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terça-feira, 27 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23648: (In)citações (223): Reflexão sobre ética (uma visão pessoal) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

© Desenho de Manel Cruz


REFLEXÃO SOBRE ÉTICA

(Uma visão pessoal)

adão cruz

Existe uma ética inscrita no nosso código genético, válida só por si, existe uma ética baseada na história da vida e das sociedades humanas ou existem ambas, fundidas e inseparáveis?

Para mim é muito difícil dizer o que é a Ética, até porque não sou, propriamente, uma pessoa sabedora nestas áreas. No entanto, a vida sempre me deu a entender que a Ética é a mais bela construção do ser humano, assente em quarto pilares fundamentais.

A Ética é, penso eu, a vivência da verdade, o lugar certo do Homem dentro de si mesmo, o fio-de-prumo do Homem no interior da sua cumplicidade. A ética compreende a disposição do Homem na vida, interfere com o seu carácter, os seus costumes, a sua moral, ao fim e ao cabo com o seu modo e a sua forma de vida. O Homem faz-se por si e pelos outros, sendo a ética a autenticidade deste fazer-se.

O primeiro pilar da verdadeira morada do Homem seria constituído pelo pensamento e pela sua inseparável companheira, a razão. Podemos dizer que as plataformas que permitem a elaboração de um pensamento ético são a liberdade e a responsabilidade. A capacidade do Homem de assumir a séria orientação da sua vida determina-o como homem livre e, por conseguinte, a caminho do sujeito ético. E um sujeito ético é, fundamentalmente, um sujeito que procura a verdade. O referente da liberdade humana é a procura da verdade, porque a verdade orienta a liberdade e encaminha-a para a sua plenitude. O pensamento é o suporte mais poderoso e a mais forte armadura do Homem, a mágica força da sua criatividade.

O segundo princípio ou pilar fundamental decorre do primeiro e chama-se cultura. Não sei verdadeiramente o que é a cultura. E cada vez sei menos, neste pequeno país e neste pequeno planeta feito de inúmeros serventuários medíocres e arrogantes, incriativos plagiadores de todos os lugares-comuns inseridos nas políticas de retrocesso. Sei, no entanto, que não é a cultura espectáculo, a cultura enlatada de tanta gente cabotina, a massificação e homogeneização que apenas gera vícios consumistas, impedindo o homem de pensar, reflectir e encontrar, mas a cultura do dia-a-dia, a cultura estruturante da pessoa, a cultura do percurso, a cultura da ética dialógica que está na base da racionalidade critica, orientada para a procura do verdadeiro significado da realidade humana.

O terceiro princípio seria o respeito pelos outros. Todavia, o respeito pelos outros nunca existirá se não houver respeito por nós próprios. O respeito pelos outros é o espelho do respeito de nós próprios.

O quarto pilar desta edificação ética do Homem seria a justiça e a solidariedade. O primeiro passo da solidariedade estaria no entender da justiça social e no seu consciente reconhecimento como prioridade das prioridades. O segundo passo seria a consciência de que viver dos outros implica sempre viver com os outros e para os outros. Precisamente o contrário daqueles que aceitam o egoísmo, o individualismo e o hedonismo como fatal decorrência da onda globalizante e os desculpabilizam e valorizam. Penso que o Homem é um ser para o encontro, encontro consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com o desconhecido, a quem abre a sua curiosidade, a sua vontade de saber e a sua vital necessidade de procura da verdade.

____________

Nota do editor

Último poste da série de 22 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23637: (In)citações (222): Reflexão (complexo caminho da simplicidade da Evidência) (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22920: (Ex)citações (399): Ética na guerra? O caso do "matador" do comandante de bigrupo Mário Mendes (1943-1972): "Não se mata um homem de costas", disse ao António Duarte, o apontador da HK 21, do 4º Gr Comb da CCAÇ 12... (Seria o Cherno Baldé?)


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM de Contuboel > 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori (Jau ou Baldé) e Umaru Baldé (que, feita a recruta, irão depois para a CCAÇ 2590, futura CCAÇ 12, a partir de 18 de junho de 1970). Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade (!). Eram do recrutamento local e, originalmente, não falavam português. Terá sido este Cherno Baldé o "matador" do Mário Mendes? Em 1969/71, havia dois soldados com este nome, ambos fulas, um deles o sold nº 82115269 Ap Metr Lig HK 21, da 1.ª secção do 4.º Gr Comb (que eu, Luís Graça, integrei muitas vezes ao longo da comissão).

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. C
omentário de António Duarte [ex-fur mil da CART 3493, a companhia do BART 3873, que esteve em Mansambo, Fá Mandinga, Cobumba e Bissau, 1972-1974; foi transferido para a CCAC 12 (em novembro de 1972, e onde esteve em rendição individual até março de 1974; economista, bancário reformado, formador, com larga experiência em Angola; tem mais de meia centena de referências no nosso blogue] (*)


Boa noite Camaradas.

O homem do PAIGC, Mário Mendes, lidera a operação de colocação de minas. Mata e provoca feridos à CCAÇ 12  e, passado mais de um ano,  morre às mãos da mesma companhia de caçadores.

Casualidades da guerra, bem tristes por sinal. Há uma curiosidade sobre a morte do Mário Mendes. À época eu pertencia à companhia de Mansambo, a CART 3493 / BART 3873 e assisti a uma conversa entre o furriel que comandava a secção de HK 21 e o soldado fula que o abateu, em Bambadinca. 

A CCAÇ 12 estava no mato e detetou a presença de tropa do PAIGC. Ficou também claro que a CCAÇ 12 estava detetada, Os dois grupos evoluíram com muito cuidado e, a determinada altura, penso já perto da Ponta Varela,  a CCAÇ 12  abandonou o trilho e emboscou dentro do mato, ficando a HK 21  apontada na direção de onde se pensava que poderiam vir as tropas do PAIGC. 

Passados alguns minutos vem ao trilho um homem deles, que se ajoelhou e percebe-se que tenta "ler" as pegadas. Os restantes estavam emboscados no lado inverso ao da CCAÇ 12. O furriel faz sinal ao nosso militar para abrir fogo. Para espanto dele, em vez de disparar e apanhar o guerrilheiro em causa,  debruçado e de costas, o homem do quarto pelotão emite um ruído do género "pst pst", o guerrilheiro volta-se e nesse momento é abatido. 

Justificou-se então o nosso apontador, que ele nunca mataria um homem pelas costas.

Entretanto fui para a CCAÇ 12  em janeiro de 73 e tive a oportunidade de confirmar com o próprio e reafirmou-me que não matava ninguém pelas costas. 

Em síntese um código ético pouco compatível com a guerra.

Um abraço
António Duarte
Ex fur atirador, CART 3493 e CCAÇ 12 (Mansambo e Xime, dez 71 /jan de 74)


18 de janeiro de 2022 às 19:32

2. Comentário do editor LG:

O nosso coeditor Jorge Araújo já aqui deu mais informação detalhada sobre este encontro fatal do Mário Mendes. (***)

O comandante de bigrupo Mário Mendes (1943-1972)  morreu em 25 de maio de 1972, 5.ª feira, no decurso da Acção Gaspar 5, realizada por seis Grupos de Combate,  três da CART 3494 e outros três da CCAÇ 12. 

O encontro fatal deu-se em Ponta Varela, tendo sido capturada a sua Kalashnikov, três carregadores da mesma arma e ainda documentação que dava conta do calendário de acções planeadas para a zona, atuava no Sector 2, da Frente Xitole-Bafatá (, nomenclatura do PAIGC), em particular no triângulo Xitole-Bambadinca-Xime.  (****)

Quem teria sido o "matador" do Mário Mendes?

No meu tempo, no 4º Gr Comb da CCAÇ 12 (Bambadinca, julho de 1969 / março de 1971), a HK21 fazia parte da 1.ª secção. E o apontador era o Cherno Baldé, fula (F):

4.º Gr Comb | Comandante: alf mil  cav 10548668 José António G. Rodrigues [, já falecido, vivia em Lisboa]

1.ª secção | fur mil 15265768 Joaquim Augusto Matos Fernandes [, engenheiro técnico, vive no Barreiro; destacado para o redoordenamento de Nhabijões, logo em finais de 1969; substituído, em muitas ocasiões, pelo fur mil arm pes inf, Luís Manuel da Graça Henriques]

1º Cabo 18861568 Luciano Pereira da Silva [, morada actual desconhecida];
Soldado Arvorado 82115469 Samba Só (F)
Soldado 82109869 Samba Jau (Mun Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82115269 Cherno Baldé (Ap Metr Lig HK 21) (F)
Sold 82117569 Mamai Baldé (F)
Sold 82117869 Ansumane Baldé (Ap Dilagrama) (F)
Sold 82118269 Mussa Jaló (Ap Dilagrama) (FF)
Sold 82118969 Galé Sanhá (FF)

2.ª secção (a do Mort 60 e do dilagrama) era comandada pelo  fur mil at inf 11941567 António Fernando R. Marques [, vive em Cascais, empresário reformado] e  3.ª secção (a do LGFog 8,9) pelo 1.º Cabo 00520869 Virgílio S. A. Encarnação [, vive em Barcarena]:

É de todo provável que o Cherno Baldé, sold nº 82115269 tenha sido louvado (ou até ganho uma cruz de guerra) por este feito. Mas havia outro Cherno Baldé, também fula, soldado 82109669, Mun Metr Lig HK 21, que pertencia à 3.ª secção do 3.º Gr Comb (comandado pelo alf mil at inf Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro]. 

A 3.ª secção era comandada pelo fur mil at inf n.º 06559968 José Luís Vieira de Sousa [, natural do Funchal, agente de seguros reformado]. 
___________

Notas do editor:


(***) Vd. poste de:

17 de maio de  2017 > Guiné 61/74 - P17368: Efemérides (251): ... em abril de 2017: o 13º aniversário do nosso blogue, o XII Encontro Nacional da Tabanca Grande, os 43 anos do regresso da minha CART 3494, o 25 de Abril e o fim da guerra, o meu batismo de fogo há 45 anos em emboscada comandada pelo Mário Mendes (que viria a ser abatido um mês depois)...enfim, os nossos encontros e desencontros (Jorge Araújo)

21 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16865: (D)o outro lado do combate (Jorge Araújo) (3): Mário Mendes (1943-1972): o último cmdt do PAIGC a morrer no Xime... Elementos para a sociodemografia do seu bigrupo em 1972: tinha 27.9 anos de idade e 8.9 anos de experiência de conflito...

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Guiné 61/74 - P21422: Questões politicamente (in)correctas (53): Doação / colheita de órgãos para transplante em Portugal: esclarecimento para tranquilizar o nosso amigo Cherno Baldé, que está em Bissau, bem como os guineenses muçulmanos que utilizam (ou podem vir a utilizar) os nossos hospitais públicos ou privados

 
Imagem reproduzido, com a devida vénia, de SNS 24 > Transplante de órgãos (Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)



1. O nosso querido amigo e colaborador permanente Cherno Baldé (Bissau) levantou aqui, a propósito do aproveitamento energético dos fornos crematórios na Suécia (*), uma questão muito delicada e sensível mas muito importante, sobre a colheita de órgãos (e tecidos) para transplante em Portugal...


Para que não restem  quaisquer dúvidas sobre a legislação, a ética e a prática da colheita de órgãos (e tecidos), nomeadamente em dador cadáver, aqui fica, a seguir, um pequeno texto de esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação.

Sobre esta questão da colheita e doação de órgãos e tecidos para transplante já houve, de resto, mais inyervenções dos nossos leitores (Valdemar Queiroz, C. Martins, José Belo, entre outros). É uma questão, por outro lado, que nos interessa a todos porque todos somos potenciais dadores, em vida ou post mortem.


2. Comentários de Cherno Baldé:

(i) Caro José Belo,


Uma técnica muito eficiente que corresponde, também, a uma sociedade muito "avançada" e despida de dogmas religiosos.

Tenho um vizinho, antigo emigrante em Portugal, que regressou definitivamente, porque, segundo ele, não queria ser desposado dos seus órgãos internos depois da sua morte. As razões de fundo, a crença na ressurreição após a morte. Diz-me ele:

- No dia da grande chamada, em que estaremos diante do Senhor, não quero apresentar-me deficiente, incompleto, compreendes? Claro que eu o compreendia. O que compreendo menos é a mentalidade do ocidental que, todos os 100 anos muda de filosofia de vida. (*)


(ii) Caro amigo Luís,

Cada vez mais os nossos emigrantes desconfiam que estejam a "roubar" alguns orgãos aos parentes falecidos em hospitais na capital portuguesa com a justificação de fazer autópsias geralmente não solicitadas.


Há uma vaga de medo em crescendo, sobretudo entre os muçulmanos que vivem com o dilema do medo de morrer em Portugal e a falta de condições de tratamento médico no país de origem.

Em relação aos médicos nos tais hospitais com necessidades gritantes de órgãos para transplante, faz lembrar a história da relação entre os vagomestres e os fulas criadores de gado, durante a guerra na Guiné, que eram sempre muito relutantes a vender o seu gado a tropa. Logo nunca matavam para comer e também não vendiam.

Mas, ainda assim, antes roubados do que cremados. (**)

3. Esclarecimento da Sociedade Portuguesa de Transplantação sobre o conceito de Dador Cadáver (Reproduzido com a devida vénia) (***)

Dador Cadáver

Qualquer pessoa, ao falecer, é um potencial dador de órgãos ou tecidos para transplante, desde que, em vida, não se tenha manifestado contra esta possibilidade, nomeadamente através de inscrição no Registo Nacional de Não-Dadores. 

(No caso de se tratar de uma pessoa menor de idade ou mentalmente incapaz, é válida a vontade de quem detenha o poder paternal). 

No entanto, para que possa haver doação de órgãos têm que reunir-se um conjunto de circunstâncias:

● o dador tem que falecer num Hospital;

●  depois de se verificar a paragem irreversível das funções cerebrais ou cardio-respiratórias, o corpo tem que ser mantido artificialmente, desde o momento da morte até ao momento da extracção dos órgãos,

● é necessário que se conheça, com exactidão, a causa da morte.

Não são aceites como dadores indivíduos que sejam, na altura da morte, portadores de uma doença infecto-contagiosa, de um tumor maligno ou de uma doença com repercussão nos órgãos a transplantar. 

Também são contra-indicações, embora relativas, para a doação, uma história clínica de Hipertensão Arterial, de Diabetes ou a idade avançada.

No que respeita à idade, os dadores mais desejáveis são os que têm entre 15 e 55 anos, mas a idade é valorizada caso a caso, de acordo com o tipo de órgão a utilizar e com o conhecimento da história clínica do dador.

Uma vez certificada a morte, e se o cadáver tiver características adequadas à doação (ou seja, se os seus órgãos puderem ser úteis para curar ou melhorar a saúde de outras pessoas), o coordenador hospitalar para a transplantação tem a obrigação de se informar, por todos os meios ao seu alcance, sobre a vontade expressa em vida por aquele indivíduo em relação à doação. Para este efeito, são consultados o Registo nacional de Não-Dadores e, sobretudo, os familiares próximos do falecido.

No caso de não existirem objecções, prosseguir-se-á com o procedimento de colheita. O que acontece depois da extracção de órgãos ou tecidos de um cadáver? 

Não há qualquer diferença em relação a outra morte em contexto hospitalar. A extracção de órgãos ou tecidos é feita num Bloco Operatório, em condições de assepsia, e consiste numa intervenção cirúrgica realizada por uma equipa médica e de enfermagem especializada.

O corpo não fica desfigurado e é sempre tratado com o máximo respeito. Depois desta intervenção, o cadáver é transferido para a morgue do hospital, como qualquer outro cadáver. 

Quanto aos órgãos colhidos, são mergulhados num líquido de preservação e enviados para o hospital onde irá ser feito o transplante.

[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição neste blogue: LG]


4. Segundo notícia do SNS, de 16/7/2020, e com base em d
ados divulgados pelo IPST - Instituto Português do Sangue Transplantação,  "o número de órgãos transplantados atingiu os 878 em 2019, mais 49 (5,9%) face ao ano anterior, tendo o transplante pulmonar registado o maior aumento de sempre". 

(...) “Os resultados da atividade nacional de doação e transplantação de órgãos em 2019 foram globalmente positivos, seguindo a tendência crescente dos últimos cinco anos”, refere o IPST em comunicado.

“A doação de órgãos (total de 430 dadores) manteve a sua tendência ascendente, com uma subida de 3,4%”, adiantam os dados da Coordenação Nacional da Transplantação, adiantando que as causas de morte, no dador falecido, foram em 80% dos casos por doença médica e destas, 82% por acidente vascular cerebral.

O IPST observa que, em 2019, se atingiu um novo limite com o dador mais idoso, com 90 anos, que foi dador de fígado e o órgão foi transplantado com sucesso. (...).

segunda-feira, 8 de abril de 2013

Guiné 63/74 - P11360: (Ex)citações (217): Lavadeiras... e favores sexuais na Empada do meu tempo (José Teixeira / Arménio Estorninho, "maiorais" da CCAÇ 2381, 1968/70)


Guiné  > Região de Quínara > CCAÇ 2381 (Buba e Empada, 1968/70) > 1968 > Postal de boas festas natalícias... Foto do álbum do Zé Teixeira.




Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba ou Empada (?= > 2005 > "E,m abril de 2005... tal como em 1968" (JT)






Guiné > Região do Cacheu > Ingoré > CCAÇ 2381 > 1968 > O 1º cabo Teixeira no início da sua comissão," com duas crianças vestidas com a farda da Mocidade Portuguesa". Já época, o Zé era um praticante do escutismo católico. Não sei se já era pelo seu nickname, "Esquilo Sorridente".  Sobre Ingoré escreveu ele: "Foram dias, em geral, alegres e descontraídos, os dias de Ingoré, com o pessoal da CCAÇ 2381 em treino operacional antes de ser colocado no sul (Buba, Empada, região de Quínara)" (JT).


Fotos (e legendas): © José Teixeira (2006). Todos os direitos reservados [Edição: L.G.]

1. Três comentártios ao poste P11338:

(i) Luís Graça, editor [,  foto à direita, Candoz, páscoa, 2004]

Zé: Escreveste no teu diário: “Empada, 5/7/1969: (…) A situação moral é caótica. O sexo avança em toda a linha. Quase todas as jovens lavadeiras se prostituem por dinheiro.”

Era a tua perceção, na época. Seguramente que te baseaste na “evidência empírica”, em factos conhecidos, da tua experiência… Mas mesmo assim há sempre o risco da “generalização abusiva”… Fazemos isso todos os dias a partir das nossa experiência pessoal… É o que eu chamo “sociologia espontânea”, podendo no entanto levar-nos a tirar conclusões erradas…

De um modo geral, pode dizer-se que há um pouco de cientista social em cada um de nós. De certa forma, todos nós fazemos sociologia espontânea, psicologia espontânea, epidemiologia espontânea, investigação espontânea. Por exemplo: Quem é que, não sendo médico, não fez já automedicação para lidar com um problema de saúde ? Quem é que não tem uma teoria qualquer para explicar os trágicos acontecimentos do 11 de Setembro de 2001? Quem é que não aplica, na educação dos seus filhos, certas teorias explicativas do comportamento infantil? Quem é que não gosta de especular sobre a eficácia do comportamento do líder nos grupos e nas organizações? Quem é que não se sente capaz de comentar, numa roda de amigos, os resultados de uma eleição para a Assembleia Nacional ou a vitória de um candidato populista, à revelia das máquinas partidárias ou o peso do partido da abstenção ? Quem é que não tem uma teoria espontânea para ‘explicar’ as alterações climáticas ?

Enfim, os exemplos seriam infindáveis… Tu também tens o mesmo direito de afirmar, a partir do conhecimento da situação local, em Empada, em 1969: “O sexo avança em toda a linha. Quase todas as jovens lavadeiras se prostituem por dinheiro.” E comentar: “A situação moral é caótica”…

Mas o que eu gostava de saber era o seguinte. 

(i) Manterias, ainda hoje, esta afirmação, com o conhecimento que tens da Guiné de ontem e de hoje ?; 

(ii) A situação era igual noutras povoações por onde passaste, como Buba, Mampatá ou Aldeia Formosa ?; 

(iii) Havia diferenças entre as lavadeiras cristãs, animistas ou islamizadas (fulas, mandingas, beafadas) ?

Num território em guerra, num terra como Empada, onde havia algumas centenas de militares, deslocados, homens, jovens, brancos e negros, era natural que se criasse um “mercado do sexo”. Acontece em todas as guerras… Mas dizer que “quase todas as lavadeiras” faziam “favores sexuais” pode ser abusivo… ou exagerado. Ou provavelmente, não.

Tiras essa conclusão a partir de um número necessariamente limitado de casos… Não tinhas, nem nós tínhamos, nem ontem nem hoje, estatísticas sobre este problema (ou outros, afins, respeitantes à relação da tropa com a população).

De qualquer modo, temos aqui um problema interessante para discutir no blogue, com bom senso, ponderação e cautela. Só podemos invocar a nossa experiência, limitada. Se queres o meu depoimento, digo-te que tive em Bambadinca uma lavadeira mandinga, e nunca lhe pedi “favores sexuais” nem ela mos ofereceu. Pagava-lhe o que era justo pelo seu trabalho de lavadeira. E não mais do que isso. Quanto ao resto, ia às “meninas de Bafatá” de tempos a tempos… Por outro lado, a maior parte de nós não tinha “quartos privativos", com exceção talvez dos nossos comandantes… E era mais fácil “partir catota” na tabanca do que no quartel…

Zé: eu sei que eras (e és) um católico (,presumivelmente praticante), tinhas e tens a tua ética e fé cristãs, e que nessa época chocava-te a “miséria moral” a que se tinha chegado em Empada…

Como sabes, sempre apreciei a tua autenticidade e franqueza, valores que não são de hoje. Recebe este comentário com (bom) humor... Um xicoração fraterno. Luis Graça

Quinta-feira, Abril 04, 2013 9:16:00 PM
 
(ii) Arménio Estorninho [ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, CCAÇ 2381, Ingoré, Aldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70)

Caro Irmão Maioral Zé Teixeira:  da leitura feita concordo quase no seu todo no descrito e relevando o acidente do Sold Cond Auto Albino Carneiro de Oliveira,  o "Cantiflas", não ridicularizando no seu todo [a tua frase:] "em Empada, em 1969, o sexo avança em toda a linha."

Quanto ao "Cantiflas" que,  depois de um duche e ainda molhado, fora apanhado desprevenido ao tocar nas pontas descarnadas de um cabo eléctrico e que tinha sido retirado de um candeeiro... Tal acidente deveu-se porque a lâmpada de um candeeiro não acendia, para verificar o motivo fora chamado o eletricista e,  tendo concluído que não era avaria do candeeiro mas do cabo de ligação, por isso iria substitui-lo (eu estava presente). No entanto ele esquecera-se de executar o serviço.

Conquanto à noite fora posto em movimento o gerador elétrico, em que o fio condutor ficou com corrente e como o neutro estava partido por isso não fechava o circuito.  Assim, por negligência,  deu-se a morte de um camarada e bom amigo.

Recapitulando sobre o "sexo em Empada, em 1969," não concordo no excesso e na generalização.  Pois,  tirando aquela meia dúzia de bajudas que eram do conhecimento geral, que se acomodaram a outros tantos "felizardos" e não se indicam os seus nomes... Quanto ao resto eram situações isoladas em que quem tinha quarto ou abrigo semiprivado, tinha a possibilidade de receber visitas e com a canção do bandido em "troca de" era ofertado algo compensatório.

Com um Abraço de Maioral
Arménio Estorninho

Sábado, Abril 06, 2013 2:35:00 PM
 
(iii) Zé Teixeira  [, ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 2381,  IngoréAldeia Formosa, Buba e Empada, 1968/70]

[Foto à esquerda: O Zé, na Tabanca Lisboa, em 2005]


Caríssimos amigos:  Ao reler a frase que escrevi no meu diário de guerra " o sexo avança em toda a linha"...apetece-me rir às gargalhadas. Na verdade,  eram outros os tempos e outra a visão da realidade, sobretudo na área dos afetos.

Eu era um jovem escuteiro católico com ideal de vida projetado para a paz, o respeito pelo outro e a disponibilidade para SERVIR, a viver forçado e contrariado uma guerra. Vivia,  assim, num ambiente de guerra, onde o respeito pelo outro era imposto pela força da G3. Intimamente revoltado, remetia-me a algum isolamento,  a um silêncio que me asfixiava.

Este escrito foi, visto à distância do tempo que curou as feridas, uma generalização abusiva, como diz o Luís Graça,  que resultou do conhecimento de alguns acontecimentos reais que me chocaram como homem, como cristão e como escuteiro.

Nos primeiros tempos de Guiné, em Ingoré, quase nunca saí do perímetro do quartel à enfermaria. 

Em Mampatá vivíamos em comunidade com a população, pois não havia quartel, mas o respeito pela pessoa quer pela atitude do José Belo,  o alferes comandante do Gr Cpmb que logo à partida chamou à atenção para duas realidades concretas: Todos somos homens e todos queremos regressar a casa, para tal temos de conviver com a população de forma a não criar o mínimo atrito. A tabanca era pequena, todos se conheciam e se respeitavam e faziam respeitar. É natural que tenha havido um caso ou outro de intimidade, sem deixar marcas.

Em Buba a azáfama era tanta que não havia tempo para se pensar nestas coisas.

Ao regressar à Guiné, retemperado após um mês de merecidas férias em Portugal, fresquinho de ideias e ideais, chego a Empada onde a companhia se tinha instalado e encaro com as estórias de A, B, C,...O casado com um filho que anda com fulana, o alferes que julgava que era o único e quando deu pela situação, à noite formava-se uma carreirinha à espera de vez....etc. A casa das meninas (duas irmãs), o prometido noivo que era virgem e foi pedir ao camarada para ir falar à catraia para o atender bem e claro o tal camarada foi à frente e quem pagou foi o "noviço"...Tudo isto foi um choque para mim,  aliado ao casp da velhinha que se prostituía por um cigarro que até o fumava com o lume dentro da boca, etc.

Tudo isto provocou em mim um choque,  a juntar a tudo o resto e o desabafo saiu no diário. Bem ou mal está lá, porque reflete um estado de espírito. Exagerado, porque não reflete a verdade. Eram apenas algumas lavadeiras e alguns camaradas e sobretudo era o efeito da realidade humana - seres sexuados. Senti que havia alguma falta de respeito pela pessoa humana, pela maneira como as jovens eram motivadas a fazerem "favores sexuais" pelo valor do dinheiro. Tinha conhecimento de uma jovem na Chamarra que o marido, ao saber que ela estava grávida de um branco, a repudiara e a pôs fora de casa. Enfim! (*)

Zé Teixeira
______________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 26 de março de 2013 > Guiné 63/74 - P11319: (Ex)citações (216): É lamentável que se perfilhe a teoria propagandista do IN/PAIGC, segundo a qual este cercou Guiledje em Maio de 1973 (Carlos Silva)

quinta-feira, 3 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3017: Blogoterapia (59): Fotos chocantes de "despojos humanos" (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem de Henrique Cerqueira, ex-Fur Mil do BCAÇ 4610/72/743.ª Companhia, Biambe4.º Gr Comb, CCAÇ 13, Bissorã):

Bom dia, Camarada Luís Graça

Hoje resolvi escrever sobre o artigo do nosso camarada Branquinho (1). É que foi com alguma surpresa, e até incredibilidade, que ao ler o artigo sobre os "Despojos Humanos" deparo-me com uma série de fotos no mínimo chocantes.

Não será pelo facto de serem fotos aterradoras, pois que infelizmente quase todos nós convivemos de perto com situações idênticas e até hoje em dia somos invadidos com imagens idênticas ou ainda piores, que nos entram pela casa dentro através das televisões oriundas das mais diversas guerras actuais. Mas aí ainda se vai entendendo, devido ao jornalismo demasiadamente desenfreado e com total desrespeito pelos valores humanos.

Também posso dar algum benefício de dúvida a quem na época se recriou a tirar este tipo de fotos (pois que na época a inconsciência estava minada pela falta de formação militar e até de acção psicológica virada para o âmbito de guerra). Agora neste preciso momento, em que todos nós tentamos ainda enterrar os nossos Fantasmas , deparamos com fotos de camaradas nossos que MORRERAM e que são agora expostos como se de UM MATADOURO SE TRATASSE.

Perdoa-me, Camarada Luís, mas eu penso que não foi uma atitude acertada ao publicarem estas fotos.

Quando cheguei ao Biambe em 1972 e me atribuíram uma espécie de quarto no aquartelamento e, quando fiquei só, deparei-me com um troféu que o meu antecessor deixou num frasco, que eram duas orelhas supostamente de um inimigo. Fiquei chocado com tal troféu e em segredo eu próprio fiz uma espécie de funeral a essa parte do corpo de um ser humano.

Ainda hoje sinto tristeza ao me lembrar de tal episódio, daí o meu total desacordo na publicação destas fotografias, pois que me faz pensar que quando foram tiradas e guardadas todo este tempo, foi como se de um Troféu de Guerra se tratasse.

Penso assim que neste momento deveríamos ser um pouco mais cuidadosos e, quem sabe, ir ao fundo das gavetas e destruir algumas das más lembranças e se calhar algumas das nossas piores atitudes como seres humanos que, por este ou outro motivo, mesmo que impulsionados por situações a que fomos empurrados,umas veses obrigados, outras por instinto animalesco que de uma forma outra estaria enraizada em nós [...].

Vou terminar este meu parecer, mas quero ainda esclarecer que escrevo estas linhas movido por uma certa tristeza e alguma raiva. Daí que me desculpem todos, se não estão de acordo com o escrito. É que, como de costume, eu normalmente só escrevo o que o meu coração manda e faço-o tal e qual como penso. Por tal, meu amigo Luís Graça, se achares que não vale a pena publicar, estás como sempre à vontade para o fazer.

Quero ainda dar uma nota muito positiva para o que se tem escrito sobre o tema que foi lançado que é o após, o regresso à Metrópole (2). Logo que possa, e se ainda estiver admitido neste blogue, escreverei algo sobre o dito tema.

Um abraço para ti Luís Graça e restantes camaradas da TABANCA GRANDE
Henrique Cerqueira
Ex-Fur Mil
Batalhão 4610/72
Biambe, Bissorã,
1972/1974

2. Comentário de L.G.:

(i) É saudável discordarmos uns dos outros, e sobretudo apresentarmos as razões por que discordamos desta ou daquela orientação, atitude, acção, omissão... Discordar não é conflito nem delito.

(ii) A decisão foi minha, e de mais minguém, a de "ilustrar" (não gosto do termo, mas não me ocorre outro) o poste do Branquinho com as imagens (macabras) de "despojos humanos" que, presumo, tenham sido enterrados, depois de fotografados, no "biotério" do Hospital Militar de Bissau, se é que o hospital tinha biotério...

(iii) Calculei os riscos e os estragos. Pela segunda vez, pisei deliberadamente o risco. E também propositadamente reproduzi o comentário que o Carlos Vinhal já tinha feito, através do correio electrónico do nosso blogue, a respeito dessas imagens.

(iv) Na altura já não sei se respondi ao Carlos Vinhal. De qualquer modo, nem todas as questões que levantamos, a nós próprios ou aos outros, têm resposta. Recuso o "voyeurismo", a morbidez, a pornografia, a exploração estética da morte e do horror... mas há às vezes tenho dificuldade em estabelecer a linha de fronteira. Eros e Tanatos, amor e morte, são uma terrível dicotomia, com que nunca saberemos lidar bem (ou com que sempre lidaremos mal)...

(v) O que nos incomoda nas imagens da morte na guerra ? Há um pudor, por parte dos velhos guerreiros, dos antigos combatentes, em relação à morte, aos cadáveres, aos despojos humanos da batalha... Curiosamente, também os médicos lidam mal com isso... Como se ambos soubessem que a Morte/Tanatos acaba sempre por triunfar contra tudo e todos, o Amor/Eros, a vida, a ciência, a tecnologia, a nossa doce e terna ilusão de eternidade... Por isso fazemos monumentos (funerários) aos nossos mortos, aos nossos combatentes, aos nossos heróis...

(vi) Na aldeia global, a morte não é mais sinónimo de horror porque chega a nossas casas através do ecrã-tampão, do ecrã-filtro do nosso televisor... Já nada nos tira o apetite (nem a seguir o sono) à hora do telejornal, à noite, ao jantar... A televisão banalizou a morte, o horror, a guerra em directo...Do Iraque ao Darfur...

(vii) Em contrapartida, as imagens do fotojornalista que chegam à World Press Photo, através de um processo de selecção de um júri, profissional, conceituado, plural e internacional - muitas delas sobre o horror da guerra e da violência - têm como objectivo, explícito, COMUNICAR comigo, e implícito, PROVOCAR-ME, CHOCAR-ME, MEXER COM AS MINHAS EMOÇÕES, INTERROGAR-ME, SACUDIR A MINHA INDIFERENÇA, SENSIBILIZAR-ME, etc.

(viii) Os nossos filhos, que felizmente não foram à guerra, TÊM O DIREITO SABER QUAL O EFEITO (DEVASTADOR...) QUE AS NOSSAS TECNOLOGIAS DA MORTE, nossas e do PAIGC, tinham sobre os nossos corpos, sobre os corpos dos nossos camaradas, sobre os corpos dos nossos inimigos... Das minas anti-pessoais aos fornilhos, dos obuzes 14 às bombas de napalm, das granadas de RPG7 aos morteiros 120...

(ix) E o que é a guerra se não um imenso matadouro, Henrique ? Repara que estas imagens são descontextualizadas, não permitindo em caso algum identificar quem que seja... Por outro lado, não são nem podem ser lidas como troféu de guerra (Nada te autoriza essa leitura...).

(x) É preciso "exorcizar os nossos fantasmas" (coisa que andamos a tentar fazer há 40 anos, ao que parece em vão...). Concordo contigo. Mas será através da denegação ? Da ocultação dos cadáveres, das orelhas, das cabeças, das pernas, dos despojos... ? Da destruição das imagens, dos signos, dos vestígios, dos documentos, das narrativas ?

(xi) Não creio que alguém se pudesse recriar (o termo é teu) , no então HM 241, e muito menos o nosso camarada Carlos Américo Cardoso, ex-1º Cabo Radiololista (que já deu provas de ser uma camarada com valores, com sensibilidade, com sentido de solidariedade, etc.)...

(xii) Vamos censurar as nossas próprias narrativas ? Vamos decidir que frases como esta são inaceitáveis porque podem ferir a nossa sensibilidade, ou a sensibilidade de alguns de nós, dos nossos velhos, das nossas criancinhas ?

Entra no recinto do aquartelamento a viatura de caixa aberta, com os pedaços dos corpos. Curiosos agarram-se às cancelas e espreitam.
– Foda-se! Parecem todos pretos! (1)


(xiii) Agradeço muito a tua participação no bogue, com o teu comentário, ainda para mais para me criticares enquanto editor. É um direito mas também uma obrigação que tu tens, enquanto mebro da nossa Tabanca Grande.

(xiv) Em contrapartida, estranho o teu último parágrafo: "Quero ainda dar uma nota muito positiva para o que se tem escrito sobre o tema que foi lançado que é o após, o regresso à Metrópole (2). Logo que possa, e se ainda estiver admitido neste blogue, escreverei algo sobre o dito tema"...

Não aceito a tua insinuação (involuntária...) de que alguém possa ser expluso deste blogue por uma "delito de opinião" ou por fazer críticas ao(s) editor(es)...

Um Alfa Bravo (abraço) do Luís.

_________

Notas dos editores:

(1) Vd. poste de 1 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3011: Não venho falar de mim... nem do meu umbigo (Alberto Branquinho) (3): Fornilhos e despojos humanos

(2) Vd. poste de 2 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3015: Os nossos regressos (4): Dois anos perdidos naquela terra, quente, húmida e vermelha...(Torcato Mendonça)

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Guiné 63/74 - P2563: Inquérito online: Uma guerra violenta mas humana? (1): Nem santa nem suja (Francisco Palma / Virgínio Briote / Carlos Vinhal)

Guiné > Região de Tombali > PAIGC > Região libertada de Balana/Quitafine > s/d > Dois guerrilheiros descansando das agruras da luta...

Foto: United Nations / Yutaka Nagata. In Return to the Source, Selected Speeches, by Amilcar Cabral . New York, Monthly Review Press, 1974. Fonte: A Brief History of the PAIGC (com a devida vénia...)

1. Amigos e camaradas:

Qual o sentido da frase do nosso camarada Manuel Rebocho, Uma guerra violenta mas humana ?

Guerra é guerra, e quem vai à guerra dá e leva...? Ou: a guerra que fizemos foi dura, cruel, violenta - não discutimos se foi justa ou injusta... Procurámos, no entanto, tratar (pelo menos entre 1972 e 1974) com a dignidade e a humanidade possíveis os prisioneiros que fizemos...

Não estamos sequer a falar da III Convenção de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, que data de 1949 e de que nós nunca ouvimos sequer falar, na instrução militar...

A questão é: Todos ou quase todos lidámos com prisioneiros: foram executados, foram torturados ? Foram tratados, quando feridos ?

Sabemos que não foi uma guerra "nem santa nem suja", até porque tanto as NT como o PAIGC estávamos empenhados (sobretudo a partir de Spínola...) em ganhar o apoio das populações...

Sei que este questão é dita fracturante (na nossa Tabanca Grande), mas todos podemos dar - com a serenidade possível, o que não quer dizer sem pinga de emoção... - o nosso ponto de vista particular (como testemunhas, como actores)...

Publicar-se-ão, no final da sondagem (que termina daqui a seis dias) as "declarações de voto", como esta, a primeira, que nos chega... Um Oscar Bravo para o Francisco Palma. Um Alfa Bravo para todos os camaradas e amigos da Tabanca Grande (os amigos também têm opinião...)

Luís

PS - E já agora, se aceitarem uma sugestão minha, vejam o filme que foi estreado há dias nos nossos cinemas, "No vale de Elah", de Paul Haggis:


Depois de regressar do Iraque, Mike Deerfield (Jonathan Tucker) desaparece e é considerado desertor. Quando Hank (Tommy Lee Jones, num surpreendente desempenho), um veterano, e a sua mulher Joan (Susan Sarandon) recebem o telefonema com a trágica notícia do desaparecimento do filho, o pai resolve procurá-lo. A detective Emily Sanders (Charlize Theron) ajuda-o na investigação, mas à medida que o mistério se revela e Hank descobre pormenores sobre a missão do filho no Iraque, tudo aquilo em que acreditava é posto em causa. "No Vale de Elah" é realizado por Paul Haggis, o realizador do premiado "Crash" e argumentista de "Million Dollar Baby", "As Bandeiras dos Nossos Pais" e "Cartas de Iwo Jima", de Clint Eastwood.

Fonte: http://cinecartaz.publico.pt/


2. Declaração de voto do Franscisco Palma (Residente em São João do Estoril, ex-condutor auto, hoje DFA, com mais de 30% de deficiência, em consequência de uma mina A/C, accionada em Abril de 1970) (1):

Voto DISCORDO porque , para mim, nenhuma guerra será humana, mas sim sempre cruel e injusta, quer para os combatentes e muito menos para os inocentes sem opinião formada.

Eu que o diga que nunca pedi para ir para a Guiné e sofri 15 ataques e a terminar a missão ( ? ) accionei uma mina anticarro ficando deficiente para o resto da vida, mas sortudo por não ter morrido, nem eu nem nenhum dos camaradas que seguiam na viatura.

Francisco Palma
CCAV 2748
Canquelifá
1970/72

3. Mensagem do Virgínio Briote (ex-Alf Mil Cmd, Brá, 1965/66, co-editor do nosso blogue):


A guerra não foi nem santa nem tão digna como por vezes ouvimos contar. Aconteceu de tudo. Prisioneiros entregues aos responsáveis pelas informações (2ª Rep, Comandos de Batalhão), Prisioneiros devolvidos às NT para servirem de guias (e não foram assim tão raros os casos em que foram abatidos em plena acção, em especial os que nunca davam com os caminhos por mais voltas e voltas que nos fizessem dar), Prisioneiros recuperados e integrados em estruturas locais (milícias, grupos especiais, cmds...), de tudo aconteceu.

E não podemos deixar de falar das populações, sempre esquecidas pelos intervenientes de qualquer dos lados. De uma maneira ou de outra acabavam por levar. Vítimas dos ataques da guerrilha a povoações e aquartelamentos e certamente vítimas das NT. Quantas vezes terá acontecido fazermos Prisioneiros (com as consequências respectivas) entre a população, apenas por indicações de elementos da própria tabanca e que, posteriormente, se revelaram sem crédito?

E finalmente (?) ainda, não podemos esquecer atitudes de grande nobreza moral, que ocorreram de um e outro lado. E que, na altura, não deixavam de ser notadas com sinais contrários, com gestos de enobrecimento por uns e de desprezo por outros também (O IN é assim que deve ser tratado ou o IN tem apenas o direito de ser tratado a tiro).

De tudo aconteceu e tudo aconteceu, passe a expressão.
Um abraço,
vb

4. Opinião do Carlos Vinhal (Ex-Fur Mil Art MA/CART 2732, Mansabá , 1970/72

Camaradas:

Votei Discordo totalmente, porque falar em guerra humana dentro do possível é demagogia.

Primeiro, porque quando me puseram na Guiné, foi com a intenção de que eu matasse para não morrer, aproveitando o instinto de sobrevivência natural em qualquer ser vivo, animal (irracional também) ou vegetal.

Segundo, porque quando a minha Companhia embarcou, passámos a ser números. Uns quantos foram destinados a fazer parte da percentagem X que iria morrer em combate, outros, da percentagem Y que iria ficar estropiada, etc., etc.

A nossa guerra não tem sido aproveitada, em Portugal, pela 7.ª Arte, mas os anglo-saxónicos, especialmente os americanos, não se coibem de fazer ficções sobre a 2.ª Grande Guerra, Guerra da Coreia , Vietname e até já do Iraque, onde assistimos a planeamentos de Batalhas e Operações, onde se apresentam cálculos das baixas prováveis, sem se importarem, se quem vai morrer é o António, o José ou o Manuel. Isto é ou foi humano?

Não morri porque não calhou, não matei porque não se proporcionou. Montei minas, não me importando se elas iriam ser accionadas por alguém que eventualmente até poderia ser civil. Não fui humano, nem deixei de ser.

Não devemos confundir a árvore com a floresta e, as acções individuais humanitárias praticadas por muitos dos combatentes de um lado e do outro, não dignificaram a guerra, dignificaram e muito quem praticou essas acções.

Um abraço

Carlos Vinhal

terça-feira, 31 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P2013: Questões politicamente (in)correctas (31): o racismo e a disciplina militar (Beja Santos)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 52 > Natal de 1970 > Comentário do BS: A fotografia chegou-me a Lisboa depois do Natal de 1970. Tem escrito Recebe um abraço do Nelson Reis, Fá, Natal de 1970. Parti do Xime para Bissau a 4 de Agosto desse ano. O Nelson Wahnon Reis chegara meia dúzia de dias antes. Creio que se cometeu um erro tremendo com a sua nomeação para um pelotão de fulas e mandingas, felizmente que tudo acabou em bem. A seu tempo falarei desse período na Operação Macaréu à Vista. Agradeci as notícias, mas logo informei que estava a preparar exames, o que não era bem verdade. Estava tomada a decisão de cortar radicalmente o contacto, tinha aqui os estropiados, e chegaram mais, nos anos seguintes. O Nelson está ao centro, de pé. Tem a sua direita, já bem gordinho, o Cabo Queirós, o 81 ( ajudava-me no morteiro, nos dias de festa...), sentado à direita, de mão no queixo o meu inesquecível guarda-costas, Tcherno Suane. Comentário do L.G.: O Alf Mil Nelson Wahnon Reis, que foi substituir o Beja Santos, no comando do Pel Caç Na52 (entretanto transferido para Fá Mandinga, por troca com o Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, que foi para Missirá) era natural de Cabo Verde.

Foto: © Beja Santos (2007). Direitos reservados.

Texto do Beja Santos (ex-alf mil, comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70):

Disparidade de Critérios: Cabo metropolitano ou cabo guineense?

por Beja Santos

Luís, tu questionaste-me se a minha reacção face ao comportamento repreensível do Cabo Benjamim Lopes da Costa (ver episódio "Mataste uma mulher, branco assassino!") (1) teria sido idêntica caso tivesse ocorrido com um Furriel ou Cabo metropolitano. Desculpa só hoje responder, foi só por pura falta de tempo.

Respondo sem hesitar: sim, teria sido a mesma. A minha relação com e Cabos não tinha distinção, orientei-me sempre pela dedicação, motivação e competência. Para falar só de Benjamim, meses mais tarde sobre esta triste ocorrência, ele foi louvado por "ter demonstrado excepcionais condições de trabalho, desembaraço e entusiasmo em todos os serviços de quem tem sido encarregado... Abnegado e competente, também nas actividades operacionais se revelou um elemento cumpridor e com quem se podia contar".

Em 1971, tinha já a guerra acabado para os dois, convidou-me para padrinho de casamento (assistiu e participou na boda do meu casamento, em Abril de 1970), não podia nem queria aceitar, enviei-lhe a prenda que ele me pediu, as alianças. Através do irmão, o Benicío Lopes da Costa (foi secretário-geral da Assembleia Nacional Popular e brilhante aluno de Filosofia da Cristina) fui sempre tendo notícias e estivemos juntos em 1991, por várias vezes. Veio a morrer num estúpido acidente de automóvel.

Tu, que conheces melhor que ninguém o volume publicado no blogue, não encontras discriminação nos tratamentos. Havia três Furriéis, aparece sempre o Casanova e o Pires, nunca escrevo sobre o Pina, que adoptou connosco um estranho comportamento de um desenfianço permanente (terá direito ao episódio "O dedo mindinho do Furriel Pina"). No entanto, ele será transferido para o [Pel Caç Nat] 63 e receberemos o Furriel Vitorino Ocante, um guineense, um homem afável, cumpridor e competente.

Não te esqueças igualmente que eu sempre tratei o Cabo Costa como o mais culto dos meus colaboradores. Era um papel de Bissau, frequentou o liceu e tinha uma preparação cultural muito acima da média. Na emboscada de Malandim (1), produto das circunstâncias, certamente por ser a primeira vez que via sangue, o Benjamim fraquejou. Ou eu cortava a direito ou o sentido de justiça que é crucial na comunicação com a tropa guineense estava definitivamente perdido e os meus créditos arruinados. Vi assim, sentia assim, se voltasse atrás teria procedido assim.

Beja Santos

________

Nota de L.G.

20 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1978: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (56): Mataste uma mulher, branco assassino!
Comentário ao post:

Luís Graça disse...

Meu caro Mário e restantes camaradas da Guiné: Uma das regras de ouro do nosso blogue é: Ninguém condena ninguém!... Nenhum camarada que fez a guerra da Guiné diz para outro camarada de armas, a esta distância (de 33 a 44 anos): Foste herói, ou foste coberde, ou foste assassino, ou foste criminoso de guerra... Ninguém, nesta caserna, está em condições de dizer, olhos nos olhos, a outro camarada: Procedeste bem, procedeste mal...

Nenhum de nós quer ser ou pode ser juiz em causa própria: Mal ou bem, estivémos num lado da barricada; lutámos ou fingimos que lutámos; matámos (por muito que nos custe admiti-lo); destruímos aldeias, meios de vida, gado; envenenámos poços; regámos culturas de arroz com napalm... Como em todas as guerras, defendemos e atacámos. E, como muito bem nos lembra o Briote, fizémos escolas, abrimos centros médicos, mobilizámos milhares de jovens guineenses, criámos a ilusão da Guiné Melhor... Enfim, fomos capazes de fazer a paz, em condições dífíceis...

Há guineenses, hoje - não posso quantificar - que guardam boas recordações de nós; outros nem tanto... Na realidade, a guerra colonial foi também uma guerra civil, em que valia tudo (ou quase tudo), incluindo a demagogia...

Serve este preâmbulo para saudar o Mário Beja Santos pela sua coragem e honestidade intelectual. Toda a gente sabia, na Bambadinca do meu tempo, que ele montava emboscadas, à noite, às gentes de Madina (leia-se: às forças do PAIGC) que vinham abastecer-se nas aldeias ribeirinhas do Rio Geba, de etnia balanta, que por sua vez faziam as suas trocas comerciais com os comerciantes (brancos) de Bambadinca...

Alguns de nós, como eu, não apreciavam muito o comportamento (militar) do Tigre de Missirá que levava a sua missão até ao extremo limite das suas forças... Por isso, ele teve a sua cabeça a prémio... Mas na véspera de acabar a sua comissão, quando escapou por um triz de uma mina, os seus camaradas da CCAÇ 12 e da CCS do BCAÇ 2852, e de outras unidades, atravessaram a bolanha de Finete, de noite, para ir em seu socorro... Ele era nosso camarada. E eu também estive lá. Eu, o Humberto, o Carlão e tantos outros.

Hoje, ao ler os seus escritos, que temos vindo a publicar ao longo de um ano, eu entendo melhor os terríveis dilemas morais de um homem só, a quem foi confiada uma missão hercúlea, quase impossível...

Não vou julgá-lo, não tenho esse direito, a respeito do que se passou na emboscada de Malandin, no dia 3 de Agosto de 1969, às 19h...

Quero apenas acrescentar que também sou capaz de entender (compreender, o que não implica nenhum juízo de valor) o comportamento do 1º cabo Costa, papel, oriundo de Bissau...

Gostava de perguntar ao Mário, qual teria a sua reacção, se em vez do Costa, tivésse sido outro cabo, metropolitano, ou até um dos seus furriéis, o Pires ou o Casanova o autor das terríveis palavras "Assassino, mataste ua mulher"!... É uma mera hipótese teórica, mas a questão é interessante para suscitar uma reflexão (crítica) entre todos os camaradas que fizeram aquela guerra e que tinham, nas suas fileiras, militares guineenses, como foi o caso do Pel Caç Nat 52, do Beja Santos, do Pel Caç Nat 53, do Paulo Santiago, do Pel Caç Nat 63, do Jorge Cabral, da CCAÇ 13, do Carlos Fortunato ou da CCAÇ 12, do Luís Graça, do Humberto Reis, do Joaquim Fernandes, do Tony Levezinho, do Abel Rodrigues ...

Como é que eu ou qualquer um de nós teria reagido se houvesse, nas nossas fileiras, alguém, camarada, a gritar-nos na cara: "Assassino, mataste uma mulher!"...

Retomando as palavras de Jesus Cristo, quem de nós, hoje, está em condições de lançar a primeira pedra a um camarada que foi capaz de pôr o seu nome por baixo de um texto portentoso e ao mesmo tempo perturbante como este, que acaba de ser publicado no nosso blogue ?

Luís Graça

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Guiné 63/74 - P1966: Uma carecada para ... (1): O blogue A Arca do Bué

1. Carecada: termo da gíria de caserna; castigo disciplinar, imposto pelo superior hierárquico, e que consistia no corte de cabelo à máquina zero...

Na blogosfera, significa assobio, pateada, vaia, reprovação por um comportamento menos digno, como por exemplo, o plágio, a pirataria, o não respeito pelos direitos de autor, o insulto, a acusação gratuita, a recusão do direito de resposta, etc.

2. E a primeira carecada, imposta pelos nossos editores, vai para... o blogue A Arca do Bué... Por que publicou um estória cabraliana, um conto do nosso amigo e camarada Jorge Cabral, além de uma imagem, sem citação da fonte nem autorização do autor e do editor. Além de ter permitido a publicação de comentários, anónimos, insultuosos, sobre o nosso camarada, que é advogado e professor da Universidade Lusófona.

Mandámos ao webmaster de A Arca do Bué (que não dá a cara) uma mensagem, a qual até agora caíu em saco roto (foi apenas inserida como comentário ao post em questão) (1):

Caro webmaster:

Este texto (1), original, foi publicado no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, e tem direitos de autor:

23 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1689: Estórias cabralianas (3): O básico apaixonado (Jorge Cabral)

No mínimo, não é bonito a sua publicação em A Arca do Bué (1), sem autorização do autor e do editor do blogue. O mesmo se passa com a foto. Peço-lhe que faça as devidas correcções, citando as fontes e pondo um link para o nosso blogue. A blogosfera só ganhará com isso.

Cibersaudações

Luís Graça
_______

Nota de L.G.:

(1) Vd. post de 10 de Julho de 2004 > A Arca do Bué > 2007/06/20 > Grande Cabral

quinta-feira, 31 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1804: Bibliografia (8): Rumo a Fulacunda, de Rui Ferreira: Em defesa do bom nome dos velhos comandos (João Parreira)



Emblemas do Grupos de Comandos Fantasmas (1965/66) e Apaches ( 1966) .

Fotos: Tantas Vidas, blogue de Virgínio Briote (com a devida vénia).


1. Texto do João Parreira, ex-furriel miliciano comando dos Grupos de Comandos Os Fantasmas e Os Apaches (1965/66) (1).


Caro Camarada de Tertúlia, Coronel Rui Alexandrino Ferreira,

Sobre o seu livro Rumo a Fulacunda (2), extremamente interessante e elucidativo - e como tal faço votos para que sejam vendidos muitos exemplares - gostaria, se me permite, e por me parecer pertinente, fazer apenas algumas considerações, caso contrário não ficaria bem com a minha consciência (3). Para isso vou transcrevo algumas, breves, partes do livro.


Estive nos Comandos em Brá, oficialmente desde 11 de Fevereiro de 1965 (excepto entre 21 de Fevereiro e 14 de Março de 1965) no Grupo Fantasmas (1º. Curso) e, depois da sua extinção, no Apaches (2º. Curso).

Fiquei neste grupo também até à sua extinção uma vez que em 30 de Junho de 1966 chegou a Brá a 3ª Companhia de Comandos que recebeu instrução em Lamego, no CIOE, e foi mobilizada no RAL 1.

Ainda foi ministrado na Guiné um 3º Curso que terminou a 28 de Abril de 1966, ou seja 2 meses antes de chegar a 3ª CCmds, e no qual participaram 14 soldados, quatro 1ºs. Cabos, o Fur Jorge Ázera e o 2º Sgto Galileu Cordeiro.

Fiquei em Brá até 11 de Agosto de 1996, tendo regressado à Metrópole em 13 do mesmo mês.

Antes de ingressar no primeiro deles, de livre vontade, fui operacional da CART 730, onde fui colocado em 1964 após ter terminado com aproveitamento o treino físico do Curso de Operações Especiais (no CMEF) em Mafra e depois no CIOE em Penude (Lamego), e que na altura era referido como rangers.


1) Voltando ao livro, diz Rui Alexandrino Ferreira, na página 107: “Num à parte, para melhor compreensão da situação, refiro ter a dita Companhia de Comandos uma péssima fama entre a tropa macaca (era assim que estes se referiam às Companhias normais)".

1a) No que concerne à frade "para melhor compreensão da situação..... péssima fama", perdou-me o meu pensamento, mas não posso deixar de levar em conta que este nome depreciativo péssima foi muito provavelmente inventado para denegrir o bom nome dos Comandos e satisfazer eventuais ódios ocultos de meia dúzia de iluminados no contexto da Guiné.

Digo isto, salvo melhor opinião, porque tendo percorrido praticamente toda aquela Província, como é óbvio, e estado em contacto directo com imensas Companhias com as quais fizemos várias operações, nunca nenhum elemento dos meus Grupos sentiu qualquer inimizade, muito bem pelo contrário, pois não raras vezes foram enviados para reforçar Companhias que eram mais atingidas pelo IN.

1b) Tropa macaca: desconheço quem criou ou pôs a correr aquele nome, se é que de facto existiu; no entanto posso assegurar-lhe, se é que isso vale alguma coisa, que durante o período atrás referido, e como é natural, confraternizei em Bissau não só com camaradas doGrupos, desde alferes a soldados, como também de outras Unidades não só do Exército como da Marinha e da Força Aérea.

Nesses contactos nunca ouvi ninguém dos Grupos referir-se ou mencionar a tropa, que afinal éramos todos nós, como tropa macaca.

No que concerne aos outros dois ramos [, a Marinha e a Força Aérea,], nunca ouvi, igualmente, referirem-se ao Exército com aquele nome. Também em contacto directo nos aquartelamentos ou no mato com as imensas Companhias que nos fizeram ao longo do tempo a cobertura de ida e regresso, nunca ouvi no meu tempo, repito, qualquer elemento dos Grupos referirem-se a qualquer camarada do Exército como Vocês são tropa macaca;


2) Logo a seguir o autor do livro mencion: “Corria à boca cheia que num daqueles bambúrrios da sorte que acontecem uma vez na vida teve a dita cuja, a taluda, ou seja a inacreditável ajuda do acaso, ao dar de caras com uma mal protegida mas muito bem aprovisionada arrecadação turra, cheia de material de guerra” (página 107).

2a) Na realidade, quando às 19H00 se partiu para essa operação, a mesma estava devidamente referenciada e não a dita cuja, a taluda, ou seja a inacreditável ajuda do acaso, ao dar de caras...

2b) e, na mesma linha, com uma "mal protegida"... A informação emanada das Chefias Militares era que a referida base era composta por 80 homens bem armados ("mal protegida" ?).

De tal maneira estava a base mal protegida, como é mencionado, que o IN infligiu ao grupo, composto de 22 elementos, um morto, dois feridos graves que foram evacuados de heli para o Hospital de Bissau e mais 6 feridos ligeiros.

Tal como o Senhor Coronel, também fui ferido em combate não duas mas três vezes, tendo numa delas sido evacuado.

3) Seguidamente refere: “Guardadas, em recato, umas dezenas de armas que ali existiam, teriam entregue só uma parte e a partir de então, passou o Tenente Saraiva que a comandava e que foi no seguimento da Comissão promovido por distinção a Capitão, a afirmar alto e bom som, na messe de Oficiais, em Bissau que iria sair para o mato e só de lá regressava quando capturasse determinada quantidade de armamento, promessa que religiosamente cumpria” (página 107).


3a) “Guardadas em recato, umas dezenas de armas .....entregue só uma parte”... Acho muito difícil e pouco provável que o tenha feito sem o conhecimento dos elementos do Grupo, por outro lado como as transportaria escondidas, e onde as guardaria em recato e, por conseguinte sózinho, umas dezenas de armas: no armário do quarto, debaixo da cama, no QG, numa palhota secreta, em que lugar ?


3b)... “e a partir de então, passou o Tenente Saraiva que a comandava e que foi no seguimento da Comissão promovido por distinção a Capitão” (...) (página 107).

Para esse efeito o referido oficial deslocou-se a Portugal no dia 10 de Junho de 1965 (e foi também condecorado) tendo depois regressado à Guiné.

3c) “Afirmar alto e bom som, na messe Oficiais, em Bissau, que iria sair para o mato e só de lá
regressava quando capturasse determinada quantidade de armamento, promessa que religiosamente cumpria” (págima 107).

Parece-me injusto que na messe dos Oficiais lhe tenham posto na boca estas afirmações uma vez que nunca poderia satisfazer a promessa que religiosamente cumpria uma vez que o Grupo não efectuou mais operações em virtude de, pouco tempo depois, ter sido extinto.

Infelizmente, desde há 5 anos que o referido Oficial não se encontra no mundo dos vivos.

Respeitosos cumprimentos do tertuliano João Parreira

2. Comentário do editor do blogue:

João e Rui:

Estas questões do bom nome e da honra (do indivíduo ou do seu grupo de pertença), são deveras delicadas... Mas eu concordo que se venha a terreiro defender a memória dos camaradas com quem se conviveu e com quem se lutou... Acho bonito que o João venha defender a memória do seu camarada Saraiva, tanto mais que ele já não está cá, neste vale de lágrimas, para se defender...

Escusado será dizer que eu acho bem que que se cultive, no nosso blogue, o espírito crítico, a defesa da verdade ou valores como a liberdade de pensamento e de expressão... A regra é: podemos discordar, saudavelmente, uns dos outros, sem que isso descambe num conflito patogénico, disruptivo, disfuncional...

Em matéria de opiniões, cada um tem as suas e deve defendê-las, com elegância, inteligência, bom gosto, bom senso, etc. Já a verdade dos factos é um princípio fundamental do nosso blogue... A menos que se trate de textos ficcionados, devemos ser intransigentes neste ponto. É claro que hoje a memória pode atraiçoar-nos... E memso no passado, é bom não esquever que tínhamos uma visão parcelar das coisas... Quantas vezes não emprenhámos pelos ouvidos!

É claro que o livro do Rui, muito interessante e de leitura apaixonante em muitas das suas partes, foi concebido e elaborado num contexto que nada tem a ver com o nosso blogue ou a nossa tertúlia. É um livro, de memórias, está no mercado livreiro, está nas bibliotecas, pertence agora aos leitores e ao público...

É, de resto, nessa qualidade de leitor que o João aqui vem, a terreiro, pôr os pontos nos ii em relação dois ou três parágrafos referentes a um Grupo de Comandos. Se ele tiver razão, o Rui poderá ainda ir corrigir os parágrafos em causa (página 107), na 3ª edição, que eu espero esteja para breve... Mas o autor é sempre soberano...

Fiquem, os dois, com o meu apreço e a minha amizade. L.G.

PS - O João esqueceu-se que, entre camaradas, nesta caserna virtual, tratamo-nos todos por tu...

___________

Notas de L.G.:


(1) Vd. post anteriores do (ou referentes ao) João Parreira:

3 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74- CCCXXX: Velhos comandos de Brá: Parreira, o últimos dos três mosqueteiros

6 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXLI: O 'puto' Parreira, do grupo de comandos Apaches (1965/66)

20 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DCXLIII: Com a CART 730 em Bissorã e Olossato (1965) (João Parreira)

12 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P868: Diabruras dos comandos (João Parreira)

13 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCLXIII: O baile dos finalistas do Liceu de Bissau de 1965 (João Parreira)

23 de Maio de 2006 > Guiné 63/74 - DCCLXXXIV: Lista dos comandos africanos (1ª, 2ª e 3ª CCmds) executados pelo PAIGC (João Parreira)

19 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1381: Feliz Natal, Próspero Ano Novo, Adeus e Até ao Meu regresso (6): comandos de Brá em 1965, crime e castigo (João S. Parreira)

20 de Dezembro de 2006> Guiné 63/74 - P1384: Com o Alferes Comando Saraiva e com o médico e cantor Luiz Goes em Madina do Boé (António de Figueiredo Pinto)

21 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1389: Testemunhos sobre o Marcelino da Mata a pedido de sua filha Irene (5): Comandos A. Mendes & João S. Parreira

6 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1405: Antologia (56): Marcelino da Mata, o último guerreiro do Império (João Parreira)

4 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1493: Estórias de Madina do Boé (António Pinto) (2): Eu e o Furriel Comando João Parreira

12 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1584: Um choro no mato e as (des)venturas de um futuro comando em Bissorã (João Parreira)

29 de Abril de 2007 > Guiné 63/74: P1710: Tertúlia: Encontro de Pombal (2): Saudades (João Parreira / António Pinto / Vitor Junqueira)


(2) Vd. post de 17 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1285: Bibliografia de uma guerra (14): Rumo a Fulacunda, um best seller, de Rui Alexandrino Ferreira (Luís Graça)


(3) Vd. também a apreciação crítica do Virgínio Briote, ex-Alf Mil Comando :

1 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1718: Lendo de um fôlego o livro do Rui Ferreira, Rumo a Fulacunda (Virgínio Briote)

(...) "Do resto, emites algumas opiniões generalizadas sobre os cmds, opiniões a que tens evidentemente todo o direito. "Que corria à boca cheia que num bambúrrio de sorte....", que entraram numa arrecadação, coisa e tal, e que aquilo durou até ao fim da comissão...E perguntas-te a ti próprio se terá sido verdade. "Actuações terrivelmente confrangedoras..." "E se operacionalmente não era aquela CCmds um valor efectivo nem o podia ser nunca, pois ...., mal preparados..." Opiniões.

"A CCmds actuou de Jun 64 a Jun 66. Os efectivos rondaram os 200 homens. Tiveram 12 mortos e 19 feridos. Cerca de 70 armas capturadas, para falar só de armas. Foram estes os resultados. Não são opiniões.

"Àparte esta questão, repito, caro Rui, tive muito gosto em ler o livro. Rever aquelas terras, página a página, os nomes dos intervenientes quase todos meus conhecidos, foi uma leitura muito interessante.Caro Rui Ferreira, um grande abraço e até um dia destes" (...).

quarta-feira, 2 de maio de 2007

Guiné 63/74 - P1722: Provetas, crime e castigo, louvores e punições, erros e perdões (Jorge Cabral)



Cópia do louvor atribuído pelo Comandante do CAOP2 ao Alf Mil Art Jorge Cabral (Fá e Missirá, 1969/71), comandante do Pel Caç Nat 63, transcrito na Ordem de Serviço nº 188, de 9 de Agosto de 1971, do Batalhão de Artilharia 2917 (pag. 774). Classificação Reservado.

Foto: © Jorge Cabral (2007). Direitos reservados

1.Mensagem do Jorge Cabral, de 20 de Abril de 2007:

Amigo Luís,

Continuo a acompanhar o teu / nosso blogue, o qual me ajuda a reconstituir um tempo demasiado importante da minha vida. Claro que escrevemos de nós para nós, sendo muito difícil a quem nunca foi a África, fez a tropa ou viveu a Guerra, entender.

Os meus alunos às vezes espreitam... mas não percebem nada. Como explicar-lhes o que era habitar Missirá?

Há anos, o meu irmão Carlos visitou a Guiné e quis ver Missirá. Conseguiu que o levassem e, lá chegado, imaginando-me ali, chorou...

Fui sempre um paisano incorrigível, desalinhado, marginal, mais do que crítico, um gozador... com óbvia falta de vocação militar. Para que serviam os Serviços Psicotécnicos do Exército? Com que critérios me classificaram como Atirador e depois me fizeram Comandante de Destacamentos?

Devia ter sido Alferes - Básico, e o certo é que se tivesse sido incorporado um ou dois anos mais tarde, acabaria também eu, tal como muitos dos meus Colegas, em Capitão - Proveta (1).

Como tu, ou o Mexia Alves, fui louvado, afirmando-se que "o (meu) trato afável e habilidade para lidar com tropa africana e populações, (me) grangearam grande prestígio".

Alguém nos ensinou essa capacidade para lidar com o outro, para o entendermos, para nos adaptarmos? Não se ensina, nem se aprende, é inata!

Tivéssemos servido entre chineses ou esquimós e os nossos louvores diriam o mesmo.

Excluindo a preparação física, muito pouco de útil, me transmitiram na Recruta e na Especialidade.

Mais ou menos Provetas éramos todos! Nos últimos meses comandei três operações. Numa delas, fui obrigado a tomar decisões complicadas. Como teria agido no início da Comissão?

Na Guerra como no Amor, só a experiência é Mestra!

Quero crer que nenhum Capitão falhou deliberadamente. Alguns obedeceram a ordens absurdas. Não tiveram coragem para desobedecer...

Erros cometemos todos. Lá e cá. Não podemos voltar atrás. Quem foi culpado de, por tibieza ou estupidez, ter contribuido para tão trágicos episódios, certamente sentiu durante todos estes anos, profundo arrependimento e enorme mágoa.

Falar hoje em perdão terá algum sentido?

Abraço Grande
Jorge


PS - Junto, muito amarfanhado, o meu Louvor.

2. Comentário do editor do blogue:

Jorge, amigo e camarada: Estou em total sintonia contigo. Não se nasce soldado. Não se nasce oficial nem cavalheiro. Não se nasce líder nem comandante. Todos fomos provetas, ou pelo menos periquitos. Todos estávamos mal preparados para compreender e fazer aquela guerra. Ou até simplesmente lidar com aquele(s) povo(s). Todos aprendemos, fazendo, errando... Com sangue, suor e lágrimas... quase sempre.

Pessoalmente, tenho dificuldade em ser juiz de quem quer que seja, o mesmo é dizer, condenar ou perdoar. Muito menos ser juiz de ex-combatentes. Só posso falar do que conheci, vivi, testemunhei... Em relação aos combatentes, de um lado e de outro, que morreram, curvo-me perante a sua memória. Outros rezarão por eles. São duas formas de respeito pelos mortos em combate. Esquecer os erros, não esqueço. Erros ou negligências graves dos nossos comandantes que estiveram na origem de morte de camaradas nossos...

Perdoar os crimes (de guerra ou contra a humanidade), tenho muito mais dificuldade, mas felizmente não participei em (nem creio ter sido testemunha de) nenhum... Mas não era sobre isso a que te querias referir, tu que és perito em direito penal.

Crime e castigo, erros, louvores, punições, perdões... Ao menos, temos uma norma (saudável), na nossa tertúlia, que é a da recusa da autoculpabilização e da responsabilidade colectiva. Crime e castigo devem ter sempre um rosto... Nem o povo português nem o povo guineense podem - ontem, hoje ou amanhã - ser acusados de crimes cometidos em seu nome, pelos seus líderes políticos e militares...

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Notas de L.G.:

(1) Vd. posts de:

18 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1674: Efemérides (3): A tragédia do Quirafo: rezar pelos mortos e perdoar aos vivos (Joaquim Mexia Alves)

17 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1669: Efemérides (1): A tragédia do Quirafo, há 35 anos (Paulo Santiago / Vitor Junqueira / Luís Graça)

23 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P980: A tragédia do Quirafo (Parte I): o capitão-proveta Lourenço (Paulo Santiago)

21 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P976: A morte do Alf Armandino e a estupidez do capitão-proveta (Joaquim Mexia Alves)