sábado, 3 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25805: Os nossos seres, saberes e lazeres (639): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (164): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 3 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Mandava a lógica das coisas que se começasse esta romagem por Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande. Se este primeiro dia foi um tanto borrascoso, o chão a parecer oleoso, lama aqui e acolá, a promessa de, no segundo dia, se encetar viagem à povoação vizinha de Pedrógão Pequeno, onde se teve uma bela casa sob a barragem do Cabril, houve a deceção da chuva persistente a convidar mais a visita a interiores e a dissuadir liminarmente a visita sacramental ao Vale do Cabril. Remodelados os planos, percorreu-se Pedrógão Pequeno, onde também se amesendou, e debaixo da tal chuva irritante se regressou a Pedrógão Grande para visitar um museu dedicado a um artista hoje praticamente esquecido que foi um grande companheiro de Amadeo de Souza-Cardoso em Paris, Pedro Cruz, mais adiante vamos falar dele e o que este museu nos oferece.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (164):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior – 3


Mário Beja Santos

O texto que se oferece ao visitante sobre a freguesia de Pedrógão Pequeno tem o seu encanto, diz que alguém apelidou a região como a Sintra da Beira Baixa, o romantismo do lugar foi exaltado por poetas, pintores e até fotógrafos como Camões, Malhoa ou Carlos Relvas. Este espetáculo cénico move-se à volta do telúrico Vale do Cabril, no assombroso Monte da Nossa Senhora da Confiança, é local de beleza, durante séculos, graças à ponte filipina que ligava Pedrógão Grande à Sertã. Pedrógão Pequeno, onde vivi numa moradia que teve que ser reconstruída, bordejada a granito, estava toda podre no seu interior por pura negligência do anterior proprietário, a EDP. Da varanda da casa desfruta-se o espetáculo cénico inigualável, ali perto está a ponte filipina, avista-se em toda a sua dimensão a aldeia de xisto, indo pelo chamado Moinho das Freiras pode percorre-se o Vale do Cabril, situado num enclave granítico, entre maciços xistosos. Aqui se fazem percursos pedestres entre estas paisagens deslumbrantes, há uma romaria de tradições seculares à Nossa Senhora da Confiança, vale a pena passear sob a Barragem do Cabril e a povoação orgulha-se de ver parte da rota da Estrada Nacional 2. Foi recentemente inaugurado no Penedo do Granada um passadiço, como o dia não prometia andar em pisos molhados ficou uma razão muito forte para aqui voltar.

Nas divagações do meu texto anterior, contei como, estando a remodelar uma casa de agricultores em Casal dos Matos, concelho de Pedrógão Grande, num passei pela Barragem do Cabril, deu-se uma súbita paixão por uma casa à venda, belas paredes orladas de granito, deixara-se apodrecer o telhado e o tempo fez o resto a destruir o interior. Estavam refeitas as duas casas, e já não me sentia propriamente bem em fechar uma e abrir outra, separadas a uma distância de 7/8 km. Eu tinha dois amores, não sei qual dos dois mais esfusiante, felizmente que as circunstâncias e a própria idade induziram à separação. Se no primeiro dia desta romagem de saudades era inevitável ir a Figueiró dos Vinhos e começar a percorrer Pedrógão Grande, o segundo dia teria de começar por Pedrógão Pequeno, como aconteceu. Foi pena o tempo não ter ajudado. Uma chuva miudinha e irritante e um Vale do Cabril um tanto enlameado limitaram um matar de saudades.
O Zêzere visto do alto da barragem do Cabril, ainda há neblina que se vai dissipando em dia frio e chuvisco
À entrada do tempo encontra-se informação sobre o histórico desta igreja matriz de Pedrógão Pequeno:
“Tem como orago São João Baptista, foi edificada em inícios do século XVI. Segundo documentação do reinado D. João III, a igreja já existia em 1522. De planta longitudinal, composta por dois corpos retangulares justapostos, a igreja está dividida por três naves e capela-mor, com duas sacristias de planta quadrangular adossadas às naves laterais e torre sineira adossada à fachada. A fachada principal possui três registos, sendo delimitada lateralmente por pilastras toscanas rematadas por pinhas. O interior do templo é dividido em três naves separadas por quatro arcos torais de volta perfeita assentes em colunas toscanas, sendo a central a mais alta. Ao fundo, o coro-alto em madeira está assente em dois pilares em cantaria. Possui quatro altares laterais com retábulos em talha dourada. A cobertura do templo é em madeira com caixotões lisos; na nave central cinco caixotões estão pintados com cenas da vida de São João Baptista.”

Interior da igreja matriz de Pedrógão Pequeno
O teto em caixotão da igreja matriz de Pedrógão Pequeno com pinturas singelas
Impressiona pela sua beleza e austeridade este nicho com moldura em granito, pela é ter desaparecido a imagem votiva ou talvez um tema da paixão de cristo.
Uma pia batismal também impressionante pelo desenho austero
Passadiço do Penedo do Granada, equipamento de lazer situado no sopé do Monte de Nossa Senhora dos Milagres, na zona de confluência da Ribeira de Pera com o rio Zêzere e que proporciona uma agradável vista da paisagem do Cabril.
Penedo do Granada, fotografia de João Viola
O Cabril, visto por Luigi Manini, nas suas deambulações com Alfredo Keil no Zêzere
O ponto em que a ribeira de Alge se junta ao Zêzere no Cabril

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 27 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25782: Os nossos seres, saberes e lazeres (638): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (163): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 2 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25804: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte II: c. 1500 mobilizados, 41 mortos


SILVA, Jaime Bonifácio da - Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal- In:  Artur Ferreira Coimbra... [et al.]; "O concelho de Fafe e a Guerra Colonial : 1961-1974 : contributos para a sua história". [Fafe] : Núcleo de Artes e Letras de Fafe, 2014, pp. 23-84.


1. Na "Intodução", Artur Ferreira Coimbra (n. 1956), escreveu:

"A Guerra Colonial foi um período fortemente traumatizante para toda uma geração de portugueses, que viveram, recriaram e pensaram o último meio século da vida colectiva deste país.

"Não esqueçamos que mais de um milhão de jovens com idade em redor dos 20 anos, impreparados, mal armados, deficientemente treinados, deslocados abruptamente das suas aldeias, vilas e cidades, passaram, em comissões com uma média de duração de 24 meses, pelas colónias de Angola, Guiné e Moçambique, sobretudo,  onde a espada da guerra foi mais acesa e o troar das metralhadoras mais acentuado. Com aquelas condições, o mínimo que se pode afirmar é que os nossos soldados deslocados para África foram autênticos heróis.

"Daquele número global, mais de 10 mil jovens tombaram, impunemente, na frente de combate ou em acidentes diversos, cerca de 120.000 foram feridos, mais de 20 mil ficaram estropiados ou deficientes para a vida e estima-se que cerca de 140.000 ficaram a sofrer de 'Stress Pós Traumático de Guerra', cujas consequências funestas nunca mais os abandonaram. (...)

"Do concelho de Fafe (...), foram coagidos a participar nos três teatros operacionais mais de 1500 jovens (...)"  (pp. 9/10)




Jaime Bonifácio Marques da Silva (n. 1946): (i)  foi alf mil paraquedista, BCP 21 (Angola, 1970/72); (ii)  tem uma cruz de guerra por feitos em combate; (iii)  viveu em Angola até 1974; (iv)  licenciatura em Ciências do Desporto (UTL/ISEF) e pós-graduação em Envelhecimento, Atividade Física e Autonomia Funcional (UL/FMH); (v)  professor de educação física reformado, no ensino secundário e no ensino superior ; (vi) autarca em Fafe, em dois mandatos (1987/97), com o pelouro de cultura e desporto; (vii) vive atualmente entre a Lourinhã, donde é natural, e o Norte;  (viii) é membro da nossa Tabanca Grande desde 31/1/2014; (ix) tem 85 referências no nosso blogue.



2. Estamos qa reproduzir, por cortesia do autor (e com algumas correções de pormenor),   excertos do  extenso estudo do nosso camarada e amigo Jaime Silva, na parte sobretudo que diz respeito a: ((i) introdução e contextualização (pp. 25-39); (ii)  mortos do concelho de Fafe, e nomeadamente no TO da Guiné, incluindo alguns testemunhos recolhidos pelo autor  (pp. 39-84).


Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar – Uma visão pessoal   Excertos ]  - Parte II (pp. 39-43)

por  Jaime Silva


(...) 6. A participação e enquadramento dos militares de Fafe durante a Guerra – Questões concretas a levantar

É já neste contexto (*) que os jovens de Fafe, como todos os jovens do seu país, foram também obrigados a contribuir para o esforço da guerra. Como a partir de 1961, início da guerra em Angola, nem todos foram mobilizados para África e nem todos tiveram uma especialidade de combate, será forçoso, por isso, colocar e tentar esclarecer um conjunto de questões, se queremos conhecer e perceber melhor qual o tipo de participação, enquadramento e grau de dificuldade na atuação de cada fafense durante os dois anos ou mais de comissão num dos três teatros de operações em África.

As questões que me parecem pertinentes levantar, pelas razões aduzidas, têm como referência a minha experiência pessoal no terreno de operações de um dos teatros de guerra, Angola (Norte e Leste), durante uma comissão que durou cerca de trinta meses, sempre operacional e durante a qual, em quase todas as operações de combate em que participei e comandei, houve tiros, confronto, guerrilheiros mortos ou feridos ou armas capturadas. 

Em consequência dos confrontos, um soldado do meu Pelotão foi morto na sequência de um assalto a um acampamento do MPLA nos Montes Mil e Vinte, outro ficou sem uma perna, devido ao rebentamento de uma mina (eu e mais dois soldados passámos pelo mesmo sítio e não pisámos a mina!) e um sargento ficou ferido na sequência do rebentamento de uma armadilha, todos no Norte de Angola.

Será com esta preocupação que tentarei, por isso, enumerar e encontrar a resposta a um conjunto de questões que me parecem mais pertinentes para compreender o envolvimento dos militares de Fafe, no contexto da sua atuação no âmbito das Forças Armadas, durante a sua Comissão de Serviço no Ultramar. Concretamente:

1. Quantos fafenses foram chamados às inspeções militares (às sortes) entre janeiro de 1961 e dezembro de 1974?

2. Quantos ficaram “aptos para todo o serviço militar” ou “livres de todo o serviço militar”, na sequência da “Inspeção Sanitária”, por doença crónica ou “grande cunha”?

3. Quantos cumpriram o serviço militar na Metrópole ou nas Ilhas?

4. Quantos decidiram “dar o salto” para o estrangeiro, para fugirem à Guerra, antes de irem às inspeções, após serem “apurados para todo o serviço militar”, ou depois de saberem que tinham sido mobilizados para o Ultramar?

5. Quantos fafenses foram mobilizados e cumpriram uma Comissão de Serviço militar em África?

Destes, dos que foram mobilizados para África, qual o seu envolvimento pessoal na orgânica e dinâmica das ações levadas a cabo pelas Unidades Militares onde estavam destacados, concretamente:

I. Quantos prestaram serviço em cada um dos três ramos das Forças Armadas: Exército, Marinha ou Força Aérea?

II. Quantos fizeram parte do Quadro Permanente (oriundos da Academia Militar) ou, sendo milicianos, optaram por fazer carreira nas fileiras das Forças Armadas?


III. Quantos pertenceram às tropas especiais (paraquedistas, fuzileiros, comandos ou rangers) e, destes, quantos tomaram a iniciativa de se oferecer para estas com o objetivo de não serem mobilizados para a Guiné ou outra razão?

IV. Quantos se casaram antes de “assentar praça” na expetativa de não serem mobilizados para o Ultramar, já eram casados e tinham filhos quando partiram para África ou casaram, depois, “por procuração”?

V. Quem optou por emigrar para Angola ou Moçambique para, mais tarde, ser incorporado localmente nas fileiras das Forças Armadas e, assim, não ser mobilizado para a Guiné ou poder vir a ter uma especialidade diferente da de “atirador”?

VI. Quantos participaram em operações de combate, tiveram de apontar ao “inimigo” e atirar primeiro para não morrer, ou foram vítimas das emboscadas e viram os seus colegas de pelotão ficarem feridos, amputados ou mortos?

VII. Quantos viveram o drama de verem um seu camarada morrer, transportaram às costas um camarada morto, ferido ou estropiado, ou deram sangue no local para o salvar, na sequência de uma emboscada ou rebentamento de mina?

VIII. Algum matou, por represália, algum guerrilheiro ou cortou-lhe alguma parte do corpo com a faca de mato ou teve que tomar a iniciativa de dar o “tiro de misericórdia” a algum guerrilheiro ou elemento da população que ficaram às portas da morte e sem hipóteses de sobrevivência em consequência do resultado dos combates?

IX. Na sequência das emboscadas ou assaltos aos acampamentos, quem capturou guerrilheiros, material de guerra ou documentos políticos dos Movimentos Independentista Africanos?

X. Quantos tiveram a sorte de nunca participar numa operação de combate, nunca saíram das cidades ou, pelo menos, das sedes de Companhia ou Batalhão, ou puderam participar numa atividade civil paralela, como praticar desporto federado, ou exercer a sua profissão, etc.?

XI. Quantos tiveram a possibilidade económica de vir de férias ao “Puto” ver a família?

XII. Quantas mulheres fafenses acompanharam os maridos durante a comissão, viveram em cidades ou em zonas de combate?

XIII. Quem comandou ou fez parte dos Grupos Especiais de tropa africana apoiados e organizados pelas Forças Armadas Portuguesas, como os GE ou Flechas[1] em Angola, Comandos africanos na Guiné ou de paraquedistas em Moçambique, entre outros?

XIV. No seu relacionamento com a população nativa, quem deixou por lá os chamados “filhos do vento” ou assumiu, perfilhando-os e trazendo-os consigo para a Metrópole?

XV. Desertou algum para combater ao lado do “Inimigo”?

XVI. Algum foi feito prisioneiro de guerra pelas tropas dos movimentos independentistas?

XVII. Quantos ficaram sepultados em África?

XVIII. Quantos pertenceram a Companhias que tiveram de se cotizar para pagar ao Estado a trasladação do corpo dos camaradas que morreram?

XIX. Há algum militar fafense desaparecido em combate?

XX. Quantos foram louvados, condecorados ou apanharam “porradas” (sanção disciplinar)?

XXI. Quantos ficaram a sofrer de Stress Pós-Traumático de Guerra ou adquiriram outras doenças crónicas (paludismo, hepatite, etc.)?

XXII. Quantos ficaram feridos em combate, devido a minas, rebentamento de armadilhas ou acidentes e ainda têm estilhaços de granadas ou minas no corpo?

XXIII. Quantos morreram em consequência dos combates, do rebentamento de minas ou armadilhas, de acidente ou doença?


Enfim, um mundo de vivências e circunstâncias que, a conhecê-las, permitir-nos-ão dar um pequeno passo, mas decisivo, na construção da História da participação dos jovens militares de Fafe na Guerra Colonial.


7. História da participação dos militares de Fafe durante a Guerra - O estado atual da informação


A História da participação dos Militares de Fafe durante a Guerra Colonial ainda está por fazer. A pouca informação disponível sobre este tema ainda não está organizada e sistematizada e encontra-se no processo individual de cada um, depositado no Arquivo Geral do Exército, da Força Aérea ou da Marinha, e só poderá ser consultada pelos próprios, os familiares ou alguém com autorização da família, de acordo com o Dec. Lei n.º 46/2007 de 24 de agosto, ou, ainda, na documentação dispersa em poder dos próprios combatentes ou familiares.

Apesar de se estar no início da sistematização da informação, já podemos responder com segurança ou encontrar caminhos para prosseguir a investigação a algumas das questões levantadas durante a minha intervenção, nomeadamente:


1. Quantos fafenses foram chamados às inspeções militares (“às sortes”) entre janeiro de 1961 e dezembro de 1974?


Não sabemos. Será possível sabê-lo, no entanto, consultando os Editais Municipais com as listas dos “mancebos” que eram chamados “às sortes”, existentes no Arquivo da Câmara Municipal de Fafe.


2. Quantos militares de Fafe morreram em consequência dos combates, do rebentamento de minas ou armadilhas, de acidente ou doença?


Durante a Guerra Colonial, tombaram em África quarenta e um militares de Fafe.

Este número está de acordo com a lista que me foi enviada pelo Arquivo Geral do Exército e da pesquisa efetuada no concelho por mim e pelos dirigentes da Direção da Delegação de Fafe da APVG (Associação Portuguesa de Veteranos de Guerra). Sabemos quem, onde, quando e as circunstâncias que causaram a sua morte e onde estão sepultados.

Apresentamos um quadro detalhado por cada Província Ultramarina: Angola, Guiné e Moçambique (...), realçando, a partir de cada um deles, alguns elementos mais relevantes, de acordo com o conhecimento mais circunstanciado que fomos obtendo através das diferentes fontes históricas mencionadas.

Numa primeira análise geral feita aos três quadros, podemos verificar que em relação aos que tombaram em África (n=41): 

(i) todos os mortos pertenceram à Arma do Exército, não havendo, ainda, conhecimento de ocorrência que tivesse provocado a morte ou ferimento grave nas fileiras da Força Aérea ou Marinha; 

(ii) a primeira morte na Guerra ocorre no dia 3 de julho de 1961, três meses após os massacres no Norte de Angola e foi o soldado atirador Artur de Sousa, natural da freguesia de Ardegão, e que ficou sepultado em Sanza Pombo; 

(iii) o último a tombar na Guerra Colonial foi o 1.º Cabo José Pereira Dias no dia 27 de setembro de 1975, em Cabinda, Angola; natural de Armil, onde está sepultado;

(iv) seis militares eram casados (Angola, 1; Moçambique, 4 e Guiné, 1); 

(v) em relação ao posto, desapareceu em combate um Furriel em Moçambique, morreram dois Alferes milicianos (1 en Angola outro em Moçambique), vinte e oito soldados e dez 1.ºs cabos; 

(vi) quanto às causas de morte: 

  • três por acidente de viação (em Angola);
  • quatro por acidente por afogamento (2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique);
  • quatro por acidente com arma de fogo ;2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique);
  • um acidente  outras causas, sendo o total de acidentes de 12 (Angola:  8; Guiné: 2; Moçambique: 2);
  • vinte e três em combate (7 em Angola, 7 na Guiné, 9 em Moçambique), sendo 4 em minas e armadilhas (2 em Angola, 1 na Guiné e outro em Moçambique); 
  • quatro por doença (2 na Guiné, 1 em Angola, e 1 em Moçambique);
  •  e, finalmente, dois, em Moçambique, por causas desconhecidas (incluindo um desaparecido em combate).


(vii) Após a Revolução de 25 de Abril de 1974 e já depois do final da Guerra, ainda morreram cinco fafenses em África: quatro em Moçambique (Agostinho Carvalho, Francisco Carvalho, Manuel Carneiro e Norberto Salgado) e um em Angola, o último, José Dias, em 27 de setembro de 1975.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos:  LG)
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Nota do autor:

[1] Forças especiais criadas pela PIDE em Angola.

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O livro supracitado resultou do "Curso Livre de História Local: O Concelho de Fafe e a guerra colonial (1961-1974)", organizado pelo Núcleo de Artes e Letras de Fafe, com o apoio de diversas entidades, entre elas a Câmara Municipal de Fafe e o Museu da Guerra Colonial, com sede em  V. N. Famalicão, e cujo programa na devida divulgámos no nosso blogue, na série "Agenda Cultural". Decorreu entre 21 de outubro e 24 de novembro de 2013.

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Nota do editor:

(*) Vd. último poste da série > 30 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25792: Contributo para o estudo da participação dos militares de Fafe na Guerra do Ultramar : uma visão pessoal (Excertos) (Jaime Silva) - Parte I: Maçaricos, periquitos, checas... 

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25803: Notas de leitura (1714): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (14) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Está a findar o ano de 1869, a questão dominante destes números do Boletim Oficial prende-se com temíveis casos de saúde pública, não param as epidemias e as condições de vida em Cabo Verde estão abaladas pelas fomes e penúrias. A Guiné não conhece novo regulamento para a sua organização, há poucas novidades, o distrito tem dois concelhos, aparecem juntas municipais e define-se a magistratura administrativa; o governador deve visitar em cada ano, duas vezes pelo menos, a praça de Cacheu, e uma vez os presídios e povoações do distrito. Há uma junta consultiva que tem o governador como presidente, os Grumetes têm a sua própria administração, a fazenda também tem o seu próprio regulamento e o mesmo se dirá da organização militar. E ficamos a saber que houve missionação no Sul da Guiné e 90 batismos.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (14)


Mário Beja Santos

O que mais impressiona as informações que o Boletim Official acolhe neste ano de 1869 prende-se com o estado de saúde deplorável de Cabo Verde, um noticiário sobre a Guiné continua a ser residual, mas abrir-se-á uma exceção com a publicação do regulamento para a organização administrativa da Guiné, procurava-se dar um salto e melhorar a presença portuguesa.

No Boletim Official n.º 19, de 8 de maio, temos um extrato das notícias da Guiné recebidas pela escuna Bissau, o estado sanitário era bom, excelente o alimentício, animado o comercial e quanto à segurança pública não se lhe conheciam alterações; a Alfândega de Bissau rendeu nos meses de janeiro, fevereiro e março 9:379$339 reis, e a de Cacheu, nos meses seguintes, 1:735$447 reis; em janeiro, havia-se efetuado em Geba a paz com os Mandingas de Gófia, e em março, com os Mandingas de Teligi, eles tinham atacado o presídio de Geba, haviam sido rechaçados denodadamente e perseguidos até longa distância pelos Grumetes do presídio. Em Bissau, continuava a reconstrução o Forte do Pidjiquiti e em Cacheu haviam terminado consertos dos baluartes; os pagamentos aos funcionários públicos estavam em dia.

Neste mesmo Boletim Official, na secção dos avisos, pode ler-se que por participação do Governador da Guiné Portuguesa, em ofício n.º 37, de 13 de abril, consta que em data de 7 de março do corrente ano aportou no ponto da colónia de Rio Grande um escaler conduzindo cinco náufragos pertencentes à barca da americana Gem, propriedade de Charles Hoffman de Salena, nos Estados Unidos, capitão Miller, naufragado nos bancos da ilha de Orango no dia 3 do mesmo mês. Havia aquele barco saído de Rio Nunes com destino ao porto de Bissau com nove pessoas de tripulação e carga de várias mercadorias. Logo depois de encalhado, e abandonado pela população, o navio incendiou-se em consequência da explosão de uma porção de pólvora, que fazia parte do seu carregamento. Os náufragos, incluindo o capitão foram recebidos a bordo do patacho Btomac pertencente à mesma Casa Hoffman.

Passando agora para o Boletim n.º 22, de 29 de maio, o fundamental do seu conteúdo tem a ver com o regulamente da organização administrativa da Guiné Portuguesa. Importa salientar os dados que podem ser tidos como mais relevantes: a Guiné Portuguesa constitui um distrito dividido em dois concelhos, o de Bissau e o de Cacheu, e cada um destes em Praças e Presídios; o concelho de Bissau compõe-se da vila de S. José ou Praça de Bissau, do Presídio de Geba, da colónia do Rio Grande de Bolola e mais território desta dependência, e da ilha de Orango; o concelho de Cacheu compõe-se da Praça deste nome, dos presídios de Farim e Ziguinchor, e das povoações de Matta, Bolor e outras desta dependência. O distrito é administrado por um governador e os concelhos são regidos por administradores. Os presídios, a colónia e as povoações dependentes dos concelhos por chefes. Há um título do regulamento dedicado às juntas municipais e outro aos magistrados administrativos. Insere-se matéria sobre a organização da fazenda, dizendo-se que a fazenda pública é administrada na Guiné Portuguesa por uma delegação fiscal, composta do Governador do distrito, como presidente, e também pelo subdelegado do procurador da Coroa e fazenda em Bissau, do diretor da alfândega da vila e do primeiro escrivão da mesma alfândega. Outro dado importante é o regulamento para a organização militar. A Guiné Portuguesa constitui um distrito militar sujeito ao governo da província de Cabo Verde. O distrito é divido em dois comandos militares: o de Bissau e o de Cacheu, sendo o de Bissau exercido pelo governador do distrito, e o de Cacheu pelo comandante da força militar ali estacionada. Há na praça de Bissau um corpo de infantaria de segunda linha e na de Cacheu uma companhia, tendo à frente o capitão.

Neste mesmo Boletim fica-se a saber quais as escolas de instrução primária na Guiné: Nossa Senhora da Candelária e Nossa Senhora da Purificação (não se sabe se ambas em Bissau ou Bissau e Cacheu), S. Francisco Xavier (Bolor), Nossa Senhora da Graça (Farim e Geba).

No Boletim nº23, de 5 de junho, constam as instruções para o registo dos libertos, a cada pessoa que registar o seu liberto se dará para seu título certidão conforme um modelo assinado pela comissão e entregue no ato de ser feito o registo.

É de ter atenção de que nestes boletins referentes a este ano, além da febre amarela, fala-se em casos de varíola e sarampo.

No Boletim n.º 30, de 24 de julho, informa-se que continuam os trabalhos de beneficiação no Forte de Belchior e estão a ser tomadas medidas idênticas para instalações na praça de Bissau. Neste mesmo Boletim vêm notícias da Guiné Portuguesa, escreve-se o seguinte: Em Bargny, Rufisque, Dacar, Goré, Gâmbia e outros portos vizinhos reinava o cólera asiático, tendo já feito imensos estragos. O governador do distrito, ouvido o respetivo delegado da Junta de Saúde, havia tomado as necessárias e convenientes providencias para evitar a introdução ali do terrível flagelo.

No Boletim n.º 33, de 14 de agosto, informa-se que era regular o estado sanitário do distrito e bom o alimentício, continuando inalteráveis a ordem e a tranquilidade públicas. Por participação do chefe da colónia do Rio Grande constava que o cólera asiático grassava em Carabane, ponto no rio Casamansa vizinho a Cacheu; e, por participações extraoficiais, constava grassar também aquela epidemia em Mansoa Camancó, ponto próximo do presídio de S. Belchior. Em Geba, segundo participa o chefe naquele presídio, havia sido feita a paz com os gentios Mandingas de Ganadu e Mansomini, que a haviam solicitado. Era bastante animado o comércio, tendo sido abundante a colheita de cera.

Em Farim, reinava o sossego, havendo as melhores relações de amizade entre os génios daquelas paragens e o presídio. Continuavam as plantações e sementeiras de milho, mandioca, batata, arroz, mancara, etc.

No Boletim n.º 34, de 24 de agosto, anuncia-se a visita do cónego missionário Joaquim Vicente Moniz que percorreu o Sul da Guiné e batizou 90 gentios. Estamos a chegar ao final do ano e, como vemos, é a saúde deplorável que é alvo do maior número de informações.
Este suplemento ao n.º 14 do Boletim Official do Governo Geral da Província de Cabo Verde e da Costa de Guiné, de 5 de abril de 1869, anuncia a chega do novo Governador, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro Caetano Alexandre de Almeida e Albuquerque, conferiu-lhe posse o seu antecessor, o Excelentíssimo Senhor Conselheiro José Guedes de Carvalho e Menezes
Rua da Alfândega, Bissau
Ponte-cais de Bissau, construída pelo governador Carlos Pereira na década de 1910
Ponte-cais Correia e Leça, Bissau, cerca de 1890
Ilustração de Augusto Trigo representando um aldeamento em manual colonial português

(continua)

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Notas do editor:

Post anterior de 26 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25779: Notas de leitura (1712): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (13) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 29 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25789: Notas de leitura (1713): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25802: Timor-Leste: passado e presente (15): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte VI: e o terror continuou no 2º semestre de 1942...


Timor > Aileu > 1938 > " D. Aleixo Corte Real, de Ainaro (ao centro),  com chefes locais e António Magno (à direita)"


Timor > Dili >  Escola Municipal c. 1936-1940

Fotos do Arquivo de História Social > Álbum Fontoura. Imagens do domínio público, de acordo com a Wikimedia Commons. Editadas por blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Timor > Dili > Sede do BNU (Banco Nacional Ultramarino) > 1912 >  O Banco   "abriu Dependência de Dili em abril 1912 e colocou ali em circulação notas de patacas da filial de Macau com o carimbo 'Pagável em Timor' ”.


Timor > Dili > Sede do BNU (Banco Nacional Ultramarino) > 1950 > Em 1941, e segundo informação do dr. José dos Santos Carvallhos, o gerente do BNU era o sr. João Jorge Duarte e e na filial de Díli  trabalhavam vários empregados não-timorenses.


Timor > Dili >Nova sede do BNU (Banco Nacional Ultramarino) > 1969 > "Em 23 de novembro de 1969 foi inaugurada a nova sede do BNU. Em 11 de Agosto de 1975, com a instabilidade política, cessou a actividade da Filial de Dili do BNU". (...)  Retomou a atividade em 1999. (...) "O edifício onde hoje funciona a Sucursal da CGD/BNU Timor, foi inaugurado em julho 2001. A 17 de maio de 2002 foi inaugurada a agência de Baucau, a segunda cidade mais importante de Timor Leste".



Brasão de armas de Timor sob administração portuguesa


Fotos e legendas: Fonte: Blogue do Banco Nacional Ultramarino > 2 de novembro de 2011 > Timor



António Oliveira Liberato, capitão - "O caso de Timor : invasões estrangeiras : revoltas indígenas". Lisboa: Portugália, Lisboa : Portugália [195_?], 242 pp. (1)




1. Pode não ser a melhor leitura de verão... Mas o agosto (o nosso outrora querido mês de agosto...) apanhou-nos a meio desta tarefa... E temos a obrigação de a levar até ao fim... Por um dever de memória (e até de gratidão): afinal, ligam-nos, ao povo de Timor Leste,  laços históricos, linguísticos e afetivos... Os portugueses e os timorenses têm todo o interesse (e a obrigação)  de conhecer melhor a sua história comum, passada e presente, incluindo os trágicos acontecimentos que ocorreram na II Guerra Mundial: duas invasões estrangeiras (dos Aliados e depois dos japoneses), violando a neutralidade de Portugal... Mas também foi uma ocasião para ações de grande coragem e solidariedade entre um punhado de portugueses, de australianos e dos seus amigos timorenses. Estes homens e mulheres não podem ficar inumados na "vala comum do esquecimento". 

Estamos a publicar notas de leitura e excertos do livro de memórias do médico de saúde pública José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive. Atualizámos a ortografia e os topónimos. 






Mapa de Timor em 1940. In: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pág. 11. (Com a devida vénia).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) 

Parte VI:  e o terror continuou no 2º semestre de 1942



(i) Estamos em 12 de agosto de 1942. Timor está ocupado, pelos japoneses, desde 20 de fevereiro. O dr. José dos Santos Carvalho, chegado ao território em finais de 1941,  está agora à frente do Hospital Dr. Carvalho, em Lahane, nos arredores de Díli. Ofereceu-se como voluntário por um mês. Estava colocado em Baucau, como médico de saúde pública. Acabou de chegar a Lahane. 

À data é já administrador do concelho de Díli, o eng Canto Resende, chefe adjunto da Missão Geográfica de Timor, tornando-se o principal interlocutor dos ocupantes. Os escassos representantes das autoridades portuguesas (com exceção do  governador que ficara "refém" em Díli) estavam acantonados em Lahane, no hospital, ou dispersos por outras partes do território.

Boa parte da informação que o médico José dos Santos Carvalho passa agora a usar e  a citar é do livro de memórias do então tenente  António Oliveira Liberato, "O caso de Timor"publicado em meados dos anos 50).

Recorde-se que Timor foi invadido e ocupado  uma força de 1500 
militares japoneses, insuficiente, no entanto, para ocupar 
de maneira efetiva o território, para mais montanhoso (1 militar por cada 10 km quadrados, e por cada 300 habitantes).  Daí o recurso a milícias, c. 20 mil  (maioritariamente oriundas do lado holandês).

O isolamento dos portugueses era total. Em 31 de maio de 1942 foi ocupada a estação emissora radiotelegráfica de Taibessi. As ligações com o exterior só serão restabelecidas em 13 de setembro de 1945. 

A força militar portuguesesa em Timor era meramente simbólica: 300 homens, na sua grande maioria "indígenas". Portugal, "país neutral",  tinha concentrado os seus esforços na defesa das ilhas atlânticas, Madeira, Açores e Cabo Verde (40 mil, um terço do seu exército de 120 mil; no total terão cumprido o serviço militar, durante a II Guerra Mundial, 180 mil homens, o que representou um enorme esforço orçamental).


(...) Pelo engenheiro Canto foi posto ao corrente da situação existente. Os japoneses continuavam, permanentemente, a pretender a colaboração dos portugueses para lhes resolver os seus problemas de pessoal trabalhador, fornecimentos de géneros alimentícios, etc. 

As exigências que antes apresentavam ao administrador Aguilar continuavam a ser feitas, de modo perentório. Porém, o engenheiro, com extrema paciência e grande habilidade diplomática, conseguia um mínimo de compreensão para a nossa posição de neutralidade que não poderíamos de qualquer forma abandonar. 

A sua luta, nesse tempo, já era, como o foi sempre depois, constante e porfiada, com repetidas visitas ao consulado nipónico e pormenorizadas explicações aos agentes da Kempy [ a Gestapo  nipónica],  tais como o tenente Takeyóshi e os sargentos Sato e Abé, que frequentemente o «visitavam» no hospital, repetindo enfadonhamente as mesmas perguntas e demorando horas esquecidas em conversações que sempre orientavam para o mesmo assunto: a cooperação dos portugueses que pretendiam, e a sua desconfiança na nossa neutralidade pois havia portugueses ao lado dos australianos entre os quais o Júlio Madeira (2) [ natural de Ermera, antigo soldado nas NT, dirigia um grupo de guerrilha, resistindo aos japoneses ],  que eles porfiadamente procuravam. (...)



Governador português de Timor (1940-1945), 
(Porto, 1893-Lisboa, 1968). O " Relatório dos Acontecimentos de Timor
 pelo Governador Manuel de Abreu Ferreira de Carvalho" (publicado pela
 Imprensa Nacional, Lisboa,1947), mandado elaborar por ordem do Ministro das Colónias, 
Marcello Caetano, acabará por ficar na gaveta...


(ii) Aparecem os primeiros sinais da presença no território das sinistras "colunas negras", oriundas do Timor Holandês. Diversos postos administrativos na zona oeste do território são bombardeados pela aviação japonesa. Só havia comunicações  telefónicas, com as circunscrições da zona leste. As autoridades portuguesas  estavam isoladas e tiveram que aprender a lidar com a imprevisilidade, o despotismo e o cinismo dos japoneses. 
Só no fim da guerra se sabe da tragédia que foram os três anos e meio da ocupação japonesa.  Na metrópole a censura 
faz total "blackout" noticioso dos acontecimentos. Era ministro das colónias Francisco José Vieira Machado (12 set 39 - 6 jun 42). 

Pouco a pouco a resistência aliada (e nomeadamente australiana) vai enfraquecendo, face à contra-ofensiva dos japoneses e dos seus aliados indígenas do Timor Holandês (mas também de "centenas de índígenas do nosso domínio" que, "minadas pela propaganda nipónica (...) olhavam-nos com arrogância e propalavam o termo do domínio dos brancos", as palavras, insuspeitas, são do tenente Liberato).


(...) Porém, o mais grave é que dias antes, timorenses portugueses, haviam informado o engenheiro de que tinham desembarcado em Díli centenas de indígenas do Timor Holandês de aspecto sinistro e armados de azagaias e  catanas e distribuídos em grupos enquadrados por soldados javaneses armados com armas holandesas.

 Também, dias antes, os postos administrativos de Maubisse, Same, Beco e Mape, haviam sido bombardeados pela aviação japonesa, seguindo-se-lhe a sede da circunscrição da Fronteira (vila de Bobonaro), a sede da circunscrição do Suro (vila de Aileu) e outras localidades do oeste da Colónia entre as quais Lete-Fóho. 

Destes acontecimentos e de tudo o que se passava em todo o território de Timor, com exceção da zona Leste com a qual existiam comunicações telefónicas, chegavam muito tardiamente ao conhecimento dos portugueses do hospital de Lahane notícias muito confusas e imprecisas, melhor dizendo boatos, pois nao havia qualquer fonte de informação oficial nem sequer o Governador alguma vez lhes referiu qualquer coisa dos recados que por portadores timorenses lhe eram comunicados de Aileu e que, também, não poderiam deixar de ser muito imprecisos e inseguros.

Assim, somente no fim da guerra se soube pormenores do assassinato do cabo Alfredo Baptista, chefe do posto administrativo de Fátu-Lúlic, no dia 11 de agosto. 

Uma coluna de tropas japonesas vinda do território holandês entrou nessa povoação, indo os seus oficiais almoçar com o chefe do posto. A coluna saiu de Fátu-Lúlic após o repasto, porém, os indígenas de Atambua que a acompanhavam, a primeira «coluna negra» de cujas atividades houve notícia, ficaram para trás e mataram com as maiores atrocidades ao cabo Baptista, retalhando o seu cadáver em pedaços. 

Em vários pontos da colónia se assinalavam então movimentos de tropas japonesas, reforçadas também por elementos indígenas que, partindo de vários locais, convergiam para a zona em que operavam as guerrilhas aliadas (1). 

Na manhã do dia 13 estabeleceu-se em Aileu, que não tinha comunicação telefónica com Díli desde começos de agosto, um forte destacamento de forças nipónicas, acompanhado de numeroso núcleo de indígenas com armas gentílicas e algumas espingardas (1). A coluna que em Fátu-Lúlic assassinou o cabo Baptista era uma das três forças que avançaram sobre Bobonaro, duas partindo do território holandês e uma desembarcada em Suai e passando por Beco e Mape. 

Em conjunto, fizeram uma diversão sobre a região de Atsabe, que bombardearam intensamente, ao mesmo tempo que as tropas estacionadas em Aileu levavam as suas investidas até Maubisse e ameaçavam Ainaro. Em toda a zona da fronteira lavravam incêndios, e as tropas aliadas, abandonando o material, erravam em pequenos grupos pelas  montanhas, completamente desarticuladas, procurando refúgio na zona Leste do nosso território, onde depois as iriam perseguir os nipónicos, transformando assim toda a colónia em campo de batalha (1) . 

«A população europeia, exausta por um largo período de incertezas, depauperada pelo nervosismo, aterrorizada, aban- donou os seus lares e procurou refúgio nas aldeias indígenas cujos chefes ainda lhe mereciam confiança. O gentio movimen- tou-se e aqui e além notaram-se indícios de revolta» (1) . 

«Com a sua ofensiva, os japoneses trouxeram para a luta um novo elemento: o elemento indígena. As colunas constituías por este novo elemento, já pela cor dos seus componentes ja pelos desmandos que praticavam, ficaram sendo conhecidas em Timor por colunas negras. Estes núcleos, acompanhando as forças nipónicas, asseguravam-lhes a protecção a distância quer durante as marchas quer durante os estacionamen tos» (1).

«Inicialmente recrutadas entre as populações nativas do território holandês e das pequenas ilhas vizinhas, em breve viram as suas hostes engrossadas por centenas de indígenas do nosso domínio, principalmente da Fronteira, Maubisse e Manufai e, mais tarde, das restantes zonas da colónia. 

"Minadas pela propaganda nipónica estas massas olhavam-nos com arrogância e propalavam o termo do domínio dos brancos. O roubo a destruição e o massacre eram os seus objectivos» (1) . 

«As colunas negras, que ultimamente dispunham já de metralhadoras ligeiras e granadas de mão, entraram na luta, nas operações de agosto, como elementos de segurança e proteção das forças regulares japonesas» (1) .

 Depois, «manobrando já com relativa autonomia, dedicaram-se à perseguição dos grupos de guerrilheiros e dos portugueses que, sob a protecção daqueles, andavam a monte, aguardando a oportunidade de embarque para a Austrália. 

"Dirigidas e orientadas pela organização japonesa denominada Autory encarregada de criar, após a conquista pelas armas, a nova Ordem na Grande Ásia Oriental, percorriam todo o nosso território semeando o terror, a ruína e a morte» (1) (...)


(iii) Organiza-se, a partir de Lahane, uma coluna de voluntários (a que se juntaram vários deportados), comandada pelo sargento António Joaquim Vicente,  de socorro a Maucátar, na circunscrição de Fronteira, onde um grupo de portugueses estava cercado por timorenses rebeldes. Há rebeliões na parte oeste da colónia. Os portugueses (e seus aliados timorenses) 
estão mal equipados e pior armados.


(....) Na tarde de 19 de agosto o engenheiro Canto, depois de ter falado com o Governador, informou os que se encontravam no edifício do hospital de Lahane que havia revolta na circunscrição da Fronteira, estando em Maucátar um grupo de portugueses, entre os quais toda a família do tenente Lopes, do Suai, cercado por timorenses rebeldes e em posição muito crítica. 

Automaticamente surgiu entre todos a ideia de seguirem para o local, levando auxílio àqueles compatriotas em perigo. O Governdor permitiu e encorajou a imediata organização duma coluna de voluntários aqui constituída, mas não autorizou que o engenheiro Canto e o dr. Santos Carvalho dela fizessem parte, por a sua presença ser absolutamente necessária na região de Díli. 

O comandante da coluna foi, naturalmente, o sargento António Joaquim Vicente e as armas e munições tiradas da sala do hospital onde estavam guardadas por terem pertencido à administração do concelho de Díli e sido salvas do saque japonês. Assim, a coluna estava pronta e partiu, a cavalo, na manhã do dia 21 levando de Lahane os seguintes elementos: sargento Vicente, chefe de posto Torresão e aspirantes administrativos José Santa e Domingos Ribeiro. 

Em Liquiçá juntaram-se-lhe o sr. Jaime de Carvalho, director da Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho, o cabo Agapito dos Anjos, o professor primário Victor Duarte Santa e os deportados Jaurés Américo Viegas, Hermenegildo Granadeiro, António Santos Faísca e Raul Honório. 

Em 20 de agosto, o comandante da Companhia de Caçadores recebeu em Aileu uma ordem do Governador para preparar uma força que, sob o comando de um subalterno, partisse para Bobonaro, em virtude dos factos graves que na região se estavam passando e de que lhe dava notícia (1). 

Organizou-se, assim, um destacamento comandado pelo tenente Liberato, que para tal se ofereceu, e que seguiu para a Fronteira no dia 22 com a missão de dominar a rebelião (1) . 

Em Léte-Fóho, no dia 23, foi informado por conversa telefónica com o comandante da Companhia que a situação em Maubisse também era de rebelião tendo o quartel da Companhia sido assaltado, mortos três dos quatro soldados seus guardas e roubado ou destruído o material e que o chefe do posto, sargento Martins Coelho havia desaparecido, ignorando-se o seu paradeiro (1). 

Por estes factos, tinha o Comandante ordenado a saída para Maubisse, nesse mesmo dia, de um destacamento idêntico ao do tenente Liberato, comandado pelo tenente Ramalho dos Santos (1) e que levou como enfermeiro o praticante Alfredo Borges. 

Em Maubisse soube o tenente Ramalho pormenores da rebelião que estalara logo após o regresso a Aileu das tropas japonesas que desta vila se haviam deslocado, dias antes, a Maubisse, onde passaram a noite. Ã aproximação dos amarelos, o chefe do posto Francisco Martins Coelho, e os europeus deportados José Faria Braga, Dionísio Teixeira e Paulo Ferreira, que viviam na localidade, abandonaram as suas residências e refugiaram-se em palhotas indígenas. Porém, o chefe do posto e o deportado Faria Braga foram apanhados pelos rebeldes que os sujeitaram a suplícios horríveis, acabando por lhes deceparem a cabeça (1)  (...)


(iv) É salvo, escondido, tratado e resgatado um piloto australiano 
cuja avião fora abatido pelos japoneses. Um comando australiano consegue libertá-lo do hospital de Quelicai.


(...) Na tarde do dia 21 de agosto o Governador ehamou-me e ao engenheiro Canto à sua residência para nos  comunicar que tinha havido sobre a região de Cribas um combate aéreo entre aviões japoneses e australianos pelo que um avião australiano tora abatido e se incendiara ficando o piloto muito ferido e queimado. 

O alferes reformado Alípio Ferreira que vivia nas proximidades do local onde caiu o avião prestou os socorros de urgência ao ferido e avisou telefonicamente o administrador de Manatuto Dr. Mendes de Almeida. Este, acompanhado do enfermeiro Fernando Senanes fora buscar o oficial australiano no carro da circunscrição e trouxera-o para a residência de Saututo onde se encontrava. 

Ponderadas por nós três as diferentes soluções para o difícil problema de evitar a entrega do piloto aos japoneses, o que eles certamente viriam a exigir, resolveu-se que ele seguisse na automaca dos Serviços de Saúde,  que se mandou vir de Quelicai, para o hospital Dr. Carvalho, instalado nessa localidade, único estabelecimento onde se poderia prestar assistência eficaz a um grave traumatizado.

 O transporte do sinistrado fez-se, assim, na manhã do dia 22, tendo sido internado sob os cuidados do Dr. Correia Teles, antes que os japoneses soubessem do acontecido. Foram repetidas as suas tentativas para que o Governador «mandasse vir o oficial australiano ferido para o hospital de Lahane, pois este é que era o hospital principal dos portugueses!» 

Escusado será dizer que o engenheiro Canto, em nome do Governador, diplomaticamente, mas com toda a firmeza, se opôs, sempre a essa ideia. Sabendo da rebelião de Maubisse o administrador Mendes de Almeida organizou uma força de voluntários europeus, e das tradicionais companhias de "moradores" de Manatuto, com o fim de partir para foco da insurreição com a missão de cooperar com o destacamento militar na repressão da revolta (1) . 

A coluna do tenente Liberato cumpriu integralmente a sua missão da maneira que ele descreve num dos seus livros (1) . 

O que então somente constou na Colónia foi a morte em combate, no dia 5 de setembro, do cabo Paulo Moreira, do soldado Abel Soares dos Santos e do condenado António Fernão de Magalhães, natural de Macau, que seguira como enfermeiro do destacamento por ter prática de enfermagem no presídio de Aileu em que estava internado. 

Soube depois, pelo tenente Liberato, que este acontecimento se havia dado perto do posto administrativo de Lébus. A coluna de voluntários civis cumpriu admiravelmente a sua generosa missão conseguindo a salvação dos portugueses europeus de Maucátar, as famílias do tenente reformado João Cândido Lopes e do encarregado do posto de Fohorém, soldado Saul Nunes Catarino, que puderam dirigir-se e alojar-se em Aileu, e o castigo dos rebeldes, assegurando o respeito pela soberania portuguesa. 

No dia 1 de setembro, uma coluna japonesa desembarcou na foz da ribeira de Lacló e cercou a residência do administrador de Manatuto, Dr. Mendes de Almeida, então ausente a combater os rebeldes na área de Túriscai. Em Saututo estavam então hospedados o engenheiro José de Azevedo Noura, diretor das Obras Públicas, e as senhoras das famílias deste engenheiro, do Governador, do capitão Vieira, do tenente Alves, todos os quais foram encerrados numa das salas enquanto os nipónicos procuravam em todos os recantos vestígios de australianos!

Submeteram depois a dona da casa, D. Elzira Mendes de Almeida, a um enfadonho interrogatório sobre o oficial piloto-aviador australiano que aí tinha sido alojado e caridosamente tratado, tendo ela então demonstrado a mais serena firmeza e desprezo pelas suspeitas absolutamente infundadas de colaboração com as tropas aliadas. Retiraram-se, sem mais vexames. 

A notícia deste acontecimento motivou a fuga, no mesmo dia 1, do piloto australiano do hospital de Quelicai transportado numa cadeirinha por seus compatriotas que ali o foram buscar. 


(v) O terror dos bombardeamentos dos Aliados, em Lahane, onde se situava o hospital e a casa do governador. A que respondem as anti-aéreas dos japoneses.  O médico José dos Santos Carvalho 
renova, por mais um mês, a sua permanência, voluntária, 
em Lahane.


(...) Entretanto tinham passado vinte dias da minha permanência no edifício do hospital onde ainda havia alguns doentes internados, entre os quais duas velhas chinesas, na casa que fora pavilhão de mulheres. 

A comida era fornecida pelo mesmo fornecedor do hospital no tempo de paz, o cabo reformado Joaquim da Silva, cuja residência era próxima dos edifícios hospitalares e cujos géneros provinham de uma pequena quinta e plantação que ele possuía nas vizinhanças de Díli e onde os japoneses permitiam que os serviçais timorenses continuassem em trabalhos agrícolas. 

Vários bombardeamentos pela aviação aliada se fizeram sentir durante esse curto período os quais estoicamente suportávamos, apertados e transidos de natural temor no abrigo escavado em forma de mina na encosta da montanha. Com efeito, são indescritíveis as sensações que de todos se apoderam, sobretudo durante os repetidos voos preliminares dos aviões até se contarem as explosões correspondentes à sua completa descarga de bombas. Mas tudo leva ao terror! 

Em primeiro lugar a permanente incerteza quanto à possibilidade de em qualquer momento das vinte e quatro horas do dia se ser atingido. O som lúgubre da sereia japonesa avisava-nos — e quantas vezes fomos  nós os primeiros a sentir o ronronar dos aviões — de que eles se aproximavam. Logo se fazia sentir um ensurdecedor barulho das violentas explosões dos canhões anti-aéreos e do matraquear das metralhadoras! 

E, tudo isto, sabendo nós que as forças aliadas não poderiam estar informadas da nossa posição de neutralidade e dos locais em que não havia japoneses

Dava-nos alguma confiança o facto da bandeira nacional estar hasteada permanentemente no pavilhão principal do hospital e pintada, em grande tamanho, no seu telhado coberto de folha de ferro zincado. Mas, de noite, como se poderia ver este sinal de gente portuguesa? Confortava-nos o facto de as tropas japonesas estarem alojadas em Díli não se aproximando dos edifícios hospitalares de Lahane e da residência do Governador. 

Porém, na manhã do dia 5 de setembro, chegou ao hospital uma grossa coluna de forças nipónicas comandada por um capitão que, portando-se com toda a correcção, mas com característica frieza, falando inglês razoável, disse que vinham instalar-se na parte dos edifícios do hospital, que não era necessária para nós e, por isso, pedia para eu mandar imediatamente desocupá-la. 

Tentei convencê-lo, então, de que não ocupassem, ao menos, os edifícios mais próximos do pavilhão principal onde estavam alojados os portugueses, mas tudo foi em vão. Instalaram-se, assim, no pavilhão de timorenses, no pavilhão de mulheres, no pavilhão de doenças infecciosas, que se encontrava quase concluído, e na casa da residência do médico-chefe da Repartição de Saúde. 

Ficámos, assim, somente com o pavilhão principal do hospital, as suas dependências e o edifício da casa mortuária. Uma limitadíssima área de terreno circunjacente ficava à nossa disposição, incluindo o pequeno jardim. Mas nem essa escapou.

Passados dias vieram dizer-nos que iam construir abarracamentos para as tropas, encostados ao pavilhão principal do nosso hospital. Depois de muito trabalho, o engenheiro Canto convenceu-os a construirem-nos no jardim, o que foi feito, ficando, situados a menos de dez metros de nós e cobertos a zinco que seria perfeitamente visível dos aviões aliados. 

Estando a chegar o termo do período de trinta dias para o qual eu me tinha oferecido a trabalhar em Díli, oferecime, novamente, para aí permanecer mais um mês, o que fiz no dia 8 de setembro. 

Por Balibó havia então rebelião de parte dos seus sucos. O chefe de posto, cabo Simão Esteves Coronho foi obrigado a retirar-se para Atabai onde se manteve sempre em contacto com os chefes timorenses de Balibó que se mantiveram fiéis e já firmemente apoiado pelos arraiais (3)  de Maubara, do que mostrou ser grande Português, o liurai, coronel José Nunes (1). 

Requisitara o cabo Coronho, um pelotão da força de polícia timorense da Fronteira que estava aquartelada em Bobonaro, com o fim de vir para Balibó proteger a evacuação do posto de quem o quisesse fazer (1) . O pelotão chegou àquela localidade onde encontrou o praticante de enfermeiro Emílio de Oliveira que ali se encontrava por acaso e que, pela força das circunstâncias, teve de tomar o comando do destacamento e manter-se na tranqueira do posto, informando o chefe de posto de tudo, actuando como melhor entendia e assumindo as responsabilidades que pudesse haver (1). 

No dia 10 de setembro o enfermeiro Oliveira comunicou ao cabo Cironho que com os soldados timorenses, alguns chineses e um arraial de 200 homens havia feito batidas na região de Bui-Lácu e que dentro da tranqueira de Balibó estavam perto de quatrocentas pessoas, entre chineses, soldados, moradores e arraiais (1) (3). Mais informou o enfermeiro Emílio haverem chegado à tranqueira duas camionetas com forças japonesas que pediram géneros, que pagaram a pronto, respeitaram as mulheres que se encontravam na tranqueira e trataram muito bem os soldados timorenses (1). 

Porém, nesse mesmo dia, se deram gravíssimos acontecientos em Balibó, pois os japoneses, metralharam o enfermeiro Oliveira e os dez soldados que o acompanhavam, sendo mortos alguns deles e escapando o enfermeiro, um cabo e quatro soldados (1). 

As actividades das tropas japonesas eram agora distribuídas por todo o território timorense e os indígenas, desorientados com o seu estranho procedimento, mostravam-se receosos, apoderando-se de todos o terror (1) .

O tenente Liberato encontrava-se, então, encerrado, com a sua força em Bòbonaro, insistindo com o seu comandante pelo envio de reforços (1). Para satisfazer os seus pedidos, o capitão Freire da Costa ordenara a organização de arraiais nas regiões de Ainaro, Manatuto e Baucau. Os japoneses, porém, estendendo as suas operações àquelas zonas, impossibilitaram o recrutamento dos homens. Velhacos, percorriam com insistência aquelas zonas, tornando infrutíferos todos os esforços para a organização dos arraiais (1). 

A partir do dia 13 de setembro acentuou-se a atividade dos rebeldes em toda a frente de Memo a Mape. Os arraiais fiéis, desanimados pela falta de reforços, fraquejaram. Em Léber abandonaram as posições, mas a rápida intervenção duma equena força militar, comandada pelo soldado Saul, restabeleceu a situação (1). 

Nas regiões de Balibó e Cova continuava a confusão. O tenente de segunda linha, reformado, Paulo Ferreira, preso e conduzido pelos nipónicos para Atambua, recuperara a liberdade sob o compromisso de colaborar com eles. Tomou então a direção das investidas que os povos de Balibó, Cova, Batugadé, etc, iniciaram contra a região de Maubara, cuja defesa estava confiada a um reduzido núcleo de rapazes — Manuel da Costa, Eduardo Massa, Abel Brites, José dos Santos, Manuel dos Santos, Flávio Carion, Acácio Sanches e Gaspar Nunes — coadjuvado pelos arraiais do velho Nunes, figura prestigiosa de chefe timorense, sempre dedicado, de quem os portugueses, mais tarde, nos tempos dolorosos e amargos do campo de concentração, jamais deixaram de receber constantes provas de lealdade. Arriscando a vida, às escondidas, pela caída da noite, lá iam, ele ou o filho, o simpático Gaspar, junto do chefe de posto levar informações, a assegurarem o seu apoio, a denun- ciar as intenções dos nossos algozes, a incutir confiança no futuro. Unicamente português, só a favor de Portugal trabalhou (1). 

No dia 16 de setembro chegou a Baucau uma coluna motorizada de tropas japonesas, não acompanhada de indígenas timorenses, seguindo forças a ela pertencentes para Venilale e Ossú e outras até Quelicai. A força que se dirigia a Ossú foi surpreendida no caminho por uma patrulha holandesa que lhe cortou o caminho, inutilizando uma ponte e, aproveitando a sua paragem forçada, a atacou à metralhadora, ferindo vários homens e entre eles o oficial que comandava a patrulha, após do que se pôs a salvo. 

Os japoneses repararam a ponte e seguiram para Ossú onde, na Missão, estiveram a interrogar o chefe de posto, aspirante Eugénio de Oliveira e o superior padre Jaime Goulart que, durante a estada dos japoneses em Ossú esteve detido, com outros padres da missão, num quarto e que foi maltratado e agredido pelas tropas. O interrogatório incidiu sobre as tropas australianas a respeito das quais procuraram, evidentemente sem qualquer resultado, obter informações. 

A força que se dirigiu a Quelicai, interrogou aí, demoradamente, o director do hospital Dr. Correia Teles, a respeito da fuga do piloto australiano ferido, que ele explicou com todos os pormenores, ameaçando-o por várias vezes de o tornarem responsável por essa fuga e acabando por lhe dizer que iam averiguar se era verdade o que ele dizia, e que, se reconhecessem que o não era, voltariam lá e lhe fariam pagar caro a sua mentira. 

De facto, não houvera a mínima culpa do Dr. Correia Teles naquela fuga, pois foi alta noite e inesperadamente, que os soldados australianos penetraram no hospital e levaram o seu camarada ferido (5). 

No dia 20 de Setembro chegou a Aileu uma coluna japonesa, comandada pelo capitão Moryama, que ia acompanhada por um grande numero de indígenas, armados, disfarçados em carregadores, e que aí se estabeleceu. A pedido do comandante nipónico e para evitar incidentes, no quartel da companhia de caçadores foi suprimido todo o serviço exterior da unidade por patrulhas, mantendo-se somente sentinelas necessárias à sua segurança (6). 

Entretanto, em Bobonaro a situação piorava dia a dia. Os chefes indígenas fiéis queixavam-se, estando abalado o moral dos seus homens. A rebelião ganhava terreno e o cerco apertava-se, ameaçando isolar as forças do tenente Liberato dentro da vila. Sabia ele que nada havia já a esperar. Manatuto, Ainaro e Baucau e a própria tropa, ilaqueda nos locais onde a surpreendera o intencional recrudescimento da actividade dos japoneses, nenhum auxílio lhes poderiam prestar (1). 

Também, o velho colono Sebastião da Costa que vivia numa propriedade pertencente a seu genro Joaquim Pereira Vigário e estava situada no limite de Laulara com Aileu foi, aí assassinado com quase toda a família (7). No livro do Dr. Cal Brandão (8) se encontram pormenores acerca desse massacre. 

Numa plantação pertencente ao sr. Sebastião da Costa os criados timorenses mataram à azagaiada dois soldados japoneses que cometiam abusos, facto que se passou em abril de 1942 mas de que os japoneses nunca tiveram a certeza, embora por isso ficassem a olhar com desconfiança e ódio a família Costa. O sr. Sebastião da Costa e seu filho Manuel Albano foram, então, residir para a propriedade do seu genro e cunhado Joaquim Pereira Vigário que, agora, estava ausente por se ter oferecido como voluntário para a expedição contra a revolta de Maubisse, comandada pelo tenente Ramalho. 

Foi então que «as colunas negras assaltaram a propriedade e, numa carnificina bárbara, retalharam mais de quinze pessoas. O Manuel, exaustas as munições, teve que ver dum alto próximo a imolação de todos os entes queridos, pai, mãe, irmãos, sobrinhos e o filhito com três meses. 

Quando tudo acabou, a alma dobrada pela dor e o espírito ardendo em desejo de desforra, foi apresentar-se às guerrilhas australianas, ansioso por acalmar no ardor da guerra o fogo que o consumia. O Vigário quando teve conhecimento do crime que lhe aniquilara a família e casa, reuniu alguns criados e dirigiu-se à propriedade, já então abandonada pelos selvagens, para dar sepultura condigna aos seus mortos. Surpreendido pela entrada de alguns japoneses com uma coluna negra, o Vigário repeliu-os mas, teve que ceder terreno e de se entrincheirar num reduto de pearas, e matando se deixou morrer (9)

No dia 26 de setembro, soube-se em Bobonaro que uma coluna japonesa avançava de Ainaro em direcção a Ataabe O sargento Alexandrino, chefe do posto de Atsabe, abandonou a localidade e fugiu à aproximação da coluna. Outro tanto íiaviam feito os chefes de posto de Same, Ainaro e Uátu-Údu por onde a coluna passara anteriormente.

 No dia seguinte soube-se que os nipónicos marchavam para Bobonaro, onde chegariam a noite, o que de facto sucedeu. No dia 28 abandonaram a vila. Esta coluna tinha aprisionado o régulo Evaristo, mas dera-lhe a liberdade em Atsabe, donde regressara à sua casa de Maubisse. Porém, pouco mais tempo viveu. Foi trucidado por uma coluna negra, assim como toda a sua numerosa família, algumas semanas depois (1). 

Em Maubisse, procedia-se então a averiguações para o apuramento das responsabilidades e a punição dos supostos cabecilhas da revolta (1). Os japoneses, prontos a aproveitar o descontentamento dos nativos, em seu benefício, imediata-mente acorreram ao apelo dos insurretos prestando-lhes auxílio contra as prepotências de que se diziam vítimas (1). Inesperadamente, apareceram na região forças nipónicas acompanhadas de numerosos indígenas, estabelecendo-se em Maubisse e lançando as suas avançadas até Ainaro, cujos arraiais haviam tomado parte activa na jugulação da revolta (1). 

No dia 27 de setembro, elementos da «coluna negra», assaltaram o acampamento do destacamento do tenente Ramalho, roubando espingardas e outro material e foram eles que então prenderam o chefe Evaristo tendo-o levado com eles (1). Simultaneamente, esboçou-se uma tentativa de roubo, por parte dos mesmos elementos, à residência do administrador de Aileu, tendo os criados, que quiseram opor-se à pilhagem, sido barbaramente espancados (1). 

Criava-se assim a atmosfera de terror destinada a favorecer o planeado assalto ao comando da Companhia de Caçadores, em Aileu, que se verificou na madrugada do dia 1 de Outubro (1). 

Altas horas da noite desse dia chegou ao hospital de Lahane um timorense, emissário de um liurai dos arredores de Aileu, com um bilhete redigido, mais ou menos, nos seguintes termos: "Senhor Engenheiro. Eles foram a Aileu e estragaram tudo". O portador da mensagem nada mais pôde adiantar para satisfazer as perguntas que com natural ansiedade lhe fizemos, pois não vivia em Aileu.

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Notas do autor:

 
(1) Vide Capitão António Oliveira Liberato, O Caso de Timor, Portugália, Lisboa.
 
(2) O senhor Júlio Madeira, natural da Ermera, tinha sido soldado da Companhia 
de Caçadores e havia constituído com timo- renses uma guerrilha que fez grandes estragos entre os japoneses devido ao conhecimento perfeito que o seu chefe tinha da região onde nascera e à sua perfeita mobilidade e períica no manejo das armas.

(3) Em Timor dá-se o nome de arraial ao conjunto de timorenses civis que voluntariamente se ofereceram para servirem em operações de guerra.

(4) Sucos, são em Timor, grupos de povoações dos regulados, assim todos os regulados, os reinos de Timor, se dividem num certo número de sucos. O régulo denomina-se «liurai» e o suco tem um «chefe de suco».

 (5) Os pormenores da primeira entrada dos japoneses em Baucau e das suas façanhas em Ossú e Quelicai foram-me referidos pelo tenente Pires quando voltei a Baucau após a minha estadia em Lahane. 

 (6) Estes pormenores da entrada da coluna japonesa acompanhada de indígenas em Aileu foram-me referidos pelo administrador, Virgílio Castilho Duarte. 

(7)  As notícias do assassinato do colono Sebastião da Costa e da sua família foi-me dada pelo chefe de posto de Laulara, Francisco Torrezão.
 
(8) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.

(9) A morte do colono Joaquim Pereira Vigário deu-se a 3 de novembro de 1942. 
 

Fonte: José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, pp. 44-53.
 
(Seleção, revisão / fixação de texto, título, notas introdutórias, parênteses retos, reorganização das notas, itálicos e negritos: LG)

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Nota do editor

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14 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25742: Timor Leste : passado e presente (12): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte IV: A vida de um médico de saúde pública, Baucau, 1941

10 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25731: Timor-Leste, passado e presente (11): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte III: A vida de um médico de saúde pública, Dili, 1941

2 de julho de 2024 > Guiné 61/74 - P25708: Timor-Leste, passado e presente (10): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte II: Como era a pequena colónia do sudoeste asiático em 1940/41 ?

26 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25683: Timor-Leste, passado e presente (9): Notas de leitura do livro do médico José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (1972, 208 pp.) - Parte I