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quinta-feira, 14 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25273: Convívios (983): XXXI Convívio do pessoal da CCAÇ 2381 - "Os Maiorais" - a levar a efeito no próximo dia 13 de Abril de 2024, em Fátima, com concentração na Rotunda dos Peregrinos (José Teixeira / Eduardo Moutinho Santos)


CCAÇ 2381 - OS MAIORAIS

GUINÉ, 1968/70

XXXI CONVÍVIO

FÁTIMA - DIA 13 DE ABRIL DE 2024

Caro irmão “Maioral “

Estamos a comemorar o 54.º aniversário do nosso regresso da Guiné.
Foi no dia 9 de abril de 1970 que chegámos. Lembras-te daquela manhã gloriosa?
Infelizmente não regressámos todos. Houve três camaradas que partiram antes do tempo.
Muitos já partiram de vez. Paz à sua alma.
Alguns desligaram-se completamente desta família de "Os Maiorais". Até hoje não deram sinal de vida. Esperemos que estejam de boa saúde.
Outros, o estado de saúde impede-os de vir ao nosso encontro. Doi o coração, corroído de saudades.
Nós vamos resistindo.

Agora é tempo de conviver no tempo que nos resta. Toca a reunir.
Desta vez será em Fátima, como combinamos no convívio do ano que passou.


XXXI CONVÍVIO “OS MAIORAIS” DE EMPADA

Data: 13 de abril de 2024 (sábado)
Local: Fátima
SDIVINE – FÁTIMA HOTEL
Rotunda dos Peregrinos, 101
Fátima
Telef. 249 532 163

Local de Encontro: ROTUNDA DOS PEREGRINOS (A partir das 10 h.)
FÁTIMA
Custo do almoço 24€/pessoa

TRAZ OUTRO MAIORAL CONTIGO

Escreve ou telefona a confirmar a tua presença, para:
J.Teixeira - Telm: 966 238 626 - Mail: jteixei@msn.com

Nota: O ALMOÇO É SERVIDO EM REGIME DE SELF SERVICE

Agradecemos que confirmes, via telefone ou mail, a presença no convívio até ao dia 6 de Abril.

Se não puderes estar presente, telefona a gritar: Não posso ir, mas estou vivo e de boa saúde.

Aguardando as tuas notícias, aceita um fraternal abraço dos camaradas

José Teixeira
Eduardo Moutinho Santos (capitão)

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Nota do editor

Último post da série de 11 DE MARÇO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25262: Convívios (982): 55º almoço-convívio da Magnífica Tabanca da Linha: Algés, quinta feira, 14 de março de 2024 ... Uma das novidades é a presença pela primeira vez dos "nova-iorquinos" João Crisóstomo e a filha Cristina

sábado, 25 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24885: As nossas geografias emocionais (17): Empada: a Fonte Frondosa (1946): uma foto tirada à minha mulher, no dia 25 de dezembro de 1969, dia de Natal (Eduardo Moutinho Santos, ex-cap mil grad, cmdt, CCAÇ 2381, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70)



Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > > A esposa do Eduardo Moutinho Santos, na Fonte Frondosa...que vem do tempo do governador-geral Sarmento Rodrigues... Vísivel no painel de azulejos a data: 1946. E pela foto vê-se que na época (1969). E sabemos que continuava a matar a sede aos viajantes em 2011 quando  Eduardo Moutinho e o Zé Teixeira a revisitaram em 2011, 65 anos depois da sua construção. 

Foto (e legenda): © Eduardo Moutinho Santos (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Eduardo Moutinho Santos, ex-alf mil,  CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhamel), e ex-cap mil graduado,  cmdt CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada) (1968/70); tem 26 referências no nosso blogue; juntamente com o Zé Teixeira, é o régulo da Tabanca de Matosinhos; profissionalmete é  advogado:

Data - 24 nov 2023, 18:54
Assunto - Fonte Frondosa, Empada

Luís Graça.

Que estejas bem.

Também tenho no meu Álbum de Guerra uma foto da Fonte Frondosa de Empada, ali tirada à minha mulher no dia 25 da Dezembro de 1969 - Dia de Natal. 

A Fonte tem a minha idade!!!

Aqui vai, caso queiras postá-la no Blogue.

Abraço

Eduardo Moutinho 
moutinhosantos-2044p@adv.oa.pt
____________

Nota do editor:

Guiné 61/74 - P24884: Nota de leitura (1637): "O universo que habita em nós: estórias com vida”, do nosso camarada José Teixeira, um talentoso contador de histórias e criador de personagens (Luís Graça)

1. Texto, da autoria do nosso editor LG, que foi lido pelo Eduardo Moutinho Santos (foto à esquerda), na sessão de lançamento do último livro do Zé Teixeira, no passado dia 18, em Leça do Balio, Matosinhos (*), e que publicamos agora como "nota de leitura" (**)


Conheço o Zé Teixeira desde finais de 2005, altura em que ele passou a integrar o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, também conhecido como Tabanca Grande. Passados 18 anos, ele é dos nossos autores mais prolíferos, ativos, proativos, ecléticos e generosos, com mais de 4 centenas de referências. 

E já não falo dele como comentador: é-me impossível contabilizar o número dos seus comentários a textos de outros autores. Em cerca de 25 mil postes (ou postagens), temos pertíssimo de 100 mil comentários (em média, 4 por poste). Algumas centenas serão seguramente do Zé.

Parte da sua vida, desde então, também está escrita no nosso blogue… Por exemplo, foi o cofundador da primeira tabanca da Tabanca Grande, a Tabanca Pequena de Matosinhos, um caso notável, pela sua originalidade e longevidade, de tertúlia de antigos combatentes… Fez parte da ONGD Tabanca Pequena, responsável por várias iniciativas de ação solidária na Guiné-Bissau, país que conhece muito bem das várias viagens que entretanto fez, desde 2005 (se não erro).

É autor de várias séries no nosso blogue, de que destaco, por serem das mais notáveis:

(i) “Estórias do Zé Teixeira”: tem 60 publicadas no blogue, de dez 2005 a set 2022;

(ii) “O meu diário”: tem 2 dezenas de publicações entre janeiro e março de 2006;

(iii) “Crónicas de uma viagem à Guiné-Bissau: de 30 de abril a 12 de maio de 2013: reencontros com o passado (José Teixeira)”: publicou 13 crónicas, entre maio e agosto de 2013.

Tem, além disso, inúmera colaboração avulsa, entre prosa, poesia e
fotografia, noutras séries como “Álbum  fotográfico”, “Ser solidário”, “Convívios”, “Blogpoesia”, “Fotos à procura de… uma legenda”,“(Ex)citações”, "(In)citações”, “Os nossos enfermeiros”, etc., etc.

Este preâmbulo, já extenso, serve apenas fundamentar aquilo que eu
escrevi em 2022 no prefácio ao seu anterior livro, de poesia, “Palavras (e)levas o vento”. Deixem-me citá-las porque continuam a ser justas, pertinentes e atuais:

“E desde logo (isto é, desde que o conheci por altura do Natal de 2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia) o defini como um homem de palavra e da palavra: afável, comunicativo, talentoso, mas também coerente, solidário e generoso. E tem uma qualidade que não abunda por aí, nos tempos que correm, de feroz individualismo e competição: a sensibilidade sociocultural, a abertura aos outros que são diferentes, quer sejam os sem-abrigo a quem vê como irmãos, quer sejam os fulas, muçulmanos, da Guiné-Bissau com quem conviveu durante a guerra colonial”…

E também disse, sem qualquer favor ou lisonja, que ele era uma vocação literária “tardia” mas já “amadurecida” e até “consolidada”.

Este último livro (a que me cabe o prazer e a honra de apresentar) 
comprova-o: o Zé é um talentoso contador de histórias e criador de 
personagens, para além de cronista. São sobretudo os seus microcontos que me encantam. Mas também o registo mais intimista do seu diário…

Recordo-me de ter escrito, há 11 anos atrás, o seguinte a propósito das páginas do seu diário da Guiné:

(…) “São apontamentos que o Zé foi escrevendo num caderninho, durante a sua comissão na Guiné (1968/70). É um notável documento humano onde, para além de dados factuais (colunas, operações, baixas, topónimos...), também vêm ao de cima as dúvidas, as contradições e a angústia do português, do homem, e do cristão (praticante que ele sempre foi). Nesse Agosto de 1968, em Aldeia Formosa (hoje, Quebo), o Zé, enfermeiro, escreve, dilacerado pelo absurdo daquela guerra: 'Ainda não dei um tiro. A minha missão é curar. Jamais darei um tiro nesta guerra. Matar não, nunca. Vou tentar passar esta guerra sem fogo ' " (...).

 Vem também ao de cima o poeta que ele é: veja-se a ternura de poema que ele escreveu sobre "As Mãos de Minha Mãe" (…)

O artesão da palavra, como eu gosto de o definir, não é de agora, mas é ainda mais visível neste seu último livro, “O Universo que Habita em Nós”, que tem como subtítulo: “Estórias com vida”.

Não vou repetir o belíssimo e elegante, para além de sintético e magistral prefácio do prof Júlio Machado Vaz, que o leitor deverá ler no princípio e reler no fim. Ele definiu bem em três palavras o essencial destes textos: “candura, transparência e doçura”. 

O Zé Teixeira, para quem o conhece, está aqui, inteiro, de corpo e alma, nas histórias que nos conta e nas personagens que lhes dão autenticidade, humanidade e consistência, a começar pelo Miguelito que tem muito de “alter ego”, nascido na Lousada, onde ainda, cem anos depois, pairava o fantasma do Zé do Telhado, e cujas histórias ele ouve, da boca da avó, dividido entre o temor maravilhado e a interiorização dos valores dominantes.



Capa do livro do José Teixeira, "O universo que habita em nós". Lisboa: Astrolábio Edições, 2023, 230 pp. (Prefácio de Júlio Macahdo Vaz) (Disponível na Livraria Atlântico: preço de mercado: 17 € (em papel) ou 5 €(ebook); pode também ser comprado "on line" na FNAC, ou pedido diretamente ao autor: Jose Teixeira: jteixei@msn.com )


Não podendo nem querendo ultrapassar as quatro páginas A4 que me foram pedidas, quero tão apenas destacar algumas das singularidades e originalidades deste livro:

(i) do princípio ao fim, o narrador (sempre ou quase sempre na primeira pessoa do singular) está implicado no enredo: diremos que há um recurso, em geral bem conseguido, à técnica da observação participante, seja quando se fala das vivências da infância e depois da guerra, seja das histórias dos que não tem história;

(ii) está dividido em duas partes (Zé, falta-lhe um índice, lapso que podes corrigir na 2ª edição…): “este meu mundo escondido” e “esta minha cidade escondida”;

(iii) na introdução (pp. 11/13), o autor explicita e fundamenta muito bem esta dicotomia cidade aberta / cidade escondida: há um “universo recôndito que está dentro de nós” e que “é a base da construção da nossa cidade”, que deve ser (ou queremos que seja) “bela, acolhedora e cativante” (sic), projeto em que cada um de nós tem de ser um “operário ativo” (pág. 12);

(iv) a “cidade escondida” é como a outra face da lua”, a que não vemos ou não queremos ver, a dos homens e mulheres, social e espacialmente discriminados e segregados, e a que pomos o epíteto (estigmatizante) de prostitutas, alcoólicos, drogados, marginais, sem-abrigo, loucos, indigentes…

(v) podia haver amargura, azedume, revolta, ajustes de contas com o passado,  mas não: há ali muito amor, ternura, carinho, poesia,  ingenuidade, cumplicidade, serenidade, empatia, compaixão… no regresso ao passado, duro, da infância, mesmo quando falta uma importante peça do puzzle da nossa identidade, a figura do pai… ou do seu substituto, ou quando a hipocrisia social diaboliza a figura da mãe solteira;

(vi) o autor recorre a poetas para, num verso ou num pensamento sincrético,  nos dar uma chave de leitura para a suas histórias ou personagens. Por exemplo, “A minha mãe (…) era o vulto que à noite se recorta” (Vasco Graça Moura); “Faz que cada hora da tua vida seja bela. O mínimo gesto é uma lembrança futura” (Claude Aveline”); ou “O mais terrível dos sentimentos é o sentimento de ter a esperança perdida” (Frederico Garcia Lorca); noutros casos, recorre ao exemplo de vida de amigos, que admirava, como o saudoso luso-guineense Carlos Schwarz (Pepito): “Desistir é perder, recomeçar é ganhar”;

(vii) algumas histórias podem ser pícaras,  mas sempre muito humanas e surpreendentes: por exemplo, “Madrinha de guerra” (pp.79/85), “As aventuras do Marcelino” (pp. 87/92) ou “Morreu, morreu o cobrador!” (pp.221/226);

(viii) o autor pertence a uma geração de portugueses, que apesar de tudo foi “win-win”, não se resignou com o destino que lhe coube, foi à luta, resistiu, sobreviveu, conseguiu apanhar o "elevador social", valorizar-se intelectual, social e profissionalmente… Ou em suma: sair do círculo da pobreza e da iniquidade em que nasceu, quando 120 em cada 1000 crianças morriam antes de chegar ao 1º ano de vida; a tuberculose era uma das principais causas de morte; a escola primária (e muito menos o liceu e a universidade) não era para todos; andava-se descalço ou de chancas; e uma criança com 6 anos guardava as ovelhas do “regedor”, em troca, à noite, de um caldo quente, um pedaço de broa e, em dias de festa, uma cabeça de sardinha frita…

Há histórias e personagens tocantes, neste livro, desde a Áurea, sem-abrigo, ao Senhor Augusto; ou o Salvador que transporta em si os fantasmas e os pesadelos de toda uma geração que fez a guerra colonial…

Como eu já disse, não há muito tempo, e a propósito da história do Senhor Augusto, que já tinha lido no blogue: sabemos que nos podem roubar ou tirar-nos tudo, a casa, a terra, o país… Não se escolhe onde se nasce, muito menos pai e mãe... Ninguém pode, todavia, roubar-nos a memória, incluindo as memórias da infância e as nossas geografias emocionais (Buba, Mampatá, Chamarra, Aldeia Formosa, etc.). E a infância tanto pode ser uma rua, como um bairro, ou uma quinta, um lugarejo, um lugar, uma aldeia, uma vila como um rosto ou um estória...

Em “O universo que nos habita”, estão lá muitas das memórias impressivas e das vivências mais fortes do autor, a começar pelas paisagens da infância, sofrida mas também maravilhada, que, mesmo que tenham desaparecido fisicamente, continuam a ter cores, sabores, cheiros, rostos, personagens, homens e bichos, dos casebres dos pobres, os "cabaneiros", às casas dos “fidalgos”; o duro, trágico, mas também às vezes pícaro, lado da guerra colonial na Guiné; e, por fim, um terceiro “filão”, não menos duro mas seguramente nobre, que é também uma missão, a de dar voz a quem não a tem.

Mas o Zé, além de marido, pai, avô, educador, cidadão, também, foi dirigente escuteiro, gerente bancário, andou nas lutas dos moradores das ilhas do Porto… Em suma, ele que é humilde, também pode dizer, com propriedade e sem bravata, como o grande Pablo Neruda: “Confesso que vivi”…E isso dá-lhe o direito e o dever de memória… A escrita é também uma das formas de explorar essa inesgotável matéria-prima com que (re)construímos o universo que nos habita …

Neste Natal, far-nos-á bem a todos ler e reler estas “estórias de vida”, por que são também “estórias com vida”, o mesmo é dizer de esperança.

Parabéns, Zé. E obrigado pelo teu talento, empatia e amizade.

Luís Graça, editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

(Nota de LG: Um especial agradecimento ao camarada Eduardo Moutinho Santos por, na sessão do dia 18, me ter "emprestado a voz", o mesmo é dizer, ter tido a gentileza e a nobreza de ler o meu texto...)

  

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Simpósio Internacional de Guiledje > 1 de Março de 2008 > O Zé Teixeira com a Cadidjatu Candé (infelizmente já falecida), filha do valente alferes de 2ª linha e comandante de milícias no Quebo, Aliu Sada Candé,  preso, condenado à morte e assassinado lentamente pela juventude do PAIGC depois do fim da guerra (com "um prego espetado na cabeça, uma morte lenta, dolorosa, horrível").
 
Foto (e legenda):  © José Teixeira (2008). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Para o Zé Teixeira, um camarada e um amigo, 
 um homem bom e solidário (**)

por Luís Graça

Não, não és um amigo do tu cá tu lá,
Não somos amigos de infância, ai que pena,
Conhecidos só de um Natal da Madalena,
Passei pelo Saltinho e tu, em Mampatá.

Não foi preciso pedir a ninguém licença,
Entraste pela Tabanca Grande adentro,
Sem quereres ser do mundo o umbigo e o centro,
Para partir mantenhas e mostrar a crença,

Nessa grande camaradagem de outrora,
Temperada na Guiné da paz e da guerra,
Sempre pensando no dia de ir embora.

O nosso blogue foi traço de união,
E ponte com essa nossa segunda terra:
Mereces por isso o meu chicoração!


Lourinhã, 6 de fevereiro de 2021

Parabéns do Luís (e da Alice), em dia de anos (***)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 23 de novembro de 2023 >  Guiné 61/74 - P24874: Agenda cultural (845): a minha festa, em Leça do Balio, no passado dia 18: o lançamento do meu livro "O Universo que habita em nós" (José Teixeiira, Matosinhos)

sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24879: As nossas geografias emocionais (16): Empada: a Fonte Frondosa (1946), revisitada em 2011... e os amigos que lá deixámos, eu e o Eduardo Moutinho Santos (José Teixeira)



Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > O Eduardo Moutinho Santos e o Zé Teixeira na Fonte Frondosa, inaugurada em 1946... Sessenta e cinco anos depois ainda funcionava e a lápide em azulejo ainda lá estava.


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > A visita obrigatória do Eduardo Moustinho Santos e o Zé Teixeira à Fonte Frondosa,


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > Outra perspetiva da bela fonte de Empada.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > A janta à Fula, para alegria dos mais jovens e prazer dos mais velhos.


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > Moutinho Santos e o Braiama a saborear um bom momento de reencontro passados 41 anos.


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > O último abraço do Braiama (já faleceu).


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2011 > A alegria estampada no rosto que a câmara do meu filho colheu.


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Empada > 2005> O Kebá vestido de cor rosa, o Braima e o Xico Allen (1950-2022)

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Teixeira (ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; tem mais de 400 referências no blogue; régulo, juntamente com o Eduardo Moutinho Santos, da Tabanca de Matosinhos): 

Data - segunda, 30/10/2023, 12:07

Assunto - Fonte Frondosa

Luís e Carlos.
Bom dia.

A propósito das Fontes espalhadas pela Guiné (*), junto um artigo, para publicar se entender que vale a pena.

Fraterno abraço do Zé Teixeira



Fonte Frondosa, em Empada

por Zé Teixeira


Era o local onde se tentava “matar” todas as sedes.

Era a fonte mais linda de todas as fontes. Á água era fresca, límpida, inodora e não contava que trouxesse coliformes fecais ou outros que tais, mas se trouxesse a sede era tão grande que matava toda a bicharada.

Estava situada, num baixio, um pouco atrás da casa do Chefe de Posto, o tal que foi corrido (só não foi a tiro, porque apareceu o capitão), mas esteve quase. Ousara dar ordem de prisão a um pobre sofredor, o Kebá, que vira duas das suas mulheres e seus filhos serem apanhados pelo IN.

o Kebá  Uns tempos mais tarde, encheu-se de coragem e foi ao interior da mata tentar recuperá-los e estes negaram-se a regressar a Empada, voltando ele de mãos a abanar. Era muito estimado dentro do quartel, como auxiliar de enfermeiro e tradutor, mas recusava-se a vestir uma farda e combater, e nós compreendíamos as razões.

Pois o Kebá não tinha dinheiro para pagar o imposto de palhota, ou do pé descalço, como também se chamava, e foi detido. Como castigo tinha de ir buscar todos os dias vários barris de água à fonte Frondosa para uso na casa do Chefe de Posto e regar o seu frondoso jardim.

Quando os militares descobriram a situação em que se encontrava o Kebá, alguns, entre os quais, este que vos está a relatar a situação, pegaram na G3 e cercaram a casa do homem. Valeu-lhe o Eduardo Moutinho Santos, então a comandar a cmpanhia,  que, alertado, apareceu e acalmou as hostes, mas o Chefe de Posto seguiu no dia seguinte sob prisão para Bissau, por ordem do Governador Spínola, e Empada só ganhou, pois, o capitão foi nomeado Chefe de Posto e as mudanças para melhor bem-estar da população, começaram a notar-se.

Mas voltemos à Fonte Frondosa. Manhã cedo, as bajudas, recolhiam as roupas dos militares e dirigiam-se para a fonte, o tal lugar sagrado para “matar” todas as sedes. Os nossos rapazes, sentavam-se no alto da pequena colina com todos os sentidos em alerta máximo. As bajudas desvencilhavam-se das roupas que as impediam de se meterem na água, deixando o “deusificado” corpo à vista, para mergulharem as camisas, as cuecas, as calças, etc. e as baterem bem batidas nas rochas circundantes e assim tentarem lavar as nossas roupas tão carregadas de suor e outros detritos acumulados pelo uso. Apenas uma pequena tarja lhe cobria as partes púdicas. 

Entretinham-se numa “algarviada” que os mirones não entendiam, mas sentiam ser de gozo, pela aproximação e desejos libidinosos bem expressos nos olhares, posicionamento do corpo, e expressões verbais. Os olhos eram o espelho do estado de espírito e brilhavam ao apreciar o fruto proibido imanado daqueles jovens corpos de tez escura, bem torneados e de beleza infinita, e sonhavam… se sonhavam! Alguns ousavam aproximar-se para tentar um toque de magia, um apalpão, mas recebiam um sonoro “nega”, “nega memo” e eram afastados ao empurrão, para gáudio dos camaradas.

A água para o quartel era retirada da Fonte Frondosa e, eu mesmo, e tantos outros, antes de sairmos para o mato, sempre que havia tempo, íamos lá encher o cantil de água bem fresquinha. Para matar a sede, quantas vezes, me debrucei sobre a bica para aparar a água na concha da mão e a saborear com deleite!

Passados quarenta e um anos (2011), eu, os meus dois filhos e o Capitão voltamos à procura da água da Fonte Frondosa para matar a sede, reviver e recontar aos vindouros as nossas histórias, e que belas histórias!

Os tempo de guerra também tem bons momentos de bem-estar e alegria que são (ou devem ser) recordados com saudade e alegria.

Já não encontramos o Kebá, tinha falecido em 2007, mas ainda conseguimos dar um abraço ao Braima, com cerca de 90 anos. Era o último dos combatentes locais, e enfermeiro, do tempo da CCaç 2381 (1968/70).

José Teixeira (**)

____________

quinta-feira, 23 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24874: Agenda cultural (845): A minha festa, em Leça do Balio, no passado dia 18: o lançamento do meu livro "O Universo que habita em nós" (José Teixeira, Matosinhos)


Foto nº 1 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > "Na Mesa da Presidência, além do autor e do meu filho Tiago estavam o Eduardo Moutinho Santos, camarada e amigo dos tempos da Guiné, e sua esposa, a Maria José"... A sessão foi iniciada com um momento musical.


Foto nº 2 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > O Eduardo Moutinho, além de ter feito a sua intervenção própria, falando sobre o autor, seu velho amigo e camarada dos tempos da Guiné, também aceitou de bom grado e com grande nobreza ler o texto da apresentação do livro à comunidade, da autoria do nosso editor Luís Graça, que por razões pessoais, não pôde estar presente no evento.


Foto nº 3 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Aspeto da assistência: perto de oitenta participantes


Foto nº 4 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Outro aspeto da assistência, onde se encontravam muitos amigos e alguns camaradas da Guiné


Foto nº 5 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Sessão de autógrafos. Um combatente, vendo-se à sua esquerda o Capitão Leite Rodrigues, da Tabanca de Matosinhos.


Foto nº 6 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Sessão de autógrafos. Um jovem amigo que veio de Mira para dar um abraço.


Foto nº 7 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Sessão de autógrafos. Familiares. O Prof. Marques dos Santos e esposa.


Foto nº 8 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > Encontro de amigos. O Dr. Carlos Gonçalves, meu médico assistente e a esposa.


Foto nº 9 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > O Prof. Nuno Carvalho que colaborou nas campanhas de angariação de fundos poços de água, na Guiné.


Foto nº 9 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > A Armanda em amena cavaqueira com o Eduardo e a esposa, Maria José


Foto nº 10 > Matosinhos > Leça do Balio > Centro Cultural > 18 de novembro de 2023 > Apresentação do livro "O universo que habita em nós" > O escritor e combatente José Ferreira, à esquerda, e um amigo de infância.

Fotos (e legendas): © José Teixeira (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Capa do livro
José Teixeira


1. Mensagem do nosso amigo, camarada e escritor José Teixeira (Matosinhos):

Data - segunda, 20/11/2023, 21:34
Assunto - Apresentação do livro

Passou o dia, passou a romaria,

...mas ficou um coração deslumbrado pela amizade que me rodeou, e carregado de belas e esfuziantes emoções.

Assim foi a linda tarde de sábado passado no Centro Cultural de Leça do Balio, no lançamento do meu livro – !O Universo que habita em nós".

O Salão Nobre de Leça do Balio estava praticamente cheio. Cerca de oitenta pessoas, amigas e amantes da leitura de bons livros, quiseram honrar-me com a sua presença.

Na Mesa da Presidência, além do autor e do meu filho Tiago, estavam o Eduardo Moutinho Santos, camarada e amigo dos tempos da Guiné e sua esposa, a Maria José, que eu tive o gosto de conhecer e admirar pela coragem de ir passar o Natal de 1969 com o marido e com a comunidade militar estacionada no Sul da Guiné. Uma presença feminina, apenas com 19 anos que deu uma vida nova ao último Natal que passei na Guiné.

Ausente da mesa, mas com lugar reservado no meu coração e de alguns dos convidados, estava o Luís Graça, que por razões pessoais, não pode estar presente para fazer a apresentação do livro à comunidade, tendo delegado no Eduardo Moutinho essa tarefa.

Com a sala cheia e o meu coração a transbordar de emoções, iniciou-se a Sessão de apresentação do livro, com dois trechos de música clássica, que os jovens alunos da Escola de Música, Teatro e Artes da Paróquia de Custóias nos presentearam.

De seguida, o Eduardo Moutinho, falando em seu nome, contou um pouca das suas vivências com o autor desde os tempos em que foi seu comandante em Empada na Guiné, já lá vão cinquenta e quatro anos.

A apresentação do livro remeteu-a para o texto que iria ler a seguir, por mandato, do amigo comum, Luís Graça, que segundo ele, diz tudo sobre as quinze histórias contidas no livro.

Obrigado, Eduardo, pelas tuas palavras e pela profunda amizade que nos une desde há longo tempo e tem vindo a ser enriquecida pelos anos fora.

Sobre o Luís Graça e antes de transcrever, com a devida vénia, as palavras que escreveu, quero afirmar e ao mesmo tempo agradecer a sua amizade, e por ter sido um dos principais responsáveis pela minha caminhada pela escrita dentro.

Mal nos conhecemos em 2005 e logo comecei a escrever por sua “pressão” para o Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Foi num pós-jantar em casa da sua cunhada, de saudosa memória na Madalena – Gaia, juntamente com um grupo de combatentes: O Marques Lopes, o saudoso Xico Allen, o Albano Costa presente na sala, e seu filho. Nunca mais me largaste Luís, e por isso, te estou mais uma vez muito grato.

Um chi-coração muito apertadinho para ti, meu “ermon”, e para a Alice, tua querida companheira das longas aventuras da vida.

Para entender a sua mensagem, nada melhor que transcrever o texto que o Luís teve a amabilidade de escrever. 
[Será apresentado aqui em próximo poste, como nota de leitura (LG).]

A Maria José, esposa do Eduardo, dissertou sobre o papel da mulher na sociedade, e a forma como eu enquadro as mulheres, pela positiva, no livro que escrevi.

Seguiu-se um momento musical.

De seguida o autor encerrou a Sessão, agradecendo aos intervenientes, aos presentes e ausentes, alguns por doença, outros por afazeres ou compromissos assumidos.

Seguiu-um Porto de honra e convívio entre os presentes.

A todas as pessoas que me honraram com a sua presença, e sobretudo os camaradas da Guiné, a minha profunda gratidão

José Teixeira
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Nota do editor: 

segunda-feira, 17 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24483: In Memoriam (482): Notícia do falecimento de um dos filhos do nosso camarada Eduardo Moutinho Santos, o Jaime, com 56 anos de idade. Cerimónias fúnebres, amanhã, dia 18 de Julho, pelas 15 horas, no Centro Funerário-Crematório da Lapa (Igreja), Rua de São Brás - Porto


1. SMS do nosso camarada Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366, Jolmete e Quinhámel, e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada, chegada há poucos minutos ao telemóvel do coeditor CV:

Amigo(a).
A cerimónia do funeral do meu filho Jaime é às 15,00 horas de amanhã - 18/07/2023 no Centro Funerário - Crematório da Lapa (Igreja), na Rua de São Brás, 1, no Porto.
Velório entre as 10,30 e as 15,00 horas.

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Notas de CV

1 - Já ontem, domingo, o nosso camarada José Teixeira nos havia mandado a seguinte SMS:

Bom dia amigos.
Lamento informar que faleceu um filho do Capitão Moutinho Santos. Tinha 52 anos. Teve uma paragem cardíaca.
Quando tiver mais notícias, informo.

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2 - Perante tão grande dor, como esta, a da perda de um filho, não temos palavras para confortar o nosso amigo Eduardo Moutinho Santos, a sua esposa e o outro filho do casal, apenas podemos deixar o nosso abraço solidário e a certeza de que estamos com eles nesta hora dramática.
Para os demais familiares, as nossas sentidas condolências.

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24456: In Memoriam (481): Licínio Monteiro Cabral (Lamego, 1948 - Porto, 2022), ex-fur mil op esp, MA, CCAÇ 2792 (Catió e Cabedu, 1970/72)

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Guiné 61/74 - P22609: "Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar" (texto cedido pelo escritor ao José Martins para publicação no blogue) - Parte I: Mafra, janeiro de 1964


Mafra > EPI > Março de 1967 > "Fotografia do meu pelotão (1.º Pelotão da 1.ª Companhia de Instrução) do COM de janeiro de 1967, desfilando de regresso à parada da EPI, depois do juramento de bandeira. Nesta foto, do meu álbum de guerra, estou em 3.º lugar na 1.ª fila. O sargento, que empunha uma FBP, não conta.

"A foto foi tirada por um familiar de um camarada soldado-cadete. A foto é de março de 1967. Ainda fiquei mais cerca de 3 meses em Mafra para a especialidade de atirador de infantaria." 
 

Foto (e legenda): © Eduardo Moutinho Santos (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Publicámos, no devido tempo, em 2009, há cerca de 12 anos, o "Diário de Guerra", do nosso camarada e escritor Cristóvão de Aguiar (1940-2021) (*)
, que nos chegou às mãos,  por intermédio do José Martins (ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70). 

A grande maioria dos nossos leitores não teve oportunidade de conhecer este notável texto, de que se publicaram 11 postes (, muito espaçados, entre janeiro e setembro de 2009).

O "Diário de Guerra" abarca um período de tempo de seis anos, desde a entrada do autor em Mafra, em 26 de janeiro de 1964, para fazer a recruta e dar início ao Curso de Oficiais Milicianos (**) até ao fim da comisão na Guiné (onde foi alf mil, CCAÇ 800, Contuboel e Dunane, 1965/67) e o "difícil regresso à vida civil", entre 1967 e 1970. (***)

Estes textos fazem parte do seu livro "Relação de Bordo (1964-1988)" (Porto, Campo das Letras, 1999, 425 pp).

Na altura a revisão e fixação do texto, para efeitos de publicação neste blogue,  foi da responsabilidade do nosso coeditor (hoje, jubilado( Virgínio Briote. Agradecemos ao José Martins a sua sensibilidade e a sua generosidade ao servir de intermediário entre o nosso blogue e o escritor, e ao aceitar organizar o texto para publicação no blogue, com a devida autorização do autor. 

Está é também uma forma de homenagearmos a memória do nosso camarada açoriano Cristóvão de Aguiar que,como escritor,é dono de uma vasta obra (publicada na totalidade pelas Edições Afrontamento).



Cristóvão de Aguiar. 
Foto: Wook (com a devida vénia...)


Diário de Guerra

por Cristóvão de Aguiar

1964

Janeiro, 26 – Acabei de chegar.


O casarão do convento é tão frio e tão feio, que tenho o coração a doer e vontade de chorar. Quem me dera agora na Ilha, o ventre materno para onde volto sempre que me sinto aban­donado.

Durante a viagem de boleia de Coimbra para Lisboa, bem se esforçou o Carlos Can­dal, meu amigo e companheiro de República, por me animar. Está na tropa, na capital, e só amanhã vou principiar o Curso de Oficiais Milicianos. Fi­quei na ca­serna número quinze, no ter­ceiro piso, a maior de todas, de tecto abaulado e baixo.

Acabei de fazer a cama, como soube e pude. Segui atentamen­te a demons­tração de um habilidoso fur­riel que exibiu as suas capacidades domésticas com mãos rápidas e tarimbeiras para um grupo de novos cadetes que entraram na caserna, de­bai­xo de forma, para tomar posse do cacifo e do beliche. Também nos deu sá­bias instruções sobre disci­plina, la­trocínio de quartel e obediência.

Fiquei soldado-cadete número mil cento e catorze, barra ses­senta e quatro. De­pois de ar­ru­mar as minhas coisas e de mu­dar de roupa, fui até o Bar do Cadete, no piso do rés-do-chão, e lá encontrei o Ca­margo, que chegara na véspera. Já envergava o seu fato-macaco militar cor de azei­tona.

Os meus passos naqueles tú­neis perdiam-se de perdidos que estavam. E logo amaldiçoei o empreiteiro de tal enormidade arquitectónica e as ordens religiosas que ali se encafuavam praticando as piores patifarias em nome de uma fé codificada. Tanto eu como o Camargo parecía­mos dois fan­tasmas navegando por den­tro das bo­tas e do fato zuarte. Não ficámos na mesma ca­serna. Ele ficou na um, a an­tiga capela, junta­mente com o Nogueira e Silva. Ao Vítor Branco, ilhéu da Madeira, coube a dois, a mais pequena e a mais acon­che­gada das três. Foi-me apre­sentado pelo Ca­margo. Fazemos um molhi­nho de soli­darie­dade.


Janeiro, 27 – Esta noite não preguei olho.

Acolhido na caserna com uma caterva de jovens como eu, senti, ao deitar-me, uma tristeza encharcando-me os ossos e um desânimo só semelhante ao da criança perdida dos pais por entre uma multidão de desconhecidos, numa feira ou num arraial de festa de padroeira. Mas, ali, na caserna, não havia altifalantes como nos re­cintos das festas para anunciar a criança perdida.

Ali, naquele enorme dormitório, com um nauseabundo odor a pés, a ventosidades sonoras e a outras sorrateiras mas enjoosas, estava mesmo perdido para sempre. Mesmo que de mim próprio fizesse um grito de terror. Um toque, ainda madrugada escura, estranho, fez-me levantar do leito da insónia. Era o toque da alvorada. Depois de far­dado, olhei-me de alto a baixo, e achei-me ridículo. Só não chorei por vergonha. Fiz a cama como quem escreve o a, e, i, o, u pela pri­meira vez. Estava ainda na pri­meira classe atrasada...


Mafra, Janeiro, 28 – Fiquei a pertencer ao quarto pelotão da terceira com­panhia de in­s­tru­ção.

O comandante da companhia, um tenente goês, é muito apa­ratoso nas con­ti­nên­cias. Parece um sinaleiro a apascentar o trânsito. Que mundo este!

O coman­dante do meu pelotão, o quarto da companhia, é um açoriano da Ilha Ter­ceira. Mas ainda não me dei a conhecer, nem deve ser preciso, que ele deve-me topar pela pro­núncia. Pelo que lhe já ouvi, deve ser um grande maluco e vai-nos decerto pôr a to­dos no mesmo estado. Já esteve em An­gola cum­prindo uma comissão e segundo consta fez lá das suas.

Hoje passámos o dia a aprender a fazer continência e a dis­tin­guir os postos. As aulas são na parada, com o pelotão formado em U. Aos supe­ri­o­res trata-se por meu. Meu isto, meu aquilo. Aos infe­riores, por nosso. O cade­te Carva­lhosa, que tira aponta­mentos do que ouve ao al­feres e está sempre muito atento à li­ção, como se estivesse nos bancos da Uni­versidade, passou a tratar o cabo lateiro da arre­cadação do material por meu cabo. O alferes foi aos arames com a atoarda. Nin­guém pode sair do quartel para a Vila, após a instrução - ainda não sabemos com­por­tar-nos militarmente. E não se sabe se vamos a fim-de-semana.

Janeiro, 29 – O comandante de pelotão mandou-nos formar.

E explicou-nos que a formatura era sagrada. Não se podia falar, mexer, rir ou sequer pensar. Creio, no entanto, que alguns pensaram. Depois afivelou uma cara de mau e afirmou que era proibido haver doentes. Só o médico poderia comprovar, porque as­sim determinava o Regulamento... Não está no Regulamento - era quanto bastava para se dar uma resposta menos regulamentar.

Janeiro, 30 – Escrevi-lhe para Coimbra uma longa carta.

An­tes de para aqui vir, estive com ela e outras colegas no bar da Faculdade de Medi­cina, mas não tive coragem de me declarar. Fi-lo há pouco numa longa carta que por acaso prin­cipiei a escrever ainda na República, a semana passada.

Se for a fim-de-semana, vou tentar encontrar-me com ela e hei-de obter uma res­posta. Mora num lar de freiras, ao lado da República. Não há-de ser difícil che­gar-lhe à fala. Ainda não cicatrizei a ferida da outra, a da Ilha, e já estou a meter-me noutra...

Hoje, na segunda hora de instrução, com o pelotão formado em U, a aula versou sobre o conceito de pátria, como vem nas fichas da instrução, que esclarecem que se deve apresentar aos instruendos significati­vos exemplos da nossa História para lhes incutir os verdadeiros valores.

O nosso alfe­res pegou no manual e principiou a ler: 

"Temos, por exemplo, D. Duarte de Almeida, o decepado, o porta-bandeira ou alferes, que ofereceu com o seu gesto heróico um verdadeira lição de patriótico amor, abnegação e audácia.

"Outro feito que dignifica as páginas doiradas da nossa História é o praticado por D. João de Castro, Vice-Rei da Índia, que num acto valoroso, cortou, como penhor, as venerandas barbas... E a pro­pósito, nossos cadetes, quero lembrar-vos que na formatura para terceira refeição vou passar revistas às barbas e cabelos"..

Janeiro, 31 – Iniciámos de manhã o estudo da espingarda Mauser, que se di­vide em dez partes, a saber...

O alferes ia chamando os cadetes por or­dem numérica. Todos receberam a velha Mauser – "A vossa noiva, estimai-a como à vossa noiva..."

Saímos hoje para a Vila, depois da instrução da tarde na tapada. Mas não tivemos dis­pensa do recolher, nem da ter­ceira re­fei­ção. Foi pre­ciso fazer uma for­matura de saída. O oficial de dia veio-nos pas­sar mi­nu­ciosa re­vista. À barba, ao ca­belo, à graxa das botas ou dos sapa­tos da ordem, ao vinco das calças da farda número um, aos botões da camisa e da farda! Dois camaradas não fo­ram autorizados a sair. Tinham os pêlos da barba a arra­nhar.

Voltámos ao quartel an­tes da terceira refeição. Como estava a chuvis­car, fez-se a forma­tura para o jantar no corredor em frente do refeitório. Chama-se o corredor La Couture e nele andam jipes e outras viaturas mili­tares. Na forma­tura do recolher tinha tanto sono que cabeceava em pé, enquanto o sargen­to de dia lia a ordem, fazia a cha­mada e distribuía o correio.

O Magalhães rece­beu um telegrama da namorada, já aberto. O instruendo fazia anos. E o sar­gento, com ar de gozo, leu alto: Amo-te, stop, Mada­lena... Quando chegou ao meu número, pus-me em sentido e bati com os tacões das botas. Depois de ter man­dado destroçar, fui para a cama. Eram nove e pouco da noite. Nunca dormi tão bem em toda a minha vida.

(Continua)
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Notas dos editores VB / LG:

(*)  Vd. poste de 6 de outubro de 2021 > Guiné 61/74 - P22606: In Memoriam (410): Luís Cristóvão Dias de Aguiar (1940-2021), ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 800 (Contuboel e Dunane, 1965/67), falecido no dia 5 de Outubro de 2021


(**) Vd. postes de:


10 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4932: Diário de Guerra, de Cristóvão de Aguiar (org. José Martins) (XI): Final (Mai68-Jan70)

quarta-feira, 1 de setembro de 2021

Guiné 61/74 - P22502: Memória dos lugares (425): Mafra, EPI, março de 1967: desfilando com o meu pelotão, o 1.º, da 1.ª Companhia de Instrução do COM, após o juramento de bandeira (Eduardo Moutinho Santos, advogado, Porto)

 

Mafra > EPI > Março de 1967 > Fotografia do meu pelotão (1.º Pelotão da 1.ª Companhia de Instrução) do COM de janeiro de 1967, desfilando de regresso à parada da EPI, depois do juramento de bandeira.   Nesta foto,  do meu  "álbum de guerra", estou em 3.º lugar na 1.ª fila. O sargento, que empunha uma FBP,  não conta.

A foto foi tirada por um familiar de um camarada soldado-cadete. A foto é de março de 1967. Ainda fiquei mais cerca de 3 meses em Mafra para a especialidade de atirador de infantaria... A foto não pode, pois,  ser do pelotão do Paulo Raposo, ele foi incorporado na 2.ª leva (Abril) de 1967 de futuros alferes...

Foto (e legenda): © Eduardo Moutinho Santos (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. M
ensagem de Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada), advogado com escritório no Porto, e régulo da Tabanca de Matosinhos; tem mais de 2 dezenas de referências no nosso, entrou formalmente para a Tabanca Grande em 22/10/2012 (*):


Data - terça, 31/08/2021, 12:53

Assunto - A galeria dos meus heróis (42): De companheiros de infortúnio a amigos para a vida

Olá, Luís Graça. Bom dia.

Esperando que estejas a gozar merecidas férias, e que a tua recuperação esteja a correr bem à sombra do Poilão de Candoz, queria, antes de mais, deixar-te um abraço de parabéns pelo enternecedor conto "A galeria dos meus heróis". De companheiros de infortúnio a amigos para a vida"  (**) que, após uma leitura atenta, quase me pareceu autobiográfico (de mim) em parte!!!

Fiz um comentário à fotografia de um pelotão de soldados-cadetes desfilando em Mafra, após o juramento de bandeira, de regresso à parada da EPI, foto que apareceu num dos "artigos " que o Paulo Raposo, nos longínquos anos de 2008, inseriu no Blogue de que eu, então, ainda desconhecia a existência. Não pode ser o pelotão do Paulo Raposo, ele foi incorporado na 2.ª leva (Abril) de 1967 de futuros alferes...

Aproveito para te enviar a mesma foto que tenho no meu "álbum de guerra", onde estou em 3.º lugar na 1.ª fila. O sargento não conta.

Abraço
Eduardo Moutinho
Advogado, Porto



Guiné > Região de Cacheu > Jolmete > CCAÇ 2366 / BCAÇ 2845 (1968/70) > No "baú dos despejos" encontrei esta declaração que terei assinado para vir de férias, e que me terá sido devolvida porque não fui "d'assalto" até Paris... Fazia parte das regras militares assinar este tipo de declaração.

Foto (e legenda): © Eduardo Moutinho Santos (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Comentário de L.G.

Eduardo, fico sensibilizado pelo teu comentário. E lisonjeado, também. Tiveste a coragem de ler o conto (**), que é demasiado extenso para o blogue. A ideia era retratar uma época e uma terra de província. Este Portugal dos anos 40/50/60/70 já não existe, para os nossos filhos e netos, felizmente, é passado, ou melhor nunca existiu. Mas nós atravessámos essas décadas... E não foram pera doce. (***)

Obrigado por me teres autorizado a publicar a tua mensagem como poste, com o teu nome, incluindo a foto do teu pelotão, no COM, Mafra, jan-março de 1967. Já agora, vê se lembras de alguma vez, no teu tempo (1.º semestre de 1967) teres ouvido o termo "Máfrica" para designar, pejorativamente, a EPI.

Entretanto, e como já to disse, por email, ainda não estou em Candoz. Até sexta feira tenho fisioterapia, aqui na Lourinhã. Vou lá estar uma semana, e dia 11 de setembro, sábado, comprometi-me com o António Carvalho a ir, com todo o gosto (, e apesar das minhas limitações de mobilidade) à Tabanca dos Melros, fazer a apresentação do seu livro. Se lá puderes ir, teremos a oportundiade de falarmos um pouco mais e darmo-nos aquele abraço.
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Notas do editor:


(*) Vd. poste de 22 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10556: Tabanca Grande (366): Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366 e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381 - "Os Maiorais" (Guiné, 1968/70)

(**) Vd. postes de:

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21669: Boas Festas 2020/21: Em rede, ligados e solidários, uns com os outros, lutando contra a pandemia de Covid-19 (17): Natal, tempo de nos reencontrarmos connosco próprios e com todos os que nos falam à alma (José Teixeira, régulo da Tabanca de Matosinhos, ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70)


Guiné > Empada (Região de Quínara) > CCAÇ 2381, Os Maiorais (1968/70) > Natal de 1969: um jantar como devia ser, a que não faltou o bacalhau com batatas, o vinho, a cerveja e a música. 

O José Teixeira, à direita, de óculos esfumados: recordando esse Natal de 69,  escreveu (*):


(...) Contrariamente ao Natal vivido em 1968 em Mampatá Forrea, o Natal do Silêncio (...), o Natal de 1969 foi uma festa, em que o perigo foi desafiado mas valeu a pena: (i) já cheirava à peluda, éramos velhinhos com 18 meses de guerra, estavamos totalmente apanhados pelo clima; (ii) Empada estava mais ou menos calma, apesar de no último ataque uns dias antes termos sofrido um morto de forma algo bizarra (...);  (iii) foram criadas algumas condições anímicas para que fosse realmente uma festa; (iv) o capitão [Eduardo] Moutinho Santos [, membro da nossa Tabanca Grande], desafiou a esposa a vir passar o Natal connosco e esta aceitou: uma mulher branca no nosso meio, mesmo sendo a do esposa do capitão, foi manga de ronco.

A festa da recepção foi de arromba (...), Depois veio o jantar a rigor, com bacalhau com batatas, vinho e cerveja q.b. e muita música. Foi até cair. Uma bela noite para recordar em que faltou a animação do costume, felizmente. (...)



Foto (e legenda): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Teixeira, ex-1.º cabo aux enf, CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70; régulo da Tabanca de Matosinhos; membro sénior da Tabanca Grande, das bias e más horas: tem mais de 350 referências no nosso blogue:

Data: sábado, 19/12/2020 à(s) 23:22

Assunto: Natal, tempo de nos reencontrarmos connosco próprios e com todos os que nos falam à alma. (**=
 

NATAL. 

Tempo de sorrisos e abraços, 
Onde a paz e a concórdia criam laços, 
Ténues laços de bem-estar 
Que o tempo se encarrega de apagar. 

Tempo que traz à memória tempos novos 
Por mais antigos que sejam, 
No regressar a um passado 
Que todos ambicionam projetar 
Num futuro promissor. 

Tempo de olhar os mais frágeis com outro olhar 
E até permite que se abuse do verdadeiro amor, 
Distribuindo sorrisos e umas migalhas 
Porque é Natal,
Como se o tempo não devesse ser todo ele, sempre igual.

Zé Teixeira 

A todos os camaradas combatentes 

Um Natal bem passado 
com todo o cuidado 
para que o malvado 
não se faça convidado 
e deixei cada um de nós 
continuar a vida 
descansado 
e bem abonado
com bacalhau bem demolhado 
e perú ou capão assado 
...e uma pinga de estalo 


Para cairmos no regalo 
de estar em família 
num doce e carinhoso embalo 
sem o perigo de embarcar para o outro lado. 


José Teixeira 
_________

Notas do editor:


terça-feira, 1 de setembro de 2020

Guiné 61/74 - P21312: Documentos (31): Envio de Declaração de comprometimento de voltar a Jolmete em alternativa a uma ida "d'assalto" para Paris (Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2366)



1. Mensagem do nosso camarada Eduardo Moutinho Santos, ex-Alf Mil da CCAÇ 2366 (Jolmete e Quinhámel) e ex-Cap Mil Grad, CMDT da CCAÇ 2381 (Buba, Quebo, Mampatá e Empada), com data de 31 de Agosto de 2020:

Carlos Vinhal
Um abraço.

No "baú dos despejos" encontrei esta declaração que terei assinado para vir de férias, e que me terá sido devolvida porque não fui "d'assalto" até Paris...

Fazia parte das regras militares assinar este tipo de declaração.

Partilha o documento com a Tabanca.

Novo abraço
Porto, 30/8/2020
Eduardo Moutinho Santos
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terça-feira, 12 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20337: Convívios (910): "Memórias boas da minha guerra", uma breve apresentação do III volume na Tabanca de Matosinhos (José Ferreira da Silva)

1. Mensagem do nosso camarada José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), datada de 11 de Novembro de 2019 dando notícia da breve apresentação do III volume das "Memórias Boas da Minha Guerra" na Tabanca de Matosinhos, no passado dia 30 de Outubro:

Caros amigos
Junto mais uma pequena reportagem de um óptimo convívio vivido na Tabanca Pequena, que muito me sensibilizou.

Abraço com a gratidão e amizade do
JFSilva
Cart 1689


Memórias boas da minha guerra



Uma breve apresentação do III volume

Este não foi somente mais um convívio semanal dos Combatentes, na Tabanca de Matosinhos. Não! Desta vez, um grupo de resistentes à chuva, ao vento, ao frio e às maleitas que sobrecarregam a “peste grisalha”, esta “peste” apareceu cheia de vitalidade, disposta a proporcionar um convívio (ainda) mais espectacular.
O livro, este livro, foi o mote e o pretexto. Como habitual motivo de “críticas” e elogios, desta vez, deu aso a várias intervenções brilhantes, todas elas merecedoras do aplauso e da simpatia da tertúlia.

O “Restaurante Milho Rei” foi forçado a mudar de nome. Agora é o “Restaurante Espigueiro”. De resto, tudo continua na mesma. A boa comida, o bom serviço e a “nossa” sala privada, continuam lá ao nosso dispor. E que bem, se está ali!


Logo que o Manel começou a recolher os pratos, terminando, assim, a sua função de portadores de belas sardinhas, lulas grelhadas ou bacalhau à Narcisa, o Régulo da Tabanca Pequena, Eduardo Moutinho Santos, sacrificou algum do seu hipotecado tempo para mais uma intervenção causídica. Manifestou a sua satisfação pela continuidade da Tabanca Pequena e por mais este evento, de cariz cultural. Lembrou que o autor é da casa e que, além disso, a sua obra é merecedora do apreço de todos os camaradas ex-combatentes.


Para não sacrificar mais as figuras habituais neste tipo de evento, foi o próprio autor a explanar um pouco do conteúdo e a razão de ser de mais este III volume. E foi assim que destacou, de forma cronológica, algumas das suas histórias:

- Pág 33 – “A santidade do Santos”: um noivo que, em situações de grande perigo em Angola, prometeu casar com uma prostituta e que, afinal, veio a ser muito feliz;
- Pág 49 – “O rapaz do sorriso parvo”: que, tendo saído dos agrestes arrabaldes de Vieira do Minho, confessava estar a viver, na Guiné, os melhores tempos da sua vida;
- Pág 117 a 145 – “Os 4 Mohamed”: Quatro retratos vividos entre os gilas da Guiné, os comerciantes da Mauritânia, os migrantes de Marrocos e os corticeiros de Stª Maria da Feira;
- Pág 155 – “Zé Manel dos Cabritos”, que além das referências “invejosas” e pouco abonatórias dos seus “amigos”, retrata também a simpatia do saudoso amigo Sô’p’ssor Peixoto, culminada com a oferta do melhor cabrito pelo pai do seu pior aluno, na festa do Cordeirinho;
- Pág 171 – “O Arturinho do Bonjardim”, que passou a vida ligado, desde criança, ao ambiente do “negócio das carnes” e aos seus amigos de cariz genuinamente tripeiro;
- Pág 191 – O “Poeta da Régua”, um grande camarada que nos enche de orgulho e que aproveitamos para homenagear.
- Pág 207 – O “Clube Cabuca”, que também é uma homenagem a um grupo de militares que, apesar das agruras da guerra, desenvolveu louváveis acções de cariz social;
- Pág 221 – “O Herói do Maiombe”, que satiriza a evolução do “Herói” Joãozinho, um dos primeiros a zarpar para Angola e que culmina na festa da sua chegada, com a incompetente matança de um porco;
- Pág 229 – “Madrinha de guerra e amor”, que é uma lindíssima história de amor, onde a Cinderela faz sapatos;
- Pág 243 – “Religiosos de primeira e crentes de 2ª” - são testemunhos autobiográficos de uma infância carente;
- Pág 301 a 321 – São reflexos actuais do nosso passado de ex-combatentes
- “Gostaria de lhe chamar pai”, a história de Maria do Carmo Ferreira, filha de um camarada marinheiro que ela nunca descobriu;
- “Nosso fim está próximo”, alerta para a inevitável e acelerada “involução” da nossa existência;
- “Amor à Pátria”, a situação real dos ex-combatentes, que vivem esquecidos e abandonados pelos poderes instalados após o 25/A.

O Arménio Dias aproveitou para realçar a homenagem ao Poeta da Régua, ali presente a seu lado, e apelou para mais convívios deste género.



O conhecidíssimo tabanqueiro José Teixeira, Homem Grande nesta ONG, muito dedicado à solidariedade, em especial aos irmãos Guineenses, sentiu a oportunidade de dizer um dos seus bons poemas dedicados à Guerra do Ultramar.

Promessas de paz

Prometem-me a paz das armas
Que calam armas, matando pessoas,
E eu quero encontrar apenas a paz do pão,
Para matar a fome a quem estende a mão.
E construir em cada momento
A paz da solidariedade - Da fraternidade
E do perdão
Prometem-me a paz das armas
Que calam armas, espalhando a dor,
E eu quero encontrar apenas a paz do amor.
Para espalhar no mundo a esperança
Que o enche de afectos - De abraços,
E de bonança.
Prometem-me a paz das armas
E as armas trazem mais armas
Enchendo o mundo de sofrimento.
E eu quero encontrar apenas a paz do entendimento,
Construída no diálogo e compreensão - Estas são as armas
Que transformam as balas em pão

O Francisco Baptista, de quem se espera sempre excelentes textos, confessou que se sentiu na obrigação de colaborar neste evento, muito pela amizade que o liga ao autor. Sacou de uma folha A4 e pediu que a lessem por estar a sentir algumas dificuldades visuais. E foi com grande eloquência e excelente dicção que vimos, ouvimos e sentimos mais uma bela peça literária do Francisco Baptista.


Amigos e Camaradas

As nossas vidas são tempos de paz e de guerra. Tolstoi, o grande escritor russo escreveu “Guerra e Paz”, um romance imortal. O José Ferreira continua a escrever e este ano editou o 3.º Volume das Memórias Boas da Minha Guerra. Na vida civil como na vida militar por cá ou na Guiné viveu tempos de paz e de guerra como todos nós e sabe narrá-los com a arte de um escritor e de um bom contador de estórias.
Analisa e descreve com pormenor as características físicas e psicológicas das suas personagens.
Os vários Mohameds e há tantos no norte de África e na Arábia, mais do que Silvas em Portugal e no Brasil, retratam bem a hospitalidade, a cortesia, o respeito pela palavra dada e pelas normas da religião islâmica. O Mohamed de Vila da Feira com menos qualidades que os demais, parece ter-se convertido ao Islão, por interesse carnal, para poder casar com várias mulheres. O herói de Maiombe, esse Morcãozinho, faz-me lembrar um camarada com quem estive em Buba, muito medroso, melhor dito, um cagão, sempre na cauda do pelotão, que hoje fala de grandes feitos guerreiros e quando se reúne a companhia, com uma voz tonitruante põe em sentido todos os velhos camaradas para recordar os nossos mortos, com um minuto de silêncio.
Sobre as estórias do Zé Manuel dos Cabritos, gerou-se uma grande controvérsia, entre os Bandalhos e outros camaradas sobre a sua veracidade. Pessoalmente nunca achei o Zé Manuel com cara de ladrão e quanto a mim a mula transexual é pura invenção do escritor, pois é de todo inverosímil que uma aldeia transmontana, erigisse uma estátua ao seu animal doméstico mais bravio e traiçoeiro, ainda por cima machorro (infértil)
Na página 22, ao falar da relação do alferes e da Jeni escreve: “é certo que ele já andava esfomeado, porém quando se apercebeu de todas as curvas firmes daquele corpo seco e fresco, quando sentiu as suas carícias, a sua pela macia ficou irremediavelmente preso à Bajuda”.
Esta descrição tem uma carga erótica delicada e agradável.
Quando fala das putas usa o calão adequado que era usado entre os seus clientes, militares ou civis.
Para ilustrar a beleza feminina, (pág. 109) a Joan Collins surge, com todo o esplendor da sua juventude, numa nudez quase total que realça as curvas suaves e salientes do seu corpo perfeito, numa pose erótica que entusiasmou milhões de homens, num ano em que foi capa da revista Playboy e visitou os soldados americanos no Vietname, para lhes levantar o moral.

Estas são algumas das estórias reais, fictícias, verosímeis, inventadas, com humor, ironia, erotismo, sentimento, humanidade, guerra e paz. As outras, que não refiro são melhores. São as Memórias Boas da Guerra do José Ferreira. 
Camarada continua a escrever, escrever é viver e ajudar a viver os outros.

Francisco Baptista

E quando tudo fazia crer que se tinha atingido um bom final das intervenções, o ilustre camarada Leite Rodrigues resolveu acrescentar algumas palavras. Para além dos elogios em apreço à obra do autor, referiu momentos de realce vividos por si, no famigerado teatro de guerra, onde foi ferido, e outros de onde destacou a perda filha de 14 anos que tanto o marcou, Foi com bastante comoção que encerrou a sua intervenção esforçando-se por dizer o poema camoniano, levado até ao fim, em coro pelos camaradas presentes


“Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente
E viva eu cá na terra sempre triste.
Se lá no assento etéreo, onde subiste,
Memória desta vida se consente,
Não te esqueças daquele amor ardente
Que já nos olhos meus tão puro viste.
E se vires que pode merecer-te
Alguma cousa a dor que me ficou
Da mágoa, sem remédio, de perder-te,
Roga a Deus, que teus anos encurtou,
Que tão cedo de cá me leve a ver-te,
Quão cedo de meus olhos te levou".


Seguidamente foi gratificante ver a actuação do conjunto musical Os Periquitos da Tabanca de Matosinhos, que nos brindou com um vasto repertório de canções do nosso tempo e de outras chamadas de intervenção.


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Nota do editor

Último poste da série de 10 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20331: Convívios (909): XXXI Encontro de Confraternização Anual da CCAÇ 557 (Cachil, Bissau e Bafatá, 1963/65), em Alenquer, no passado dia 9 de Novembro de 2019... Ou a usura do tempo... (José Colaço)