Queridos amigos,
Estamos agora numa verdadeira maratona, depois de missa na capelinha de Catió, a comitiva parte a 8 de maio passando por Aldeia Formosa e paragem no Saltinho, a ponte que terá o seu nome só estará concluída em agosto do ano seguinte, é aguardada com grande expetativa para melhorar a situação de pessoas e mercadorias. Descerrada a placa alusiva à visita, segue-se pelo Xitole, Bambadinca e chega-se a Bafatá. A partir deste momento não vão parar as referências elogiosas ao trabalho de Sarmento Rodrigues, nem aqui nem no Gabu, aliás o ministro do Ultramar é padrinho do filho do régulo de Chanha, Madiu Embaló. E fico a saber que perto de Nova Lamego fica a gruta neolítica de Nhampassaré, nela se fala muito frugalmente no Google. Craveiro Lopes pernoita em Bafatá e agora segue para Farim, o jornalista mete-se ao caminho num jipe, irá conhecer a extensa e densa floresta do Oio e aproveita a circunstância para publicar largo texto sobre a etnia Mandinga retirado de um dos clássicos de António Carreira, "Mandingas da Guiné Portuguesa".
Um abraço do
Mário
O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (4)
Mário Beja Santos
Salazar não viajava, mas pôs os seus presidentes da República a visitar parcelas do império. Eleito em 1951, o general, a sua mulher, o ministro do Ultramar e a sua mulher, partem do aeroporto da Portela em 2 de maio de 1955, pelas 7h30 e aterram em Bissalanca pelas 15h locais. É governador da Guiné Diogo de Melo e Alvim. O jornalista de serviço tece laudas à comitiva e ao séquito político que se vai despedir do presidente da República para esta viagem que não será curta. Fizeram-se obras em Bissalanca para haver uma pista capaz de receber uma aeronave daquele tamanho. Craveiro Lopes visitou demoradamente Bissau, percorreu a desditosa Bolama, atravessa o canal e de São João parte para Fulacunda, visitou Cufar e Catió, onde pernoitou.
Estamos agora a 8 de maio, o jornalista Rodrigues Matias vai-nos traçar o dia movimentado da comitiva presidencial. Craveiro Lopes assiste ao amanhecer a uma missa na capelita branca de Nossa Senhora de Fátima em Catió, e começam os encómios: “Deve esta simples missa de domingo ter valido no espírito da população nativa, por muitos eloquentes discursos e muita argumentação dos missionários católicos.” A viagem vai de Catió a Aldeia Formosa e Saltinho, diz-se que há muitas nativas com saias de seda e homens com chapéus de coco empenhando vergastas com retratos do Homem-Grande na ponta. Neste dia ir-se-á falar muito de alguém que marcou profundamente a Guiné, Sarmento Rodrigues. Diz o jornalista no Saltinho: “Por sobre os topos dos rochedos, com a água a escoar-se-lhe por baixo, através dos aquedutos, ao longo de centenas de metros, passa, desde o tempo do governador Sarmento Rodrigues, a estrada de cimento para Bafatá.”
Craveiro Lopes veio assistir ao trabalho da construção da ponte que terá o seu nome. Estará concluída em agosto de 1956, tem quatro vãos com o comprimento total de 144 metros. Esta infraestrutura permitirá mais rápida ligação com a parte Sul da província e, assim, mais facilmente a circunscrição de Bafatá poderá encaminhar os seus produtos para os portos fluviais da Guiné. Craveiro Lopes descerrou uma placa alusiva a esta visita, imagem que se publicou no texto anterior.
O destino seguinte é Bafatá, para lá chegar percorre-se Xitole, Bambadinca e atravessa-se a ponte sobre o Colufi. O jornalista observa que agora estamos à vista desarmada em terra de Fulas, é outra coisa: “Quem viaja pelo interior de África, cedo se habitua ao espetáculo comum do nativo normalmente vestido com muita deficiência e pouco asseio. Por isso, a estranheza o assalta, ao entrar na região dos Fulas. Tudo é diferente. Há um ar lavado e um aroma de civilização cobrindo tudo.” A cavalo ou a pé, avistam-se os régulos paramentados de guarnições de prata e ouro. O administrador, na sessão solene, agradece o foral concedido a Bafatá e prontamente tece elogios a Sarmento Rodrigues: “Há alguns anos tivemos um governador desta província que jamais podemos esquecer, por ter dedicado a Bafatá o maior carinho e amor, desenvolvendo-a, tanto cultural como economicamente. Deve-lhe Bafatá escolas, hospital, enfermeiros, pontes, estradas, fontes, água, parte do seu cais. Mas, acima de tudo, o carinho e a bondade com que a todos tratava, quer a civilizados que a indígenas. Ainda como governador desta província, idealizou a grande obra que V.ª Ex.ª vai inaugurar: a ponte Salazar.” E, de seguida, a ponte foi mesmo inaugurada. O jornalista aproveita para citar Fausto Duarte e como este estudioso se referiu às dificuldades sentidas nas investigações quanto à origem dos Fulas, e aproveita o relato para descrever aspetos etnológicos e etnográficos importantes quanto a esta etnia.
À noite, Craveiro Lopes assistiu a um torneio de luta envolvendo Fulas e Mandingas. O jornalista faz-nos uma bonita descrição: “Joelho em terra. Coreografia de mãos. Cabeça contra cabeça. Pega pelos antebraços. Salto de uma das mãos para as espáduas. Um molho de músculos espantosamente retesados. Bailados de pés, em cata de equilíbrio estável. Rodopios para a esquerda e para a direita. Um dos contendores levanta o outro do chão e, rapidamente, sem lhe dar tempo a que os pés se fixem de novo na areia, estende-o de costas em terra.”
Dorme-se em Bafatá e o jornalista aproveita para nos dar uns apontamentos históricos: “Filhos de Geba, conduzidos pelo Capitão-Mor Gonçalo Gamboa Ayala foram plantar de estaca a povoação de Farim. Tinha presídio com guarnição, ambulância, aquartelamentos, escola régia e fonte de água potável. Em 1907, é transferida a residência oficial de Geba para Bafatá e no ano seguinte juntaram-se ao presídio a ambulância e a escola régia e foi criada uma estação telégrafo-postal. Em 1912, era criada a circunscrição de Geba, com sede em Bafatá. Dois anos depois, ligada à margem esquerda do Colufi, por uma ponte, a povoação era vila. Geba morreu.”
Estamos agora a 9 de maio, Craveiro Lopes vai visitar o Gabu. A caravana segue logo de manhã para Nova Lamego. O jornalista dá-nos informações: “A circunscrição do Gabu foi criada em 1931, compreendendo 9 mil quilómetros dos territórios da parte Leste da Guiné. Foi sua sede, até 1948, a vila de Gabu Sara, agora batizada Nova Lamego, em homenagem à terra de naturalidade do homem que a fundou junto à povoação Fula de Sara e que lhe deu o primeiro nome de Vila Lamego – o Tenente A. Leopoldo.” É uma povoação essencialmente comercial. Ficamos a saber que a maioria da população indígena é islamizada, composta principalmente por Fulas-pretos e Fulas-forros, aparecendo, por ordem decrescente, os Mandingas e os Fula-Fulas. É após esta exposição que ele nos vai dar uma importante informação sobre o passado da Guiné: “Perto de Nova Lamego fica a gruta de Nhampassaré, estação neolítica de grande importância, descoberta recentemente pelo Dr. Amílcar Mateus, e onde forma encontradas centenas de objetos de pedra lascada, de pedra polida e cerâmica com gravuras incisas e estampadas em quartzo, quartzite e dolerito. É esta a primeira descoberta do género na Guiné.”
Haverá desfile dos povos da região. Antes, Craveiro Lopes entregou a cinco dos régulos presentes medalhas de prata e cinturões de prata com talabarte; a outros, medalhas de cobre, medalhas comemorativas, bandeiras e retratos. Haverá um cortejo apoteótico, uma série de bailados, não faltará música de todos os instrumentos. Craveiro Lopes visitou a fonte de Cabo Sara, mandada construir em 1945, na sequência da “política de água potável”, gizada por Sarmento Rodrigues. Ficamos a saber que o então ministro do Ultramar era padrinho de Manuel Maria Sarmento Rodrigues Embaló, este era filho do régulo Fula-forro de Chanha, Madiu Embaló.
A comitiva presidencial regressa de avião até Bafatá, o jornalista aproveita para conversar com um dos onze régulos do Gabu, Alarba Embaló, este não esconde uma admiração profunda por Sarmento Rodrigues, é um fervoroso adepto do desenvolvimento rural, quer mais tratores e mais escolas. Regressado a Bafatá, Craveiro Lopes não para, vai visitar os belos jardins do Parque das Águas, a enfermaria regional e a missão católica.
A comitiva presidencial jantou e pernoitou em Bafatá, partindo de manhã cedo para Farim. O jornalista foi de jipe, cerca de 80 quilómetros atravessando as florestas do Oio. Ele julga que tem todo o sentido, indo a comitiva em direção a Farim, onde predominam os Mandingas, fazer uma larga citação sobre esta etnia, elementos que ele vai buscar a um importante livro de António Carreira.
Os dois volumes respeitantes à viagem de Craveiro Lopes à Guiné e Cabo Verde, Agência Geral do Ultramar, 1956
Craveiro Lopes durante a visita de Isabel II a Portugal, 1957
Ponte Craveiro Lopes, imagem do nosso blogue
Bafatá e a Ponte Salazar
Imagem antiga do mercado de Bafatá
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 19 DE JULHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24488: Historiografia da presença portuguesa em África (377): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (3) (Mário Beja Santos)