1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2024:
Queridos amigos,
Não deixa de causar perplexidade, quando se lê o Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa de Guiné nesta época, o abismo que separa os atos administrativos e a realidade que se vivia naquele enclave no continente africano. É certo que o Governador Geral se confrontava com as terríveis fomes cabo-verdianas, e também as epidemias, o Boletim Official refere dádivas e manifestações de solidariedade. Não que em certos discursos não se deixava mencionar "as mortíferas paragens da Guiné" e a incapacidade em recursos para impedir os desmandos do gentio, tratado como traiçoeiro e selvagem. O contraste em ler o Boletim Official e ler a História da Guiné de René Pélissier, que começa exatamente em 1841, não pode deixar de nos provocar um certo choque, no Boletim Official não há qualquer menção a Ziguinchor e ao cerco montado deliberadamente pelas autoridades francesas, enquanto Honório Pereira Barreto esteve ativo, pelo menos sabia-se que os seus alarmes e advertências chegavam a Santiago e também a Lisboa; aqui e acolá há uma referência aos escravos libertos, mas a escravatura não desaparecera, os britânicos apresavam navios destinados às Américas; Pélissier fala nas perturbações, por exemplo em Geba, no Rio Grande de Buba, não há qualquer primeira menção no Boletim Official. Isto serve para alertar o leitor de que a documentação emanada de Cabo Verde sobre a Costa da Guiné é mais do que insuficiente para entender o que naquele exato momento ali se passava.
Um abraço do
Mário
Suplemento do Boletim Oficial de 21 de janeiro de 1862, dá-se a notícia do falecimento do Infante D. João, como já se dera a notícia dos falecimentos da rainha D. Estefânia e do seu marido, o rei D. Pedro V
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1864 e 1865) (9)
Mário Beja Santos
O que mais me surpreende, ao vaguear, página a página pelo Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e Costa de Guiné, é a total ausência de menções ao cerco em torno do enclave, a sul pela Grã-Bretanha, a norte pela França, esta já não esconde que nos quer afastar da orla do rio Casamansa, aquele comércio deverá pertencer-lhes em exclusivo; mas também não há menção às sublevações e insurreições nas praças e presídios, só indiretamente como podemos encontrar na alocução de despedida do ex-Governador Geral, Carlos Augusto Franco. Enfim, a Costa da Guiné é uma questão subsidiária, o foco do Governo Geral está nas fomes e epidemias, como se pode ler no n.º 14 de 16 de abril de 1864, há manifestações de solidariedade com os afligidos, nomeadamente na ilha da Brava, houve donativos da Guiné. Mas voltemos a falar no ex-Governador Geral Carlos Augusto Franco, houve manifestação de homenagem e no Suplemento de 23 de abril do Boletim n.º 15, convém ler o seguinte extrato:
“Velando pela regularidade da Administração Geral, e tratando de regulamentá-la na parte em que o precisava, quando motivos extraordinários e a dignidade nacional me levaram às mortíferas paragens da Guiné Portuguesa.
Desacatos ao pundonor português, e vilipêndios à nação, se encontravam a cada instante na parte dos gentios que estavam em guerra connosco; guerra traiçoeira, guerra de selvagens, que para os castigar como o deviam ser não era nas forças da província nem com os diminutíssimos recursos estranhos que me foram mandados.” O ex-Governador concluirá que se fez a paz, estabeleceu-se a tranquilidade, retomou-se o comércio no rio Geba. Paz precária, como sabemos.
Temos agora matéria no Boletim n.º 22 de 11 de junho. Trata-se de uma portaria, com o seguinte teor: “Determinando que, com os indigentes que voluntariamente se prestaram a seguir para a Guiné Portuguesa, e para ali foram transportados por conta do Estado, se estabeleça, ponta do Rio Grande de Bolola uma colónia com as condições que se consagram.” É também aprovado o contrato celebrado entre o Governador da Praça de Cacheu, o Capitão do Batalhão de Artilharia de 1.ª Linha desta Província, Joaquim Alberto Marques, e o régulo de Ilia, de onde se vê haver o mesmo régulo cedido à coroa aquela aldeia. Passando para o Boletim n.º 40, de 29 de outubro, temos o ofício do Governador da Guiné, Major José Xavier Crato, para o Governador Geral, José Guedes de Carvalho e Menezes:
“Tenho a distinta honra de comunicar a Vossa Excelência que no distrito da Guiné reina sossego não tendo mesmo havido questão alguma com os Balantas, que parece conservarem-se pacíficos. Houve algumas tentativas de roubos na povoação, que foram pressentidas pela polícia noturna. O estado alimentício, se não abundante, é pelo menos regular, e não se sente falta e esperam-se boas colheitas de arroz, milho e mancarra, tendo-a havido de purga já em maior escala que o ano findo. O estado sanitário é quase normal, havendo em Cacheu alguns casos benignos de bexigas. Foram pelo facultativo marcados os dias de quartas-feiras e sábados para vacinar quem a isso se queira sujeitar. O comércio está frouxo, por faltarem sortimentos, devido talvez à continuação da guerra na América.”
Voltando um pouco atrás, a 23 de abril, Boletim n.º 15, bem curiosa é a Portaria n.º 85, aqui se reproduz o que determina o Governador Geral:
“Havendo-me a comissão governativa da Guiné Portuguesa, por ocasião de me dar conhecimento do incêndio que teve lugar na Praça de Cacheu, nas casas de Luís Xavier Monteiro, participado não só os bons serviços que em tal desastre prestara o respetivo Governador Interino, o Capitão do Batalhão de Artilharia desta província, Joaquim Alberto Marques, como também a muito valiosa cooperação que para extinguir o mesmo incêndio e evitar que se propagasse pelos demais prédios vizinhos, proporcionaram os diversos habitantes daquela Praça, constantes da relação que fazendo parte desta portaria baixa-assinada pelo secretário deste Governo Geral: tendo como dignos de verdadeiro apreço os sobreditos serviços; hei por conveniente determinar que a mencionada missão governativa da Guiné Portuguesa louve, em meu nome, o Governador da Praça de Cacheu pela forma como se houve naquele calamitoso acontecimento, e ordene a este, preste iguais louvores, e por igual motivo, aos indivíduos designados na referida relação. As autoridades e demais pessoas a quem o conhecimento da presente competir, assim o tenham entendido e cumpram. E segue-se a relação dos indivíduos que prestaram os referidos serviços no incêndio das casas de Luís Xavier Monteiro, lista que inclui o pároco, vários comerciantes, o Diretor da Alfândega de Cacheu, um conjunto de militares, o juiz dos Grumetes, vários guineenses, dizendo explicitamente Dombá, Mandinga, Joaquim, Manjaco, António, Gentio e Baiote, idem.”
E assim entramos no ano de 1865, chamou-me à atenção o Boletim n.º 15 de 18 de abril, trata-se da Portaria n.º 96 assinada pelo Governador Geral José Guedes de Carvalho e Menezes: “Atendendo a que o soldado do Batalhão de Artilharia desta Província, Domingos Cabral, tendo sido mutilado em campanha de guerra com os gentios da Guiné, foi deliberado pela Junta Militar de Saúde em 27 do mês próximo passado ser dado como incapaz do serviço; hei por conveniente determinar que a recebida passe à classe de veteranos.”
Escrevinho estas notas na altura em que fui informado da morte do historiador francês René Pélissier, que se dedicou à historiografia colonial portuguesa, ao mais alto nível, legando um acervo de investigações de primeiríssima classe. No tocante à Guiné, a sua História da Guiné, Portugueses e Africanos na Senegâmbia, 1841-1936, Editorial Estampa, dois volumes, 2001 e 1997 respetivamente, é de referência. O que o Boletim Official não nos dá notícia, aparece bastante claro no estudo de Pélissier: um tráfico de escravos quase oficial, a guerra de Bissau de 1844, um espaço colonial onde as potências estrangeiras se movimentam à vontade. E Pélissier refere com detalhe os acontecimentos na bacia do Casamansa, as permanentes altercações em Bolor, Cacheu, Farim, a ilha de Bissau, Fá, Geba, Rio Grande de Buba, o estado da questão de Bolama, a menção do Gabu e das guerras Fulas-Mandingas que o devastam, Pélissier admite que a grande batalha de Kansala data de 1864. Há aqui um conflito entre realmente o que se passava no terreno e a diminuta importância que era conferida pelo Governo Geral.
E vamos continuar.
(continua)
_____________
Notas do editor:
Vd. post anterior de 21 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25668: Notas de leitura (1702): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1860 a 1864) (8) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 24 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25680: Notas de leitura (1703): O Ministro do Ultramar na Guiné, março de 1970, Horácio Caio fala na vitória (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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sexta-feira, 28 de junho de 2024
Guiné 61/74 - P25696: Notas de leitura (1704): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1864 e 1865) (9) (Mário Beja Santos)
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sexta-feira, 7 de junho de 2024
Guiné 61/74 - P25614: Notas de leitura (1698): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1857) (6) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Abril de 2024:
Queridos amigos,
Ainda que de forma ténue, chega uma organização administrativa para a Guiné das Praças e Presídios, aparece igualmente uma administração judicial, Honório Pereira Barreto continua a ser a figura tutelar, é um Governador altamente respeitado, intervém na hora própria, procura cortar cerce as sublevações, algumas delas geradas por atos de vingança, insurreições de régulos, estabelece acordos, corresponde-se regularmente com o Governador Geral, António Arrobas, este trata Barreto com uma enorme deferência; peço a atenção do leitor para duas prosas raras, a carta do cirurgião Francisco Frederico Hopffer, a intervenção de D. Pedro V aquando um ataque a Cacheu, mandando castigar quem foi timorato ou praticou mão-baixa. Moral da história, a Guiné já aboliu a escravatura, toda a população é liberta, os interesses pela agricultura vão entrar na rampa de lançamento.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1857) (6)
Mário Beja Santos
Com discrição, vai-se introduzindo na colónia uma certa organização administrativa, a despeito da penúria de meios. É o caso da portaria n.º 123-A publicada no n.º 74, ano 1855, de 6 de agosto, temos um Regulamento da Organização Administrativa para a Guiné Portuguesa. Em síntese, o Distrito da Guiné fica dividido em dois concelhos e os concelhos em praças e presídios. A Praça de Bissau, o Presídio de Geba, Bolama e mais pontos dependentes de Bissau, formam o concelho de Bissau. A Praça de Cacheu, os Presídios de Farim, Ziguinchor, o Ponto Alvarenga e os mais dependentes de Cacheu e Presídios anexos, formam o concelho de Cacheu. O Distrito é administrado por um governador residente em Bissau, que será a capital, haverá Comissões Municipais compostas pelo administrador e por vogais.
Compete ao governador fazer tratados de paz e comércio com os gentios, bem como declarar-lhes a guerra nos casos em que o exija a segurança da Guiné Portuguesa ou a dignidade nacional ofendida; regular todos os anos os donativos, presentes, pensões que devem fazer e pagar aos chefes das tribos, ou aldeias, com as quais o Distrito estiver em relações. Haverá um Conselho de Administração, a presidir pelo Governador, um oficial de 1.ª linha mais graduado, tesoureiro, juiz Forâneo e um secretário do Governo. O mesmo regulamento da organização administrativa refere uma Administração Paroquial, prevendo em cada uma das Praças de S. José de Bissau e de Cacheu a existência de um Regedor de Paróquia. Mais refere a Administração dos Grumetes, prevendo em cada Praça ou Presídio a existência de um juiz dos Grumetes.
Estamos em 1856, o n.º 83 do Boletim, com data de 16 de fevereiro, refere que o senhor Comendador Honório Pereira Barreto, Tenente-Coronel de 2.ª linha e Governador da Guiné ofereceu gratuitamente todo o emadeiramento para a construção de um edifício para a residência do Governador da Guiné. Também os negociantes da Guiné Portuguesa, à frente dos quais se acha o seu ilustrado Governador Honório Pereira Barreto, responderam ao convite o Exmo. Governador Geral da Província fazendo donativo de 2:500$000 reis em arroz para socorro dos habitantes de Cabo Verde. Estamos no ano da libertação de escravos e de uma sucessão de fomes e epidemias, mormente em Cabo Verde. Aparecem referências aos Curadores dos Escravos e Presos Pobres.
No n.º 199, do mesmo ano 1856, 31 de outubro, um conjunto de personalidades dirige-se ao Governador Geral agradecendo-lhe a organização administrativa que deu a Bissau, “senão que também a concepção de serem arrematados os direitos das Alfândegas, único meio de obstar a que a Fazenda Pública seja delapidada com manifesto prejuízo dos negociantes de boa fé; os quais, em razão dos enormes direitos, ultimamente legislados, se veriam na dura alternativa de prevaricar ou abandonar o comércio”.
Um dos documentos mais impressionantes que pude ler consta do Boletim Oficial n.º 2, 1857, com data de 23 de março. Escreve o Dr. Francisco Frederico Hopffer, cirurgião de 2.ª classe:
“Com quanto o meu estado de saúde seja valetudinário (com falta de saúde, ou estar enfermiço) sofrendo eu de palpitações do coração e do sistema nervoso de um modo atroz, tudo resultado do meu destacamento de vinte meses na Guiné, de onde há apenas catorze dias regressei, todavia não posso continuar a gozar a licença que me foi concedida, vendo a minha pátria em perigo, pela epidemia colérica que lhe bate à porta. Estou fraco e exausto de forças físicas, mas sobeja-me a vontade de servir aos meus conterrâneos. O tempo das epidemias é o campo de glória para o facultativo, e bem dura nos custa essa glória.
Doente e alquebrado, assentado no hospital, ministrarei os cuidados da minha profissão aos que deles carecem. Se não puder, pela úlcera que ainda tenho nos pés, ir ver os doentes, andando, vê-los-ei numa cadeirinha. Finalmente, quero morrer no meu posto de honra, onde gloriosamente já sucumbiram dois colegas.”
Outra curiosidade, no Boletim n.º 207, ano de 1858, 20 de janeiro, vem do Ministério da Marinha e Ultramar a seguinte informação. Houvera correspondência do ministro dos Estados Unidos na Corte de Lisboa, pedindo que, por motivos relacionados com certas indagações científicas, se obtenham porções de cabelo das diversas raças do homem assim como de todas as espécies animais de que se possam conseguir. Por esta circular, o Governador Geral apela a que se satisfaça o pedido. Os assuntos da escravatura continuam na ordem do dia. No Boletim n.º 208, de 7 de fevereiro, fazem-se referências à atividade da Junta Protetora dos Escravos Libertos, autoriza-se o Governador Honório Pereira Barreto a passar cartas de alforria aos indivíduos que haja ou venha de futuro a haver na Guiné Portuguesa.
E Honório Pereira Barreto continua a ser a figura central da Guiné. No Boletim nº12, 1857, de 31 de agosto, aparecem cópias de duas convenções celebradas pelo Governador Barreto e pessoas notáveis de Cacheu com os gentios de Cacanda e Nagas, segue-se o louvor real. Nesse mesmo Boletim, o rei pede ao Governador Geral o maior escrúpulo na escolha do oficial a quem nomear como Governador de Cacheu, para não se repetirem situações como a que se passara em 8 de julho quando a praça de Cacheu fora atacada pelos gentios de Cacanda, quem repeliu valentemente o ataque foi o administrador do concelho, o governador militar recursara-se determinantemente a dar as proveniências e ordens mais convenientes, o dito Governador ia ser enviado para Conselho de Guerra, tratava-se do 2º tenente Dias. E vem prosa inédita:
“Sua Majestade manda recomendar ao mesmo Governador Geral os melhoramentos convenientes da fortificação de Cacheu, para que não possa facilmente ser surpreendida por qualquer porção de gentios. E vendo-se finalmente o abuso cometido pelo Governador de Cacheu, de guardar o dinheiro que recebia para a compra da lenha, mandando-a cortar pelos soldados sem a pagar; quer o mesmo Augusto senhor que se providencie o abono de lenha e outros semelhantes, por modo que não se repitam tão criminosos abusos. Sua Majestade espera que o Governador da Guiné, que louvavelmente acudiu com toda a prontidão a Cacheu, transportando-se de Bissau onde estava, procurará estabelecer uma polícia severa que evite as desordens que deram ocasião ao ataque de Cacheu.”
No Boletim n.º 5, de 15 de abril relata-se a grande homenagem ao Governador Geral, António Maria Barreiros Arrobas, era Governador há quinze anos e muitíssimo estimado. Nesse mesmo Boletim há o louvor de Arrobas a Honório Pereira Barreto por ter em curto lapso de tempo enviado para Cabo Verde remessas de socorros. Recorde-se que do Boletim n.º 23, de 1858, 24 de março, Barreto pedira a exoneração de Governador. E aqui findam as referências ao ano de 1858 quanto à Guiné Portuguesa.
Edição em língua portuguesa da editora norte-americana Legare Street Press, 2023
Postal ilustrado antigo do rio Geba, não se conhece editora
Entrada de Bissau, do lado sul, cerca de 1914
Este mapa da Guiné Portuguesa consta do trabalho de Georges Courrent, um comerciante estabelecido na Guiné Portuguesa que enviou um trabalho para a revista La Dépêche Coloniale, edição de 15 de abril de 1914Nunca tinha visto esta imagem de Bissau, vem também na mesma reportagem que se referiu para a ilustração anterior
(continua)
_____________
Notas do editor
Post anterior de 31 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25589: Notas de leitura (1696): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1855 a 1856) (5) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 3 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25599: Notas de leitura (1697): "Quando os Cravos Vermelhos Cruzaram o Geba", por Tony Tcheka (nome literário de António Soares Lopes Júnior); Editorial Novembro, 2022 (3) (Mário Beja Santos)
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sexta-feira, 17 de maio de 2024
Guiné 61/74 - P25536: Notas de leitura (1692): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (3) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Março de 2024:
Queridos amigos,
Iniciámos a leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde (e da Costa da Guiné) em 1850, deu-se conta de que os assuntos continentais tinham um peso ínfimo, referências às taxas e pautas aduaneiras, nomeações, transferências, dentro daqueles conteúdos de caráter cultural aparecia um artigo sobre a cultura do amendoim; das tentativas de usurpação quer britânicas quer francesas, nem uma só palavra; e eis que, inopinadamente, em 1853, sucedem-se as referências a Honório Pereira Barreto, a um auxílio francês a uma sublevação em Bissau de que resultou um oficial morto e o governo de Sua Augusta Majestade entendeu conceder uma pensão à viúva, o Governador Geral aceita visitar a Costa da Guiné e na praça de S. José de Bissau conversa com os reis locais e com o juiz dos Grumetes, promessas de amizade não faltam; até um 2º farmacêutico é deslocado da vila da Praia para Bissau... Algo está a mexer nas preocupações coloniais com os estabelecimentos de Cacheu e Bissau e até ficamos a saber que uma alta entidade está isenta de pagar qualquer importância por entrar em Bissau com um seu escravo que é também seu criado. A ver se daqui em diante este Boletim Oficial, tão silencioso com a Senegâmbia, passa a ser mais informativo.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (3)
Mário Beja Santos
O ano de 1853 traz surpresas, fala-se da Costa da Guiné com mais fluência, não são só as taxas aduaneiras nem as receitas alfandegárias, nem as férias nem as transferências de militares e funcionários, até Honório Pereira Barreto é mencionado com mais regularidade, os negócios guineenses, afinal de contas, chegam ao Reino. Como vamos ver.
No Boletim Official de 19 de abril desse ano, o Chefe de Estado-Maior da Praça de S. José de Bissau, Francisco Maria Barreiro de Arrobas, dirige-se ao negociante António Joaquim Ferreira, este fizera oferecimento para que na escuna Progresso de Bissau sua Excelência o Brigadeiro Governador Geral da Província viajasse da vila da Praia para Bissau, o governador agradece e aceita e dará o devido conhecimento ao governo da Augusta Soberana de mais um feito de um dos habitantes de Bissau que tem concorrido para cimentar a sua prosperidade. Neste mesmo boletim fala-se do Forte de S. Belchior, que dominada a navegação do rio Geba, era premente concluir a reparação do armamento da instalação militar, eram insuficientes os donativos oferecidos por vários habitantes de Bissau, pelo que o governador determinava haver despesa por conta da Fazenda; mas há mais informações, desta feita o conserto do Forte do Pidjiquiti, da tabanca e da estacada que limitam a povoação de S. José de Bissau, o Governador Geral ordena que o governador interino da Guiné Portuguesa faça arrematar em hasta pública a reparação das obras, adjudicando-a a quem por menor preço a fizer, e com as precisas garantias de segurança, devendo o Recebedor Particular da dita Praça satisfazer o preço da arrematação logo que as obras estejam concluídas; e também se fica informado que João Marques de Barros dera conhecimento ao Governador Geral da oferta de construir à sua custa uma casa em continuação da que serve atualmente de hospital militar, oferecendo também o seu patacho Sabino para transportar gratuitamente de Cabo Verde para Bissau a força de tropa que convier ao mesmo Governador-Geral; não se ficam por aqui as informações do Boletim Oficial de 19 de abril, como se pode ler adiante:
“Tendo o cirurgião civil António Joaquim Ferreira, encarregado do hospital militar dessa Praça de S. José de Bissau, representado em indispensável necessidade e um farmacêutico para os medicamentos para o mesmo hospital, e para os particulares, obrigando-se a empregar o dito farmacêutico na sua botica particular, com os vencimentos que lhe competem por lei, pagos à sua custa, e fazendo-lhe ainda outras vantagens: o Governador Geral, reconhecendo quanto esta proposta é vantajosa à Fazenda, à humanidade, e até mesmo ao empregado que para isso fora nomeado: ordena que o 2.º Farmacêutico da Província, atualmente sem exercício algum na vila da Praia, embarque a bordo da escuna Progresso de Bissau, e venha para esta praça exercer as funções que lhe são próprias.”
E temos agora uma nomeação de Honório Pereira Barreto, vejamos os termos:
“Sendo da mais urgente necessidade estabelecer um sistema de administração para as possessões da Guiné Portuguesa que esteja em harmonia com os costumes dos habitantes das mesmas possessões e livre as autoridades do arbítrio que muitas vezes se veem obrigadas a recorrer pela inexequibilidade do que se acha determinado no Código Administrativo em uso na província: o Governador Geral manda criar uma comissão, composta do Governador da Guiné Portuguesa, que será o presidente, do Comendador Honório Pereira Barreto, residente em Cacheu, e do negociante e proprietário de Bissau, António Joaquim Ferreira, a qual comissão, tendo em vista as necessidades dos povos, e as medidas que melhor efeito tem produzido nas possessões estrangeiras desta mesma Costa da Guiné, discuta, organize, e proponha o projeto de Regulamente para a Administração Civil da Guiné Portuguesa, que mais conveniente lhe parecer.”
Mas ainda a missa vai no adro, temos agora matéria para o Diretor da Alfândega de Bissau, veja-se a delicadeza do assunto, quem assina é o Governador Geral:
“Tendo representado o Major de Veteranos – Francisco Alberto de Azevedo – que quando fora ultimamente para Bissau na qualidade de Governador Interino da Guiné – levara em sua companhia um escravo bona fide do serviço da sua casa, tendo prestado na alfândega desta vila a competente fiança, na conformidade das obras estabelecidas, acontecera que na Alfândega de Bissau lhe exigiram o pagamento de direitos pela importação do mesmo escravo: e sendo certo que tais direitos foram indevidamente exigidos, porque a lei isenta de tal pagamento um escravo que for transportado deste arquipélago para qualquer possessão portuguesa aonde hajam escravos – em companhia de um cidadão que se ausente por tempo indeterminado; o Governador Geral determina que o Diretor Interino da Alfândega de Bissau faça restituir ao referido major os direitos que porventura tiver pago pelo escravos que levou em sua companhia quando ultimamente foi àquela Praça na qualidade de Governador Interino da Guiné.”
Estamos agora 6 de outubro do mesmo ano de 1853, fala-se de ocorrências que tiveram lugar na Praça de Bissau onde houvera atos de manifesta indisciplina e rebelião, houve que intervir o brigue de guerra francês Palinure e fazer punir os criminosos. Foi muito agradável a Sua Majestade ver as diligências do Governador Geral, a quem solicita que lhe seja participado que é mandado o vapor Mindelo à província de Cabo Verde conduzindo a força militar e pólvora constantes da relação elaborada; que o Governador Geral dará a esta força o emprego que lhe parecer mais conveniente; que foi muito sensível à mesma Augusta Senhora a morte do Primeiro Tenente La Gillarduse, da tripulação do brigue francês Palinure, comandante do primeiro pelotão da força daquele brigue que atacou os sublevados; e que tendo decidido decretar uma pensão à viúva do mesmo oficial e dar testemunho de agradecimento aos oficiais do mesmo brigue.
Por último, dá-se conta da palavra com que os reis de Bandim, de Antim e de Antula e o juiz dos Grumetes de Bandim, Simão Cabral. Houvera reunião na Praça de S. José de Bissau em 30 de setembro de 1853, tinham estado presentes o Governador Geral, os referidos reis e o referido juiz de Grumetes com os seus séquitos. O governador expressou a sua satisfação de ver reunidos estes reis amigos e que queria que ficasse estabelecido para sempre que tanto os habitantes da Praça podiam ir livremente ao chão dos reis como estes podiam vir à Praça sem que de parte a parte houvesse receio algum. Sua Excelência disse que tinha toda confiança no que os ditos reis prometeram. O rei de Bandim declarou que uma vez que esta amizade, que ele queria, fosse sincera e verdadeira, ele não se opunha à entrega dos escravos fugidos, mas era preciso que fosse da Praça buscá-los, e assim seriam entregues. O juiz dos Grumetes e o rei de Bandim declararam mais, que eles julgariam firme a amizade, se fosse permitido que os Grumetes tornassem para dentro da Praça como dantes estavam. Assentou-se que seria permitido aos Grumetes virem a edificar casa junto da povoação e ficou também acordado quanto aos escravos que as canoas que os transportassem para Serra Leoa ou outro ponto qualquer seriam apreendidas.
É fácil de concluir que o relacionamento entre a governação portuguesa e os reis de Bissau melhorava a olhos vistos, sabe-se que eram juras e entendimentos muito temporários, tudo voltava a faiscar rapidamente com as respetivas sublevações e mortandades.
Mas algo se pode reter da leitura deste Boletim Official em 1853. Há uma administração que começa a funcionar; a França, por tática diplomática, auxilia as autoridades a reprimir as rebeliões; a classe mercantil prontifica-se a ajudar a pagar reparações; em 1853, há Forte em S. Belchior, o que significa que se caminha tenuemente para uma ocupação; e, melhor ou pior, as alfândegas funcionam e ajudam a cobrir os encargos inerentes à presença portuguesa.
Vista antiga de Cacheu
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Imagem do século XIX de Vila da Praia
(continua)
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Notas do editor:
Vd. post anterior de 10 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Oficial do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (2) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 13 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25518: Notas de leitura (1691): BART 3873 - História da Unidade - CART 3492 / CART 3493 / CART 3494 - O Sector L1 de 1972 a 1974, e as minhas lembranças de 1968 a 1970 (Mário Beja Santos)
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sexta-feira, 10 de maio de 2024
Guiné 61/74 - P25504: Notas de leitura (1690): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (2) (Mário Beja Santos)
1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Março de 2024:
Queridos amigos,
Até ao momento o Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde não nos trouxe nada de retumbante ou, pelo menos, de inédito, sobre a Costa da Guiné, Possessões da Guiné ou Estabelecimentos de Cacheu e Bissau; é um Boletim Oficial que hoje seria inadmissível, tem noticiário jornalístico, folhetins românticos, artigos de cultura geral, tudo à mistura com receitas alfandegárias, nomeações no arquipélago, o papel dos padres, nomeações e aposentações. Já estamos em 1853, vivemos numa atmosfera de Regeneração, o Duque de Saldanha já expulsou do Governo Costa Cabral, entrou em funções Fontes Pereira de Melo; aqui se fala da criação do Governador da Guiné (dependente do Governo Geral de Cabo Verde), este Governador-Geral visitou a Costa da Guiné e parece que veio de lá muito satisfeito, temos informações sobre escravos que não podem ir de Farim para Cabo Verde, há um pedido de isenção de direitos da Casa Nozolini Júnior & C.ª; um aspeto que não deixa também de chamar à atenção é o pedido (certamente formulado pelo Rei D. Fernando II) de exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos da Guiné para serem incorporados nos Museus do Reino. E vamos continuar a pesquisar.
Um abraço do
Mário
Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 a 1853) (2)
Mário Beja Santos
Dando continuidade à leitura do Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, procurou-se informações sobre a Costa da Guiné ou os Estabelecimentos de Cacheu e Bissau nos anos 1852 e 1853. Reina em Portugal Dona Maria II por Graça de Deus, Rainha de Portugal e dos Algarves, Daquém e Além-mar em África, Senhora da Guiné, e da Conquista, Navegação e Comércio da Etiópia, Pérsia, Arábia, e da Índia, etc. Não é demais salientar que as notícias alusivas ao que chamamos Guiné são residuais, avultam as receitas alfandegárias, é um Boletim Oficial que insere folhetins amorosos, a viagem de Dona Maria II e família ao Minho, calorosamente recebidos e poupados por um incêndio devastador, há artigos de erudição sobre a temperança, o que se cultiva na Sibéria, o valor das florestas, ficamos inclusivamente a saber que a Rainha Vitória foi agredida à porta da residência por um alferes que lhe deu uma paulada, a monarca escapou por um triz, graças ao chapéu. A leitura promete, folheia-se com paciência a ver quando a Guiné entra em cena.
Permito-me ir um pouco atrás, estamos a 18 de maio de 1850, ficamos a saber que a Rainha pretende incorporar nos museus do Reino alguns exemplares zoológicos, mineralógicos e botânicos que se possam encontrar nas Possessões da Guiné, bem como em Cabo Verde. E manda criar nas Praças de Bissau e Cacheu comissões que procedam a tal levantamento, no caso de Bissau a comissão era constituída pelo Governador, Carlos Maximiliano de Sousa, acompanhado por três vogais, o cirurgião António Joaquim Ferreira e Caetano José Nozolini e João Severiano Duarte Ferreira; quanto a Cacheu, a comissão era constituída pelo Governador, José Xavier Crato, e por três vogais, um deles Honório Pereira Barreto. Eram dadas instruções para a colheita, acondicionamento e transporte dos produtos e exemplares dos três reinos da natureza, tudo muito bem explicadinho, como se exemplifica: Os minerais podem ser em pó, ou em fragmentos, que facilmente se estorroam e desfazem, como certas argilas, alguns gessos, etc.; ou podem ser cristalizados, ou sem forma regular e duros, ou finalmente impressões, ou pedaços de impressão, a que vulgarmente se chamam petrificações de substâncias animais e vegetais.
Em 9 de novembro desse mesmo ano de 1850 vamos ter referências a escravos e à escravatura. João Bento Rodrigues Fernandes dirigira-se à Rainha pedindo para transportar para Cabo Verde novos escravos que herdara em Farim do seu falecido filho, alegava que o filho vivera cinco anos em Farim, e que ele estava habilitado para trazer os ditos escravos, de acordo com a lei; mas que tendo sido objeto tratado em Conselho de Governo, este fora de parecer que se bem que o suplicante herdasse os bens do seu filho não podia herdar a faculdade que este tinha como colono para gozar o benefício da lei. Era por esta razão que o governador-geral pedia instruções; a Augusta Senhora mandou que o assunto fosse tratado na Secretaria de Estado respetiva, e dava-se agora a informação que o dito João Bento Rodrigues Fernandes não gozava da faculdade de transportar quaisquer escravos de Guiné para o arquipélago, a lei não permite bem como o tratado celebrado com a Grã-Bretanha, pretende-se acautelar o tráfico ilícito de escravatura.
Assunto curioso que prendeu a atenção, um pedido endereçado pela empresa Nozolini Júnior & C.ª, pretende-se isenção de diretos sobre máquina que possam ser importadas na Praça de S. José de Bissau para uso na agricultura, caso de um moinho para descascar arroz que tem de ser construído na Bélgica; mas pedia-se outras isenções, caso da telha de barro portuguesa. O Governador determinou que até a monarca decidir o contrário que se podia importar estes materiais estrangeiros, e estabelecia-se mesmo que se pagariam direitos de acordo com uma determinada fórmula.
Estamos agora em dezembro de 1852, o Boletim Official publica o decreto em que cria o lugar de Governador da Guiné para dar maior regularidade ao serviço administrativo da Possessão, reprimir abusos, para que possa prontamente mandar os convenientes socorros a qualquer ponto que os precise ou repelir ataques dos povos vizinhos. O Governador da Guiné Portuguesa gozará de uma autoridade que se estenderá a todas as Possessões portuguesas da região, ficando sujeito ao Governador-Geral da Província de Cabo Verde; o Governador residirá habitualmente na Praça de Bissau, mas deverá visitar a Praça de Cacheu não menos de duas vezes no ano; na falta, ausência ou impedimento do Governador da Guiné tomará o Governo da Guiné o Governador da Praça de Cacheu. Ficamos a saber, também em dezembro de 1852, que o Governador-Geral de Cabo Verde regressou da Praça de S. José de Bissau. “Durante a sua estada, depois de ouvidos os principais negociantes dela, e o Comendador Honório Pereira Barreto, que o mesmo Ex.mo Sr. mandou ir de Cacheu, tomou várias medidas tendentes à segurança de Bissau, à proteção do comércio e à organização da alfândega, que se achava reduzida a um único empregado, e esse mesmo doente. Teve a satisfação de ver em grande estado de adiantamento o belo edifício destinado para quartel dos oficiais da guarnição, e recebeu propostas para a construção da casa da alfândega, de uma casa para ampliar o Hospital Militar da Praça, e do prolongamento ou conservação do cais ou ponte de madeira já ali existente, sem que a Fazenda Pública tenha de adiantar algum dinheiro, nem sofra gravame dos seus rendimentos. A reparação do Forte de S. Belchior, que domina a navegação do rio Geba, pelo qual se faz quase todo o comércio da praça, ficou também em grande estado de adiantamento, e sua Ex.ª ordenou que finda a subscrição feita para a mesma reparação, se continue a obra com dinheiro da Fazenda; assim como se proceda o quanto antes aos consertos de que careciam os Fortes do Pidjiquiti, a tabanca e a paliçada que defende a população. Para Cacheu autorizou S. Ex.ª a construção imediata de uma muralha de pedra e cal, que substitua a dispendiosa paliçada que unia dois dos redutos da Praça, a fim de que a Guarnição e os habitantes se possam considerar seguros. Aprovou a pronta construção das obras do Quartel Militar. O Sr. Governador-Geral veio extremamente penhorado da nobre dedicação que achou nos sobreditos negociantes, nos quais reconheceu o maior desejo de auxiliar o Governo da Província, na sua gostosa tarefa de levantar aquele Estabelecimento do estado de abatimento em que tem estado até agora.”
Encontramos no Boletim Oficial, com data de 24 de janeiro de 1853, o apelo a donativos para socorrer os necessitados habitantes da ilha da Madeira. E com data de 10 de fevereiro desse ano está criado o lugar de Governador da Guiné.
Vista antiga de Cacheu
Rainha Vitória com o marido, o Príncipe Alberto, e alguns filhos
Estátua de Honório Pereira Barreto na Bissau colonial
Imagem do século XIX de Vila da Praia
(continua)_____________
Notas do editor:
Primeiro post de 3 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25474: Notas de leitura (1688): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, anos 1850 e 1851) (1) (Mário Beja Santos)
Último post da série de 6 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25487: Notas de leitura (1689): Não há tesouro literário como este na Guiné-Bissau: uma criança, uma guerra, uma bicicleta (Mário Beja Santos)
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terça-feira, 14 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4684: (Ex)citações (35): Milicianos ou do Quadro Permanente, todos fomos combatentes (Paulo Santiago)
1. No dia 13 de Julho de 2009, Paulo Santiago (*), Ex-Alf Mil, Cmdt do Pel Caç Nat 53,
Saltinho, 1970/72, fez este comentário no poste Guiné 63/74 - P4672 (**):
Queiram desculpar, estas discussões estéreis, ía dizer, já cheiram mal, mas digo melhor, são uma MERDA...
Será que este blogue passou a ser um espaço para historiadores e doutrinadores?
Milicianos versus QP's, qual o interesse? Houve bons e maus, nos dois campos, mas isto é uma afirmação à La Palisse. Já contei por aí parte da minha vivência na Guiné, e sabem que o pior personagem que encontrei naquele teatro foi precisamente um miliciano (Capitão). Daqui não vou generalizar, que todos os milicianos (eu incluído) eram maus, seria um ultrage. Mas esta generalização(sem Generais, como algures diz o Mexia Alves) está a ser tentada em relação aos militares do QP. Não vou falar de militares do QP que conheci e eram excelentes, vou até Guiledje (só cá faltava, dirão) para lembrar dois mortos, o Cap Tinoco de Faria e o Cap Assunção Silva... eram do QP.
Dirão alguns, "...e quantos Milicianos lá morreram"? Muitos, direi eu, incluindo Soldados. Mas deixemos Guiledje e vamos até Guidaje (já agora!?), penso que foi o meu amigo e conterrâneo, Vitor Tavares, que falou no assunto num poste inserido no blogue, há meses atrás, quando contou a odisseia do socorro dos Páras aquele aquartelamento na fronteira com o Senegal. Contava ele, ficarem impressionados verem um tipo, já não muito novo, quando dos ataques, de pingalim na mão, a coordenar o fogo de morteiros e outras armas, com rebentamentos a toda a volta. Tratava-se do Major Correia de Campos. E para que não esqueçam, relembro o "massacre do Chão Manjaco", morreu um Alf Mil, mas morreram três Majores da nata de Oficiais Superiores do ComChefe.
O nosso camarada Mário Fitas falou, várias vezes, com admiração, no Cap Costa Campos, comandante dos "Lassas", que participava nas Operações, apesar de já andar nos quase 40 anos de idade.
Fui buscar estes exemplos, há mais, porque me chateia esta treta de descarregar as culpas sobre os oficiais do QP. Parece que não andámos todos lá... Parece que o Xime, onde esteve o Pereira da Costa era uma colónia de férias...
Fui miliciano com orgulho, não tenho qualquer ligação familiar com militares do Quadro, mas não tenho qualquer preconceito em relação a eles. Temos alguns aqui no blogue... poderíamos ter mais... acabemos com estas tricas.
Abraço
P.Santiago
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)
(**) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (114): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)
Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4680: (Ex)citações (34): Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)
Saltinho, 1970/72, fez este comentário no poste Guiné 63/74 - P4672 (**):
Queiram desculpar, estas discussões estéreis, ía dizer, já cheiram mal, mas digo melhor, são uma MERDA...
Será que este blogue passou a ser um espaço para historiadores e doutrinadores?
Milicianos versus QP's, qual o interesse? Houve bons e maus, nos dois campos, mas isto é uma afirmação à La Palisse. Já contei por aí parte da minha vivência na Guiné, e sabem que o pior personagem que encontrei naquele teatro foi precisamente um miliciano (Capitão). Daqui não vou generalizar, que todos os milicianos (eu incluído) eram maus, seria um ultrage. Mas esta generalização(sem Generais, como algures diz o Mexia Alves) está a ser tentada em relação aos militares do QP. Não vou falar de militares do QP que conheci e eram excelentes, vou até Guiledje (só cá faltava, dirão) para lembrar dois mortos, o Cap Tinoco de Faria e o Cap Assunção Silva... eram do QP.
Dirão alguns, "...e quantos Milicianos lá morreram"? Muitos, direi eu, incluindo Soldados. Mas deixemos Guiledje e vamos até Guidaje (já agora!?), penso que foi o meu amigo e conterrâneo, Vitor Tavares, que falou no assunto num poste inserido no blogue, há meses atrás, quando contou a odisseia do socorro dos Páras aquele aquartelamento na fronteira com o Senegal. Contava ele, ficarem impressionados verem um tipo, já não muito novo, quando dos ataques, de pingalim na mão, a coordenar o fogo de morteiros e outras armas, com rebentamentos a toda a volta. Tratava-se do Major Correia de Campos. E para que não esqueçam, relembro o "massacre do Chão Manjaco", morreu um Alf Mil, mas morreram três Majores da nata de Oficiais Superiores do ComChefe.
O nosso camarada Mário Fitas falou, várias vezes, com admiração, no Cap Costa Campos, comandante dos "Lassas", que participava nas Operações, apesar de já andar nos quase 40 anos de idade.
Fui buscar estes exemplos, há mais, porque me chateia esta treta de descarregar as culpas sobre os oficiais do QP. Parece que não andámos todos lá... Parece que o Xime, onde esteve o Pereira da Costa era uma colónia de férias...
Fui miliciano com orgulho, não tenho qualquer ligação familiar com militares do Quadro, mas não tenho qualquer preconceito em relação a eles. Temos alguns aqui no blogue... poderíamos ter mais... acabemos com estas tricas.
Abraço
P.Santiago
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 18 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4046: Ainda a atroz dúvida da Cidália, 37 anos depois: O meu marido morreu mesmo na emboscada do Quirafo ? (Paulo Santiago)
(**) Vd. poste de 12 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4672: Blogoterapia (114): Quem somos nós? (António J. Pereira da Costa)
Vd. último poste da série de 13 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4680: (Ex)citações (34): Resposta ao amigo Pereira da Costa (J. Mexia Alves)
sexta-feira, 3 de julho de 2009
Guiné 63/74 - P4631: Controvérsias (31): Os Milicianos, combatentes de primeira, cidadãos de segunda (Vasco da Gama)
1. Mensagem de Vasco da Gama (*), ex-Cap Mil da CCAV 8351, Os Tigres de Cumbijã, 1972/74, com data de 30 de Junho de 2009:
Camarada Editor Carlos Vinhal,
Junto envio texto bem como algumas fotos que serão por ti colocadas no desenrolar do escrito, ou no final. Sempre o pedido do periquito informático: Chegou o Texto e as Fotos?
Caro carlos, vou enviar, depois vejo as fotos e indico a legendagem.
Desculpa.
Abração
Vasco da Gama
P.S. Para além dos dois destinatários acima é costume, ou bom hábito, dar conhecimento aos outros dois Editores?
OS MILICIANOS (não só os Cabos), COMBATENTES DE PRIMEIRA, CIDADÃOS DE SEGUNDA.
Ao contrário do que já li, creio que o Post 4584 do nosso Camarada Libério Lopes, é deveras importante, bem como alguns dos comentários que se lhe seguiram, levantando uma questão pertinente e fazendo comparações que não têm nada de injustas.
As banalidades que hoje vou escrevinhar, quero-as mais abrangentes, pois como disse, o escrito do nosso camarada Libério, foi depois enriquecido com alguns comentários, abrindo desta forma a porta para que possa falar dos Milicianos em geral.
No que diz respeito aos Cabos Milicianos/Furriéis e face ao papel que desempenharam, primeiro na formação e instrução das Companhias, onde no caso concreto da minha CCav8351 foram de uma utilidade enorme, trabalhando em conjunto com os aspirantes, desempenhando alguns deles, na ausência dos aspirantes, exactamente as mesmas funções, eram discriminados nas regalias, vou chamar-lhes sociais e fundamentalmente no pagamento dos serviços que prestavam. Ignoro qual o fosso salarial entre um aspirante e um cabo miliciano, mas fosse qual fosse, era tremendamente injusto para a similitude dos papéis que desempenhavam na formação activa das Companhias e no enriquecimento do cimentar das relações de TODOS os elementos de uma Companhia. Mais tarde, na guerra, foram peças fulcrais na minha Companhia e presto-lhes a minha humilde homenagem. Também não sei a diferença salarial entre um alferes e um furriel, mas o funcionamento do sistema, na sua génese, tinha por bom criar uma separação entre as pessoas, para mais fácil utilização do argumento do galão em detrimento do diálogo inteligente. Felizmente, tive a sorte de ter um conjunto de furriéis que, pela sua excelência, em muito contribuíram para que e em face dos perigos que corremos, a nossa CCav 8351 não fosse mais fustigada por um número maior de baixas e que irmanados com os alferes com os soldados e comigo, constituíram uma equipa que se fosse de futebol lhe chamaria de “dream team”.
Não é por mero acaso que dois furriéis da minha Companhia foram graduados em alferes, sendo a dificuldade a da escolha. Ficaram de fora outros que dariam também excelentes alferes em qualquer Companhia.
Obrigado a todos, Camaradas e Amigos.
Caros Camaradas, também eu que fui Capitão Miliciano senti discriminação enquanto militar Miliciano tendo de engolir, contra todos os meus princípios, metade das respostas que alguns oficiais do quadro, nem todos, mereciam da minha parte face a medidas que tomavam num mapa muito grande, preenchido por alfinetes coloridos, debitando algumas baboseiras, do embosque aqui, assalte acolá, cambe o rio acoli, sem terem o mínimo conhecimento do terreno que nos obrigavam a pisar. Quão diferente é um quilómetro no mapa de um quilómetro no terreno, mas eles não sabiam disso; só conheciam o mapa, o terreno era para nós os MILICIANOS.
Quero ressalvar que esta minha exposição tem a ver com a realidade que eu vivi no comando da Companhia de Cavalaria 8351 e reporto-me a vivências pessoais nos matos do Cumbijã e de Nhacobá, sendo que este somatório de factos que relato não tem a ver com pessoas enquanto tal, mas com os cargos que desempenhavam.
Quantos oficiais profissionais me acompanharam, quando fui ocupar aquele imenso campo de minas que era então o desértico Cumbijã?
Foto 1 - O Cumbijã desértico, povoado de minas.
Quantos oficiais profissionais me acompanharam no assalto a Nhacobá?
Quantos oficiais profissionais estiveram presentes na operação “Lance Pertinente” em 1973 que tinha como objectivo, pasme-se, fazer um reconhecimento à Região do Unal? Eu estava de férias em Portugal, por isso e relativamente a esta operação fico-me por aqui, adiantando apenas que foram envolvidas cinco Companhias e centenas de carregadores que acarretavam bidons e paus à cabeça, para cambar determinado rio, sob chuva que caiu ininterruptamente durante vários dias. Cinco companhias camaradas no Teatro de operações! Quem as coordenou no terreno? Terá sido o Alferes da minha Companhia que marchou com o seu pelotão à frente desta operação de seu nome FLORIVALDO dos SANTOS ABUNDÂNCIO, apesar da presença de capitães milicianos na operação? Se não foi qual a razão de ter sido ele a elaborar o relatório? Ou ter um oficial profissional ido de Aldeia para o nosso Cumbijã e permanecido durante cinco dias já dava direito a louvor?
Foto 2 - Saída para o mato. O Alferes Abundâncio no meio do grupo de combate com a sua farfalhuda bigodeira.
É verdade que os alfinetes coloridos se enganaram no nome dos rios? E os rios que eram, para os alfinetes, simples fios de água, que tinham de ser atravessados com água pelo peito? O meu Camarada e Amigo Abundâncio, um destes dias, quando os afazeres profissionais lhe permitirem, escreverá sobre o assunto. Cabe aqui uma palavra de respeito, carinho e agradecimento ao Abundâncio, grande Homem grande Camarada e grande Amigo.
Quantos oficiais profissionais estiveram com OS TIGRES quando nos mataram o António Bento Boa? E o Victor Coelho? E o Fausto Costa? Todos estes meus companheiros foram mortos em combate em situações e dias diferentes.
Foto 3 - O Alferes Beires juntamente com outros camaradas, aparecendo à esquerda da foto com um balde na mão o nosso camarada Fausto Costa, morto em combate a 21 de Agosto de 1973.
Quanto recebem as famílias destes meus queridos camaradas de pensão? Sim, só falo em termos monetários, pois sobre o reconhecimento da sociedade para com eles estamos conversados!
Quanto recebem de reforma os meus camaradas feridos gravemente em combate evacuados para a então Metrópole?
Quanto recebe de reforma o nosso camarada Batista, membro do nosso Blogue, mais conhecido pelo morto-vivo?
Já agora, quanto recebe de reforma um qualquer coronel, que no meu tempo tinha a mesma patente que eu?
Houve oficiais profissionais que se distinguiram? Não posso dizer que não, mas esses não viveram nenhuma das situações que eu descrevi e que são as que conheço. Reafirmo o que já disse uma vez, agora com maior precisão: quem aguentou a guerra dos tiros, no mato que eu conheço, foi a tropa macaca a que eu me honro de ter pertencido.
Quero apenas ressalvar que a sacrificada Companhia do Guileje e de Gadamael Porto, a nossa irmã, CCav 8350, Os Piratas, quando foi para o Cumbijã a 29 de Novembro de 1973, era comandada na altura por um Capitão do Quadro Permanente o então Cap Rui Reis (nunca mais o vi), com quem sempre tive relações cordiais. O Cap Reis foi depois substituído pelo Cap Vieira, com quem me encontrei há dias, sendo hoje Coronel reformado. Para eles um abraço extensivo a todos Os Piratas de Guileje, que tiveram quatro ou cinco Comandantes de Companhia e que sofreram horrores no porrete da guerra, tendo ainda de aguentar com bocas que roçavam o enxovalho! Nas pessoas dos meus Amigos Manuel Reis, João Seabra e Casimiro Carvalho, as minhas homenagens a todos OS PIRATAS de GUILEJE.
Nem de propósito, num post da autoria do meu Amigo Santos Oliveira, com o número 4608 é relatado episódio que o envolve a ele e a um combatente natural da Guiné de seu nome João Bacar Djaló. O primeiro era furriel e o segundo alferes. Não o vou repetir, está lá tudo, preto no branco. Retiro apenas afirmações avulsas como “os graduados são sempre inferiores” ou “os nativos quando comandam tropas são sempre inferiores”!!! Também eu, que comandei como Miliciano uma Companhia, era graduado, logo capitão de segunda, logo chefe de um qualquer bando acoitado no arame farpado, só faltando dizer que tudo o que OS TIGRES fizeram se deveu aos estrategas de operações ou aos inteligentes do bem bom do ar condicionado. Claro que depois de ter servido como capitão, fui desgraduado e ao passar à disponibilidade, tive as exactas regalias de qualquer outro alferes. É o usar e deitar fora, apanágio das capelinhas que por aí pululam.
Foto 4 - Azambuja Martins, Vasco da Gama e o nosso homem da bianda, Xico Ferreira.
Foto 5 - Furriel Azambuja e Furriel Joaquim da Silva Costa em Nhacobá.
O que é premiado nesta sociedade que me vai consumindo?
O Mérito ou o Carreirismo?
O Valor ou o Oportunismo?
Os Sabedores ou os Seguidores?
Os Inteligentes ou os Bajuladores?
Responda quem souber, mas de uma coisa tenho a certeza:
Os meus queridos camaradas da 8351, independentemente do posto, tiveram na sua esmagadora maioria, Mérito, Valor, Sabedoria e Inteligência.
Numa sociedade em que quase todos se atropelam no afã da busca dos seus objectivos, numa sociedade onda ninguém agradece nada a ninguém, eu curvo-me perante todos eles, os mortos, os feridos e os que me acompanharam até ao dia do nosso regresso tanto mais, como alguém disse, NINGUÉM MORRE POR DOBRAR A COLUNA SEMPRE QUE ACHE NECESSÁRIO!
Honraram-me com o seu companheirismo, como hoje me honram ao convidarem-me para o casamento dos filhos, para o baptizado dos netos ou para as comezainas em casa deste ou daquele.
Emblema da CCAV 8351 "Os Tigres de Cumbijã", que tinha como divisa ET PLURIBUS UNUM
Texto e fotos: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados
Um Abraço do Tigre
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
__________
Notas de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III): Desertores
Vd. último episódio da série de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)
Camarada Editor Carlos Vinhal,
Junto envio texto bem como algumas fotos que serão por ti colocadas no desenrolar do escrito, ou no final. Sempre o pedido do periquito informático: Chegou o Texto e as Fotos?
Caro carlos, vou enviar, depois vejo as fotos e indico a legendagem.
Desculpa.
Abração
Vasco da Gama
P.S. Para além dos dois destinatários acima é costume, ou bom hábito, dar conhecimento aos outros dois Editores?
OS MILICIANOS (não só os Cabos), COMBATENTES DE PRIMEIRA, CIDADÃOS DE SEGUNDA.
Ao contrário do que já li, creio que o Post 4584 do nosso Camarada Libério Lopes, é deveras importante, bem como alguns dos comentários que se lhe seguiram, levantando uma questão pertinente e fazendo comparações que não têm nada de injustas.
As banalidades que hoje vou escrevinhar, quero-as mais abrangentes, pois como disse, o escrito do nosso camarada Libério, foi depois enriquecido com alguns comentários, abrindo desta forma a porta para que possa falar dos Milicianos em geral.
No que diz respeito aos Cabos Milicianos/Furriéis e face ao papel que desempenharam, primeiro na formação e instrução das Companhias, onde no caso concreto da minha CCav8351 foram de uma utilidade enorme, trabalhando em conjunto com os aspirantes, desempenhando alguns deles, na ausência dos aspirantes, exactamente as mesmas funções, eram discriminados nas regalias, vou chamar-lhes sociais e fundamentalmente no pagamento dos serviços que prestavam. Ignoro qual o fosso salarial entre um aspirante e um cabo miliciano, mas fosse qual fosse, era tremendamente injusto para a similitude dos papéis que desempenhavam na formação activa das Companhias e no enriquecimento do cimentar das relações de TODOS os elementos de uma Companhia. Mais tarde, na guerra, foram peças fulcrais na minha Companhia e presto-lhes a minha humilde homenagem. Também não sei a diferença salarial entre um alferes e um furriel, mas o funcionamento do sistema, na sua génese, tinha por bom criar uma separação entre as pessoas, para mais fácil utilização do argumento do galão em detrimento do diálogo inteligente. Felizmente, tive a sorte de ter um conjunto de furriéis que, pela sua excelência, em muito contribuíram para que e em face dos perigos que corremos, a nossa CCav 8351 não fosse mais fustigada por um número maior de baixas e que irmanados com os alferes com os soldados e comigo, constituíram uma equipa que se fosse de futebol lhe chamaria de “dream team”.
Não é por mero acaso que dois furriéis da minha Companhia foram graduados em alferes, sendo a dificuldade a da escolha. Ficaram de fora outros que dariam também excelentes alferes em qualquer Companhia.
Obrigado a todos, Camaradas e Amigos.
Caros Camaradas, também eu que fui Capitão Miliciano senti discriminação enquanto militar Miliciano tendo de engolir, contra todos os meus princípios, metade das respostas que alguns oficiais do quadro, nem todos, mereciam da minha parte face a medidas que tomavam num mapa muito grande, preenchido por alfinetes coloridos, debitando algumas baboseiras, do embosque aqui, assalte acolá, cambe o rio acoli, sem terem o mínimo conhecimento do terreno que nos obrigavam a pisar. Quão diferente é um quilómetro no mapa de um quilómetro no terreno, mas eles não sabiam disso; só conheciam o mapa, o terreno era para nós os MILICIANOS.
Quero ressalvar que esta minha exposição tem a ver com a realidade que eu vivi no comando da Companhia de Cavalaria 8351 e reporto-me a vivências pessoais nos matos do Cumbijã e de Nhacobá, sendo que este somatório de factos que relato não tem a ver com pessoas enquanto tal, mas com os cargos que desempenhavam.
Quantos oficiais profissionais me acompanharam, quando fui ocupar aquele imenso campo de minas que era então o desértico Cumbijã?
Foto 1 - O Cumbijã desértico, povoado de minas.
Quantos oficiais profissionais me acompanharam no assalto a Nhacobá?
Quantos oficiais profissionais estiveram presentes na operação “Lance Pertinente” em 1973 que tinha como objectivo, pasme-se, fazer um reconhecimento à Região do Unal? Eu estava de férias em Portugal, por isso e relativamente a esta operação fico-me por aqui, adiantando apenas que foram envolvidas cinco Companhias e centenas de carregadores que acarretavam bidons e paus à cabeça, para cambar determinado rio, sob chuva que caiu ininterruptamente durante vários dias. Cinco companhias camaradas no Teatro de operações! Quem as coordenou no terreno? Terá sido o Alferes da minha Companhia que marchou com o seu pelotão à frente desta operação de seu nome FLORIVALDO dos SANTOS ABUNDÂNCIO, apesar da presença de capitães milicianos na operação? Se não foi qual a razão de ter sido ele a elaborar o relatório? Ou ter um oficial profissional ido de Aldeia para o nosso Cumbijã e permanecido durante cinco dias já dava direito a louvor?
Foto 2 - Saída para o mato. O Alferes Abundâncio no meio do grupo de combate com a sua farfalhuda bigodeira.
É verdade que os alfinetes coloridos se enganaram no nome dos rios? E os rios que eram, para os alfinetes, simples fios de água, que tinham de ser atravessados com água pelo peito? O meu Camarada e Amigo Abundâncio, um destes dias, quando os afazeres profissionais lhe permitirem, escreverá sobre o assunto. Cabe aqui uma palavra de respeito, carinho e agradecimento ao Abundâncio, grande Homem grande Camarada e grande Amigo.
Quantos oficiais profissionais estiveram com OS TIGRES quando nos mataram o António Bento Boa? E o Victor Coelho? E o Fausto Costa? Todos estes meus companheiros foram mortos em combate em situações e dias diferentes.
Foto 3 - O Alferes Beires juntamente com outros camaradas, aparecendo à esquerda da foto com um balde na mão o nosso camarada Fausto Costa, morto em combate a 21 de Agosto de 1973.
Quanto recebem as famílias destes meus queridos camaradas de pensão? Sim, só falo em termos monetários, pois sobre o reconhecimento da sociedade para com eles estamos conversados!
Quanto recebem de reforma os meus camaradas feridos gravemente em combate evacuados para a então Metrópole?
Quanto recebe de reforma o nosso camarada Batista, membro do nosso Blogue, mais conhecido pelo morto-vivo?
Já agora, quanto recebe de reforma um qualquer coronel, que no meu tempo tinha a mesma patente que eu?
Houve oficiais profissionais que se distinguiram? Não posso dizer que não, mas esses não viveram nenhuma das situações que eu descrevi e que são as que conheço. Reafirmo o que já disse uma vez, agora com maior precisão: quem aguentou a guerra dos tiros, no mato que eu conheço, foi a tropa macaca a que eu me honro de ter pertencido.
Quero apenas ressalvar que a sacrificada Companhia do Guileje e de Gadamael Porto, a nossa irmã, CCav 8350, Os Piratas, quando foi para o Cumbijã a 29 de Novembro de 1973, era comandada na altura por um Capitão do Quadro Permanente o então Cap Rui Reis (nunca mais o vi), com quem sempre tive relações cordiais. O Cap Reis foi depois substituído pelo Cap Vieira, com quem me encontrei há dias, sendo hoje Coronel reformado. Para eles um abraço extensivo a todos Os Piratas de Guileje, que tiveram quatro ou cinco Comandantes de Companhia e que sofreram horrores no porrete da guerra, tendo ainda de aguentar com bocas que roçavam o enxovalho! Nas pessoas dos meus Amigos Manuel Reis, João Seabra e Casimiro Carvalho, as minhas homenagens a todos OS PIRATAS de GUILEJE.
Nem de propósito, num post da autoria do meu Amigo Santos Oliveira, com o número 4608 é relatado episódio que o envolve a ele e a um combatente natural da Guiné de seu nome João Bacar Djaló. O primeiro era furriel e o segundo alferes. Não o vou repetir, está lá tudo, preto no branco. Retiro apenas afirmações avulsas como “os graduados são sempre inferiores” ou “os nativos quando comandam tropas são sempre inferiores”!!! Também eu, que comandei como Miliciano uma Companhia, era graduado, logo capitão de segunda, logo chefe de um qualquer bando acoitado no arame farpado, só faltando dizer que tudo o que OS TIGRES fizeram se deveu aos estrategas de operações ou aos inteligentes do bem bom do ar condicionado. Claro que depois de ter servido como capitão, fui desgraduado e ao passar à disponibilidade, tive as exactas regalias de qualquer outro alferes. É o usar e deitar fora, apanágio das capelinhas que por aí pululam.
Foto 4 - Azambuja Martins, Vasco da Gama e o nosso homem da bianda, Xico Ferreira.
Foto 5 - Furriel Azambuja e Furriel Joaquim da Silva Costa em Nhacobá.
O que é premiado nesta sociedade que me vai consumindo?
O Mérito ou o Carreirismo?
O Valor ou o Oportunismo?
Os Sabedores ou os Seguidores?
Os Inteligentes ou os Bajuladores?
Responda quem souber, mas de uma coisa tenho a certeza:
Os meus queridos camaradas da 8351, independentemente do posto, tiveram na sua esmagadora maioria, Mérito, Valor, Sabedoria e Inteligência.
Numa sociedade em que quase todos se atropelam no afã da busca dos seus objectivos, numa sociedade onda ninguém agradece nada a ninguém, eu curvo-me perante todos eles, os mortos, os feridos e os que me acompanharam até ao dia do nosso regresso tanto mais, como alguém disse, NINGUÉM MORRE POR DOBRAR A COLUNA SEMPRE QUE ACHE NECESSÁRIO!
Honraram-me com o seu companheirismo, como hoje me honram ao convidarem-me para o casamento dos filhos, para o baptizado dos netos ou para as comezainas em casa deste ou daquele.
Emblema da CCAV 8351 "Os Tigres de Cumbijã", que tinha como divisa ET PLURIBUS UNUM
Texto e fotos: © Vasco da Gama (2009). Direitos reservados
Um Abraço do Tigre
Vasco Augusto Rodrigues da Gama
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 15 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4532: Banalidades da Foz do Mondego (Vasco da Gama) (III): Desertores
Vd. último episódio da série de 30 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4614: Controvérsias (23): Milicianos… eram os peões das nicas! (Jorge Teixeira)
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