Rua do Benformoso
por Luís Graça (*)
Na Rua do Benformoso
já não manda o Intendente,
a rua agora
é da gente
que lá mora.
Passa um miúdo, preto,
com um saco de pão
na mão,
é o moço de recados
do restaurante onde cheira
a especiarias da Índia.
Diligente e esperto,
voluntarioso,
não nos parece que seja
um sem eira nem beira,
nem muito menos um potencial terrorista do estado islâmico,
diz o relatório do chefe da esquadra policial.
Há talhos halal
pela rua abaixo,
e gente, rua acima,
que veio dos Himalaias
na última arca
de Noé.
Nas praias
do Tejo,
naufragam barcos de escravos,
uns são do marquês,
outros do patriarca,
mas a maior parte são propriedade
d'el-rei, sua majestade,
senhor de aquém e de além-mar.
Os outros, para aí uns três,
perigososos, foragidos,
sem valor na bolsa de valores,
não valem vinténs, réis ou centavos,
são de quem os apanhar,
mortos ou vivos,
nas ruelas e escadinhas da cidade.
Na rua do psst!, psst!,
não adianta clamar pela rainha,
que ela é louca,
e toda a energia é pouca,
para marchar,
p'ró pretinho e p'rá pretinha,
Agora a Mouraria é que é,
grita o último marchante
da avenida da Liberdade;
chegou tarde
e deixou p'ra trás a acompanhante.
Rua acima, rua abaixo,
formosa mas não segura,
vai a mulatinha da Guiné,
de balaio à cabeça,
e pano garrido à cintura,
ainda à espera
do milagre de Santo António.
Pode o mundo ir a pique,
podem até enforcar
o Pina Manique,
não adianta lamentar,
na rua do Benformoso,
o Mali é já ali,
não se canta o fado,
muito menos a despique
com os da rua do Capelão.
Vão à sopa dos pobres
até os das casas nobres,
caídos na pobreza,
e agora merceeiros
da santa casa da misericórdia.
Se não há pão,
não há concórdia,
mas a rua do Benformoso
é que é,
diz o antigo fuzileiro
lá nado e criado,
o “Mouraria”,
hoje na casa dos quarenta:
andou nas guerras da Crimeia
ao serviço da Nato,
arranjou ao comandante um berbicacho,
foi apanhado a mijar na pia
de água benta
da mesquita azul
em Istambul;
estava bêbedo que nem um cacho.
O que nos salva é a fé,
e o que nos resta... do pé de meia;
daqui ninguém arreda pé,
mesmo em caso de haver peste
(de que Deus nos livre!,
e, se tiver que ser,
que Ele nos ajude!),
garante o guarda-mor
da porta da senhora da saúde.
A rua do Benformoso, agora
é de quem lá passa,
com mais jeito ou menos graça,
ou de quem lá namora,
ou muito simplesmente
de quem por lá se demora.
Lisboa, Largo do Intendente,
Festival Lisboa Mistura 2015, 19/6/2015
Lisboa, Largo do Intendente > 19 de junho de 2015 > Mural da
campanha Unidos pelo Fim da MGF [Mutilação Genital Feminina], projeto da APF - Associação para o Planeamento da Família.
O Mural END FGM foi criado pelos artistas Fidel Évora e Tamara Alves no âmbito da campanha europeia END FGM, que advoga a atuação enérgica do Parlamento Europeu na erradicação da Mutilação Genital Feminina (MGF) na Europa e no Mundo.
A apresentação, em julho de 2014, contou com os testemunhos de
Aissato Djaló, Projeto Musqueba, e de Duarte Vilar, Diretor Executivo APF [, e irmão do nosso malogrado camarada, cap cav
Luis Rei Vilar, comandante da CCAV 2538 / BCAV 2876, unidade de quadrícula de Susana (1969/71)].
Lisboa, Mouraria > Rua do Benformoso > 19 de junho de 2015 > Uma habitante local, à janela... (Muitas das casas têm as paredes exteriores a azulejos oitocentistas, como esta; a 100 metros , no largo do Intendente, fica a antiga e famosíssima
Fábrica de Cerâmica da Viúva Lamego, fundada em 1849 (e que ajudou a fazer de Lisboa a cidade do azulejo).
Lisboa, Mouraria, eixo Praça Martim Moniz / Rua da Palma / Largo do Intendente > 19 de junho de 2015 > A zona mais multiétnica da cidade. Sabe-se que entre os habitantes da Mouraria, para aalém dos nativos. há mais de meia centena de etnias, com origem na Ásia, África, Europa de leste e "Novo Mundo"... É um bairro histórico fascinante que importa conhecer, acarinhar e divulgar... Dicas podem ser encontradas aqui na
página da associação Renover a Mouraria.
Lisboa, Praça do Martim Moniz > 19 de junho de 2015 > "Sem bandeiras nem fronteiras", um slogan "anarquista".