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domingo, 14 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25386: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (29): Bissau, Depósito de Adidos, era oficial de justiça, na Secção de Justiça... e a viver com a minha mulher, em "segunda lua de mel"...( Joaquim Luis Fernandes, ex- alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974)


Joaquim Luís Fernandesnatural de Leiria, foi alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974; é autor da série "Acordar memórias"; membro da Tabanca Grande desde 21 de junho de 2013; tem 23 referências no nosso blogue.



1. As histórias das nossas vidas... Pequenas, mas são nossas. Quando as nossas almas forem pesadas, no Juízo Final, que importam as boas obras, e sobretudo as grandiosas ?...Vão-nos dar cabo do juízo mas é com os pecados... mortais. 

Joaquim, onde é que tu estavas no 25 de Abril ? (*)  Cuidado com as más companhias... Ah!, estavas em Bissau, ao pé do grande amor da tua vida, a avó dos teus netos... Estás perdoado... E já agora os teus antigos camaradas do BCAÇ 3863 não terão vindo no T/T Niassa, mas nos TAM (Transportes Aéreos Miliyares), em 16 de dezembro de 1973...


No 25 de abril de 1974 eu estava em... (29): Bissau, no Depósito de Adidos, era oficial de justiça, na Secção de Justiça... e a viver com a minha mulher, em "segunda lua de mel"...( Joaquim Luis Fernandes, ex- alf mil,  CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973, e Depósito de Adidos, Brá, 1974)

por Joaquim Luís Fernandes


Viva,  Luís Graça!

Só agora a responder à tua "trivial" questão: onde é que eu estava no 25 de Abril de 1974.(**)

A resposta é simples: estava em Bissau. Mas dito deste modo, a resposta que interesse tem?

E o que dizer mais, que suscite algum interesse?

Depois de no ano de 1973 ter estado em Teixeira Pinto, onde sofri e vi sofrer qb, de, apesar de tudo, reconhecer que era uma região pacífica quando comparada com outras, do Norte, Leste e Sul, mais próximas das fronteiras, com o aproximar do fim de comissão do BCAÇ 3863, onde estava integrado, apresentei um requerimento para que me fosse concedida a possibilidade de ficar integrado na Unidade que o iria render. O requerimento foi indeferido.

Interrogava-me então, sofrendo por antecipação, que sorte seria a minha, para que buraco me iriam mandar. Para alguma Companhia Africana?...

Em Dezembro de 1973, fui com o Batalhão para o Cumeré, onde o pessoal que tinha acabado a comissão aguardou o embarque para a Metrópole. Acompanhei os meus camaradas até ao navio Niassa (não recordo bem a data, dia 19 ou 20?) onde me despedi dos mais próximos.

E o meu destino imediato, foi apresentar-me no Depósito de Adidos em Brá, penso que a aguardar colocação.

E aconteceu, que por esses dias, tinha terminado a sua comissão nesta Unidade, o nosso camarada e amigo, Augusto Delfim Silva Santos, que prestava serviço na Secção de Justiça, criando aí uma vaga.

Pois foi precisamente essa vaga, penso eu, que me safou de pior destino. Fiquei colocado no Depósito de Adidos em Brá, na Secção de Justiça, como Oficial de Justiça.

E logo em eu, atirador de Infantaria, sem formação na área de Direito.

Mas a falta dessa formação académica, não me impediu de um bom desempenho nas funções em que fui incumbido, que mereceu um louvor do Comandante da Unidade, pelos bons serviços prestados nos Processos que me foram confiados.

E um convite para preencher o requerimento para a minha continuidade no Serviço Militar, que rejeitei.

Foi pois nestas funções e nesta Unidade, que vivi o 25 de Abril de 1974. Não recordo de nesse dia ter sabido do que se estava a passar em Lisboa.

A esse tempo, vivia com a minha mulher em Bissau e levava a vida de um casal em segunda "lua de mel". Estava demasiado concentrado na nossa vida a dois, para me dispersar em devaneios políticos.

Estes já tinha acontecido na minha mocidade, de adolescente e jovem, em formação de carácter, contra o Regime, opressor e caduco, de Salazar e Caetano.

Durante a Instrução Militar, sempre me associei com os camaradas que eram do "contra", cortando na casaca do Regime e da Instituição militar.

Também em Teixeira  Pinto, acompanhei os movimentos corporativos (mas também políticos) dos Oficiais do Quadro Permanente, que se manifestavam contra o Decreto Lei, que os prejudicava na promoção, sendo este o embrião do que viria a ser o Movimento do Capitães, do 25 de Abril de 1974.

Como sabemos, em Bissau, a "revolução" aconteceu em 26 de Abril de 1974. Do que se tornou visível e audível, lembro o movimento dos helicópteros, a baixa altitude sobre Bissau, em ações persuasivas sobre a cidade.

Não me embrenhei no que se estava a passar em Bissau e penso até que fiquei de noite no Quartel.

A minha mulher contou-me que ficou assustada com o movimento aéreo sobre a cidade e que estranhou que um Tenente, que morava em casa vizinha, viesse armado de G3 para casa, o que não era costume.

Sobre o que se seguiu a esse dia, mesmo não tendo retido tudo na memória, o que havia a contar não cabe neste comentário que já vai muito longo.

Abraços

JLFernandes



2. Ficha de unidade > Batalhão de Caçadores nº 3863

Identificação: BCaç 3863
Unidade Mob: RI 1 - Amadora
Cmdt: TCor Inf António Joaquim Correia
2.° Cmdt: Maj Inf Joaquim Abrantes Pereira de Albuquerque | Maj Inf João José Pires
OInfOp/Adj: Maj Inf João José Pires (acumulava)

Cmdts Comp:

CCS: Cap SGE Manuel Ferreira de Amorim
CCaç 3459: Cap Mil Inf António Mendes Robalo da Silva
Cap Mil Inf Joaquim Mendes Teixeira Ribeiro
CCaç 3460: Cap Mil InfFemando Manuel de Araújo Lacerda Morgado
CCaç 3461: Cap Inf Abílio Dias Afonso
Cap Mil Inf Aires da Silva Gouveia

Divisa: "Honra e Glória"
Partida: Embarque em 16Set71; desembarque em 22Set71 | Regresso: Embarque em 16Dez73

Síntese da Actividade Operacional

Após realização da IAO, de 27Set71 a 230ut71, no CIM, em Bolama, seguiu para o sector de Teixeira Pinto, em 240ut71, a fim de efectuar o treino operacional e a sobreposição com o BCaç 2905.

Em 24Nov71, assumiu a responsabilidade do referido Sector 05, com sede em Teixeira Pinto e abrangendo, então, apenas o subsector de Teixeira Pinto, com subunidades instaladas com as sedes em duas áreas diferentes, em Bassarel e Teixeira Pinto. 

Em 01Fev73, por transferência do CAOP 1 para outra área, o sector voltou a integrar os subsectores de Bachile e Cacheu. 

A partir de meados de Set73, as áreas de Teixeira Pinto e Bassarel foram individualizadas e
consideradas subsectores distintos. As suas subunidades mantiveram-se integradas
no dispositivo e manobra do batalhão, com excepção, inicialmente, da CCaç
3460.

Desenvolveu prioritariamente uma actividade de controlo, coordenação e segurança dos trabalhos dos reordenamentos das populações e sua promoção socioeconómica, a par de constante vigilância e acções de patrulhamento e segurança de itinerários tendentes a impedir eventuais acções inimigas sobre as populações e respectivos aldeamentos.

Dentre o material capturado mais significativo, refere-se 1 morteiro e 1 espingarda.

***

A CCaç 3459, após o treino operacional na regiao de Bachile desde 240ut71, seguiu, em 13Nov71, para Bassarel, a fim de render a CCaç 3327 e assumir a responsabilidade da referida área de Bassarel e dos destacamentos instalados nos reordenamentos de Chulame, Blequisse, Bajope e Binhante. 

Em 01Fev73, mantendo a sua sede em Bassarel, passou então a incluir os destacamentos
de Chulame e Churobrique.

Em 23Nov73, foi rendida no então subsector de Bassarel pela 3ª C/BCaç 4615/73 e recolheu a Bissau para o embarque de regresso.

***
A CCaç 3460 seguiu em 240ut71 para a região de Cacheu, a fim de efectuar o treino operacional e sobreposição com a CCaç 2659. 

Em 24Nov71, assumiu a responsabilidade do referido subsector de Cacheu, com um destacamento em Bianga, inicialmente na dependência do CAOP 1 e depois integrada
no seu batalhão.

Em 23Nov73, foi rendida pela 1ª C/BCaç 4615/73 e recolheu a Bissau para o embarque de regresso.

***
A CCaç 3461 seguiu em 240ut71 para Teixeira Pinto, a fim de efectuar o treino operacional, deslocando-se, em 12Nov71, para Carenque, a fim de efectuar a sobreposição com a CCaç 2660 e assumir a responsabilidade da área de Carenque, com pelotões destacados nos reordenamentos de Batucar e Caió, e outro em Teixeira Pinto. 

Em 01Fev73, a sede da subunidade foi transferida para Teixeira Pinto, onde assumiu a responsabilidade do respectivo subsector, agora com pelotões destacados em Carenque e Batucar.

Em 28Nov73, foi rendida n subsector de Teixeira Pinto pela 2ª C/BCaç 4615/73, tendo recolhido seguidamente a Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
 
Observações - Tem História da Unidade (Caixa n.º 94 - 2ª Div/4ª." Sec, do AHM).

 Fonte: Excertos de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pp. 157/158.

_____________

Notas do editor:


(**) 12 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21605: Os nossos capelães (14): João Baltar da Silva (Santo Tirso, 1944 - Moçambique, 2011): fez duas comissões no CTIG, de 16/9/1971 (Joaquim L. Fernandes, ex-alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974)



Pe. João Baltar da Silva (1944-2011)

Foto: Cortesia do blogue Aviagens, de Armando Cabreira



IX Encontro Nacional da Tabanca Grande > Palace Hotel Monte Real > 
14 de junho de 2014 > Missa na igreja paroquial de Monte Real > 
O Joaquim Luís Fernandes (Maceira / Leiria). 
Tem 15 referências no nosso blogue.É o autor da série "Acordar Memórias"

Foto: © Manuel Resende (2014). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Comentário de Joaquim Luís Fernandes [ex-alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974], ao poste P21594  (*):


Caro Luís Graça, quando em 2013, quase 40 anos volvidos do meu regresso da Guiné, iniciei o processo de acordar as minhas memórias desse tempo, uma das personagens que se ergueu foi a do capelão P. João Baltar. 

Tinha sido meu amigo, confidente e confessor. Muitas foram as conversas que travamos, não tanto no bar, onde nem sempre havia ambiente para tal, mas mais nas nossas passeatas, ao fim da tarde, avenida acima, avenida abaixo, da pacata vila/cidade de Teixeira Pinto [, hoje Canchungo].

Nas minhas pesquisas na Net para o encontrar, foi com profunda mágoa que li a notícia do seu falecimento em Malema, diocese de Nampula-Moçambique, em 5 de Dezembro de 2011, depois de ter sofrido um AVC que o debilitou e levou à morte.

João Baltar da Silva nasceu em Burgães, Santo Tirso, a 15 de Agosto de 1944. Foi ordenado sacerdote no Seminário de Cucujães a 28 de Julho de 1968.

Integrado na Sociedade Missionária da Boa Nova [, fundada em 1930 como "Sociedade Missionária Portuguesa"], partiu em Missão para Porto Amélia [, hoje Penha,] em Outubro de 1969.

Regressou em 1971 para ser incorporado no exército como capelão militar, tendo partido para a Guiné em 16/9/71 e regressado em 23/6/74. Duas comissões.

Depois da tropa, ainda em 1974, regressou como Missionário a Porto Amélia [, hoje Penha].

De regresso a Portugal, é em 1982 nomeado para a equipa formadora no Seminário de Valadares. Também exerceu as suas funções como sacerdote e professor, com elevado prestígio e reconhecimento, em outras localidades, entre elas Cucujães e Cernache.

Em 1987 parte novamente para as Missões em Moçambique, tendo ministrado em Pemba, Maputo, Chibuto, Matola e Malema.

Em 1994 pediu a nacionalidade Moçambicana.

No testemunho dos que com ele conviveram, se depreende ter sido um Missionário dedicado na sua Missão de evangelizador, mas que não ignorava as realidades humanas daqueles a quem se dirigia, estudando as suas culturas, o que eu já me tinha apercebido quando convivi com ele em Teixeira Pinto. 

Era um profundo conhecedor da cultura Manjaca e chegara a presenciar alguns dos seus ritos animistas.
Consta que ao longo da sua vida, nomeadamente em Moçambique, se referia às suas experiências e amizades de capelão na Guiné.

E é tudo por agora.
Votos de boa saúde e um Natal fraterno, mesmo que confinados.

Um abraço

Joaquim L. Fernandes

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Notas do editor:



(**) Vd. poste de 17 de setembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19023: Os nossos capelães militares (9): segundo os dados disponíveis, serviram no CTIG 113 capelães, 90% pertenciam ao Exército, e eram na sua grande maioria oriundos do clero secular ou diocesano. Houve ainda 7 franciscanos, 3 jesuitas, 2 salesianos e 1 dominicano.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16270: Convívios (758): Encontro do pessoal das CCAÇ 16 e CCAÇ 3461, com imposição de Medalhas Comemorativas das Campanhas, levado a efeito no passado dia 25 de Junho, nas instalações da Brigada de Intervenção de Coimbra (António Branco)

1. Mensagem do nosso camarada António Branco (ex-1.º Cabo Reab Mat da CCAÇ 16, Bachile, 1972/74), com data de 27 de Junho de 2016:

Boa noite
Realizou-se no passado dia 25 nas instalações da Brigada de Intervenção em Coimbra, a cerimónia de imposição de condecorações e encontro/convívio dos ex-militares da Companhia de Caçadores 16 e Companhia de Caçadores 3461. Ambas as companhias desenvolveram a sua acção no teatro de operações da Guiné e a nível operacional realizaram missões de quadrícula em zona de acção do chão manjaco a norte, sul e oeste de Teixeira Pinto.

Do convívio que teve uma larga presença de ex-combatentes, familiares e amigos, salientam-se vários actos incluídos no programa entre eles a receção e concentração dos ex combatentes e seus convidados, a chegada da alta entidade que presidiu à cerimónia, a cerimónia na parada, homenagem aos mortos e alocução de ex-comandantes.

Após a alocução do representante da Liga dos Combatentes e da alta entidade que presidiu à cerimónia, seguiu-se a imposição de condecorações, uma visita à colecção do QG/Bri Int e o almoço/convívio.

Foi efectivamente mais um dia marcante na vida de cada um de nós cujo reencontro anual é motivo de grandes recordações e manifestação de grande amizade entre todos e que não quis deixar de partilhar de forma a alimentar o nosso blogue.

Um Alfa Bravo
António Branco






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Nota do editor

Último poste da série de 3 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16264: Convívios (757): XXII Encontro do Pessoal da CCAV 2748, levado a efeito no passado dia 4 de Junho de 2016 (Francisco Palma, ex-Soldado Condutro Auto)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13887: In Memoriam (207): Faleceu hoje o ex-Alf Mil Manuel Alcides André Rocha, que pertenceu à CCAÇ 3461/BCAÇ 3863 e à CCAÇ 16 (Carenque e Bachile, 1971/73) (Ricardo Figueiredo)

1. Mensagem do nosso camarada Ricardo Figueiredo (ex-Fur Mil da 2.ª CART/BART 6523, Cabuca, 1973/74), com data de hoje, 13 de Novembro de 2014:

Boa tarde Carlos,
Para conhecimento do blogue, participo-te que faleceu hoje, 13 de Novembro de 2014, o nosso camarada MANUEL ALCIDES ANDRÉ ROCHA, ex-Alferes Miliciano que pertenceu à CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863 e à CCAÇ 16.

O corpo do nosso já saudoso camarada está em Câmara Ardente na Igreja de S. Mamede de Infesta - Matosinhos até amanhã às 10h00, quando sairá para inumar no Cemitério local.

Um abraço,
Ricardo Figueiredo

Em primeiro plano e à direita da foto, o nosso malogrado camarada Manuel Alcides André Rocha.

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2. Nota dos editores:

Nesta hora de dor, em nome da Tertúlia deste Blogue, deixamos à família enlutada os nossos mais sentidos pêsames.
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Nota do editor

Último poste da série de 13 de Novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13881: In Memoriam (206) Nuno da Costa Tavares Machado, alf mil art, CART 1613, morto em Guileje, em 28/12/1967, e condecoado com a cruz de guerra, de 3ª classe, a título póstumo

sexta-feira, 21 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12872: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (6): Porto do Carro, a minha aldeia, e Canchungo (ex-Teixeira Pinto), ontem e hoje

1. Sexto episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

6 - Porto do Carro, a minha aldeia, e Canchungo (ex-Teixeira Pinto), ontem e hoje

A figura do ancião, da estória do porco abusivamente extorquido, com o seu olhar penetrante, tem-me acompanhado ao longo dos anos, fazendo-me lembrar pela semelhança, a figura de um outro ancião, da minha aldeia natal, Porto do Carro, quando ainda garoto de 7, 8, 9, 10 anos, me juntava com os outros garotos vizinhos, no largo do Casal das Pombas, palco de todas as brincadeiras e que confinava com o arneiro (quintal) pertença do “Ti Bajona”, o “homem grande daquela tabanca”. Parecia-me um gigante, com os seus pés sempre descalços e negros, as calças de cotim, que tinham sido cinzentas, com uns atilhos nos tornozelos e na cintura, camisa e colete escuros, barrete tão velho quanto desbotado, barba grande e pigarça. Uma figura que inspirava medo e respeito e que a garotada, evitava desafiar ou melindrar, não invadindo o seu espaço. Uma figura singular e tradicional nos usos e costumes, que ainda hoje, povoa as memórias dos garotos desse tempo.

Rapazinhos “djubis” no seu espaço e tempo de todas as brincadeiras, a lembrarem-me que poucos anos antes eu brincava como eles. Era só trocar a vaquita pela burrita e um pouco mais de roupa. (zona próxima do quartel)

Cais do rio Baboque em maré alta, próximo do quartel. Propiciava mergulhos aos “Djubis” e aos soldados algumas pescarias com o recurso do rebentar de uma granada. A recordar os meus tempos, na minha aldeia.

Há 55 anos, as ruas da minha aldeia, assim como o largo do Casal das Pombas, eram de terra batida. Não havia água canalizada, nem esgotos, nem tão pouco eletricidade, tal como ainda hoje nas tabancas de Canchungo. Também como ainda hoje em Canchungo, havia muitos meninos que brincavam na rua até noite dentro, em segurança, descalços, na terra batida, do largo do Casal das Pombas. (No meu ano, entrámos 22 para a primeira classe).

Hoje, as ruas e o largo do Casal das Pombas da minha aldeia estão asfaltados e limpos, têm água canalizada e esgotos, eletricidade e iluminação pública noturna, mas escasseiam os meninos. Algumas famílias continuam carenciadas mesmo que alguns calcem ténis de marca. Mas já não brincam na rua em segurança. E a escola, um dia destes fecha por falta de meninos.

Esta constatação, a par de outras, causa-me tristeza: ver o meu país a definhar, a envelhecer sem esperança. E não tinha que ser assim! Não foi com este futuro precário que a minha geração sonhou! Não foi para um país, com o presente e o futuro comprometido, adiado, como se afigura hoje, que trabalhámos, sofremos e lutámos!...

Mas... e os meninos de Canchungo?... Os que sobrevivem à subnutrição e à doença?...

Continuam a brincar descalços, na terra batida dos largos das suas tabancas, às escuras, tal como há 40 anos, quando eu me fazia criança e brincava com eles, nas suas rodas e eles me chamavam de manta, que eu usava como indumentária, a tiracolo e com que me agasalhava, nas frias noites e madrugadas, em voltas, nas proximidades de Canchungo, que penava, quando palmilhava ou me acoitava, mas sempre em vigilância, para que nenhum mal acontecesse.

Rapazinho que vinha recolher ao arame farpado, junto dos postos de sentinela, as sobras (restos) da comida que os soldados lhe davam. Perante a realidade que observava questionava-me: O que andamos nós aqui a fazer? Que guerra é esta? Como se não deve sentir revoltado este povo?... A nossa presença deverá ser uma afronta!...

Eu revivia e recordava os meus tempos de garoto, no largo do Casal das Pombas, brincando com os meus vizinhos, a correr atrás da bola... e dos sonhos... que quando fosse um homem haveria de ajudar a construir um mundo melhor, mais justo e fraterno. E aonde vão os sonhos?... Continua quase tudo do essencial por fazer: a justiça, a solidariedade...

A fotografia do Ioró Jaló, pela sua parecença com a do ancião da estória do porco, interpelou-me. Quem era este homem? Poderia ser seu filho, sobrinho... Só que no seu olhar não via o ódio e rancor que vi no do outro. Tão só súplica e complacência. Penso nele e em todos os outros na sua situação. Que herança madrasta, nós portugueses lhes legámos! E agora quem os ajuda e auxilia na sua penúria e sofrimento?...

Foto do Ioró Jaló, ex-milicia no Pelundo, (Vd. Postes P2451 ou P5414) 
(Com a devida vénia ao Dr. António A. Alves)

Fotos de: Mama Samba; José Ussumane Injai; Demba Injai; Joaquim Gomes; Bondon Monteiro. (Vd. P2451 ou P5414)
Com a devida vénia ao Dr. António Alberto Alves pelas fotos e bem haja pela iniciativa. Bem hajam todos os que têm ajudado, de algum modo, a minorar o seu sofrimento.

Portugal, enquanto país ocupante daqueles territórios durante 5 séculos, deveria e poderia ter feito mais e melhor do que fez! Será que ainda há condições, espaço de manobra e tempo, para ajudar aqueles povos a saírem da situação em que se encontram e alcançarem uma vida melhor, com paz, desenvolvimento e prosperidade? Assim o desejo e espero.

Gostaria de ter vida, saúde e alguns recursos económicos para poder fazer algo também. Tenho algumas ideias, mas sozinho pouco poderei fazer. Juntando-me a outros e organizados, poderíamos fazer mais. Por que não a “Tabanca Grande” ousar ir mais além? Ser mais interventiva na “coisa pública”; dar mais consequência e visibilidade aos afetos e que estes se concretizem em ações possíveis. Juntos e organizados, poderíamos fazer muito mais a favor do sofredor Povo da Guiné, que nos pede e espera ajuda. E de nós próprios.

Sei que o Blogue não é uma ONG, que há várias a trabalhar e a fazer bem o que podem e onde nos podemos inserir. A ação que preconizo para a “Tabanca Grande” seria de outro nível: vamos chamar-lhe “Grupo de Sensibilização e de Pressão” do maior alcance possível, ao nível político, diplomático... nas esferas nacional e internacional. Será sonhar muito alto?...

Imagem do “Google Maps” da Guiné Bissau, com especial incidência no Chão Manjaco por onde andei, das Ilhas de Pecixe e Jeta até ao Cacheu, que de algum modo conheci e criei laços. Tiveram nestes últimos 40 anos alguma expansão e transformação urbanística, mas continuam tão carentes como então, de desenvolvimento económico autossustentado. Têm alguns recursos, mas há tanto para fazer! Tenho algumas ideias e penso que não deveria deixá-las morrer ou enterrá-las comigo. Mas são tão grandes e eu sou tão limitado, que não sei! Veremos.
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Nota do editor:

Vd. postes da série de:

6 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12802: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (1): Monte Real, 8 de Junho de 2013, o primeiro contacto com a Tertúlia

9 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12812: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (2): O primeiro contacto com a bibliografia da guerra colonial

12 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12828: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (3) : As minhas pesquisas sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

15 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12841: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (4): Teixeira Pinto, adaptação às pessoas e ao terreno

18 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12851: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (5): O porco que não consegui comer

terça-feira, 18 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12851: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (5): O porco que não consegui comer

1. Quinto episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

5 - O SEGREDO DE...

O PORCO QUE NÃO CONSEGUI COMER

Nesse mês de Junho, iria começar uma nova função, que acumularia com as já habituais; passaria a desempenhar a função de gerente da messe de oficiais. Na necessidade de, mais uma vez, me afirmar responsável e competente, quase como a ter que ganhar o direito a existir, eu que me sentia de fora, pouco "militar", deslocado na classe privilegiada, assumi mais esse encargo como um desafio. Iria empenhar-me para melhorar a qualidade das refeições servidas na messe, dentro dos estabelecidos 30 escudos por pessoa e por dia. Ganharia melhor alimentação e evitaria as duras críticas e acusações que tinha ouvido, dirigidas ao camarada que me antecedera nessas funções.

Uma profícua papaeira do horto do batalhão. Ou uma prova de que com querer, algum trabalho, organização e técnica, a Guiné seria uma terra produtiva e próspera.

Depois de me inteirar do serviço a desempenhar, reuni com o Cabo Vagomestre transmitindo-lhe os meus propósitos visando ganhá-lo para a minha causa. Diariamente, procurava acompanhar as contas dos gastos e as ementas planeadas, incentivando-o a que se melhorasse a confeção das refeições e se variasse, quanto possível. Mas tinha uma circunstância a contrariar os meus intentos: a horta do batalhão, que nos meses anteriores tinha sido generosa e farta em verduras, alguns legumes e leguminosas, estava em final de ciclo produtivo; estava quase tudo seco e já pouco se poderia colher.

Ficaríamos dependentes dos reabastecimentos vindos de Bissau, em coluna, uma vez por semana, com poucos frescos. Era o recurso ao arroz, às massas, aos enlatados e ao peixe da bolanha. Nem com muita imaginação e boa vontade se conseguiriam ementas que agradassem. Por repetitivas, tornar-se-iam enjoativas.

O Mamadú, (?) auxiliar do soldado hortelão. Diariamente prestava serviço no quartel, ou no horto ou no corte da lenha para a cozinha e para o forno do pão. Sempre descalço e de cachimbo na boca.

Perante a marcação que fazia ao cabo vagomestre para que não se caísse na rotina e desmazelo de ementas contestadas, coloquei-me a jeito para que ele me lançasse o repto: “Se o meu alferes quer que se melhore a alimentação, só temos uma solução: ir às tabancas comprar víveres.” E eu aceitei o repto. Segundo o vagomestre (e disso deveria ele saber), as populações das tabancas tinham a obrigação, imposta pela administração civil, de fornecer alguns animais ao batalhão, para a alimentação da tropa.

Depois de me informar melhor, e tomar as providências necessárias, lá fomos, acompanhados de um Cipaio, que serviria de intérprete nas “negociações” e representava a Administração Civil.

Acompanhavam-me, para além do vagomestre, que faria de tesoureiro, alguns soldados do meu grupo e pessoal adstrito à cozinha da messe, em duas viaturas, creio que uma unimog e uma mercedes.

Chegados à tabanca escolhida, não sei se Beniche, se Bajope, se Chulame, que eram ladeadas de férteis bolanhas, iniciou-se o “jogo da apanhada” às galinhas, aos cabritos e aos porcos, que por ali andavam em liberdade, em volta das moranças e das cercas. E o “negócio” lá se ia fazendo, com a intermediação do cipaio e o pagamento feito em espécime (sem fatura e sem recibo).

As férteis bolanhas ao redor das tabancas da zona de Teixeira Pinto. Um grupo de homens (poucos) a preparar a terra para as sementeiras/plantações, virando a leivas com os seus arados. Alguns são ainda meninos outros já velhos. Os jovens adultos faziam a guerra, dos dois lados da contenda. E eu pensava: como seriam produtivos estes campos, se fossem introduzidas outras técnicas e mecanização. Mas o esforço ia todo para a guerra.

As mulheres manjacas, mulheres de trabalho, nos viveiros do arroz, procedem à repicagem para o transplante.

Aspeto exterior das moranças das muitas tabancas dos arredores de Teixeira Pinto; onde pessoas e animais viviam em harmonia e liberdade. Só a guerra e os militares levavam o desassossego.

Já com uma boa “caçada” consolidada, surge à vista um esmerado e bem nutrido leitão. A rapaziada entusiasmada com o “jogo,” enceta uma perseguição ao bicho, que lá se ia esquivando, ensarilhando entre as cercas e as moranças. Mas perante a determinação dos bravos pegadores, não foi longe. Amarrado e transportado para a viatura, grunhia e guinchava que nem um desalmado.

Surge então um ancião, que tomei como sendo o dono do animal, com modos pouco amistosos. Tentou-se a conversação e a negociação, mas o homem estava irredutível. Não percebi uma palavra do que disse, mas entendi que ele não queria vender o porco. Perante os factos, disse ao cabo vagomestre que seria melhor libertar o bicho, mas ele replicou que não o devíamos fazer, que o homem tinha a obrigação de vender o porco e que se não quisesse receber ali o dinheiro, que o fosse levantar à Administração, que era esse o procedimento habitual.

Não me agradava aquela situação, mas perante esta argumentação e as circunstâncias (novamente a minha condição de “pira”, inseguro e pouco firme, a vir ao de cima) cedi e viemos embora com o porco, sem o pagarmos, deixando para trás o ancião furioso, que com o seu olhar agressivo parecia querer fuzilar-nos. Se não era já afeto ao IN, após esse dia passou a sê-lo, com certeza.

Durante a viagem de regresso, autocensurava-me pelo que se tinha passado; deveria ter sido mais firme e não ter consentido em trazer o porco sem o pagar, mas também não tive iniciativa de voltar atrás e devolvê-lo ao dono. Achava que isso me deixaria diminuído na minha autoridade para com o vagomestre, para continuar a pedir-lhe todo o empenho para melhorar o serviço na messe. Mas pensava também no risco que corria, se o ancião, que eu desconhecia quem era, fosse fazer queixa ao Régulo e se este fizesse chegar a queixa até Bissau, ao Com-Chefe, talvez não me livrasse de uma “porrada”; e isso era a última coisa que eu queria; lá se iriam os meus 35 dias de licença, tão desejados. Se isso acontecesse, não sei como me iria aguentar.

Quando passados alguns dias o leitão foi servido na messe, não consegui comer dele. Ou porque estava mal cozinhado, pareceu-me só gordura, ou por remorso. E lá fui, mais uma vez, compensar-me no bar com uma lata de fruta enlatada e uma garrafa de leite achocolatado. Eu tratava-me e cuidava-me bem, para me manter com saúde e em forma.

Durante estes 40 anos esqueci muita coisa, quase tudo, nomes de pessoas e de locais, episódios, etc. Até o número da companhia e do batalhão eu tinha esquecido, mas este acontecimento nunca o esqueci e considero-o uma nódoa no meu comportamento, que desejei impoluto e pautado pelos elevados valores éticos, que tinha levado na mente e no coração, que procurei preservar, cultivar e ser fiel, não o tendo conseguido. A par de outros atos incorretos, confessados a quem de direito na devida altura, este, de caráter mais público, fica bem aqui retratado, nesta série “O segredo de:”. Dele peço desculpa, pelo que representa, a quantos se sintam por ele, atingidos e prejudicados.

Foto tirada da pista que ficava próxima do quartel. Ao fundo, o aspeto exterior das muitas tabancas de Teixeira Pinto. Uma área arborizada com as moranças circulares feitas de barro e cobertas de colmo. Arquitetura ancestral, bem adaptada às gentes e ao clima. Bem melhores que os reordenamentos que a tropa fazia, em áreas descampadas, retangulares, com blocos de barro cozidos ao sol e cobertura de zinco. Na zona havia alguns, mas pouco habitados. O objetivo principal não era servir as populações a quem se destinavam, mas sim controlá-las.
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12841: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (4): Teixeira Pinto, adaptação às pessoas e ao terreno

sábado, 15 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12841: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (4): Teixeira Pinto, adaptação às pessoas e ao terreno

1. Quarto episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

4 - TEIXEIRA PINTO, ADAPTAÇÃO ÀS PESSOAS E AO TERRENO


Edifício Sede da Administração Civil em Teixeira Pinto. Estava situado em frente à porta de armas, no início da avenida principal. A casa do administrador já ficava dentro do retângulo do quartel e era uma boa casa com um belo jardim.


Teixeira Pinto, Junho de 1973

Ia entrar no 6.º mês da minha comissão na Guiné, e desde a primeira semana a sonhar com os 35 dias de licença regulamentar, que cheguei a sentir em perigo com a ameaça de uma “porrada”, quando ainda estava na terceira semana.

Já tinha superado muitas dificuldades de adaptação e de funções – adaptação ao clima, a um ambiente pouco hospitaleiro e corrosivo, os perigos e os medos, as saudades torturantes. Já conhecia as tabancas das redondezas de Teixeira Pinto, onde patrulhava de noite e de madrugada em patrulhas de proximidade e segurança, por vezes com emboscadas faz-de-conta (tipo guarda noturno) e durante o dia, em visitas de “A. Psico”.

Já conhecia alguns dos usos e costumes dos manjacos, da sua cultura e religião, tendo assistido a algumas das suas manifestações. Já tinha sentido e vivido o encanto das suas paisagens e dos sons das suas noites, das suas festas e dos seus choros. Tinham sido meses de intensa aprendizagem e atividades diversificadas.

Foto tirada em Caió, em passagem para uma visita a uma das Ilhas, Pecixe ou Jeta. Fazia “escolta” e companhia ao Alf. Médico Mário Bravo (ao centro). Ao meu lado, o Alf. Mil. Teixeira (?) da CCS. Era o responsável pelo parque-auto e pelos mecânicos do batalhão. À direita do Mário Bravo, o Alf. Mil. Moreira, que estava na sede da companhia em Carenque. Era pacífica esta zona do chão manjaco; Só os mosquitos atacavam. Apetece lá voltar.

E também já tinha muitos quilómetros de estrada, em escoltas a colunas, ao Cacheu e a João Landim. Já levava 2 meses de mata, do Balenguerez a Ponta Costa. Muitas horas de mil perigos e sofrimentos e algumas noites no “hotel estrela da mata”, entregues a nós próprios e aos mosquitos. E sentia ter conquistado a confiança e a amizade dos homens do meu grupo, por quem me via respeitado como chefe e protegido como se fosse o irmão mais novo...

Deslocação por via fluvial, por um dos canais do rio Costa-Pelundo. Partindo de Bassarel, seriamos lançados na margem sul da Península do Balenguerez. Era a primeira vez que o meu grupo fazia esta ação e o homem da lancha não conhecia o canal. Consultando a carta militar, eu descortinava entre tantos canais que o rio tinha na zona, qual era o que deveríamos seguir. E acertei. Mas não me livrava do receio de termos o IN à nossa espera, escondido no mangal, no tarrafo, ou na orla da mata, para a macabra receção. E sentia grande vulnerabilidade. Mas tudo correu bem.

Mas continuava a sentir-me tratado por alguns dos meus pares e por alguns superiores como o sempre alf. “pira” e algumas vezes senti-me hostilizado. Talvez que inicialmente, para eles, eu fosse um tipo um pouco estranho, que não alinhava em todas as suas borgas, antes se isolava, meditativo e até melancólico, a afirmar ideais humanistas e princípios com forte convicção, a questionar as razões daquela guerra, a expor valores em desuso entre a tropa local e diferente dos da sua classe, pondo-os em causa, já “velhinhos” e “apanhados” do clima. Naturalmente eu seria suspeito e era necessário manter debaixo de vigilância e ameaça. (Com o tempo fomo-nos conhecendo e ganhando confiança, respeito e camaradagem).

O meu quarto era o meu refúgio principal. Aí purgava com lágrimas a dor da saudade, na mágoa e na súplica e encontrava a Paz. Aí rezava, escrevia à minha noiva e à família, lia e ouvia música. (Belas músicas que eu ouvia). Mas algumas vezes saía e ia passear sozinho. Um dos locais para onde ia era este que a foto documenta: Nas traseiras do quartel, perto do cais, no limite do rio Baboque. Apreciava a paisagem, meditava e dava largas aos sonhos e conjeturas. Pensava naquele povo, que sofria as consequências da guerra e do subdesenvolvimento e como tudo poderia ser diferente, se uma boa parte dos recursos materiais e humanos gastos na guerra, fossem aplicados no desenvolvimento. E lembrava e meditava as palavras do Papa Paulo VI: - ”O Desenvolvimento é o novo nome da Paz”. (Vd. Carta Enciclica Populorum Progressio – PP87, Março de 1967)

Valia-me a boa relação com os homens do meu grupo, que dia a dia vinha ganhando em confiança e camaradagem. Com eles me identificava e com eles sofria e confraternizava. Sentia também o apoio e confiança do comandante da minha companhia, Cap. Mil. Gouveia.

Confraternizando com o meu grupo, após uma caçada clandestina a 2 javalis em Babol, próximo de Ponta Teixeira. O convívio foi fora do quartel (tinha que ser) num tasco de um senhor libanês de quem não recordo o nome. Fomos visitados por convite, pelo Comandante de Companhia, Cap. Mil. Aires da Silva Gouveia, que estava de Oficial-dia. À sua direita, o Fur. Mil. Op. Esp. Louro, que era da zona de Santarém. Um destemido guerreiro. Gostaria de saber dele para o contactar. Deixo o apelo a alguém que o conheça e queira fazer o favor de me informar.

E tinha um amigo, confidente e confessor, o Alf. Capelão Padre João (de quem gostaria de saber para contactar). Também tinha um grupo de jovens adolescentes, nativos, rapazes e raparigas, dos doze aos dezassete anos, para quem veiculava a minha amizade, quando me reunia com eles, lhes expressava os meus sentimentos fraternos, falando-lhes de Jesus Cristo e do Amor de Deus Pai, que nos tornava irmãos. Eu sentia-os como a minha família local, sendo eu o irmão mais velho. Como eu gostaria de voltar a encontrá-los, estar com eles e saber do rumo que levaram as suas vidas!

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12828: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (3) : As minhas pesquisas sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

quarta-feira, 12 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12828: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (3) : As minhas pesquisas sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

1. Terceiro episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

3 - As minhas pesquisa sobre Teixeira Pinto e o "Chão Manjaco"

E onde é que eu ia? Ah! Já sei! Tinha deixado para trás o VIII Convívio do Blogue – Tabanca Grande, com o sentimento de alguma deceção.
Não tinha encontrado nenhum ex-camarada conhecido de Teixeira Pinto. Em contrapartida, tinha trazido comigo seis livros sobre a guerra da Guiné, escritos por ex-combatentes, que iria ler com interesse nos dias que se seguiriam. Porém, o foco principal do meu interesse estava em Teixeira Pinto.

Tinha que continuar a pesquisar e decerto iria encontrar alguns dos meus ex-camaradas, dos quais desgraçadamente até os nomes esquecera. Também me ocorreu que tinha mais de 200 cartas que tinha escrito à minha namorada/noiva/mulher e que iria passar a ler, na busca de reviver o que a memória tinha escondido .

E foram muitos os postes publicados que visitei, que me deram uma noção mais aproximada do que foi aquela guerra e apesar do desgosto que a sua memória me provocava, o meu respeito por aqueles que nela participaram aumentou. A par de alguns actos deploráveis, quiçá compreensíveis dadas as circunstâncias, encontrei descrições de grande humanidade, abnegação, lealdade, coragem, generosidade, amizade e valor. Alguns dos Postes visitados: todos os que julguei relacionados com o Chão Manjaco, os do José da Câmara, do Luís Faria, os relacionados com Teixeira Pinto, com o Bachile, com Capó, com o Balenguerez, com a Caboiana, com o Cacheu, com o Burné... com o Pelundo, mas também com os de outra zonas, Guidage, Guileje, Brá e muitos outros e de muitos autores.

Mas a minha atração era Teixeira Pinto e inicialmente pesquisei mais os postes que lhe julgava relacionados. E abri a carta militar disponível no blogue – deparei-me com mais uma coincidência inesperada: Teixeira Pinto, atual Canchungo, estava inserida numa zona (Regulado) chamada Costa de Baixo. Então... não é que eu morava no lugar de Costa de Baixo, de Leiria, de onde partira, para ir para uma zona na Guiné com o mesmo nome! Coincidências!... Já uma outra coincidência toponímica era a tabanca de Carenque, sede da CCaç 3461, ser homónima da localidade de onde partira e se constituíra (Carenque da Amadora), no RI 1, sua Unidade Mobilizadora. Mas o que mais me agradou ao analisar esta carta militar, foi reencontrar o nome das tabancas, que me soavam bem, quase musicais e me avivavam as memórias e os sentidos, sensíveis aos seus encantos e desencantos. - Binhante, Ucunhe, Bucol, Babanda, Petabe, Canobe, Beniche, Bajope, Chulame, Bechima, Caronca, Cachobar e as de Blequisse...

Imagem parcial da carta militar de Teixeira Pinto, atual Canchungo, (1953) – com a devida vénia ao Blogue e ao “cartógrafo- mor” Humberto Reis.

Nesta busca de notícias daquelas extensas e povoadas tabancas do Chão Manjaco, que tinha calcorreado e conhecido, desejei visitar e saber notícias dos então jovens adolescentes de quem fora catequista, preparando-os para o batismo cristão. E cheguei até à ONG “Bankada” – Andorinhas em Canchungo. Agradei-me de algumas notícias, de outras nem tanto e fiquei com o desejo de lá voltar. Na sequência destas procuras, abri o P2451 e deparei-me com isto: António Alberto Alves, sociólogo, português, a trabalhar na ONG “Bankada”- Andorinhas de Canchungo, a dar-nos conta que o livro “Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura” era lido entre os jovens de Canchungo. Curioso! Quem diria!...

Mas uma outra notícia me deixou perturbado: um grupo de ex-militares ou milícias Manjacos, do Pelundo, que tinham militado ao lado das tropas portuguesas, servindo e lutando do mesmo lado da barricada, debaixo da mesma bandeira e que agora viviam em dificuldades, na indigência. E para quem, em seu nome, era pedida ajuda aos ex-camaradas que os reconhecessem. Eu, que nunca tinha estado integrado com tropas ou milícias africanas, não me senti diretamente interpelado, mas fiquei sensibilizado e pesaroso com a sua situação. E, ao ver as suas fotografias, deparei-me com uma que me fez sentir um calafrio, um arrepio... A de Ioró Jaló.

Quem era este homem? De que tabanca? Seria mesmo do Pelundo? Ou de Beniche? Ou de Bajope? Ou de Chulame?...

Ioro Jaló
Com a devida vénia ao autor da foto Dr. António Alberto Alves e aos Editores do Blogue.

O que me fazia reviver esta foto de Ioró Jaló? Que sentimentos me despertava?

As feições deste homem, tornaram-me presente um episódio em que participei, de que não me orgulho, antes me envergonho e que, durante 40 anos, não apaguei da memória.

Um episódio que poderá não ter sido muito grave, dadas as circunstâncias, mas na minha consciência foi. Para quem pretendia ser fiel aos mais elevados ideais e princípios humanistas de coerência, justiça, respeito e solidariedade, o ato cometido foi infame. Cabe-me retratar-me dele, nesta série do Blogue: “O Segredo de...”

Mas para ganhar a compreensão e benevolência de quem o ler e me julgar, convém que faça uma introdução, que sirva de “circunstâncias atenuantes”. Até lá, não se ponham a adivinhar. Será um esforço em vão.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 9 de Março de 2014 > Guiné 63/74 - P12812: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (2): O primeiro contacto com a bibliografia da guerra colonial

domingo, 9 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12812: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (2): O primeiro contacto com a bibliografia da guerra colonial

1. Segundo episódio da série "Acordar memórias" do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974):


ACORDAR MEMÓRIAS

2 - O PRIMEIRO CONTACTO COM A  BIBLIOGRAFIA DA GUERRA COLONIAL

O meu regresso às minhas memórias da Guiné, iniciou-se quando um colaborador e companheiro de trabalho (que também escreve livros e com vários prémios literários, de pseudónimo Paulo Assim) me falou que tinha lido recentemente um livro sobre a guerra na Guiné e que referia um episódio, de que eu lhe falara, de um acidente com militares, que tinha provocado vários mortos e feridos, na sequência de uma desavença ocorrida num jogo de futebol; que deveria ser o mesmo episódio e que eu deveria conhecer o seu autor. Prontificou-se a adquirir-me o livro. “Diário da Guiné – Lama, Sangue e Água Pura”, de António Graça de Abreu. Li-o de seguida e com sofreguidão. Era a primeira vez que lia algo sobre a guerra da Guiné, onde também tinha estado e logo a falar-me dos lugares e de pessoas com quem tinha convivido, despertando-me assim para outros interesses...

Também, já há alguns meses me havia sentido “estranho”, ao constatar que a série televisiva “A Guerra”, de Joaquim Furtado, tinha mexido comigo, quando os episódios se referiam à Guiné. Dei comigo a discorrer sobre a condução política e militar de Portugal e da Guiné, a esse tempo, interrogando-me: como tinha sido possível que se tivesse deixado acontecer os “infernos” de Guidage e Guileje. Não era previsível o que aconteceu? Onde estavam os serviços militares de informação e reconhecimento? O que faziam? Por que é que não se actuou preventivamente? Porquê?... Onde estava a competência dos senhores da guerra? Se não havia capacidade para controlar, prever e contrariar a actividade do IN, o que andávamos a fazer? Eu, que não era militar nem guerreiro, via os erros que tinham sido cometidos, remediando tarde e em desespero de causa, com elevados custos humanos, morais e materiais, o que deveria ter sido prevenido e evitado. Mas logo, num ato de autocensura, abafei tais sentimentos, pensamentos e considerações. O que interessava agora pensar nisso? Para que serviria? Que parvoíce!... Os responsáveis já não estarão entre os vivos e ninguém responde pelas causas da guerra e pelos seus erros e consequências!


Sede do BCaç 3863 em Teixeira Pinto. Ao centro, edifício do Comando. À esquerda o das Transmissões.

Quanto ao Alf. Mil. António Graça Abreu, decerto que nos cruzámos em Teixeira Pinto, embora por pouco tempo. Teremos partilhado o mesmo bar ou até a mesma mesa, mas a minha memória não o acusava. Ou se apagara o registo, ou estava imperceptível. Lembrava-me sim do CAOP 1, da cena do simulacro de ataque ao quartel na minha primeira noite, dos acontecimentos do dia 1 de fevereiro de 1973, em que fazia pela primeira vez de Oficial-Dia; do Cor. Pára Rafael Durão e do seu porte e conduta militar, que até respeitava, dos seus frugais pequenos-almoços na messe de oficiais, em mesa separada, à base de frutas (grandes mangos da Índia).

O seu livro recordou-me o número de Batalhão a que eu pertencera, as Companhias que o constituíam, tornando-me possível acordar outras memórias. E agora estava disposto a libertar-me dos bloqueios que tinha montado, recordar e sentir a guerra da Guiné, pensar nos bons e maus momentos, poder analisá-la, criticá-la, não por saudosismo ou masoquismo, nem para condenar os envolvidos, governantes, políticos e militares, mas para reflectir sobre o que aconteceu durante esses anos: sobre a política que Portugal trilhou e as suas consequências, identificando os seus responsáveis, chamando os "bois" pelos nomes.

Mesmo considerando que os erros do passado são irremediáveis, sempre poderemos aprender algo com eles, para o presente e para o futuro e se possível minorar os seus efeitos, pela palavra e pela acção.

Iria também permitir-me procurar e saber dos meus antigos camaradas e talvez um dia encontrar-me com eles; principalmente com os do meu Grupo, o 4.º Pelotão, “Os Americanos”. Espero que ainda estejam todos vivos e de saúde. Mas por onde andarão?


Guião do BCaç 3863. Constituiu-se no RI 1 – Amadora. Esteve na Guiné de 22 Set.1971 a 16 Dez. 1973. Dados que obtive nas minhas pesquisas no Blogue.

Aqui chegado, o passo seguinte foi ir ao encontro do desconhecido e a via seguida foi ir à internet ver o que conseguiria, eu, que até então, pouco ou nada tinha navegado. (Já me bastavam as longas horas que passava agarrado ao computador por razões profissionais, quanto mais desperdiçar o meu tempo livre nesses luxos).

Eis-me agora nisto: Google > Bat. Caç. 3863 e entretanto estava a entrar no Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné. Desde então tem sido quase um vício. Pena é a falta de tempo, pois é um mundo que nunca mais acaba. A corroborar a máxima: “O Mundo é Pequeno e a Nossa Tabanca é Grande”.

(Continua)
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Nota do editor

Primeiro poste da série de 6 DE MARÇO DE 2014 > Guiné 63/74 - P12802: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (1): Monte Real, 8 de Junho de 2013, o primeiro contacto com a Tertúlia

quinta-feira, 6 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12802: Acordar memórias (Joaquim Luís Fernandes) (1): Monte Real, 8 de Junho de 2013, o primeiro contacto com a Tertúlia

1. Em mensagem do dia 24 de Fevereiro de 2014, o nosso camarada Joaquim Luís Fernandes (ex-Alf Mil da CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973 e Depósito de Adidos, Brá, 1974), enviou-nos o primeiro texto para a sua série Acordar memórias:


ACORDAR MEMÓRIAS

1 - O PRIMEIRO CONTACTO COM A TERTÚLIA

Depois de há quase 40 anos ter deixado para trás a Guiné e o serviço militar obrigatório, com o sentimento de um esforço inglório e vão (que me tinha sido exigido em favor da Pátria, por um regime político e um governo que deplorava), enlevado no sonho de um país renovado, livre, democrático e feliz, que a “Revolução de 25 de Abril” prometia e ter optado pelo afastamento e esquecimento de tudo o que se relacionasse com a tropa e me recordasse a minha condição de ex-combatente na Guiné, talvez porque as desilusões tenham chegado a um ponto nunca esperado, iria estar pela primeira vez num encontro convívio de ex-combatentes da Guiné, que faziam parte de um Blogue que descobrira recentemente.

Se, há alguns meses, me dissessem que isto iria acontecer, eu negaria. Não estava nos meus interesses e planos.
O que se passara entretanto para mudar de atitude? Mais à frente explicarei.


Bissau, Maio de 1974 – Zona dos edifícios comerciais da baixa, perto da UDIB. Após os acontecimentos de 26 de Abril de 1974 em Bissau, principalmente após a chegada do Brigadeiro Carlos Fabião, as manifestações anticoloniais começaram a tomar expressões bem visíveis, fazendo-nos sentir que estávamos a mais e deveríamos regressar quanto antes à nossa terra. Era um sentimento que se contagiava.


8 de Junho de 2013, aqui estava eu agora em Monte Real, timidamente, como é o meu padrão de comportamento quando entre estranhos. Para melhor me integrar, tinha decidido que iria participar na missa planeada para início do encontro na pequena capela das Termas. Neste ambiente não me iria sentir tão deslocado. Já conhecia duas das pessoas presentes: o Joaquim Mexia Alves e o jovem padre Manuel Henriques. Depois, havia o sentimento de que naquela Assembleia seriamos irmãos em Cristo, reunidos, para na comunhão da mesma fé, celebrarmos a Eucaristia de Ação de Graças pelo dom da vida, da nossa, da dos ausentes e sufragando a daqueles que já partiram. Foi uma boa opção. E foi um bom começo! 


Capela de Sta. Rita de Cássia –Termas de Monte Real – (Com a devida vénia ao seu autor, Joaquim Mexia Alves) 

Monte Real, 8 de Junho de 2013 - VIII Encontro da Tertúlia - Joaquim Luís Fernandes à direita da foto
Foto: Rui Silva

E mais uma surpreendente coincidência desse dia, veio adensar (ou iluminar) o meu espírito: - A Igreja celebrava, nessa data, o Memorial do Imaculado Coração de Maria, que relacionei com alguns dos postes lidos na véspera: (P7059 ; P8964; P10030), do camarada José da Câmara, que me impressionaram, recordando-me “A Senhora que nunca nos abandonou” e que, por sua vez, tinha relacionado com uma experiência sensorial/emotiva, vivida há uns 5 anos, que me “transportou” às matas do Balenguerez – um dia escreverei sobre isso.

(Quando as vivências pessoais se tornam quase evidências e sustentam o sentimento da Fé)

Maio de 1973- Orla sul da Península do Balenguerez, próximo de Bamoial, entre Teixeira Pinto e Cacheu. A intensa atividade operacional que nos era exigida, em perigosas e duríssimas missões, levou-nos algumas vezes ao quase limite das forças, próximos da exaustão e da loucura.

O que se seguiu não irei descrever com minúcia. Assisti a efusivos cumprimentos e abraços entre camaradas de tertúlia ou de armas, que deixavam transparecer boa disposição, grande camaradagem e amizade. Também me senti bem acolhido pela simpatia que me dispensavam, mas eu ainda não era daquela guerra; tinha caído ali um pouco de paraquedas e a razão principal que aí me levara estava a ser defraudada.
O que me tinha atraído a Monte Real era a possibilidade de poder encontrar algum ex-camarada, que me desse notícias daqueles rapazes com quem tinha partilhado, há 40 anos, medos e sacrifícios, nessas sofridas, perigosas e infindáveis caminhadas, nas matas da Guiné, da assombrosa Península do Balenguerez até às “barbas” da tenebrosa Caboiana.
Sentia e sinto a necessidade de saber deles, de os encontrar e estar com eles, para lhes manifestar o meu apreço e sentimento de gratidão, pela forma respeitosa com que me aceitaram no grupo (“os Americanos” 4.º Pel/CCaç 3461), se submeteram ao meu comando, sendo eu mais novo e inexperiente e me ajudaram a crescer. Tanto que haveria para falarmos e celebrarmos... Mas nem um encontrei.


Teixeira Pinto – 24 de Julho de 1973 – Desfile de continência aos ilustres Comandantes e Chefes na Tribuna de Honra, no dia da elevação da vila à categoria de cidade. (A função faz o órgão... e o figurão) – O meu Pelotão. 


Perante esta circunstância, limitei-me a indagar nos presentes os que tivessem estado em Teixeira Pinto e me falassem das suas vivências nesse local, mas também pouco consegui. Porém, o ambiente foi-me agradável. Boa comida e bebida, os convivas da mesa foram próximos, como se sempre nos conhecêssemos e tudo acabou bem. Este encontro foi para mim uma imersão e uma aprendizagem e vim carregado de livros.
Iria levar por diante uma nova etapa, depois de 40 anos de esquecimento. Iria acordar as minhas memórias e predispor-me a reviver a Guiné daquele tempo, onde muito sofrera, mas onde também fora feliz.

Depois de 10 meses de Teixeira Pinto, onde fui usado como carne para canhão e me atribuíram as mais perigosas missões, para as quais não tinha sido preparado, mas que “cumpri” bem, fui agraciado pela sorte e cumpri 10 meses em Bissau, como oficial de justiça, nos Adidos em Brá. Quase civil e com a companhias da minha mulher.

(Continua)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12733: O Nosso Livro de Estilo (8): O que fazer com este blogue ? (Parte III): Joaquim Luís Fernandes (ex-alf mil, CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973; e Depósito de Adidos, Brá, 1974)



Guiné > Região de Cacheu > Teixeira Pinto  > CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863 (Teixeira Pinbto, 1973) > Visita de Acção Social e Psicológica em Caió, com o camarada tabanqueiro, alf mil médico Mário Bravo e outros camarada da CCaç 3461, alf mil  Moreira que estava “atabancado” em Carenque,  e o alf mil Teixeira,  da CCS, aquando da visita às ilhas de Jeta ou Peciche.

Foto (e legenda): © Joaquim Luís Fernandes (2013). Todos os direitos reservados
Joaquim Luís Fernandes, 
residente em Maceira, Leiria,  
técnico de desenho e projeto 
da indústria de moldes  para 
plásticos, tabanqueiro nº 621
1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Luís Fernandes [ex-alf mil, CCAÇ 3461/BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, 1973: e Depósito de Adidos, Brá, 1974]:

Data: 19 de Janeiro de 2014 às 02:54

Assunto: P12557- O Nosso Blogue em Números - Divagação -Proposta: A[ssociação] Tabanca Grande


Caro Camarada Luís Graça:

Insigne fundador, administrador, editor do Blogue, de grande sabedoria e mestria como animador e moderador da "comunidade" Tabanca Grande, seu grande e prestigiado Régulo.

Desculpa tantos atributos que te endereço, mas aceita-os como expressão sincera do meu apreço pelo trabalho que tens feito e continuas a desenvolver, tão bem assessorado pela equipa que te acompanha, da qual não posso deixar de referir o nome do Carlos Vinhal, que foi o meu apresentador à Tertúlia e me tem acolhido com grande simpatia e camaradagem. A minha saudação amiga e grata.

Vem esta mensagem na sequência do poste 12557 - O Nosso Blogue em Números - em que, na ocasião comentei, não encontrar palavras que exprimissem o que neles via. Agora, as que me ocorrem, são: Muita vida de muitas vidas.

Perante as dimensões que o Blogue alcançou, em dados, em informações e conhecimentos, na rede de relações, mas principalmente, na massa crítica que elas contêm, então e em jeito de brincadeira e como desafio para a celebração do 10º aniversário do Blogue, lancei a ideia de este poder vir a evoluir até à constituição de uma associação mais formal. Não explicitei o que estava a sugerir ou a pensar, nem manifestei grande convicção no que escrevi, mas não fui inocente e sabia bem que não era fácil e não bastava o que disse. Já tinha em mente esta mensagem.

Também não irei escrever agora tudo o que me vai na cabeça, nem isso interessa, mas sinto que devo transmitir mais do que disse e esperar ser compreendido, para que possa obter algum acolhimento e reflexão, de que aguardarei resultados.

Eu sei que o Blogue tem objetivos editoriais bem definidos, que vem cumprindo com muito mérito, alcançando bons resultados, e deles não proponho que se afaste ; Todos eles são bons e importantes. Sei também das 10 regras a respeitar, que se me afiguram equilibradas, de bom senso e necessárias. Os resultados falam por si.

Porém, dentro destas regras, poderá existir em algumas, uma certa elasticidade, (que já tenho verificado sem qualquer mal) que possa possibilitar dar origem a uma qualquer associação, filha do Blogue, que poderia até herdar o seu nome, Tabanca Grande. Seria constituída por elementos do Blogue, voluntários, ao jeito de outra associação sem fins lucrativos, de índole cultural e informativa, com intervenção ou participação nos média, criando opinião, participando de forma organizada na vida democrática, mas não se confundindo com os partidos. 

Sei que não estou a explicitar tudo o que penso e nem isso interessa agora. Os objetivos seriam: De forma simples e despretensiosa procurar pela sua ação, influenciar a Sociedade, as Organizações Políticas, os Órgãos do Poder, no sentido de obter para os ex-combatentes das Guerras Ultramarinas e em particular os da Guiné, algum reconhecimento público que tem faltado, assim como alcançar algumas condições favoráveis e justas, para a vida dos ex-combatentes ainda vivos.

Dou como exemplo: (i) a redução da idade da reforma;  (ii) apoio extraordinário na área da saúde; e (iii) mais reconhecimento público (e não só) para com os ex-combatentes da Guiné, que por lá ficaram abandonados, que serviram Portugal, lutando ao lado dos soldados da Metrópole e das Ilhas...

O campo de ação será muito mais vasto, mas não entrarei por agora em divagações,

Por fim, devo declarar, que também sou parte interessada. Veja-se o meu caso: farei este ano 63 anos, se Deus quiser. Faço descontos, para a então "Caixa de Previdência" e hoje "Segurança Social", ininterruptos, (exceptuando o tempo da tropa) desde 1968, (já lá vão 45 anos) e o meu horizonte de reforma está a ameaçar afastar-se para os 66 anos (se eu lá chegar). 

Como eu, quantos milhares de ex-combatentes haverá? Entretanto terei que continuar a competir, para sobreviver no mercado do trabalho, com jovens de 30, 40 anos. Coisa injusta para uns e para outros. É mau para o País e pior para mim, digo eu. Mas Que posso fazer?...

Agora alguns números para reflexão:

Dos sete camaradas que nos deixaram mais pobres no Blogue em 2013, um era de 1947, logo com 66 anos; quatro eram de 1948, com 65 anos; dois de 1950 com 63 anos. Média inferior a 65 anos. Mas mais: Tomando como referência as idade dos vinte e nove camaradas do Blogue que já partiram, com menos de 75 anos foram vinte e seis, com uma média de idades de 63,8 anos. Só três acima dos 75 anos. [Negritos e realce a amarelo: editores]

​Sei que estes números não têm valor estatístico do todo nacional, mas não deixam de ser uma amostragem e uma indicação que as mazelas que herdamos da guerra, fazem os seus estragos. Pergunto: Há estudos rigorosos sobre este tema que nos mostrem a quantas andamos? Se houver, tu saberás Luís, será uma da tuas especialidades! Ou estou enganado? Poderás partilhar essas informações com os mortais, que foram carne para canhão?

Presumo, que no nosso universo de ex-combatentes na Guiné, as estatísticas que têm justificado, com o aumento da esperança de vida, o aumento da idade das pensões e reformas, são uma balela e como tal, devem ser denunciadas e combatidas, reivindicando um ajustamento da Lei, que contemple esta situação especial, desfavorável para nós.

Caro camarada e amigo Luís Graça, se me excedi, desculpa o atrevimento. Eu sei, que tudo neste Blogue começou em ti e por ti tem vivido. Eu sou um pira, um quase nada nesta comunidade, com fraca participação e sem qualquer legitimidade de apropriação das suas potencialidades, o que aliás, não pretendo.

O conhecimento que fui adquirindo do Blogue e da tua grandeza de alma, deu-me a ousadia de sonhar. Eu sei sei que sou um sonhador e por vezes os pés descolam da terra. António Gedeão cantou: " O Sonho Comanda a Vida" e Sebastião da Gama escreveu " Pelo Sonho é que Vamos". Eu também quero deixar-me embalar em sonhos... de mais Verdade, mais Respeito, mais Justiça. mais Solidariedade, mais Amor....  

Mas irei com calma, mesmo continuando a sonhar.

Creio que transmiti a ideia. Se houver alguma dúvida, fico inteiramente ao dispor para esclarecer o que me for possível. Mas deixo tudo ao teu mais elevado critério e sem o mínimo de pressão. Faz desta mensagem o que considerares melhor e eu aceitarei qualquer desfecho, sem mágoa ou azedume. Só tenho que me penitenciar por ter sido tão longo e agradecer-te a paciência de me teres lido.
Aproveito para desejar-te boa saúde e expressar os meus votos, de que a intervenção cirúrgica que anunciaste para breve, seja bem sucedida, que tudo corra bem e fiques como novo e cheio de força, para muitos quilómetros neste nosso encantador Portugal.

Muito obrigado e um forte abraço
Joaquim Luís Fernandes

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Nota do editor:

Postes desta série:

7 de dezembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10770: O Nosso livro de estilo (7): Cerca de 400 abreviaturas, siglas, acrónimos, expressões idiomáticas, gíria, calão, crioulo... Para rever, aumentar, melhorar...

20 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10409: O Nosso Livro de Estilo (6): O que fazer com este blogue ? (Parte II ): Depoimentos de A. Pires, C. Pinheiro, D. Guimarães, L. Ferreira, B. Santos, C. Rocha, F. Súcio, B. Sardinha , T. Mendonça e JERO

18 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10402: O Nosso Livro de Estilo (5): O que fazer com este blogue ? (Parte I) : Depoimentos de H. Cerqueira, L. Graça, A. Branquinho, J. Manuel Dinis, J. Mexia Alves, J. Amado, Manuel L. Sousa, José Martins, Hélder Sousa e Eduardo Estrela

15 de agosto de 2011 > Guiné 63/74 - P8675: O Nosso Livro de Estilo (4): O que nós (não) somos... Em dez pontos!


12 de agosto de  2011 >Guiné  63/74 - P8662: O Nosso Livro de  Estilo (2): Comentar  (nem sempre) é fácil...

22 de Julho de 2011 > Guiné 63/74 - P8588: O Nosso Livro de Estilo (1): Política editorial do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné