Guiné > Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 26 de Setembro de 1968 > Operação Adenóide > O 3º Pelotão, em bicha de pirilau, a caminho da mata de Catora (a meio, a sul da estrada Pelundo-Có).
Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 26 de Setembro de 1968 > Operação Adenóide > As NT em deslocação a caminho do objectivo: a mata da Catora.
Quarta parte das memórias de campanha de Raul Albino, ex-alf mil da CCAÇ 2402, pertencente ao BCAÇ 2851 (Có, Mansabá, Olossato, 1968/70), que embarcou no Uíge, em finais de Julho, juntamente com o BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) . Texto enviado em 21 de Fevereiro de 2007. As nossas desculpas ao autor pelo atraso na publicação desta IV parte (1). (LG).
Fotos: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
Operação Adenóide – Emboscada na Catora
por Raul Albino
Esta operação, realizada em 26 de Setembro de 1968, era constituída por um pequeno número de Milícias Nativos e dois grupos de combate da CCAÇ 2402. Os nativos seguiam na frente da coluna como batedores, seguindo-se o 3º pelotão e na retaguarda o outro grupo que a memória já não me permite recordar.
O objectivo da missão encontrava-se no interior da mata da Catora, considerada na altura como uma região extremamente perigosa, pela densidade da sua mata, difícil de penetrar e que, por essas razões, controlada pelo inimigo, que se movimentava dentro dela com grande à vontade devido à protecção que as características do terreno lhes dava.
A maneira mais fácil de atravessar esta mata era precisamente através do caminho estreito de terra batida que lá existia, tornando-o uma autêntica tentação para a sua travessia, em comparação com qualquer outro penoso trajecto que se tivesse coragem de utilizar. (Ver a seta).
Localização de Catora, na carta de Pelundo. Pertencia ao regulado de Có. Ficava na bacia hidrográfica do Rio Catora. afluente do Rio de Timate que, por sua vez, ia desaguar no Rio Mansoa...
Quando o passa-a-palavra era um meio de comunicação.
Como podem ver pela Figura 1 (as figuras espinhosas significam árvores e não explosões), as nossas tropas encaminhavam-se precisamente para a entrada dessa mata, conduzidas pelas milícias que na frente escolhiam o melhor caminho. O curioso é que nem os nativos propuseram qualquer outro caminho de entrada na dita mata, talvez sabendo o castigo que era percorrer os outros trilhos alternativos.
Fonte: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
Quando me apercebi dessa orientação para a entrada da mata, um sexto sentido me ia dizendo que, se eu fosse o inimigo, era nessa entrada, precisamente, que eu faria uma emboscada. Aprecei-me a fazer passar a palavra para os batedores da frente, que deveriam atravessar a caminho para o lado direito e procurar outra entrada ao longo da orla da floresta.
Em cima, tropas em deslocação para o objectivo. Para perceber melhor o meu drama, devo esclarecer que na época o único meio de comunicação que possuíamos, era um rádio carregado às costas por um soldado de transmissões que servia para o contacto com o quartel. Entre os componentes da coluna, a única forma de comunicação era o que se denominava de passa-palavra, pessoa a pessoa, até chegar ao elemento de destino, neste caso os milícias que seguiam na cabeça da coluna.
Que jeitão daria possuirmos nessa altura telemóveis para falar, para já não referir aos modernos e sofisticados sistemas de comunicação que as tropas americanas possuem nos dias de hoje. Quando me apercebi que a ordem que enviei não estava a ser cumprida e as nossas tropas continuavam a dirigir-se inexoravelmente para a boca do lobo, tive de reconhecer que efectivamente só as ordens de parar e andar funcionavam a preceito. Vai daí, dei ordem de paragem à coluna, dirigi-me pessoalmente aos nativos que seguiam na frente e expliquei-lhes o que eu pretendia.
Fonte: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
Em boa hora o fiz, porque esta minha teimosia, salvou-nos de um desastre militar bem grande. Como podem ver pela Figura 2, quando o inimigo se apercebeu da nossa manobra, iniciaram o ataque como tinham planeado, mas, agora, as nossas tropas já tinham capacidade de resposta ao fogo inimigo.
A nossa posição ainda não era a melhor porque o grupo de combate que seguia na retaguarda, ainda não tinha feito a passagem para o lado direito do caminho, daí a que a sua reacção foi praticamente nula, contudo as milícias nativas e o 3º pelotão que seguia comigo na frente colado aos milícias, conseguimos responder prontamente com todo o armamento que possuíamos.
Uma história do Lobo Mau.
Logo que o contacto com o inimigo aconteceu, foi imediatamente pedido ao quartel, via rádio, para nos ser enviado auxílio aéreo. Nesse momento, tive simultaneamente a maior alegria e maior desilusão, no respeitante a apoio aéreo. A maior alegria foi que, com grande rapidez, surgiu no ar um heli-canhão de apoio ao solo, que na altura era conhecido por Lobo Mau.
Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > 26 de Setembro de 1968 > Operação Adenóide > "om grande rapidez, surgiu no ar um heli-canhão de apoio ao solo, que na altura era conhecido por Lobo Mau"...
Foto: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
Possuía um canhão ligeiro de granadas explosivas, que disparava com uma boa cadência. A desilusão consistiu em que eu esperava que a eficiência daqueles disparos fosse maior, porque estávamos numa situação única para darmos ao inimigo uma lição forte, visto eles estarem mesmo ao alcance do helicóptero, coisa que raramente acontecia, pois quando o helicóptero ou avião de apoio chegavam, já o inimigo se tinha retirado há muito.
O resultado foi que a mata era demasiado densa, as granadas tinham fraca intensidade e o inimigo facilmente se escondia debaixo das árvores, enquanto as granadas rebentavam na copa. Mais eficiente foi o fogo de dilagrama (dispositivo de lançamento de granadas de mão defensivas) que eu próprio orientei no terreno, que se manifestou como uma excelente arma para as características da maior parte dos terrenos onde as nossas tropas se movimentavam.
Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > Uma dilagrama na ponta da espingarada G-3
Foto: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
A partir daí passei sempre a andar com um militar munido de dilagramas perto de mim. Teoricamente esse militar funcionava como o meu guarda-costas, mas, na prática, eu é que era o guarda-costas dele, porque um militar com este tipo de arma, não se podia defender nem a ele próprio quando alguma luta corpo-a-corpo ou de grande proximidade tinha lugar.
Agora teremos de reconhecer que, se bem que a eficiência de tiro do helicanhão não fosse satisfatória, a sua influência dissuasiva com os disparos aéreos, foi mais que suficiente para meter o inimigo em fuga com algumas baixas e abandono de material. Para nosso desespero os ferimentos só eram detectados pelo sangue no solo, que denunciava a consequência do nosso fogo. O inimigo tinha uma preocupação extrema em não deixar ficar para trás qualquer ferido, retirando assim às nossas tropas a hipótese de quantificar o número de baixas causadas.
Perguntas sem resposta
Análise militar a este contacto com o IN. Perguntas que me ficaram sem resposta.
(i) O que fazia um grupo IN emboscado naquele local à espera das nossas tropas? Coincidência? Não acredito… Eles tinham sempre alvos estáticos (ex.: quartéis) ou móveis de sentido garantido (ex.: colunas de viaturas de reabastecimento), porque estariam ali em espera pela hipótese remota das NT por lá passarem? Ou tiveram informação prévia? Neste caso como teria sido feita a transmissão? Por estafeta? Por rádio? Só souberam da operação à saída das tropas do quartel, ou souberam mesmo antes de eu ter conhecimento dela?
Nisto o Cap Vargas Cardoso [, comandante da CCAÇ 27102,] era rigoroso. Só informava os operacionais uma ou duas horas antes da saída. A única excepção era o serviço de alimentação e por consequência o seu pessoal da cozinha (com nativos na equipa – ver foto em baixo), que era informado mais cedo para ter prontas as rações de combate e o café matinal nas saídas de madrugada, como era o caso, no entanto, eles saberiam que íamos sair e qual a hora, mas nunca o objectivo.
O que me faz matutar nisto é que este estilo de emboscada do IN era perfeitamente normal nas NT que as faziam amiúde nos arredores dos aquartelamentos como medida preventiva contra ataques aos quartéis, ou ao longo do itinerário das colunas de viaturas de abastecimento. Parecia que, por razão desconhecida, as coisas estavam invertidas. Ou estariam eles a proteger alguma coisa verdadeiramente importante ao ponto de recorrerem a uma emboscada preventiva à boa maneira das nossas tropas?
Região do Cacheu > Pelundo > Có > CCAÇ 2402 (1968/70) > O pessoal de cozinha incluía civis cuja lealdade às NT era controversa...
Foto: © Raul Albino (2007). Direitos reservados.
(ii) A prontidão no aparecimento do heli-canhão Lobo Mau. O heli-canhão devia estar bem perto do local da emboscada, para se apresentar tão prontamente em nosso auxílio, num tempo que considerei recorde e me deixou deveras espantado. Qual seria a missão do heli-canhão para estar a sobrevoar aquelas redondezas? Estaria a procurar precisamente aquilo que o IN queria proteger com a emboscada que fez às NT?
(iii) A persistência dos guias nativos em nos conduzir ao ponto da emboscada. Na altura entendi que eles estavam simplesmente a escolher o percurso mais fácil e directo para o local de objectivo das NT. Mas, seria mesmo isso?
Creio que estas dúvidas nunca chegarão a ter resposta. Só o inimigo de outrora as poderia tirar e esses, possivelmente, já nem estarão vivos.
________
Nota de L.G.:
(1) Vd. post anteriores:
15 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1282: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (1): duas baixas de vulto, Beja Santos e Medeiros Ferreira
6 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1343: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (2): O primeiro ataque ao quartel de Có, os primeiros revezes do IN
12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1516: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (3): Combatentes, trolhas e formigas bagabaga
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 13 de abril de 2007
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