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segunda-feira, 12 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22098: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte V: Destino: Xime.... E um levantamento de rancho que acabou à bofetada...


Foto nº 1 >  O alf mil Crisóstomo, em primeiro plano...

Foto nº 2 > Regresso de um patrulhamento no subsetor do Xime...

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Guiné > Região de Bafatá > Sector L1  (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 1439 (1965/67) > Agosto de 1965 >  O primeiro contacto com as terras do Xime...


Fotos (e legendas): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].



1. Continuação da publicação da série CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) (*)



CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67) : a “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque)


Parte V - Destino: Xime...


A viagem do Funchal para a Guiné decorreu sem grandes problemas . A CCaç 1439 embarcou no navio Niassa no dia 2 de Agosto de 1965 . A nossa Companhia era de rendição individual e talvez por isso o nosso comandante, Capitão Pires, tinha saido mais cedo para " preparar a nossa chegada”.

Por razões burocráticas,  que nunca cheguei a compreender,  foi-me dado o comando da CCaç 1439 , até que chegássemos a Bissau onde nos esperava o verdadeiro Comandante da Companhia, o  Capitão Amandio Pires .

Embora estivesse mentalmente preparado "para todas as situações", não deixei de ficar surpreendido pelas condições em que o pessoal estava viajando no Niassa. Os “quadros” viajavam em condições aceitáveis, mas custava-me ver os meus soldados nos andares inferiores do barco, quase uns em cima dos outros em beliches que de conforto pouco ofereciam. 

E logo na primeira noite, baixei e fui ter com eles, para lhes dar um pouco de ânimo. Parece que apreciaram verem o seu "comandante temporário" com eles e passado algum tempo começamos a cantar … E cedo era toda a companhia que cantava, até parecia que o nosso destino não era um teatro de guerra , mas sim alguma romaria. 

 Mas a CCaç  1439 não era a única companhia no barco; cedo me apercebi que membros de outras companhias achavam estranho a euforia "daqueles madeirenses" e queriam dormir, pelo que logo decidi não continuar com a cantarolice e regressei ao andar superior.

Mas na noite seguinte repeti. Desci mais cedo, para evitar ser apupado ou incomodar ninguém, ainda pensando que o cantar um pouco antes de dormir ajudaria a moral de toda a gente. Não foi o caso. Desta vez houve queixa mais a sério; quando a companhia estava já toda empolgada a cantar , fui chamado ao comandante do barco. Que admirava muito a manifestação do patriotismo dos madeirenses, mas que havia outras companhias e nem todos gostavam de ser serenados…

Recordo-me vagamente da nossa chegada a Bissau e da transferência imediata para um barco muito chato que eu nunca tinha visto nem ouvido falar. Não me vão faltar surpresas, pensei eu. E logo seguimos Rio Geba acima, esperando que não fossemos atacados mesmo no meio do rio. É que iamos sózinhos... e eu pensava que pelo menos teríamos uma escolta até chegar ao nosso destino em terra, onde quer que isso fosse.

Por volta das 17.00 PM, (segundo um “relatório oficial’ de que não tinha conhecimento e que o Alferes Freitas me amavelmente me facilitou) finalmente paramos: à nossa frente havia um “ cais improvisado” e logo a seguir "meia dúzia de palhotas”. Era o Xime.

Não me recordo das instalações nem das condições… estava pronto para tudo, nada me ia surpreender. Recordo-me, sim, de sermos informados da existência de uma cantina e das facilidades de adquirir uísque e outras coisas a um preço muito barato. E logo na primeira noite, eu estava entre os que tiraram partido dessas “facilidades', comprando a minha primeira garrafa de Drambuie…

Por outro lado também aprendemos depressa a habituarmo-nos à ementa de feijão frade com bacalhau, salada de grão de bico com bacalhau,  feijão frade com bacalhau, grão de bico… e vira o disco e toca o mesmo. E isso estava a causar mau estar em toda a companhia. 

Um dia começaram a manifestar esse descontentamento na hora do rancho, fazendo barulho com as mamitas, utensílios metálicos,  meio pratos meio caixas . Eu estava de oficial de dia; tinha fama , dizem-me, de ser "de bons modos” e querer ajudar . E talvez por isso pensaram que eu pudesse fazer alguma coisa para remediar a situação. O que não era o caso. Não havia outro remédio senão aguentar até que chegasse nova entrega de víveres; e isso não dependia de ninguém na companhia. 

 Por isso pus a companhia "em sentido” e expliquei que compreendia a frustração de todos, que era a minha também; mas que o fazer barulho com os pratos não ia ajudar ninguém. E pus a companhia "à vontade” para começar a distribuição do rancho, talvez fosse outra vez feijão frade com bacalhau, não me lembro.

O que sei é que o barulho das marmitas embora menos intenso,  recomeçou. E eu imediatamente pus de novo a companhia em sentido e disse que não ia tolerar mais qualquer tipo de barulho como estava a acontecer pela segunda vez. E disse "vamos ficar em sentido um ou dois minutos para que todos tenham tempo de resfriar um pouco esse entusiasmo, antes de começarmos o rancho". 

E virei-me de costas para eles; mas logo ouvi atras de mim o que me parecia serem uns sorrisos de troça ; virei-me de repente e mesmo atras de mim deparei com um soldado, o S..., m posição de "à vontade” e a rir numa manifesta posição de galhofa para todos verem.

Sou e sempre fui um pequenitotes, mas no momento nem tive tempo para pensar: de repente espetei-lhe a maior bofetada que jamais pensava ser capaz de dar na minha vida.

Surpreso,  com esta minha reação, ele tentou desviar-se e pareceu-me que ia cair e eu então com a mão esquerda dei-lhe uma segunda no lado contrário para ele não cair. E foi um silêncio completo; mandei recomeçar o rancho, que não teve mais problemas. 

 O S... tinha fama de ser o homem mais forte da companhia e, de vez em quando, “para medir forças”,   desafiava um outro soldado, a quem todos chamavam “o chinês” pela sua força e aparência, a levantarem um pipo que ninguém mais era capaz de mexer. 

 Logo pensei que "um dia destes vou apanhar murro dele e vou aparecer morto em qualquer lado… ou então será talvez no mato… sou capaz de apanhar mesmo um tiro pelas costas” … E era pensamento que de vez em quando me vinha à mente. "Mas nada há a fazer", pensava. "E a verdade é que ele não devia fazer o que fez” .

Passados muitos meses,   um dia deparei com ele mesmo a meu lado no meio duma bolanha que estávamos a atravessar com água pelos joelhos , como por vezes sucedia . E reparei que ele tinha um sorriso, mas que me pareceu um sorriso amigável. E fui eu que puxei a conversa. "Olha, S..., ainda hoje me custa o que sucedeu no Xime"… E ele não me deixou dizer mais nada, pôs-me o braço no meu ombro e só disse : "Ó meu alferes,  tinha razão”! e senti a pressão do braço dele no meu ombro como para me dizer que o assunto estava esquecido. 

A verdade é que nunca mais tive receio de apanhar um tiro pelas costas no meio de alguma operação no mato!

Não me lembro em que dia foi a nossa primeira patrulha/deslocamento a Bambadinca. Mas menciono-a por não esquecer a minha surpresa quando nos disseram que tínhamos de "picar a estrada por causa das minas”.

Eu esperava algum aparato sofisticado, como se usa para detecção de metais, mas em vez disso eram meia dúzia de paus com um bico de ferro na ponta com que se picava o chão esperançadamente para sem as rebentar , detectar alguma mina que tivesse sido posta …

(Continua)

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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22097: Guiné 61/74 - P22051: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - Parte IV: Composição orgânica: na sua maioria, praças naturais da Madeira, e oficiais e sargentos do Continente

segunda-feira, 15 de julho de 2019

Guiné 61/74 - P19980: 15 anos a blogar desde 23/4/2004 (11): quando os "artilheiros" davam lições aos "infantes", habituados a comer e a calar... (C. Martins, alf mil art, cmdt do 23º Pel Art, Gadamael, 1972/74)


Guiné > Região de Tombali > > Bedanda > CCAÇ 6 > 1971 >  A saída do obus 14, de noite. Foto espetacular do  ex-alf mil médico Amaral Bernardo, membro da nossa Tabanca Grande desde Fevereiro de 2007.

Foto (e legenda): © Amaral Bernardo (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

1. A propósito de "infantes" e de "artilheiros" (*)... 

O C. Martins - nosso leitor e camarada, mais conhecido por ter sido o "último artilheiro de Gadamael" , alf mil art, comandante do 23º  Pel Art, que acabará por (con)fundir-se com o 15, mas também médico, hoje, no Portugal profundo, periférico, - não faz parte formalmente da nossa Tabanca Grande (TG), por razões alegadamente deontológicas, éticas e profissionais,  que eu entendo e respeito. Isto quer dizer que: (i) nunca pediu para aderir à TG; (ii) nunca aceitou o meu convite para ingressar na TG; (iii) nunca se apresentou ao "pessoal da caserna", como mandam as NEP do blogue; (iv) nem nunca enviou as duas fotos da praxe; (v) nem muito menos gosta que a gente lhe mostre a cara ou o use o seu nome profissional.. Mesmo assim tem 27 referências no nosso blogue.

Em contrapartida, é (ou foi) leitor assíduo, fã do nosso blogue, comentador quase diário, há alguns anos atrás, dos nossos postes, e frequentador dos nossos encontros nacionais (, já não foi aos dois últimos, o de 2018, por razões imprevistas de saúde...). É um profundo conhecer da Guiné,  onde depois da independendência fez voluntário como médico de uma ONG, enfim, é um verdadeiro amigo do povo guineense... Tem, além disso - e excecionalmente - uma série feita com os seus comentários neste blogue...

Já em tempos lhe transmitimos que tínhamos saudades das suas "lições de artilharia para os infantes", da sua boa disposição, do seu sentido de humor de caserna, da sua saudável irreverência, enfim, dos seus comentários, por vezes desconcertantes,  mas sempre certeiros, ou não fosse ele um artilheiro e, para mais, o último artilheiro de Gadamael!...Sabemos que alguns não lhe perdoaavam esse pequeno detalhe do seu currículo, mas a verdade é que alguém tinha que fechar a porta da guerra... E em Gadamael coube-lhe a ele, que nem sequer foi voluntário para a tropa, era dirigente estudantil quando foi apanhado pela "ramona"...

Será sempre aqui lembrado como um bom contador de histórias, com grande  sentido de humor, e muitas memórias da tropa, da guerra e da paz, que ele se dignou partilhar connosco, seus camaradas da Guiné...  Enfim, um "bravo da Guiné"!

Esta história que (re)publicamos a seguir,  é uma verdadeira lição de um "artilheiro", para os pobres coitados ds "infantes" que já cá, na metrópole, nos quartéis de Norte a Sul, comiam e calavam... Já nessa altura perguntavamos aqui: foi a tropa uma escola de virtudes ? Quero eu dizer, a tropa do nosso tempo... Aprendia-se lá só coisas de artilharia, infantaria, cavalaria, transmissões ? Mas também valores como os da justiça, equidade, liberdade, integridade, honestidade, coragem moral, patriotismo ?...

Espero que o C. Martins nos leia (ainda) e se sinta honrado com a republicação desta história  que é também uma forma singela de o associarmos às  discretíssimas comemorações dos quinze anos do blogue de todos nós (**)... Não sei se ele já se reformou, se sim (, mesmo que médico nunca arrume o estetoscópio e dispa a bata), acho que está na altura de ele entrar por aí adentro, na nossa Tabanca Grande, de mãos nos bolsos, a assobiar e dizer: - Rapaziada, finalmente cheguei!

2. Lições de artilharia para os infantes > Quando a gente nem sempre come e cala...

por C. Martins (***)

Este tema é muito interessante: Relação entre comandantes e comandados e vice-versa. Atitudes, justiça, injustiça, abuso de poder, capacidade de liderança ou não, coesão ou espírito de corpo. Todos nós tivemos casos, independentemente da categoria ou posto hierárquico. 

A propósito de rancho... Lembro-me de um caso passado num regimento de uma cidade alentejana. O oficial de dia fez um levantamento de rancho !!!!.

Este tinha por hábito não se limitar a provar a comidinha da bandeja, mas verificar as pesagens dos géneros segundo as NEP. Era vitela à jardineira: tanto de ervilhas, cenouras, batatas e a carne da dita.
Iniciado o repasto, que a bem da verdade o pessoal comia com sofreguidão, o dito oficial, olhando de soslaio para pratos e travessas repara que havia ervilhas, cenouras, grande quantidade de batatas e, surpresa, a carne praticamente tinha-se evaporado!.

- NINGUÉM COME MAIS, CAR...!!! - berra o gajo com um galãozito transversal no ombro, e enceta uma corrida frenética até à cozinha onde se depara com grandes nacos de carne sobre a bancada.

Transtornado, enfia uma cabeçada no 1º sargento vago-mestre ou lá o que era:
- Você está preso, seu f... da p...!. E estão todos presos, seus cabr...f...das p..., bandidos, gatunos! ...

Mais calmo, tenta contactar o comandante que não estava, o 2.º também não... Bem, a alternativa era o contacto com o QG da região militar. Atende o oficial de dia da respectiva:

- ... Fez o quê ?!! Você já desgraçou a sua vida!

Nesse dia almoçou-se só às cinco da tarde.

O sorja f... da p... tinha por hábito gamar a carne e outros géneros que vendia a talhos e estabelecimentos civis, com a conivência dum cabo RD... Os outros elementos da cozinha eram ameaçados para se calarem. A justiça militar atuou com penas exemplares... O aspiranteco teve um elogio verbal e foi mobilizado para o CTIG.

Qualquer coincidência com a realidade não foi mera ficção.

C. Martins

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Notas do editor: