ACORDAR MEMÓRIAS
1 - O PRIMEIRO CONTACTO COM A TERTÚLIA
Depois de há quase 40 anos ter deixado para trás a Guiné e o serviço militar obrigatório, com o sentimento de um esforço inglório e vão (que me tinha sido exigido em favor da Pátria, por um regime político e um governo que deplorava), enlevado no sonho de um país renovado, livre, democrático e feliz, que a “Revolução de 25 de Abril” prometia e ter optado pelo afastamento e esquecimento de tudo o que se relacionasse com a tropa e me recordasse a minha condição de ex-combatente na Guiné, talvez porque as desilusões tenham chegado a um ponto nunca esperado, iria estar pela primeira vez num encontro convívio de ex-combatentes da Guiné, que faziam parte de um Blogue que descobrira recentemente.
Se, há alguns meses, me dissessem que isto iria acontecer, eu negaria. Não estava nos meus interesses e planos.
O que se passara entretanto para mudar de atitude? Mais à frente explicarei.
8 de Junho de 2013, aqui estava eu agora em Monte Real, timidamente, como é o meu padrão de comportamento quando entre estranhos. Para melhor me integrar, tinha decidido que iria participar na missa planeada para início do encontro na pequena capela das Termas. Neste ambiente não me iria sentir tão deslocado. Já conhecia duas das pessoas presentes: o Joaquim Mexia Alves e o jovem padre Manuel Henriques. Depois, havia o sentimento de que naquela Assembleia seriamos irmãos em Cristo, reunidos, para na comunhão da mesma fé, celebrarmos a Eucaristia de Ação de Graças pelo dom da vida, da nossa, da dos ausentes e sufragando a daqueles que já partiram. Foi uma boa opção. E foi um bom começo!
Capela de Sta. Rita de Cássia –Termas de Monte Real – (Com a devida vénia ao seu autor, Joaquim Mexia Alves)
Monte Real, 8 de Junho de 2013 - VIII Encontro da Tertúlia - Joaquim Luís Fernandes à direita da foto
Foto: Rui Silva
E mais uma surpreendente coincidência desse dia, veio adensar (ou iluminar) o meu espírito: - A Igreja celebrava, nessa data, o Memorial do Imaculado Coração de Maria, que relacionei com alguns dos postes lidos na véspera: (P7059 ; P8964; P10030), do camarada José da Câmara, que me impressionaram, recordando-me “A Senhora que nunca nos abandonou” e que, por sua vez, tinha relacionado com uma experiência sensorial/emotiva, vivida há uns 5 anos, que me “transportou” às matas do Balenguerez – um dia escreverei sobre isso.
(Quando as vivências pessoais se tornam quase evidências e sustentam o sentimento da Fé)
Maio de 1973- Orla sul da Península do Balenguerez, próximo de Bamoial, entre Teixeira Pinto e Cacheu. A intensa atividade operacional que nos era exigida, em perigosas e duríssimas missões, levou-nos algumas vezes ao quase limite das forças, próximos da exaustão e da loucura.
O que se seguiu não irei descrever com minúcia. Assisti a efusivos cumprimentos e abraços entre camaradas de tertúlia ou de armas, que deixavam transparecer boa disposição, grande camaradagem e amizade. Também me senti bem acolhido pela simpatia que me dispensavam, mas eu ainda não era daquela guerra; tinha caído ali um pouco de paraquedas e a razão principal que aí me levara estava a ser defraudada.
O que me tinha atraído a Monte Real era a possibilidade de poder encontrar algum ex-camarada, que me desse notícias daqueles rapazes com quem tinha partilhado, há 40 anos, medos e sacrifícios, nessas sofridas, perigosas e infindáveis caminhadas, nas matas da Guiné, da assombrosa Península do Balenguerez até às “barbas” da tenebrosa Caboiana.
Sentia e sinto a necessidade de saber deles, de os encontrar e estar com eles, para lhes manifestar o meu apreço e sentimento de gratidão, pela forma respeitosa com que me aceitaram no grupo (“os Americanos” 4.º Pel/CCaç 3461), se submeteram ao meu comando, sendo eu mais novo e inexperiente e me ajudaram a crescer. Tanto que haveria para falarmos e celebrarmos... Mas nem um encontrei.
Perante esta circunstância, limitei-me a indagar nos presentes os que tivessem estado em Teixeira Pinto e me falassem das suas vivências nesse local, mas também pouco consegui. Porém, o ambiente foi-me agradável. Boa comida e bebida, os convivas da mesa foram próximos, como se sempre nos conhecêssemos e tudo acabou bem. Este encontro foi para mim uma imersão e uma aprendizagem e vim carregado de livros.
Iria levar por diante uma nova etapa, depois de 40 anos de esquecimento. Iria acordar as minhas memórias e predispor-me a reviver a Guiné daquele tempo, onde muito sofrera, mas onde também fora feliz.
Depois de 10 meses de Teixeira Pinto, onde fui usado como carne para canhão e me atribuíram as mais perigosas missões, para as quais não tinha sido preparado, mas que “cumpri” bem, fui agraciado pela sorte e cumpri 10 meses em Bissau, como oficial de justiça, nos Adidos em Brá. Quase civil e com a companhias da minha mulher.
(Continua)
8 comentários:
Meu caro
Eu estive convosco em Teixeira Pinto. Era o Alferes Abreu do CAOP 1.
E também pertenci ao vosso Batalhão,antes do CAOP 1.
Estive quase a comandar um pelotão da companhia
3460, do capitão Morgado, no Cacheu.
Estive convosco na Amadora, no RI 1, de onde vocês, e eu mais tarde, partiram para a Guiné.
Apesar de tudo, a vossa guerra não foi assim tão má. Havia os comandos e os páras do CAOP 1 para o trabalho mais difícil e mais sujo. Lê o meu Diário da Guiné, as páginas que dedico ao tempo de Teixeira Pinto, de Junho de 1972 a Fevereiro de 1973.
Lembraste dos alferes Gamelas, Rocha, Teixeira, Carvalho?
Abração,
António Graça de Abreu
10 meses em Bissau, com a mulher, no fim da comissão?
Que ricas férias. Os meus últimos meses de comissão foram em 65/66, no Cachil, Ilha do Como e no fim regressámos como sentimento de "MISSÃO CUMPRIDA".
Cachil era um local que nos podia calhar em sorte, ou azar, mas já aqui alguém comentou que era um local de ameaça para castigo e substituía a "porrada" militar.
Que não foi o caso do camarigo Sacôto, mas teve azar, tal como eu ele no fim eu no início.
Um abraço
Colaço soldado de transmissões C.caç 557 Cachil,Bissau,Bafatá 1963/65.
Caro António Graça de Abreu
Aguarda os próximos postes. Vais encontrar revelações que decerto te agradarão. Adianto apenas por agora, que tinha levado comigo para Monte Real, o teu livro, na expectativa de te encontrar e nele receber o teu autógrafo de autor.
Um dia destes havemos de nos encontrar e pôr a conversa em dia.
Caros J.Gabriel Sacôto Fernandes e José Botelho Colaço
10 meses em Bissau, foi quase como dizes,"que ricas férias". Pelo menos quando comparado com o que a quase generalidade dos militares viviam, os do mato e mesmo os de Bissau. Fui aí,(nos Adidos em Brá e em Bissau) testemunha de muito sofrimento, a que era sensível, estampado no rosto dos soldados em transito ou que deambulavam pelas ruas. E para quê? Sacrifícios em vão!
Tenho grande respeito por todos aqueles que, ao longo de extensos 11 anos, cumpriram a sua missão, em situações extremamente difíceis, alguns com o sacrifício da própria vida. Pena é que o seu generoso e heroico esforço a favor da Pátria, tenha sido desperdiçado pelos Governos de então, que não souberam ou quiseram construir a Paz, para bem dos Povos de Portugal e da Guiné.
Pena é, que os Governos recentes e actual continuem a não manifestar esse reconhecimento a tantos de nós que dele carecem para viver com mais dignidade e alguma qualidade de vida.
Pena é que Portugal tenha voltado as costas à sorte de milhares de Guineenses, que apenas pedem ajuda e justiça.
Para todos o meu forte abraço.
JLFernandes
De: Augusto Silva Santos
Para: Joaquim Luís Fernandes
Camarada e Amigo,
Gostei de ler e recordar.
Com as devidas distâncias,tivemos um percurso quase idêntico.
Fico a guardar mais relatos teus.
Um grande e forte abraço
Camarigo JL Fernandes
Acabei de ler com interesse estas primeiras palavras da tua entrada no Chão Manjaco, onde antes também pisei terrenos, ainda que nessa fase não operacionalmente, mas em funções de ACAP/PSICO.
Tenho pena de não ter privado contigo em Monte Real, para trocarmos algumas pequenas lembranças de locais que conheçemos, mas virado para os camaradas já conhecidos com quem tenho privado não se proporcionou esse encontro. Ficará para o próximo, se lá chegarmos.
Grande abraço
JPicado
Caro Joaquim Fernandes
Também andei por esses locais, Teixeira Pinto, Pelundo, Bachile, Jolmete,mas antes em 68/70. No Bachile estava um Pelotão de Africanos e a iluminação ainda era a petromax.Um das camaradas da mesa o do lado esquerdo o Fernandino Leite tambem andou por lá mas ainda antes de mim julgo que em 66/67.Estava em Jolmete quando chegou o CAOP 1 a Teixeira Pinto Fever/69 e ficamos operacionalmente dependentes do CAOP.Pois venham lá essas narrativas.Um abraço.
Manuel Carvalho
Caros camaradas, que conheceram o Chão Manjaco e dele guardam recordações, boas e más, o vosso saber e as vossas memórias interessam-me.
Eu queria compreender melhor o que se passou na década 63-73 naquele território. Do que consegui, fica-me muita interrogação em aberto, que explique o que encontrei.
Querem-me ajudar e dar pistas de informação?
Obrigado e um abraço.
JLFernandes
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