante na preparação da CCaç 18, a operar em Aldeia Formosa. Vamos ficar naturalmente a aguardar, com expectativa, raros são os registos (como os seus) tão detalhados no campo operacional. Estou convicto que ele irá aproveitar a oportunidade para eliminar referências e críticas desajustadas e seguramente desnecessárias para o objectivo em causa: o dever de memória do combatente. Aprendemos com a vida que há recriminações, denúncias, zangas que perdem a sua razão de ser, além disso ele foi mesmo um grande combatente e é timbre das pessoas valorosas e de bom carácter deixar no anonimato a vilania e mediocridade.
__________
Nota de CV:
Vd. último poste da série de 21 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6444: Notas de leitura (110): A Guerra Colonial e o Romance Português, de Rui de Azevedo Teixeira (Mário Beja Santos)
terça-feira, 4 de agosto de 2009
Guiné 63/74 - P4776: Parabéns a você (16): Rui Alexandrino Ferreira, Cor Reformado (Editores)
Hoje, dia 4 de Agosto, acrescenta mais um ano de vida, que desejamos se prolongue por mais algumas décadas, o nosso camarada RUI ALEXANDRINO FERREIRA.
Desde já os nossos parabéns ao Rui, neste dia em que vimos desejar-lhe a melhor saúde na companhia dos que lhe são mais queridos.
Rui Alexandrino Ferreira (*) é natural de Angola (Lubango, 1943) e vive em Viseu, terra que adaptou e onde tem muitos e bons amigos.
Fez o COM em Mafra em 1964.
Tem duas comissões na Guiné:
- como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67)
- como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72).
Fez ainda uma comissão em Angola, como capitão.
Publicou em 2000 a sua primeira obra literária, "Rumo a Fulacunda".
Rumo a Fulacunda.
2.ª edição, 2003
Palimage Editores
(Colecção Imagens de Hoje).
415 páginas
Preço: capa 20€.
Aproveitamos para publicar uma mensagem que nos foi enviada, em tempos, pelo nosso outro camarada/escritor Mário Fitas, a propósito do livro "Rumo a Fulacunda".
Luís,
Se me é permitido, queria deixar na Tabanca Grande, uma mensagem em louvor de um Homem, precisamente com H grande.
Acabei de ler - pela segunda vez - “Rumo a Fulacunda”. Um livro que me confirmou de facto como o mundo é pequeno, pois não esperava neste livro tão bem escrito da nossa verdadeira História, algo que a mim estivesse ligado e que refiro:
1 – CART 1525 - da qual conheço toda a sua permanência em terras da Guiné - do meu amigo e companheiro de brincadeiras de criança, Cor Tirocinado Jorge Piçarra Mourão.
2 – Ser o autor conterrâneo - Angolano - de um também meu grande amigo e companheiro ornitófilo, eng.º Alípio Pinheiro da Silva.
3 – Referir na sua obra a Companhia 816 da qual fez parte o actual presidente da Freguesia do Estoril, e o qual acarinhou a publicação do meu livro.
Isto diz-me qualquer coisa portanto sinto.
Quanto à Obra em si, quero referir a sensibilidade do autor.
Desculpa Rui mas tenho de te copiar:
Agradecimento:
Todo o caminho é belo se cumprido
Ficar no meio é que é perder o sonho
É deixá-lo apodrecer no resumido
Circulo da angústia e do abandono
(Alda Lara)
Lindo!...
Dedicatória:
A quem:
“ao unir ao meu o seu destino, lhe insuflou a força, norteou o sentido”
“ À minha querida mãe e à memória e saudade do meu pai,……..deixou em mim um profundo vazio”
Belo!... São as únicas coisas que ainda hoje nos fazem reviver, o mundo maravilhoso de crianças!
Rumo a Fulacunda é Guiné terra bonita!
Rumo a Fulacunda é mata, lama, suor e sangue!
Rumo a Fulacunda é o imprevisto e as carências de quem vive a esperança do amanhã!
Rumo a Fulacunda é o amadurecimento de um Homem a quem não deixaram viver a juventude envolvendo-o no angustiante drama da Guerra!
Para o Rui Ferreira o fraterno abraço e agradecimento, pelas belas páginas de uma Verdade esquecida e escondida.
Força Rui!
Obrigado Luís
Mário Fitas
Algumas fotos ao acaso:
Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2.º encontro da nossa tertúlia > Foto (parcial) do grupo: assinalado com um círculo a amarelo, o Rui Alexandrino Ferreira, coronel na reforma, autor do livro de memórias Rumo a Fulacunda
Viseu > 2001 > O Rui Alexandrino Ferreira, faz a apresentação do seu livro de memórias Rumo a Fulacunda, editado pela Palimage.
Guiné > Aldeia Formosa (Quebo) > CCAÇ 18 (1970/72) > 1971 > "No meu quarto no Quebo com camuflado Cubano".
Guiné > Fulacunda > CCAÇ 1420 (1965/67) > 1967 > "Com a Eusébia, a mascote da companhia".
Guiné > Fulacunda > CCAÇ 1420 (1965/67) 1966 > O Alf Mil Rui Ferreira "com um chapéu turra".
Guiné > Aldeia Formosa > CCAÇ 18 (1970/72) > 1971 > Os primeiros foguetões 122 capturados aos guerrilheiros do PAIGC. O Cap Mil Rui Ferreira, comandante da CCAÇ 18, é o elemento do meio, na fotografia.
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: Luís Raínha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho > Fnalmente, o bacalhau da reconciliação e da paz, acarinhado pelo Vasco, testemunhado pelo Carvalho e fotografado pelo Luís Graça...
__________
Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)
31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)
15 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1761: A floresta-galeria na escrita de Rui Ferreira
30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1797: Convívios (13): Viseu: Homenagem ao Rui Ferreira e apresentação do último livro do Gertrurdes da Silva (Paulo Santiago)
30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1800: Álbum das Glórias (14): De Alferes (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) a Capitão (CCAÇ 18, Quebo, 1970/72) (Rui Ferreira)
4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui Ferreira)
11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)
22 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3144: Dando a mão à palmatória (15): Alf Mil Rainha era comandante do Gr Cmds Centuriões (Rui A. Ferreira)
29 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3155: Ainda o "Rumo a Fulacunda" e o ex-Alf Mil Luís Rainha (Carlos Vinhal/Luís Rainha/Rui Ferreira)
15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3744: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (12): Spínola podia ter feito muito mais... (Rui Alexandrino Ferreira)
24 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4568: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (11): Um modelo de gestão de conflitos: Vasco da Gama, Luis Raínha, Rui Ferreira...
28 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4599: Em busca de... (78): Antigo camarada do RI 10, Aveiro, 1965 (Rui Alexandrino Ferreira)
29 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4601: Estórias avulsas (36): O insólito aconteceu (Rui A. Ferreira)
23 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4728: Dando a mão à palmatória (22): Nota Prévia em defesa do bom nome de Luís Rainha (Rui A. Ferreira)
Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4758: Parabéns a você (15): Francisco Palma da CCAV 2748 e Júlio Abreu do BCAÇ 506 e Companhia de Comandos do CTIG (Editores)
Desde já os nossos parabéns ao Rui, neste dia em que vimos desejar-lhe a melhor saúde na companhia dos que lhe são mais queridos.
Rui Alexandrino Ferreira (*) é natural de Angola (Lubango, 1943) e vive em Viseu, terra que adaptou e onde tem muitos e bons amigos.
Fez o COM em Mafra em 1964.
Tem duas comissões na Guiné:
- como Alferes Miliciano (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67)
- como Capitão Miliciano (CCAÇ 18, Aldeia Formosa, 1970/72).
Fez ainda uma comissão em Angola, como capitão.
Publicou em 2000 a sua primeira obra literária, "Rumo a Fulacunda".
Rumo a Fulacunda.
2.ª edição, 2003
Palimage Editores
(Colecção Imagens de Hoje).
415 páginas
Preço: capa 20€.
Aproveitamos para publicar uma mensagem que nos foi enviada, em tempos, pelo nosso outro camarada/escritor Mário Fitas, a propósito do livro "Rumo a Fulacunda".
Luís,
Se me é permitido, queria deixar na Tabanca Grande, uma mensagem em louvor de um Homem, precisamente com H grande.
Acabei de ler - pela segunda vez - “Rumo a Fulacunda”. Um livro que me confirmou de facto como o mundo é pequeno, pois não esperava neste livro tão bem escrito da nossa verdadeira História, algo que a mim estivesse ligado e que refiro:
1 – CART 1525 - da qual conheço toda a sua permanência em terras da Guiné - do meu amigo e companheiro de brincadeiras de criança, Cor Tirocinado Jorge Piçarra Mourão.
2 – Ser o autor conterrâneo - Angolano - de um também meu grande amigo e companheiro ornitófilo, eng.º Alípio Pinheiro da Silva.
3 – Referir na sua obra a Companhia 816 da qual fez parte o actual presidente da Freguesia do Estoril, e o qual acarinhou a publicação do meu livro.
Isto diz-me qualquer coisa portanto sinto.
Quanto à Obra em si, quero referir a sensibilidade do autor.
Desculpa Rui mas tenho de te copiar:
Agradecimento:
Todo o caminho é belo se cumprido
Ficar no meio é que é perder o sonho
É deixá-lo apodrecer no resumido
Circulo da angústia e do abandono
(Alda Lara)
Lindo!...
Dedicatória:
A quem:
“ao unir ao meu o seu destino, lhe insuflou a força, norteou o sentido”
“ À minha querida mãe e à memória e saudade do meu pai,……..deixou em mim um profundo vazio”
Belo!... São as únicas coisas que ainda hoje nos fazem reviver, o mundo maravilhoso de crianças!
Rumo a Fulacunda é Guiné terra bonita!
Rumo a Fulacunda é mata, lama, suor e sangue!
Rumo a Fulacunda é o imprevisto e as carências de quem vive a esperança do amanhã!
Rumo a Fulacunda é o amadurecimento de um Homem a quem não deixaram viver a juventude envolvendo-o no angustiante drama da Guerra!
Para o Rui Ferreira o fraterno abraço e agradecimento, pelas belas páginas de uma Verdade esquecida e escondida.
Força Rui!
Obrigado Luís
Mário Fitas
Algumas fotos ao acaso:
Pombal > 28 de Abril de 2007 > 2.º encontro da nossa tertúlia > Foto (parcial) do grupo: assinalado com um círculo a amarelo, o Rui Alexandrino Ferreira, coronel na reforma, autor do livro de memórias Rumo a Fulacunda
Viseu > 2001 > O Rui Alexandrino Ferreira, faz a apresentação do seu livro de memórias Rumo a Fulacunda, editado pela Palimage.
Guiné > Aldeia Formosa (Quebo) > CCAÇ 18 (1970/72) > 1971 > "No meu quarto no Quebo com camuflado Cubano".
Guiné > Fulacunda > CCAÇ 1420 (1965/67) > 1967 > "Com a Eusébia, a mascote da companhia".
Guiné > Fulacunda > CCAÇ 1420 (1965/67) 1966 > O Alf Mil Rui Ferreira "com um chapéu turra".
Guiné > Aldeia Formosa > CCAÇ 18 (1970/72) > 1971 > Os primeiros foguetões 122 capturados aos guerrilheiros do PAIGC. O Cap Mil Rui Ferreira, comandante da CCAÇ 18, é o elemento do meio, na fotografia.
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: Luís Raínha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho > Fnalmente, o bacalhau da reconciliação e da paz, acarinhado pelo Vasco, testemunhado pelo Carvalho e fotografado pelo Luís Graça...
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Notas de CV:
(*) Vd. postes de:
17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)
31 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1639: Estórias de Bissau (12): uma cidade militarizada (Rui Alexandrino Ferreira)
1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)
15 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1761: A floresta-galeria na escrita de Rui Ferreira
30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1797: Convívios (13): Viseu: Homenagem ao Rui Ferreira e apresentação do último livro do Gertrurdes da Silva (Paulo Santiago)
30 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1800: Álbum das Glórias (14): De Alferes (CCAÇ 1420, Fulacunda, 1965/67) a Capitão (CCAÇ 18, Quebo, 1970/72) (Rui Ferreira)
4 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2026: Antologia (61): Rumo a Fulacunda: uma estória que ficou por contar ou a tragédia das CCAÇ 1420 e 1423 (Rui Ferreira)
11 de Fevereiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2523: Estórias de Guileje (7): Um capitão, cacimbado, e um médico, periquito, aos tiros um ao outro... (Rui Ferreira)
22 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3144: Dando a mão à palmatória (15): Alf Mil Rainha era comandante do Gr Cmds Centuriões (Rui A. Ferreira)
29 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3155: Ainda o "Rumo a Fulacunda" e o ex-Alf Mil Luís Rainha (Carlos Vinhal/Luís Rainha/Rui Ferreira)
15 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3744: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (12): Spínola podia ter feito muito mais... (Rui Alexandrino Ferreira)
24 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4568: IV Encontro Nacional do Nosso Blogue (11): Um modelo de gestão de conflitos: Vasco da Gama, Luis Raínha, Rui Ferreira...
28 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4599: Em busca de... (78): Antigo camarada do RI 10, Aveiro, 1965 (Rui Alexandrino Ferreira)
29 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4601: Estórias avulsas (36): O insólito aconteceu (Rui A. Ferreira)
23 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4728: Dando a mão à palmatória (22): Nota Prévia em defesa do bom nome de Luís Rainha (Rui A. Ferreira)
Vd. último poste da série de 30 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4758: Parabéns a você (15): Francisco Palma da CCAV 2748 e Júlio Abreu do BCAÇ 506 e Companhia de Comandos do CTIG (Editores)
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4728: Dando a mão à palmatória (22): Nota Prévia em defesa do bom nome de Luís Rainha (Rui A. Ferreira)
1. O nosso camarada Rui Alexandrino Ferreira, autor de "Rumo a Fulacunda", enviou-nos no dia 17 de Julho de 2009 este texto que será a Nota Prévia a inserir no seu próximo livro intitulado "Quebo, nos confins da Guiné".
Os nossos tertulianos devem recordar-se do diferendo originado pelo uso indevido do nome de Luís Rainha no primeiro livro de autoria do Rui Alexandrino atrás referido.
A pré-publicação desta Nota Prévia no nosso Blogue, mas não é que o cumprimento da palavra por parte do nosso tertuliano Rui Alexandrino para defesa do bom nome do nosso camarada Luís Rainha (*).
2. Nota Prévia
Rui A. Ferreira
Rectificando "Rumo a Fulacunda" numa acção que se por um lado me causa algum amargo de boca, não por me julgar o único detentor da verdade ou por ter de reconhecer o erro cometido, mas por que e ainda que contra mim próprio, tenho de a fazer respeitar, não só pela consideração por quem me leu, mas fundamentalmente pela reposição do bom nome de Luís Rainha que sem ter sido tido ou achado se viu protagonista de coisas que não fez.
Assim se torna absolutamente imprescindível a explicação que se segue.
Tal como o tempo não volta depois que foi passado e a ocasião depois que foi perdida, assim também a pedra depois de atirada e muito em especial palavra depois de proferida.
Aceitando como boa a verdade que estes conceitos encerram e a imensa sabedoria dos sábios e filósofos da antiguidade que assim a eles se referiram, só posso em minha defesa acrescentar que a pesar de já publicada pode a palavra ser rectificada.
Quando decidi, bem ao contrário do que tenho visto e lido, ao escrever "Rumo a Fulacunda" dar às coisas e chamar as pessoas pelos seus próprios nomes, sabia que me poderia meter em sérios trabalhos, provavelmente escusados.
Bastava usar os habituais subterfúgios de "Qualquer semelhança com a realidade foi pura coincidência" ou trocar os nomes chamando ao Caria por exemplo Faria, ou ao Coronel Totobola, mudando-lhe a alcunha para Lotaria ou até numa actualização mais identificável com os tempos que correm de Euro Milhões...
Mas não foi o que aconteceu e numa lamentável troca de nomes dos comandantes de dois Grupos de Combate da então Companhia de Comandos da Guiné, acabou no uso indevido no de Luís Rainha como intérprete de situações e acções com as quais nada teve.
E se não está em causa a veracidade do que se passou e em "Rumo a Fulacunda" se encontra descrito e aceitando como absolutamente natural a sua intempestiva reacção que só não se sente quem não é filho de boa gente, pareceu-me imperioso, por ser justo e porque errar é próprio dos homens, este apresentar de públicas desculpas a que me comprometi e aqui estou a cumprir.
Que o faço por absoluto imperativo moral e nunca para evitar o recurso à Justiça dos Tribunais que, pela morosidade de actuação, pela impunidade que se vive neste país e sobretudo porque tudo não passou de uma troca de nomes que publicamente já reconheci e que eu próprio lamento, duvido que qualquer resolução que daí pudesse vir chegasse a tempo de apanhar algum de nós ainda com vida.
Se por absoluto respeito por quem já não pertence a este mundo, omito o nome do verdadeiro interveniente nas ocorrências embora também não seja segredo para quem esteve na Guiné, nessa altura, de quem se trata, mas também por que me parece que ninguém sai beneficiado com o arrastar da situação.
Neste contexto aproveito ainda para agradecer, pelo muito que fizeram para sanar este incidente, ao Luís Graça e ao nosso Blogue (pois só a existência dos dois permitiu este estabelecer de amizades e de encontros e reencontros de antigos combatentes da Guiné) ao Virgínio Briote que tal como o Luís Rainha integrava então a Companhia de Comandos, que terei julgado com o rigor excessivo de quem ou esperava aquilo que não podiam dar ou não quis ver que eram homens como nós os da tropa macaca, anónimos filhos do povo com os mesmos temores e as mesmas carências, com iguais angústias e as mesmas dificuldades e frustrações e não máquinas de guerra...
Ao que foi o Capitão Miliciano Vasco da Gama que, na primeira vez que o vi e com ele falei, me deu a sensação não de estar a conhecer uma nova pessoa, mas simplesmente que se tratava do reencontro de velhos amigos e que percorreu os mesmos caminhos por terras de Aldeia Formosa, onde provou o seu imenso valor, a minha consideração e gratidão pelas intervenções decisivas e apaziguadoras que teve.
Rui Alexandrino Ferreira
Quinta do Paul, Ortigosa, Monte Real, Leiria > IV Encontro Nacional do nosso blogue > 20 de Junho de 2009 >Da esquerda para a direita: Luís Raínha, Vasco da Gama, Rui Ferreia e António Carvalho > Fnalmente, o bacalhau da reconciliação e da paz, acarinhado pelo Vasco, testemunhado pelo Carvalho e fotografado pelo Luís Graça...
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 22 de Agosto de 2008 > Guiné 63/74 - P3144: Dando a mão à palmatória (15): Alf Mil Rainha era comandante do Gr Cmds Centuriões (Rui A. Ferreira)
Vd. último poste da série de 7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4653: Dando a mão à palmatória (21): A verdadeira fotografia do Alf Mil Cav Mosca, assassinado no dia 21 de Abril de 1970 (Os Editores)
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