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segunda-feira, 28 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27062: Notas de leitura (1824): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Julho de 2024:

Queridos amigos,
É no seu segundo volume de memórias que Almeida Santos nos dá a sua visão de como se processou a descolonização da Guiné-Bissau: apresenta a evolução do conflito e como este, gradualmente, se nos tornou mais desfavorável; a obstinação de Marcello Caetano em travar qualquer forma de negociação para entendimentos políticos com o PAIGC; os conflitos de Spínola consigo próprio, depois do 25 de Abril, em sonhar com uma base federativa, quando tudo se alterara em profundidade na cena internacional; a sequência das rondas de negociações, a essência do protocolo do Acordo de Argel, como se processou a descolonização económica da Guiné, defendendo o autor que o Acordo de Argel foi o acordo possível nas circunstâncias que teve de ser negociado. Ambos os dois volumes, que somam mais de mil páginas são credores da nossa leitura, é do melhor que há na literatura memorial política, Almeida Santos foi um notável plumitivo.

Um abraço do
Mário



Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (2)

Mário Beja Santos

Em 2006, Casa das Letras/Editorial de Notícias e Círculo de Leitores deram à estampa as mais de mil páginas das memórias de Almeida Santos centradas na sua vida em Moçambique, o seu olhar sobre o processo colonial e as suas causas remotas, como se chegou ao 25 de Abril, a sua intervenção direta em sucessivos governos, a evolução do processo revolucionário, ponto em que se encontrava a guerra da Guiné e a leitura internacional que se fazia do conhecimento da independência da antiga colónia, isto matéria que ele versa no primeiro volume; a obra seguinte inicia-se com a descolonização da Guiné e prossegue com a narrativa de diferentes descolonizações até se chegar à frustrada descolonização de Timor e à não descolonização de Macau.

Do primeiro volume, uma preocupação de situar o oposicionista do Estado Novo em Moçambique e a leitura que ele fez de um processo colonialista que por decisão do líder do Estado Novo se foi encaminhando para um beco sem saída. O segundo volume das memórias de Almeida Santos enunciação exatamente com a descolonização da Guiné-Bissau, é em todo este enquadramento que vamos centrar o que, na nossa ótica, é merecedor da atenção do leitor.

O político reconhece que a guerra estava de antemão perdida, logo havia razões objetivas para isso, as condições difíceis do clima, favoráveis à guerrilha, os apoios dos Estados da vizinhança e o gradual fornecimento de melhor armamento que o nosso por parte dos amigos do PAIGC; a diminuta população portuguesa; a qualificada liderança cabo-verdiana e uma estratégia bem delineada que permitiu bastante sucesso logo em 1963; Spínola tenta uma inversão dos acontecimentos, tem um programa que procura preencher três fundamentais requisitos: corresponder às legítimas ambições do povo; promover a justiça social e a igualdade de todos os cidadãos e criar o mais depressa possível o progresso económico e social.

Reuniu-se com os comandantes militares e apresentou-lhes este novo conceito:
“Uma guerra subversiva nunca estã ganha, nem nunca se ganha militarmente, só é possível ganhar politicamente. Portanto, eu não vos vou pedir que ganhem a guerra, porque vocês não a têm capacidade para a ganhar. Quem tem de ganhar a guerra sou eu. A vocês só vos peço que não me percam a guerra e que me deem tempo para eu conseguir ganhá-la politicamente.”

O general procura dar um novo estímulo às operações militares, continuaram os bombardeamentos, aumentaram os efetivos, acelerou-se a africanização da guerra, mas o PAIGC passou a possuir instrumentos que alteraram a correlação de forças. E quando o Governo de Lisboa solicitou aos seus aliados antídoto que contrariasse os mísseis terra-ar, não obteve resposta, ela chegará em cima do 25 de Abril. Ainda num quadro de equilíbrio de forças, Spínola tenta negociar a mediação de Senghor, Marcello Caetano desautoriza Spínola a efetuar conversações quer com o presidente do Senegal e efetuar negociações diretas com o PAIGC. Adensava-se o fantasma da Índia, crucificar os militares pelo previsível desastre.

A partir dos inícios de 1970, a PIDE vai informando Lisboa de que há um processo evolutivo da guerra, entravam viaturas no terreno da colónia, a guerrilha tinha cada vez maior quantidade de material. Fragoso Allas escreve para a direção-geral da PIDE:
“Praticamente perdemos a vantagem da Força Aérea e não dispomos de meios aéreos que possam constituir força de dissuasão, ou que nos permitam castigar duramente as bases de apoio. Temos de encarar como possível que o PAIGC venha, em curto prazo de tempo, a estabelecer novas áreas libertadas, a dificultar ou impedir o tráfego aéreo e até mesmo a aniquilar algumas guarnições que agora passam a não poder contar com o apoio aéreo para as defender, evacuar os feridos ou reabastecer.”
E havia manifestações claras que a guerra tinha passado de subversiva a convencional. Spínola escreve assim uma cunha de que se caminhava para o colapso militar.

No passado, em novembro de 1970, ocorrera a operação Mar Verde, um falhanço que trouxe ainda um maior isolamento diplomático. Quando, em 28 de abril, Spínola mandou a Paris Carlos Fabião e Nunes Barata para se avistar com Senghor, este disse-lhes que era tarde para a retoma das anteriores tentativas de uma descolonização negociada a tempo. Spínola não aceitou essa evidência, mantinha a ilusão de uma base federativa. Em 13 de maio, o PAIGC declarava que o fim da guerra dependia do reconhecimento por Portugal da República da Guiné-Bissau, posição que não viria a ter recuo.

Almeida Santos escreve as etapas da descolonização da Guiné: o encontro em Dacar, as declarações politicas do PAIGC, o encontro de Londres, onde pairou no ar os espectro da continuação da guerra por parte do PAIGC, as tentativas de Spínola para que houvesse um congresso do povo para reconhecer a independência da Guiné-Bissau, Carlos Fabião fez-lhe ver que esse projeto passa a ser inviável; a ronda de negociações em Argel, o mais que se consegue é a aceitação formal das descolonizações da Guiné e Cabo Verde; em julho, já há conversações entre as tropas portuguesas na Guiné e o PAIGC; em 26 de agosto chega-se ao Acordo de Argel, assinado vinculativamente pelas duas delegações, ratificado pela Junta de Salvação Nacional, pelo Governo provisório e pelo Presidente da República. O autor recorda a fragilidade dos laços entre os dirigentes cabo-verdianos e guinéus, como tudo se encaminhou para o golpe de Estado de 14 de novembro de 1980.

Não deixa de fazer referência à delicada matéria dos fuzilamentos, fala sem peias de um barbarismo repugnante, os Comandos começaram por exigir dinheiro para entregar as armas, foram aliciados pelo PAIGC, Carlos Fabião insistiu em que viessem para Lisboa, mas quase ninguém quis vir na altura. Este fuzilamento sumário semeou o ódio entre guinéus, ferida que ainda não sarou.

E por fim, Almeida Santos tece considerações sobre a descolonização económica da Guiné, fala do conjunto de problemas que se impunha encarar e resolver, isto ainda numa atmosfera em Bissau onde havia relações em Bissau claramente deterioradas, greves que paralisavam o reabastecimento da Guiné; não eram poucos os problemas de intendência, caso das ligações aéreas, um subsídio para aquisição de arroz, discutir o futuro das ligações marítimas entre Portugal e Guiné, o futuro de empresas como a Sacor, o tratamento a dar à sucursal do Banco de Portugal e à delegação do Banco Nacional Ultramarino, etc., etc.

Porque não correu melhor esta descolonização? Primeiro, a obstinação do Estado Novo a recusar qualquer tipo de negociações; o domínio do PAIGC no sul do território e a sua fixação num conjunto de santuários; manifestamente depois de 1973, a guerra tinha ultrapassado o limite, já se agia como se estivesse numa guerra convencional, a situação invertera-se, agora eram os militares portugueses a criar obstáculos de toda a ordem para que os guerrilheiros não chegassem aos quartéis. E havia a questão de memória, o lastro de ressentimento histórico, os séculos de tráfico de escravos, o fardo do trabalho forçado, a gestão económica confiada à CUF e à Casa Gouveia, a autonomização da Guiné face a Cabo Verde em 1879. E Almeida Santos escreve:
“Tenho perfeita consciência que nos limitámos em fazer um número histórico consistente em confirmar o já confirmado, e em autenticar o que por outro havia já autenticado. Fomos nós os escolhidos para aceitar a derrota na frente militar da Guiné e para, sem honra, mas também se humilhação, negociarmos a paz. O Acordo de Argel foi o acordo possível nas circunstâncias que teve de ser negociado. As fórmulas usadas não foram tão vexatórias como podiam ter sido. A verdade é que não estávamos em condições de fazer exigências que os nossos interlocutores não quisessem aceitar. Termos conseguido autonomizar a descolonização da Guiné da de Cabo Verde foi um resultado positivo. Termos afastado a semântica de um ajuste de contas, foi outro. Pelo contrário: a linguagem do respeito, e até do afeto recíproco, não ficou de fora do texto do Acordo.”

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Notas do editor

Vd. post de 21 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27041: Notas de leitura (1821): Do colonialismo e da descolonização: as memórias de António de Almeida Santos (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 25 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27053: Notas de leitura (1823): Para melhor entender o início da presença portuguesa na Senegâmbia (século XV) – 3 (Mário Beja Santos)

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