sábado, 21 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20757: Da Suécia com saudade (65): "Ao luar, entre nevões, até as renas parecem pavões" (José Belo)


Tabanca da Lapónia

Fonte: Antigo blogue do José Belo, radicado há  cerca de 40 anos na Suécia: "Lappland near Key West" [A Lapónia ao pé de Key West, Florida, EUA]. 

Ao cimo da foto, do lado esquerdo, abaixo do título, há uma frase muito didática e certeira, antietnocêntrica, prevenindo-nos contra a tentação de ver o mundo através do nosso umbigo, a nossa cultura, a nossa religião, a nossa língua, o nosso país, o nosso grupo: "We dont see the things as they are, we see them as we are"... Traduzindo: "Nós não vemos as coisas como elas são, vemo-las como nós somos"... [A frase é atribuída à escritora Anïs Nin (1903-1977)]


1. Comentário de José Belo, Joseph Belo, ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português: jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, Abisco, Kiruna, Lapóbia, no círculo polar ártico, e Key-West, Florida, EUA.

Respondo a duas perguntas dos seus leitores:

"Bem,    vodka a 94º como é que  se bebe? Bem pior que a cachaça que o sr Lima mandava ao filho para Galomaro. Quem beber bem quentinho se deve ficar."  (Juvenal Amado)

"Não dá para mandares,pela UPS, uma amostra do teu vodca a 94% ? Em passando a pandemia, temos que lá ir provar essa obra-prima da tua destilaria...E eu pensar que os suecos eram abstémios compulsivos, por causa da ética protestante luterana e calvinista, e que o álcool era monopólio do Estado ? ...A ASAE lá da Lapónia não te cai em cima".  (Luís Graça)


É certo que a venda de álcool é monopólio do Estado mas o bonito alambique de cobre é...meu!

Neste extremo do extremo norte da Europa devem existir tantos alambiques como famílias de lapöes. Mas em cobre täo bonito...só o do Lusitano e mais nenhum!

O ditado português "Para lá do Maräo mandam os que lá estäo" é mais do que óbvio quando, ao quereres comprar o jornaleco diário na cidade principal cá do sítio, que é Kíruna, tens de fazer viagem de carro de 300 quilómetros/ida e mais 300 quilómetros/volta.

A capital Estocolmo está,lá para o Sul, a mais de 1.500 quilómetros daqui.

2/3 da populacäo sueca,em número mais ou menos igual à portuguesa num país geograficamente 14 vezes maior,vive no centro-sul.

Muitas das regras e regulamentos vistos a estas distâncias e limites naturais de milhares de lagos,florestas e montanhas,tornam-se bastante...relativas. Historicamente para bem,mas também para muito mal.

Quanto à pergunta do Amigo Juvenal, "Como se bebe?,  só posso responder...Bem!

É claro que, se näo pode beber a maravilhosa ,de 'destilações repetidas feita',(e aqui o que mais há é tempo para o fazer), nos tradicionais copos de água aqui usados.

Para encher tais copos para visitantes usa-se a mais infantil vodka de 40% a 50%.

Mas, para os imprescindíveis "fins medicinais",  usam-se pequenas quantidades da multidestilada (a tal!) bem misturada com sumo de limão ,de laranja, algum mel e um pau de canela.

Ao luar, entre nevöes, até as renas parecem pavões!

(Com a minha tradicional humildade... Fernando Pessoa não o diria melhor!)

Um grande abraço do J. Belo


2. Comentário do nosso editor LG:

Mote: "Ao luar, entre nevöes, até as renas parecem pavöes!" (José Belo, régulo da Tabanca da Lapónia)

Na Tabanca da Lapónia,
Ao luar, entre nevões,
Até as renas são pavões,
Já estou mal da cachimónia,

Até as renas são pavões,
E eu aqui de quarentena,
Mas o hotel vale a pena,
Venham cá, seus parvalhões.

Ao luar, entre nevões,
Não apanhas nenhum cagaço,
O Zé Belo tem bagaço,
Que até chega aos pulmões.

Já estou mal da cachimónia,
E eu aqui no treco-lareco,
A ouvir o próprio eco,
Na Tabanca da Lapónia.


Luís Graça, um "cacimbado" da Guiné

Lourinhã, 21/3/2020

PS - Se um gajo não morrer da pandemia, morre do pandemónio... Se sobreviver a ambos, vai parar ao manicómio... (no caso de  ainda existirem manicómios...). Como as coisas vão por aí, na outrora bela Itália, nem os médicos já dizem: "Purgai-o e purgai-o e, se morrer, enterrai-o"... Humor (negro) com humor (negro) se paga... Mas os tempos são para recordar  a vigorosa e sábia palavra de ordem do Secretário de Estado do Reino (, 1º ministro), Marquês de Pombal, em 1 de novembro de 1755, perante o acagaçado rei Dom José I: "Enterrar os mortos e cuidados dos vivos".
____________

Nota do editor:

Último poste da série >  20 de março de  2020 > Guiné 61/74 - P20754: Da Suécia com saudade (64): O coronavírus no Círculo Polar Ártico... Como diz o provérbio lapão, "o problema não está em falares com as árvores da floresta, o problema surge quando elas te respondem!" (José Belo)

Guiné 61/74 - P20756: Os nossos seres, saberes e lazeres (382): Itinerâncias pelo Sotavento Algarvio (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 29 de Agosto de 2019:

Queridos amigos,
Traziam-se sonhos e quimeras, havia a previsão de subir ou descer a Serra do Caldeirão, ir mesmo a Sevilha, anteviam-se opulentos banhos de mar, nem tudo correu de feição. As praias, sem exceção, pareciam lagos de algas, o calor não abrandava, optou-se por deambular pela bela Tavira, sempre com bons resultados, igrejas não faltam. Se o leitor for a tempo, vá ao Palácio da Galeria ver o Artur Pastor, Vila Real de Santo António está sempre convidativa, Tavira e esta Vila Real estão recheadas de belo património.
Foram só itinerâncias, e como a viagem nunca acaba escreveu-se num caderno o muito que há a fazer no próximo regresso a estes lugares admiráveis.

Um abraço do
Mário


Itinerâncias pelo Sotavento Algarvio (2)

Beja Santos

Ir a Tavira e não visitar o seu Museu Municipal é como ir a Roma e não ver o Papa. O edifício é muito belo e capricha por apresentar com regularidade exposições de estalo. De março a novembro de 2019 quem ali acorre tem para se deleitar uma exposição ímpar “Artur Pastor e os Mundos do Sul”. Grande fotógrafo entre os maiores, iniciou a sua atividade na fotografia em Tavira, aos 23 anos, quando prestava serviço militar, captando imagens das almadravas da pesca do atum. Como fotógrafo do Ministério da Agricultura, legou à cultura portuguesa um corpo de imagens único. Nesta exposição, o visitante pode deleitar-se com fotografias que vão desde a agricultura às atividades artesanais. É imperdível. Para quem gosta da arte fotográfica ao mais alto nível, vale a pena adquirir o catálogo.


Tavira não é só um lugar de igrejas, capelas, ermidas, a sua arquitetura civil é de nomeada e quem deambula entre a Igreja da Misericórdia, a Igreja de S. José do Hospital, ou a Capela de S. Sebastião, por exemplo, tem fachadas, portadas, muralhas do tempo islâmico e medieval, uma aprazível biblioteca municipal, pontes e até o Mercado da Ribeira, tudo é digno de visita.


O viandante pulou de contente frente à Igreja-matriz de Santiago, a sobriedade da fachada principal com o medalhão de Santiago Mata Mouros é deveras impressionante.


Igreja e antigo Convento de São Francisco.


Há os recantos pejados de história, há os poços rituais fenícios e a muralha fenícia, o Núcleo Museológico Islâmico, as ruas que nos levam ao castelo, as portas góticas do centro histórico, vai-se por uma rua por onde formigam turistas em pleno shopping e escancara-se uma capela, dá pelo nome de Nossa Senhora da Conceição, o viandante rende-se perante o altar-mor e a pintura lateral, um Cristo a caminho do calvário.

Capela de Nossa Senhora da Conceição.


Foram curtas férias, houve aquele elegante perturbador que a imprensa noticiou, as praias inundadas de algas, mas tudo se suportou com belos banhos de mar. Está na hora da abalada, é o último jantar nesta varanda de um edifício na Mata do Santo Espírito, recebe-se a graça de um céu afogueado, simula um incêndio colossal a atravessar o Sotavento, é tudo fantasia, ficará como lembrança suprema destes tempos aprazíveis.



Na abalada, foi-se cumprimentar Ayamonte, nada de especial a comentar, mas não se pôde resistir a uma planta bem florida a enrolar-se pela palmeira acima, e na praça, talvez maior, esta azulejaria encantadora. E ruma-se para Lisboa, logo que possível, e com muito fervor, retorna-se à região, pois o Sotavento Algarvio sabe bem, acolhe bem.


____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20733: Os nossos seres, saberes e lazeres (381): Itinerâncias pelo Sotavento Algarvio (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P20755: Memórias das geografias ultramarinas na toponímia da cidade de Lisboa: histórias cruzadas (Jorge Araújo)



Fotos das placas toponímicas do "Bairro das Novas Nações": Jorge Araújo, Jan2020


Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873 (Xime e Mansambo, 1972/1974); um homem das Arábias... doutorado pela Universidade de León (Espanha) (2009), em Ciências da Actividade Física e do Desporto; professor universitário, no ISMAT (Instituto Superior Manuel Teixeira Gomes), Portimão, Grupo Lusófona; autor da série "(D)o outro lado do combate"; nosso coeditor.



MEMÓRIAS DAS GEOGRAFIAS ULTRAMARINAS
NA TOPONÍMIA DA CIDADE DE LISBOA
- HISTÓRIAS CRUZADAS -


Planta dos terrenos da antiga Quinta da Mineira ou da Charca onde nasceu, no início dos anos vinte do século passado (faz um século), o "Bairro das Colónias". A construção dos edifícios começaria na década seguinte (1930), criando um dos melhores e mais coerentes conjuntos Art Déco e modernistas de Lisboa. Inicialmente foi proposto que a toponímia do bairro homenageasse colonialistas famosos, optando-se, em lugar disso, pelos nomes das ex-colónias portuguesas.  
  

1.   - INTRODUÇÃO
No último trânsito de avião de "regresso a casa", realizado por ocasião da quadra natalícia de 2019, as rodas da minha mala de viagem foram-se desintegrando ao longo dos diferentes caminhos, ocorrência sempre desagradável pelas dificuldades que daí resultaram, nomeadamente no seu controlo e condução. É certo que este facto só sucede a quem anda nestas "vidas", mas, no geral, pode acontecer a qualquer um de nós, independentemente do lugar e do contexto.


Perante esta realidade, impunha-se a sua reparação imediata, de modo a ficar operacional para nova viagem, cumprindo a função para que foi criada/concebida. Nesse sentido, iniciei os primeiros contactos, na zona de residência, com especialistas do ramo, mas sem sucesso, na medida em que ninguém estava preparado para o fazer. 

Seguiu-se a pesquisa em Lisboa. De todas as empresas contactadas, ficámos na última cujo gerente – Sr. Romero ["Casa Romero", passe a publicidade] nos informou que: "sim, senhor; pode trazer a sua mala, pois temos uma secção de reparação de malas de todas as marcas, incluindo rodas". A sua localização ficava (e fica) na Rua Maria da Fonte, perto de duas estações do Metro: "Anjos" (antigo Bairro das Colónias) ou "Intendente".

Entregue a mala (trolley) para consertar, ficou combinado com o Sr. Romero que este me telefonaria após a conclusão do mesmo. Reservei o sábado seguinte ao contacto para a recolha da 'dita cuja' mala.

Passavam poucos minutos do meio-dia quando lá cheguei. A loja fechava às 13h00. Durante a nossa presença, tivemos a oportunidade de conversar sobre este negócio e das dificuldades que tive em encontrar uma solução para o meu caso. A dada altura disse-me que tinha sido combatente em Moçambique, onde ficou por lá mais alguns anos, como civil. No regresso ao Continente, escolheu este ramo para aquela que continua a ser a sua actividade profissional e a sua ocupação de vida.

Ele, de Moçambique, e eu, da Guiné, cruzámos, então, histórias das duas geografias coloniais/ultramarinas: A "Física" e a "Humana", onde estivéramos, mas em épocas diferentes. Já muito perto da hora de fecho, chega um seu familiar (já esperado, pois tinham combinado ir almoçar) que, ao aperceber-se do tema da conversa, alargou o âmbito das "geografias", ao cruzar mais algumas histórias, agora de Angola, onde fora, também ele, combatente. Eram quase 14h00 quando decidimos suspender os diálogos.

Das diferentes experiências individuais, que deram lugar ao cruzamento de histórias vividas nas três geografias ultramarinas, surge o facto de estarmos a paredes meias com o "Bairro das Colónias" (1933); depois "Bairro do Ultramar" (1933) e, na sequência do "25 de Abril", passou a ser denominado por "Bairro das Novas Nações" (1975) (ver planta acima).

E foi assim, a pretexto do "conserto da mala", que nasceu mais esta narrativa, onde se cruzaram memórias/histórias das duas geografias acima identificadas.
Uma vez que todos os factos históricos são passado, é através do conhecimento específico e aprofundado desse passado que se entende melhor o presente. Por isso, eis alguns apontamentos sobre a origem da toponímia do "Bairro das Colónias", na antiga Freguesia dos Anjos, agora Freguesia de Arroios, em Lisboa, no ano de 1930.



Foto da "Praça das Colónias" (1933), depois "Praça do Ultramar" (1933) e, agora, "Praça das Novas Nações" (1975), da autoria de Ana Luída Alvim; com a devida vénia.


2.   ANTECEDENTES HISTÓRICOS NA ORIGEM DA TOPONÍMIA DO "BAIRRO DAS COLÓNIAS", EM LISBOA
De acordo com a literatura disponibilizada pela Junta de Freguesia de Arroios, a construção dos primeiros edifícios do "Bairro das Colónias", assim como dos respectivos arruamentos, dão-se início nos anos trinta do século passado (1930).

No que concerne à sua Toponímia, o Edital da Câmara Municipal de Lisboa, de 19 de Junho de 1933, atribui à praça aí existente o nome de "Praça das Colónias". Três semanas depois, em 06 de Julho de 1933, em nova deliberação camarária, a denominação da "Praça das Colónias" é alterada para "Praça do Ultramar", onde se referem também os seguintes topónimos, segundo a ordem do Edital: Rua de Angola, Rua de Moçambique, Rua da Guiné, Rua do Zaire, Rua da Ilha do Príncipe, Rua de Cabo Verde, Rua da Ilha de São Tomé, Rua de Macau e Rua de Timor.


Identificação das cinco ex-colónias portuguesas do continente africano e a data da sua independência 

 (Fonte: adapt. de www.elo.pro.br/cloud/aluno/atividade.php?id=2062&etapa=0), com a devida vénia.)

Após o "25 de Abril de 1974" a "Praça do Ultramar", cuja nomenclatura remetia para o Estado Novo o domínio colonial, voltou a ter uma nova designação: "Praça das Novas Nações", atribuída pelo Edital de 17 de Fevereiro de 1975, tomando o Bairro o mesmo nome de "Novas Nações". 

Esta alteração da toponímia de Lisboa foi a forma que o Município da Capital escolheu, na sequência do fim da Guerra Colonial, para homenagear as cinco novas nações no continente africano (ex-colónias) identificadas na infografia acima: Guiné (independência declarada unilateralmente em 24 de Setembro de 1973 e reconhecida em 10 de Setembro de 1974), Moçambique (25 de Junho de 1975), Cabo Verde (5 de Julho de 1975), São Tomé e Príncipe (12 de Julho de 1975) e Angola (11 de Novembro de 1975).





Foto da "Praça das Colónias" (1933), depois "Praça do Ultramar" (1933) e, agora, "Praça das Novas Nações" (1975), da autoria de Sérgio Dias; com a devida vénia.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
10MAR2020
____________

sexta-feira, 20 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20754: Da Suécia com saudade (64): O coronavírus no Círculo Polar Ártico... Como diz o provérbio lapão, "o problema não está em falares com as árvores da floresta, o problema surge quando elas te respondem!" (José Belo)



Suécia > Lapónia > s/d > É, pessoal, onde começa a "cerca sanitária"? E a fronteira está aberta? E, já agora,  sabem onde mora o régulo da Tabanca da Lapónia, vizinho do Pai Natal?

Fotos (e legenda): © José Belo (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Belo, na Florida, EUA.
1. Mensagem do Joseph Belo, ex-alf mil inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, e manteve-se no ativo, no exército português, durante uma década; está reformado como capitão inf do exército português: jurista, vive entre Estocolmo, Suécia, Abisco, Kiruna, Lapóbia, no círculo polar ártico, e Key-West, Florida, EUA.

Date: sexta, 20/03/2020 à(s) 14:59
Subject: O coronavírus no Círculo Polar Árctico.

Estava quase a convidar os Camaradas para virem-se isolar na minha casa, já bem dentro do Círculo Polar Ártico.

Isolamento? O meu vizinho mais próximo vive a cerca de 300 quilómetros da minha casa.

Desinfecção? O meu vodka caseiro nos seus 94% de teor de álcool torna desnecessário lavar as mäos com desinfectantes de farmácia. Basta, à boa moda do cavador lusitano, cuspir para as mãos de vez em quando!

Mas, apesar das temperaturas negativas e dos nevões, o vírus também por aqui se passeia. Até agora a situação mais séria por aqui era a referida por um velho ditado lapão: "O problema não está em falares com as árvores da floresta; o problema surge quando elas te respondem!"

Ao olharmos para a situação,tanto quanto à saúde como às consequëncias económicas mundiais, tudo se está a tornar na tal... tempestade perfeita.

Tanto a Alemanha como a Suécia foram buscar às suas reservas económicas quantias muito superiores a 600 mil milhöes de euros (números quase incompreensíveis) para fazerem frente ao impacto inicial da crise.

O que se irá passar no nosso querido Portugal sem recurso a tais "reservas"? A "solidariedade" europeia? O caso Italiano veio mais uma vez demonstrar que, quando necessária, só existe nos discursos dos políticos.

Também näo temos ao dispor as máquinas de fabricar dólares existentes nos Estados Unidos que, na sua dívida descomunal, irão certamente funcionar a todo o vapor, pelo menos até ás eleições presidenciais de Novembro.

O tempo perdido pela Administração Norte-Americana a negar o problema poderá vir a ser pago por uma tragédia muito superior à italiana.

Em Key West, Florida, o Sloppy Joe's Bar tem estado continuamente aberto desde há muitas décadas. Dizia-se mesmo que, a haver uma invasão de extra-terrestres, este viriam certamente sentar-se ao balcão do Bar para beber uns daiquiris bem gelados.

Esta semana [, em 17 de março], por causa do vírus, o bar encerrou as portas.

Continuando com estas notícias "leves" sobre o vírus aqui seguem duas curiosidades suecas:

(i) O governo informou todos os trabalhadores que, ao sentirem dores de cabeça, de garganta, tenham febre, alguma tosse,ou dores musculares, devem ficar em casa. Näo é necessária visita ao médico nem qualquer atestado de doença.

Recebem 90% do salário normal. Está-se no período normal de gripes e constipações.

Os infindáveis, e escuros, invernos nórdicos criam sempre algumas "dores musculares"...Quantos irão ficar em casa? É claro que mais vale prevenir do que remediar... quando existem as tais reservas de milhares de milhões.

(ii) Tem sido muito avultado o número de médicos e pessoal hospitalar reformado  que se tem apresentado para trabalhar voluntariamente. As autoridades de saúde informaram que só aceitavam voluntários até aos 70 anos de idade.

Ainda poderiam ter sido simpáticos para com os "velhinhos" se tivessem invocado como razão o facto de se preocuparem com os perigos de contágio e saúde dos mesmos. Mas näo. A razão apresentada foi a de que o trabalho virá a ser demasiado intensivo e esgotante para idades superiores aos 70 anos.

Ponto final!
_____________

Nota do editor:

Último poste da série > 16 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20655: Da Suécia com saudade (63): reabrindo a Tabanca da Lapónia, agora ao povo... (José Belo)

Guiné 61/74 - P20753: Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia do COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira) (1): Sul da Austrália: Sidney e Melbourne





MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Austrália > Sidney > 16 de março de 2020 > Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Fotos reeditadas pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.





MSC - Magnífica > Cruzeiro de Volta ao Mundo > Austrália > Melbiourne > 19 de março de 2020 > Cortesia da página do faceboook de Constantino Ferreira. Fotos reeditadas pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

[, Constantino Ferreira d'Alva foi fur mil art da CART 2521 (Aldeia Formosa, Nhala e Mampatá, 1969/71); trabalhou 30 anos na TAP, como tripulante de cabine; é nosso grã-tabanqueiro desde 16 de fevereiro de 2016.]



1. Os nossos camaradas Constantino Ferreira e António Graça de Abreu  estão a fazer, desde o início do ano de 2020, um cruzeiro de volta ao mundo, a bordo do MSC - Magnifica (*).

A primeira parte correu,como programado. Com o novo coronavírus COVID-19 a alastrar por todo o o mundo, as autoridades da Nova Zelândia e da Austrália, na Oceania, interditaram os seus portos aos navios de cruzeiro. O MSC -. Magnífica tenta agora chegar à Europa, via canal do Suez, quando ainda faltava mês e meio para completar a viagem de volta do mundo. O navio partiu com um total  3 mil passageiros  (e mil tripulantes):  já regressaram a casa, por via aérea, três centenas de passageiros.

Com o acordo (tácito) do nosso camarada Constantino Ferreira, que continua a bordo com a sua esposa, Elsa, vamos a partir de hoje acompanhar o seu regresso a casa, a partir de excertos e fotos que ele vai publicando diariamente na sua página do Facebook. 

Esperamos que os amigos e camaradas da Guiné, nomeadamente os que vivem em Portugal, também eles em "quarentena", na sequência da declaração do "estado de emergência", em vigor de 19 de março a 2 de abril de 2020, lhes mandem, a ele, à Elsa  e ao António Graça de Abreu, uma saudação amiga e solidária. Felizmente que não há até hoje nenhum caso de infeção pelo COVID-19, a bordo.


2. Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia do COVID 19, tentando regressar a casa (Constantino Ferreira) (1): Sul da Austrália: Sidney e Melbourne 

[Os locais e datas são os que constam da página do Facebook do Constantino Ferreira... Com a devida vénia, reproduzimos alguns excertos e fotos, reeditadas]


Sidney, quinta-feira, 19 de março de 2020, 7h12

Dois dias na Baía de Sidney!

Depois de entrarmos na barra, cada minuto conta, para aumentar a beleza da cidade, que se aproxima cada vez mais aos nossos olhos!

 (...) O primeiro dia, ficamos fundeados no meio desta enorme e bela baía, frente a uma das mais bonitas cidades do mundo. No segundo, atracamos no Cais dos Cruzeiros, mas só autorizados até ao fim da tarde.

Foi a saída que mais me fascinou!... A Ópera Hause mesmo ali a uns metros do convés. A ponte ali mesmo ao lado, era um fascínio para tirar fotografias sem parar! Tirei dúzias de fotografias a esta cidade, mesmo sem poder sair a terra.

Mas estes dois icones de Sidney, a Ópera e a ponte, não me cansaram o olhar e, o meu “Ifone” não se cansou de registar esse meu olhar, como que lamentando também, não ter saído a terra, para fotografar esta cidade, de dentro para fora.

Fiquei em escrever o que me faltava dizer, sobre a saída de Sidney. Pois a saída desta cidade, foi como que “forçada”! Saíram apenas cerca de 100 pessoas, do navio para o aeroporto, já com bilhetes de saída de voo marcados.

Quando saímos a barra de Sidney, era apenas para dar lugar a outros navios na baía, nós íamos para o alto mar, para que a companhia;MSC-Cruzeiros, com o nosso comandante, pudesse decidir o destino a dar-nos !

Pois durante a noite, sempre a navegar com rumo a Sul, tivemos apenas conhecimento pelo Diário de Bordo, colocado no camarote, que o nosso próximo destino seria; Melbourne!

Dois dias de navegação, rumo a Sul, entrámos hoje de madrugada, nesta Baía, onde tivemos lugar para atracar, mesmo aqui ao lado de um dos mais modernos navios de cruzeiros, o “Princess of the Seas”! Que não deixarei de publicar na crónica de amanhã, procurando descrever a nossa tristeza e, alegria também, por andarmos “quase” que como à deriva, por estes mares da Tasmânia e Sul da Austrália. (...)

 Melbourne, sexta-feira, 20 de março de 2020, 1h26


Melbourne foi uma escala imprevista, nestas andanças para conseguirmos chegar ao Mediterrâneo! Não sabemos quanto tempo iremos levar para lá chegar, mas a prevenção sanitária a bordo é absolutamente cumprida. Se lá chegarmos sem nenhum caso de Coronavírus, ganharemos esta “batalha” contra este vírus “amarelo”!

Aqui estamos nesta baía de Melbourne para reabastecimento, com o objetivo de se conseguir ir avançando umas boas milhas, de porto em porto, para reabastecimento, mas sem autorização para desembarque dos passageiros, enquanto esta situação se mantiver, de propagação do Coronavirus !

Aqui a bordo, não temos nenhum caso de Coronovirus! No entanto, nenhum porto nos permitiu o desembarque. Desde Hobart na Tasmânia que não nos é permitido sair a terra.

Depois de Hobart já estivemos em Sidney e agora aqui em Melbourne também não nos é permitido sair a terra. Foi uma determinação do governo da Austrália, como medida de prevenção e contenção da propagação desse vírus, que apareceu na China e, agora já se propagou pelos quatro cantos do mundo !

 (...) Ao entrarmos na baía de Melbourne, até esquecemos que estamos prisioneiros desta “nave” magnífica, que depois de fazer “meia” Volta ao Mundo espectacular, agora se encontra nesta situação, neste outro lado do mundo, a navegar de porto em porto, para se abastecer e, seguir para um outro porto até chegarmos ao Dubai ou, ao Mediterrâneo se for possível, os necessários e indispensáveis reabastecimentos, de combustível e alimentos, para cerca 2.700 pessoas a bordo, pois já saíram pelos aeroportos de Hobart, Sidney e hoje; Melbourne, cerca de trezentos passageiros.

Passámos este dia de 19 de Março, (dia do Pai !), aqui em Melbourne no Cais dos cruzeiros, todos a bordo, apenas saíram cerca de 200 pessoas diretamente para o aeroporto, com bilhetes com reservas para vários destinos na Europa, USA, Canadá e Brasil !

Depois do reabastecimento, pelas 18 horas, ouviram-se os tradicionais três apitos, mais parecidos com roncos profundos, saídos do alto do nave.

Mas a habitual música de saída, de André Bocelli, não foi lançada para nossa alegria. Tivemos sim muitos lenços brancos, dos passageiro do Golden Princess, que estava do outro lado do Cais, um dos mais modernos navios de cruzeiro do mundo. Mas, infelizmente, com a bandeira vermelha içada, aqui retido em Melbourne, em quarentena e higienização.

Largamos do cais, sem música e sem a alegria habitual, mas o fascínio das largadas e saídas manteve-se, com a habitual tomada de milhares de fotos, que no meu caso, já aqui estou a publicar, para vosso “regalo” de olhar esta linda baía e imponente cidade, com seus prédios modernos altíssimos, que lhe dão um perfil inconfundível, a esta que é a maior e mais bonita cidade, mais a Sul do Hemisfério Sul.

Navegamos agora rumo West, com destino a Fremantle-Perth, onde esperamos chegar dentro de cinco dias, a 24 deste mês Março, que está a marcar e a modificar todas as nossas expectativas, para esta volta ao mundo, tão bem programada e, agora alterada, por esta luta contra o Coronavirus, que está a levar o mundo inteiro, para uma luta “desigual”, mas da qual irá sair “vencedor”, mas com muitos mortos e, traumas também para muitos, dos milhões que iremos sobreviver.

A vida vai continuar, mas esta provação vai ser dramática. Nós, aqui a bordo ainda com cerca de 2.700 pessoas, sem nenhum caso de Coronovirus, temos que chegar ao Mediterrâneo, para isso termos que ter alguns reabastecimentos, pelo que esperamos que nem todos os portos nos fechem as “portas”!

Habitualmente, nesta “meia” volta ao mundo, tenho escrito apenas dos portos visitados, mas a partir de agora não sei como vai ser.

Mas quando chegar a Fremantle-Perth, já talvez tenha a rota decidida, pela Companhia MSC-Cruzeiros e, pelo nosso Comandante Roberto Leotta. Esperamos que o destino seja o Mediterrâneo e não o Dubai ou qualquer outro porto dos Emirados, ou por aquela região.

Vamos manter a esperança, que iremos chegar sãos e salvos !


[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]

___________

Nota do editor:

(*) Vd. postes de 


16 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20739: O que é feito de ti, camarada ? (10): António Graça de Abreu e Constantino Ferreira d' Alva, a bordo do MSC Magnifica... Estão impedidos de desembarcar, em Hobart, capital da Tasmânia, e nos restantes portos da Austrália, devido à pandemia do Coronavírus COVID 19... Estão a um mês e meio de regressar a casa.

16 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20738: O que é feito de ti, camarada ? (8): António Graça de Abreu e Constantino Ferreira D'Alva, andam a fazer a volta ao mundo num cruzeiro, no MSC Magnifica... E ainda falta metade do percurso, com o cenário da pandemia do coronavírus COVID 19 na linha do horizonte mais próximo... Boa continuação da viagem e melhor regresso a casa!

Guiné 61/74 - P20752: Notas de leitura (1274): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (50) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2019:

Queridos amigos,
Estamos no penúltimo movimento da grande ode que o bardo dedicou ao BCAV 490. Ele agradece comovidamente as venturas maternais, e aqui me ocorreu alancear a recordação até às mães que perderam os seus filhos, e daí a memória à mãe do meu mais querido amigo da juventude, Carlos José Paulo Sampaio, falecido em combate, em Mocímboa da Praia, norte de Moçambique, houve que violentar o pudor para recordar o que foi visitar, mal chegado a Lisboa, aquela mãe com as dores em carne viva e entregar-lhe a última carta que aquele filho escrevera, coisa tão misteriosa, para mim tão vaticinadora de promessas para a vida fora, uma carta que trombeteava sobre o nosso futuro, os sonhos a realizar, findas as nossas guerras. E nesse encontro foi-me dado perceber, de viva voz, porque é que aquela mãe detalhava, esmiuçava ao segundo, os últimos instantes da vida do filho, de acordo com a versão que apurara. Enquanto a ouvia, percebia então perfeitamente porque é que um pai, insistentemente, me pedira para lhe contar os últimos instantes de vida do seu filho, soldado em Missirá, mas que morreu na explosão de uma mina anticarro, a meio caminho entre Finete e Missirá, num local que dá pelo nome de Canturé, ao anoitecer de 16 de outubro de 1969.
São narrativas que nos aliviam, de antemão sabemos que a dor profunda é incurável.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (50)

Beja Santos

“Trouxe-me no colo deitado
minha mãe do coração.
Hoje sou um homem criado,
não me esqueço do passado,
devo-lhe essa obrigação.

Mãezinha, p’ra me criar
andei nos braços seus.
Meu pai sempre a trabalhar,
quando a velhice apertar,
deitar-se-á então nos meus.

Há quem dê pouco valor
a quem à luz nos lançou.
Pois não há outra flor
que nos tenha tanto amor
como a mãe que nos criou.

Deve o fado compreender
quem tenha visão na vida.
Pois é bom de perceber
no mundo não pode haver
quem iguale a nossa mãe querida.”

********************

Quando li a veneração do bardo pela sua mãe logo me ocorreu uma canção largamente difundida na Guiné pelo Conjunto Oliveira Muge, vi gente rendida àquela voz suave, bem soletrada e plangente que irradiava das ondas hertzianas:

“Mãe, tu estás tão longe de mim
Mãe, sinto que estás a chorar
Não chores a minha ausência
Eu hei de voltar
Não chores e pensa agora
Que o tempo passa depressa
Pede a Deus que te tire esse tormento
Que te abrande o sofrimento
Desse teu formoso rosto.
Mamãe, não chores
Eu volto, Mãe.”


Havia as tatuagens de “Amor de Mãe”, os iletrados tanto pediam que se escrevesse ao pai ou à mãe, mas era sobre esta que recaía a adjetivação mais emocionante. E as recordações volteiam para aquelas lágrimas locais, à partida para destino incerto. E a cogitar na alegria do bardo, ternamente agradecido, ciente do sofrimento que a minha mãe passou, dirigi a lembrança para as mães que não voltaram a ver os seus filhos, aliás o bardo a elas dedicou versos de comiseração e agora acompanho-o, lembrando a mãe daquele que foi o meu maior amigo da adolescência, Carlos Sampaio.

Carlos José Paulo Sampaio, falecido em Moçambique, 2/2/1970.

Remexo nos escassos papéis que restam. O que ele escreveu e que levei nos meus haveres para a Guiné, extinguiu-se o essencial numa flagelação, em 19 de março de 1969. O resto guardei, era lido com profundo afeto. Antes de partir para a Guiné, vi-o chegar a Mafra, fui tendo sempre notícia do seu percurso até partir para o Planalto dos Macondes, também em 1969. Era uma amizade de colégio, de faculdade, de serões diários, eu ia até à Praça Pasteur, n.º 9, carregava na campainha do 2.º andar, ele ou uma das irmãs ou a própria mãe me recebiam sempre com um grande sorriso. Uma casa repleta da pintura de Fausto Sampaio, já falecido. No seu quarto, o retrato que o pai lhe fizera, o Carlos ainda muito jovem. Quando chegava o correio ao Cuor ou a Bambadinca era prontamente identificado o que ele me escrevia pela cor da tinta, verde. E aconteceu que a sua última carta me foi destinada, tem a data de 30 de janeiro de 1970, é uma carta voltada para o futuro, ele projetava trabalhar como livreiro e contava comigo. Longa missiva, com letra miudinha, muito regular, tudo decifrável, despede-se, está a ser organizada uma coluna até Mocímboa da Praia, suspira pelo fim da sua comissão, está fisicamente abalado. Saberei mais tarde que nas férias que passou na Anadia destruíra todas as suas pinturas, que eu conhecia, uma a uma. A notícia da sua morte, quando abri uma carta e dela saltou aquela notícia da necrologia que bem conhecíamos, encimada por uma fotografia e pelo Crucifixo, foi tiro que me derrubou, desatei aos urros, tudo se passou no quarto, estava lá um outro camarada, o meu amigo Abel Rodrigues, ficou especado com aquela gritaria alucinante, procurou acalmar-me, que lhe contasse o que se estava a passar, eu tartamudeava, entre baba e ranho. Lavei a cara, aliviei as feições congestionadas, havia muito que fazer depois de almoço, assim se foi atamancando o sofrimento.

Fausto Sampaio, “Autorretrato”.

“Pescadores – Costa Nova”, Fausto Sampaio, 1940, uma pintura a óleo que estava na sala de jantar da Praça Pasteur.

E quando regressei, em agosto desse ano, telefonei à sua mãe, pedindo-lhe para a visitar, com caráter de urgência, entreguei-lhe o espólio das minhas recordações, o único quadro que sobreviveu à destruição, pois ficara em minha casa, em cima de um móvel do meu quarto, entreguei a correspondência, assim se carpiram lembranças, e enquanto aquela mãe, tão magoada, me repetia os últimos momentos de vida do filho, o único filho que tinha, numa picada onde pisara minas antipessoal, os depoimentos que ela pudera colher, não me saía da cabeça a carta que um senhor chamado Jesuíno Jorge, de Monte da Cabrita, Santana da Serra, concelho de Ourique, me enviara, em resposta à carta que eu lhe dirigira comunicando-lhe o falecimento do filho, ele pedia-me insistentemente que descrevesse o mais pormenorizadamente possível o que se passara nos últimos instantes de vida. Coisa terrível, saber que certos pormenores substituem a visualização de um corpo, e eu sentia-me incapaz de explicar àquele pai e seguramente aos restantes membros da família, que Manuel Guerreiro Jorge tinha o corpo desarticulado, os membros inferiores desfeitos, que no meio de um pandemónio de viatura com o focinho demolido, de cuja caixa saltaram bidons, sacos e caixas, que felizmente amorteceram os ferimentos de muita gente, sobressaíam os gritos lancinantes de alguém que cedeu ao estado de choque e daí ao estado moribundo, partiu da vida numa morança em Finete, com o médico do batalhão de Bambadinca a seu lado. E de forma atropelada tudo isto foi contado a um pai, procurando passar uma esponja pelos termos, eliminando todos aqueles que pudessem fazer supor ossos à mostra ou restos de membros junto dos pedais, por exemplo. E eu assim ia ouvindo o que se teria passado naquela picada que levava a Mocímboa da Praia, um ritual de corpo presente, confirmava que o mesmo tem poder taumatúrgico, aplaca dores, é um alívio temporário mas obrigatório. E depois visitamos o quarto do Carlos, lá estavam as cadeiras em que conversávamos. E horas volvidas, enxutos os olhos, a mãe do Carlos surpreendeu-me à despedida oferecendo-me uma samarra que pertencera a Fausto Sampaio, usei-a anos a fio, era aconchegadora, uma bonita gola de pele, uma lã de corte perfeito, e Deus sabe que para além daquele aconchego dos dias álgidos era como se o Carlos me desse presença, continuasse a sonhar o futuro tal como ele o escrevinhara em letra verde, na sua derradeira carta.

Que o bardo me perdoe eu não endereçar o meu pensamento à madre fundadora, foquei-me em todas aquelas que à partida já vestiam de luto e de luto ficaram, por muito tempo. Há muita literatura da guerra que fala das mulheres, das noivas, das namoradas, das irmãs, mas não será certamente por acaso que as mães têm um papel primordial. Em “sairòmeM”, Gustavo Pimenta diz algo de muito belo: “O beijo de minha mãe durava uma eternidade”. Quando regressei a Lisboa, fui conhecer o meu novo lar. Nessa mesma tarde bati à porta de minha mãe e lindo foi o reencontro. Insistia em mostrar-me o que havia de diferente, imagine-se, os cortinados, as sanefas da sala. Em cima da mesa da sala de jantar estavam as joias que tinham saído da casa de penhores, ali tinham ficado para se arranjar dinheiro para os tratamentos do cobalto, com que atrofiara um tumor de origem maligna na hipófise. Deu-me a mão e levou-me ao meu quarto, tudo intocado, como eu esperava irrepreensivelmente limpo, o chão luzidio, ela gostava muito de ver o madeirame bem encerado. Tê-la-ei surpreendido agradecendo-lhe a educação que me dera, fora tónica permanente nos meus aerogramas, todo aquele ensino precoce de autonomia, de cooperação a uma avó inválida, a sapiência de viver com o dinheiro contado ao tostão e de saber diferir a satisfação de necessidades para um momento mais azado. Um processo educativo que tanto me ajudara a ultrapassar as rusticidades, as carências e as faltas absolutas que são as tónicas constantes de viver numa guerra. E agora curvo-me respeitosamente diante do bardo, “Pois não há outra flor/ que nos tenha tanto amor/ como a mãe que nos criou”.

(continua)
____________

Notas do editor

Poste anterior de 13 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20729: Notas de leitura (1272): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (49) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20740: Notas de leitura (1273): “A Engenharia Militar na Guiné, O Batalhão de Engenharia”, Exército, Direção de Infraestruturas, Julho de 2014 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 19 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20751: Meu pai, meu velho, meu camarada (60): Homenagem a todos os nossos pais, no Dia do Pai... (e 1º dia do estado de emergência, decretada na sequência da pandemia do COVID-19)


Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > Ângelo Ferreira de Sousa (1921-2001), pai do nosso camarada Hélder Sousa, natural de Vale da Pinta, Cartaxo, ex-1º Cabo n.º 816/42/5,  da 4ª Companhia do 1º Batalhão de Infantaria do RI. 23... Tem a data de 18 de Outubro de 1943 e na legenda refere ser 'recordação de S. Vicente'.

Foto (e legenda): © Hélder Sousa (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Cabo Verde > Ilha do Sal > Pedra de Lume > 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 > 1ª Companhia > 1942. 1º cabo Feliciano Delfim Santos (1922-1989), pai do nosso camarada Augusto Silva Santos.

Foto (e legenda): © Augusto Silva Santos  (2017). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas daGuiné]



Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > 1942 > "No dia em que fiz 22 anos, em S. Vicente, C. Verde. 19/8/1942. Luís Henriques " [, 1º cabo inf, 3º Companhia, 1º Batalhão, RI 5, Mindelo, São Vicente, Cabo Verde, 1941/43, entretanto integrado no RI 23]. Nasceu (1920) e morreu (2012) na Lourinhã.

Foto (e legenda): © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas daGuiné]




Cabo Verde > Ilha de São Vicente > Mindelo > RI 23 >  c. 1941/44 > RI 23 >  O sold aux enf, Porfírio Dias (1919-1988), 1º Batalhão Expedicionário do Regimento de Infantaria nº 5, que partiu para Cabo Verde no T/T Mouzinho em 18/7/1941, juntamente com o Luís Henriques (ambos eram do mesmo regimento e batalhão). Esteve lá dois anos anos e dez meses.

Foto (e legenda): © Luís Dias (2012). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.Excerto de carta do Luís Dias ao seu pai, já falecido, António Porfírio Dias (1918-1988), alfacinha de gema, publicada aqui há 11 anos atrás (*). 

Através das suas palavras homenageamos, no Dia do Pai,  todos "os nossos pais, nossos velhos, nossos camaradas" (**)...

Pelo menos, cinco dos membros da Tabanca Grande tiveram o seu pai, em Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, integrados nas forças expedicionárias (mas  também locais, como é o caso do Armando Lopes, de que infelizmente não temos nenhuma foto como militar).  que defenderam as ilhas: Augusto Silva Santos, Hélder Sousa, Luís Dias Luís Graça e Nelson Herbert.

É impossível não violar umas das nossas regras editoriais do blogue "Luís Graça & Camaradas da Guiné", ou seja, não falar da "atualidade"... Portugal, a Europa, o Mundo... enfrentam a pandemia do novo coronavírus COVID-19, uma série ameaça a todos nós... Foi hoje declarado, em Portugal, pela primeira vez, no atual quadro constitucional (desde 1976), o "estado de emergência", que estará em vigor até ao dia 2 de abril...

Quando a segurança, a saúde e a vida estão em causa, temos que "re-hierarquizar" as nossas necessidades, prioridades e interesses... Como diz o nosso povo, vão-se os anéis ficam os dedos...Isolados em casa, estamos a recorrer mais aos fantásticos recursos da Internet. As vídeochamadas estão a crescer exponencialmente. A Net está mais lenta, Mas é preciso estar atento também aos riscos que as redes sociais representam para a segurança informática... Por favor, caros amigos e camaradas, não nos mandem... "merdas de cornovírus digitais"...

Ajudem também o nosso blogue e a nossa página do Facebook a sair, "com saúde e em segurança", da longa quarentena em que vamos estar mergulhados... Que os bons irãs, lá no alto do poilão da nossa Tabanca Grande, nos protejam a todos/as!

Bom dia, no Dia do Pai (!), para aqueles que são pais, avós e bisavós, e também para aqueles, dos nossos camaradas, que ainda têm os pais vivos... São "fósseis" vivos, mas são os nossos heróis!... O meu, Luís Henriques (1920-2012), se fosse vivo, faria hoje 100 anos. Também passou 26 meses de "quarentena", na ilha de São Vicente, Cabo Verde, entre julho de 1941 e setembro de 1943...

Ele e tantos outros, camaradas anónimos,  são heróis esquecidos do nosso passado recente, em que cerca de 180 mil militares foram mobilizados para defender Portugal e os seus territórios de "além-mar", nomeadamemte do Atlântico Norte: Madeira, Açores, Cabo Verde... ,(Onze navios da nossa marinha mercante e da frota pesqueira foram afundados entre 1940 e 1943!... Pouca gente sabe isto... O meu pai, e o pai do Hélder Sousa e o pai do Augusto Silva Santos, e o pai do Luís Dias e os outros expedicionários em São Vicente, Santo Antão e Sal, só tinham "vapor" de dois em dois meses, com o correio e a bianda...).

Por favor, protejam-se e protejam os outros: não se esqueçam que o maldito "cornovírus" é mais "gerontófilo" do que pedófilo", gosta mais dos "velhos" do que das "crianças"...

Camarada, toma o teu lugar na trincheira deste combate. O COVID -19 não passará!... LG


Querido pai,

Hoje é dia 19 de Março...

(...) Neste dia queria lembrar que também tu foste mobilizado e enviado para Cabo Verde, no tempo da 2ª Guerra Mundial, que cumpriste também um dever que te foi imposto pelo teu/nosso país. 


Sei que a tua comissão não teve os riscos de combate, de guerra, como eu tive na Guiné, embora se falasse da possibilidade de um ataque alemão ou mesmo inglês, conforme o governo de Salazar se fosse inclinando para um lado ou para o outro, mas houve outros perigos: muita fome, doenças e as desgraças que assististe por força da tua especialidade.

Foste também vítima da habitual falta de material para cumprir com o necessário cuidado as tarefas de que eras incumbido, como Soldado Auxiliar de Enfermagem. E foi por teres utilizado umas luvas já deterioradas numa intervenção cirúrgica, em que apoiavas o médico, que depois,  ao tocares com os dedos num dos teus olhos, arranjaste o problema que te obrigou a usar óculos desde então.

Aqueles tempos de 18/7/1941 a 7/5/1944 (2 anos e 10 meses!!!), em terras de Cabo Verde, não terão sido pera doce e lembro-me da história que tu contaste do submarino alemão que atracou e que, depois de instado a sair de águas portuguesas, os alemães mantiveram-se calmamente no local e só se foram embora quando lhes apeteceu. 





Luís Dias, alf mil, CCAÇ 3491,
Dulombi, 1971/74
Mas também das mornas que tu ficaste a adorar, como adoravas o fado. E a porrada que apanhaste e que está na tua caderneta, por estares no refeitório a atirar bolinhas de pão aos teus camaradas. É mesmo para rir…!!! Não havia mais nada para os teus superiores se entreterem? E um dos louvores por teres agarrado o cavalo do comandante que tinha tomado o freio nos dentes…. e que tu dizias que só o agarraste porque não sabias que o cavalo estava enlouquecido...porque se soubesses deixava-lo fugir! Ah!AhAh!

Lembro-me da alegria que tiveste quando fui promovido a Aspirante a Oficial Miliciano e, se a mãe chorava, quase diariamente, como tu me contaste, quando eu estava na Guiné, ela também me contou das tuas lágrimas quando aos fins-de-semana me ajudavas a levar a mala até às camionetas, que me levavam a Mafra e depois a Abrantes de regresso ao quartel.

Sempre te fizeste de forte, mas eu sei o quanto também sofreste, enquanto eu por África andava. Imaginavas os horrores que devíamos estar a enfrentar, pensando no que tu também passaras. (...)

 A nossa Lisboa continua linda e o Tejo, com o qual tanto conviveste, em virtude da tua profissão (Conferente Marítimo), está hoje mais perto da cidade, numa aliança muito importante para os lisboetas.

(...) Pai, estou a invocar-te aqui no blogue da minha companhia, porque tu também foste um mobilizado para África. Um, entre os muitos milhares que a Pátria foi lançando para as terras bravas e quentes daquele Continente. Foste um soldado português, como nós fomos. 


O país, como aos combatentes da 1ª Grande Guerra, onde o meu avô também esteve, aos do teu tempo, aos da Índia e a nós combatentes da guerra colonial, nunca nos agradeceu, porque é ingrato ou, se calhar, também não mereceu tanta brava gente.

Um abraço saudoso de teu filho. Um dia, quando Deus quiser, iremos voltar a abraçar-nos.

Luís Dias
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 25 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9657: Meu pai, meu velho, meu camarada (26): Porfírio Dias (1919-1988), ex-sold aux enf, Cabo Verde, São Vicente, Mindelo (de 18 de julho de 1941 a 7 de maio de 1944) (Luís Dias)

(**) Último poste da sére > 9 de novembro de 2019 > Guiné 61/74 - P20328: Meu pai, meu velho, meu camarada (59): "Maria Bárbara, canta mais uma morna... / S’nhôr Tenente, ‘m câ pôdê cantá más... Uma morna imortal, numa homenagem à Morna, em vias de ser oficialmente consagrada como "património cultural imaterial da humanidade"

Guiné 61/74 - P20750: (Ex)citações (364): Os Romanos, uns colonialistas, gananciosos e exploradores, vieram encontrar os pré-portugueses do território de Penafiel a habitar em "bandos" (Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil CAV)

1. Comentário do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66) publicado no P20744 de 18 de Março de 2020:

Correspondo ao alto evento cultural, útil e proveitoso (das feijoadas, bacalhau, tripas, rojões, cabrito, cabra velha, sável, lampreia e enguias), promoção "em bando" pelos camaradas "bandalhos", culminada com a romaria ao Castro de Mozinho, e à sua viral provocação ao "corno-vírus" (nuance fonética popular), enriquecendo-a com apontamento referido à sua pré-história.

Os Romanos, uns colonialistas, gananciosos e exploradores, vieram encontrar os pré-portugueses do território de Penafiel a habitar em "bandos" os cumes dos montes, em "tabancas" amuralhadas, para melhor vigilância e defesa do IN, homem ou bicho mau, classificaram esses "bandalhos" de bárbaros e o sua urbanização de castrum (castro).

Eles adoravam o sol, viviam da caça e da pesca e ocupavam o seu longo tempo no jogo da malha, em folguedos ou no ócio, o trabalho excluído. E assentaram arraial, a nomadizar nele.

Roma carecia de minérios e de cereais, o homem e o burro só valem se trabalharem, caíram na asneira de forçar os "bandalhos" à sua organização e ao trabalho (as "bárbaras" tinham outras valências...) e eles viraram "terroristas", em pequenos bandos e os romanos a "lerpar" por tudo o que era montanha.

Os militares romanos pertenciam todos ao QP, não havia milicianos (o posto de Cabo Miliciano foi criatividade do Exército Português, para nos exigir serviço de sargento e de oficial ao custo do pré de praças), nem sabiam nem estavam dispostos a combater na montanha, a "ir para o mato".

E os Romanos demoraram quase dois séculos a empurrar os pré-portugueses das montanhas para os vales, para os conseguir controlar e fazer deles mineiros e "servos da gleba" - estratégia que recriaremos na Guiné, com os "aldeamentos". (Prosperaremos no negócio da escravatura africana, por termos descoberto e expandido o seu "mercado" mas, sobretudo, por termos sido escravos muito antes deles...).

Sei o nome do fundador deste "bando", o camarada Jorge Portojo In Memoriam, quiçá inspirado na "loiça" das Caldas, sei o nome do fundador do "bando" LG&C da Guiné, inspirado nos dinossauros ou na aguardente da Lourinhã?) e espero que aqueles bandalhos me ensinem o nome do comandante romano, não foi o que os levou em bando à taina da lampreiada e sável, mas foi que os levou em em bando a Mozinho. O que andou pela minha terra era general e patrício, descendente do deus Juno, o Senado de Roma atribuiu-lhe o título de O Galaico, chamava-se Decimus Junius Brutus e o dicionário adoptou este sobrenome para este qualificar certos indivíduos e suas atitudes.

Da da vossa parte, não o merecerei nem como indivíduo nem por este escrito.

Estimados camaradas, na esteira do fundador do bando LG&C, rezo para que o "corno-vírus" (nuance fonética popular) não tenha correspondido à vossa provocação, alojando-se no vosso bando, na esperança de não a rezar, por causa e consequências dele.

Manuel Luís Lomba
____________

Nota do editor

Último poste da série de 14 de fevereiro de 2020 > Guiné 61/74 - P20651: (Ex)citações (363); em dia de namorados, qual é a morna mais romântica de todos os tempos ? Segundo o "Expresso das Ilhas", é "A Força de Cretceu", a força do amor, poema do grande poeta da Brava, Eugénio Tavares, que nasceu (1867) e morreu (1930) em Nova Sintra