Mostrar mensagens com a etiqueta DST - Doenças sexualmente transmissíveis. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta DST - Doenças sexualmente transmissíveis. Mostrar todas as mensagens

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Guiné 61/74 - P21805: Os nossos enfermeiros (15): seleção aleatória, formação rudimentar do pessoal de enfermagem, carência de material, etc. (selecão de textos de Armandino Alves, 1944-2014)


Guiné > Região do Oio > Setor O2 > Farim > Jumbembem > CCAÇ 1565 (1966/68) > 10 de julho de 1966 > Helievacuação do cap mil inf Rui Romero > Na foto da evacuação importa também identificar o 1º Cabo Enfermeiro Fernando Teixeira Picão.  colocado do lado esquerdo da foto em calção e camisa (já falecido), e ainda do mesmo lado e logo a seguir o 1º Cabo radiotelegrafista Guilherme Augusto Leal Chagas, natural de Elvas; do lado direito em tronco nu e calção, junto ao Heli o Furriel, Manuel Júlio Vira, natural de Setúbal, (já falecido em 2003).

Foto (e legenda): © Artur Conceição (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O Armandino Alves, à direita, reencontra,
em 2010, o seu antigo comandante,
agora cor inf ref Henrique Victor 
Guimarães Perez Brandão. 
1. O nosso camarada Armandino [Marcílio Vilas] Alves (ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem, CCAÇ 1589, Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68) tem 38 referências no nosso blogue.  Entrou para a Tabanca Grande em 2009, morreria, infelizmente cinco anos depois. Era natural do Porto (*).

Dos vários e interessantes postes que publicou, em vida, no nosso blogue, alguns têm por objeto os serviços de saúde militares a que ele pertencia. Na série "Os nossos enfermeiros", tem pelo menos dois postes (**)


Vamos reunir, nesta série, "Os nossos enfermeiros" (***), alguns dos seus apontamentos sobre algumas questões  relevantes como a seleção do pessoal de enfermagem, a sua formação teórico-prática,  a  carência de material, as ambulâncias e atrelados sanitários, e ainda as doenças sexualmente transmissíveis.

  
Enfermeiros… mas não por opção (****)


4 de maio de 2010


(...) Como toda a gente sabe, a selecção dos soldados no fim da recruta, para as diversas especialidades,  era feita de forma aleatória, não havendo qualquer inquérito a fim de se saber a função que cada um gostaria de desempenhar.

Vais para “isto”... e bico calado!

Por isso, muitos foram para enfermeiros sem qualquer propensão, para desempenhar esse cargo.

Depois, no Regimento do Serviço de Saúde, em Coimbra, as aulas eram todas teóricas e dadas por Sargentos ou Cabos RD [Readmitidos]. Quanto a Médicos, que eu me lembre, só lá apareceu um – tenente –, uma  ou duas  vezes, em todo o curso.

E, pelo menos, no meu curso, nunca se falou em teatros de guerra. Era mais um curso para se integrar nos Hospitais, e depois íamos aprender para os mesmos. Mas, aprender o quê?

Tirando aqueles que tiveram a sorte de ir para enfermarias de Ortopedia e Traumas, o que aprenderam os outros?...A dar injecções!

Quanto ao resto,  eram autênticos “ceguinhos” e só foram aprendendo, com o tempo e a experiência, desenrascando-se o melhor que podiam e sabiam.

Na época de 1966-68, não se notou muito essa pecha, pois quando era solicitada uma evacuação,  ela era feita, fosse por helicóptero nas operações, fosse por DO-27 nos aquartelamentos ou destacamentos com pista de aviação.

A falta de evacuações é que veio pôr a nu esse desiderato. Havia enfermeiros, mas não havia o material necessário.

O que eram os garrotes fornecidos com a Bolsa de Enfermeiro? Um simples tubo de borracha maleável, que era muito bom para tirar sangue e nada mais. Um garrote a sério teria que ser improvisado com ligaduras e um pau, para fazer o torniquete.

Como já aqui se falou,  a Marinha tinha o último grito em garrotes e não sei se a Força Aérea também os tinha (mas para isso ninguém melhor que a Enfermeira Paraquedista Giselda Pessoa para melhor nos informar).

Quanto aos atrelados sanitários, tinham muito material lá dentro, mas não era para mexer. Eles estavam apenas à nossa guarda e isto nos aquartelamentos que os possuíam.

O atrelado sanitário era um hospital de campanha e, portanto, pertencente ao Hospital Militar. Certo é que o que lá estava armazenado era intocável.

Vem isto, que acabo de escrever, a propósito do poste P6315 (******). Tenho a certeza que tanto o Furriel Enfermeiro como o Cabo Maqueiro não iam munidos com soro, pois não o possuíam, e se houvesse lá um atrelado sanitário com soro, com certeza que o prazo de validade já teria caducado há muito tempo.

E quanto tempo aguentaria um soldado ferido? Que quantidade de sangue já não teria perdido entretanto?

Sem o soro não havia possibilidade de o estabilizar e, mesmo que houvesse a remota possibilidade de uma transfusão directa, com outro camarada com sangue do mesmo tipo, no meio daquele inferno, seria quase impossível.

Eu tive um camarada que morreu com um tiro no abdómen, por falta de evacuação, por ser de noite. À noite não haviam meios aéreos e também não se podia usar o garrote.

9 de setembro de 2009 (**)

(...) Em suturas, eu era um zero. A primeira vez que vi suturar, foi na Academia Militar, o Cabo que estava a executá-la teve que deixar o ferido para me atender a mim. No entanto, na Guiné tive de fazer das tripas coração e fazê-las, pois tive colegas que delas precisaram.

Mas não foi o Serviço de Saúde do Exército que nos ministrou isso nos cursos. Mesmo os Enfermeiros nos Hospitais Civis, só quando passam pelos serviços de urgência é que aprendem alguma coisa além de dar injecções, medir a tensão ou distribuir comprimidos. (...)

Quando cheguei à Companhia [, CCAÇ 1589,] não havia quem soubesse preencher os formulários para o Laboratório Militar pois isso era da competência dele [,o furriel enfermeiro]. Só 3 a 4 meses depois é que foi substituído.

Nesse entretanto fui encarregado pelo meu Capitão, não por ser o mais antigo da Companhia, mas porque, tendo estado no HMR1 [Hospital Militar Regional nº 1, Porto] onde era eu, que a pedido do Sargento que nunca lá estava, elaborava os mapas, fazia a requisição dos medicamentos e quejandos, e fui tendo umas luzes, continuando na Academia Militar a fazer o mesmo a pedido do 1.º Sargento que era um tipo porreiro e me desenrascava nos fins de semana para vir ao Porto. Amor com amor se paga.

Ora isto não se aprendia nos cursos que eles nos davam. Nós é que por moto próprio íamos tentando aprender. Por exemplo, o meu tirocínio foi em infecto-contagiosas. O que é que esta especialidade interessa para o mato? Absolutamente nada. Era uma especialidade hospitalar. (...)

7 de setembro de 2009 (**)

[Sobre a prevenção e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis]
 
(...) A verdade é que o que existia nos postos Médicos das unidades (e nem em todos),  era umas caixinhas com umas bisnagas com um produto [antivenéreo]  que eu nem me lembro do nome, que o soldado solicitava quando queria ir às putas, mas tinha que se anotar o nome, dia e hora a que era solicitado. Claro que ninguém ia buscar o dito tubinho.

E foi assim que, quando a minha Companhia [, a CCAÇ 1589,] regressou do mato a Bissau e os Soldados se sentiram livres, apareceu-me passados dias em vários soldados os sintomas da blenorragia.

Ora isto tinha que ser comunicado ao Médico que por sua vez informava o Comando da Companhia que por sua vez agraciava o infractor com cinco dias de detenção. Ora detidos já tinhamos estado nós no mato durante um ano e, como eu já sabia que o médico ia receitar Penicilina na dose mais forte, foi o tratamento que eu lhes prescrevi e para estarem na enfermaria a X horas para ser eu a aplicar as referidas injecções. 

Só que, para meu azar,  um dos atingidos por motivos de serviço , não pôde estar no horário previsto e foi ter com o Cabo Enf de Dia para que lhe desse a injecção. Como ele não sabia de nada,  comunicou ao Médico que comunicou ao meu Comandante que chamou o soldado que lhe disse que tinha sido eu que o mediquei.

Claro que fui chamado ao Comandante [,
 cap inf Henrique Victor Guimarães
Perez Brandão,] 
 que me ameaçou com os referidos 5 dias de detenção. Eu então perguntei-lhe se fosse no mato o tratamento era o mesmo.  

Felizmente o Comandante, atendendo aos bons serviços prestados durante toda a Comissão, rasgou a participação do Médico e ficou tudo em águas de bacalhau.

O que as brochuras dizem não é bem o que se passa no terreno a nível prático. A gente vai-se desenrascando conforme pode e sabe e isso às vezes salvava vidas.(...)
________

Notas do editor: 

(*) Vd. postes de:




(***) Último poste da série > 23 de janeiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21800: Os nossos enfermeiros (14): na falta de médicos, optou-se pela secção sanitária a nível de companhia: um fur mil enf e três 1ºs cabos aux enf (António J. Pereira da Costa / Paulo Santiago / António Carvalho / José Teixeira / Luís Graça)


(*****)  Vd poste de 4 de maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6315: Recortes de imprensa (24): Salgueiro Maia, comandante da CCAV 3420, em fim de comissão, 5 de Maio de 1973: "Em 60 homens ninguém sabia o mais elementar em primeiros socorros: fazer um garrote" (Beja Santos)

quinta-feira, 17 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20250: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (4): outras características socioculturais que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST




Para saber mais sobre este grave problema de saúde pública, a infeção por HIV/SIDA nos nossos países, vd o relatório, disponível desde abril de 2018, no sítio da CPLP: Epidemia da VIH nos Países de Língua Oficial Portuguesa – 4ª Edição




1. Reproduzem-se, com a devida vénia, e as necessárias adaptações (, incluindo fixação / revisão de texto),  mais alguns excertos de um importante relatório sobre a Guiné-Bissau, relativamente às "doenças sexualmente transmissíveis" (*), com destaque para o HIV / SIDA.

A fonte consultado é o relatório da CPLP sobre a Guiné-Bissau, e que corresponde ao capítulo 4 (da pag. 272 à pag. 337) do relatório final. A autora é a consultora brasileira Helena Lima. 

Para não sobrecarregar o poste, eliminaram-se alguns parágrafos bem como as citações e as referências bibliográficas. O texto original, em pdf, pode ser aqui, consultado:



Vd. Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único, dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 2018 [documento em formato pdf, 643 pp. Disponível em: https://www.cplp.org/id-4879.aspx]



2. Listagem de mais algumas características socioculturais do país e de comportamentos de risco da população, que facilitam a propagação do HIV/SIDA e outras doenças sexualmente transmissíveis:



(i) Sexualidade precoce:

A sexualidade precoce, antes dos 15 anos, é comum nas meninas da Guiné Bissau, cerca de 27% [,dados de 2010]. 
Cerca de 7,1% das meninas casaram-se com menos de 15 anos 
e 37,1% com menos de 18 anos. 

Dados de 2011 mencionam que 13% das meninas de 15 a 24 anos 
tiveram sua primeira relação sexual 
com um homem 10 anos mais velho que ela, 
sendo 38% deles já casados.

(ii) Contraceção: 

O baixo uso de preservativo pelas mulheres (3,2% em 2010) é compreendido à luz da desigualdade de género, sendo que o poder está do lado dos homens.


(iii) Dependência da mulher:

A dependência da mulher para sua sobrevivência, ou seja, em tudo, inclusive nas decisões sobre sua própria saúde, 
aliados ao medo do repúdio e divórcio 
ao se notificar o parceiro sobre o resultado positivo 
de um teste de HIV/SIDA, 
são fatores de aumento da vulnerabilidade feminina à infecção.


(iv) A poligamia:


É legitimada pela religião muçulmana:  por lei, o homem pode ter até 4 esposas, desde que possa sustentá-las. Também há a poligamia informal, incluindo pessoas de todos os credos e etnias, sem distinção. 

A percentagem de pessoas entre 15 e 49 anos que estão numa união poligâmica é de 44,0% entre as mulheres e 25,8% dos homens. 

Nos homens casados, durante o período de aleitamento materno das suas mulheres, procuraram parceiras ocasionais, comadres e/ou outras esposas legítimas.
 

(v) Permissividade sexual na sociedade balanta;

Existem, entre os balantas,  normas e práticas socioculturais 
que instigam a promiscuidade e liberdade sexual dos jovens. 
A prática cultural e sexual “Pnanhga” que consiste 
na entrega sexual de uma rapariga/mulher a outrem 
durante a sua hospedagem, 
é disso um exemplo.(...)

(vi) Gerontofilia:

 O fenómeno de gerontofilia e as suas consequências na promiscuidade sexual: sendo social e tradicionalmente aceitável o casamento entre gerações diferentes, essa prática aumenta os casos de infidelidade entre os envolvidos, sobretudo nas mulheres (que por norma são sempre bastante novas em relação aos maridos). 

Assim, a promiscuidade é bastante frequente nas famílias dos centros urbanos, chegando a ser também banalizada em certas tradições de grupos étnicos. Por exemplo, na etnia Beafada a infidelidade não é reprovada, mesmo que seja de uma mulher casada e, por consequência, caso tenha terminado em filho, consideram uma sorte para o marido legítimo da mulher.


(vii) Tio do noivo como deflorador da noiva, mantendo relação sexual com a mesma na noite de núpcias:

Essa prática é algumas vezes mencionada como realidade 
na etnia Balanta, porém não praticada na atualidade. 
É uma contradição que merece ser melhor estudada e compreendida, 
por ser uma prática que vulnerabiliza.



(viii) Circuncisão masculina:

Um aspecto que pode ser melhor explorado é a constatação que 79,9% dos homens entre 15-49 anos declaram ter sido circuncidados. Integrar as ações de saúde aproveitando esse momento – lugar – tempo em que o homem passa pela circuncisão pode ser estrategicamente interessante para auxiliar na promoção de saúde e aumento do autocuidado seguindo as referências de saúde ocidentais, aspectos quase negligenciados entre os homens da Guiné-Bissau.(...)

(ix) Planeamento familiar:

Em estudo recente (2014) foi demonstrado que mulheres 
em idade fértil 58,2% não conheciam um único método 
de prevenção à infecção pelo HIV/SIDA. 
O fato de não haver conteúdos sobre anticoncepção nem explicações sobre uso do preservativo no manual de formação dos agentes comunitários de saúde (2011) tem relação direta com esse fato. 


A taxa de contracepção em Guiné Bissau é estimada
 entre 10% e 14% (dados de 2015).

O planeamento  familiar é considerado “primo pobre” 
na implementação de uma política que permita 
às mulheres alguma liberdade de escolha 
de método contraceptivo adequada 
ao seu caso e às suas necessidades.


(x) Levirato:

Uma prática relacionada às modalidades de luto e tratamento de heranças e legados é o Levirato. Nesse sistema de casamento, o irmão do falecido é obrigado a casar com a esposa (viúva) do irmão falecido, tendo ele ou a viúva HIV/SIDA  ou não, sem que se mencione o assunto SIDA de modo explícito.


(xi) “Negação/ Medo" do HIV/SIDA: 

  A negação/medo faz com que a comunicação social seja truncada 
e os estigmas prevaleçam.
 “Como se” não houvesse impacto com a gravidez 
antes dos 15 anos, 
com a poliinfecção de mulheres e homens, 
com SIDA, blenorragia e outras DST.


(xii) Analfabetismo, infoexclusão:

A maioria da população com 15 anos ou mais é analfabeta e 60% das mulheres não são alfabetizadas. A alta taxa de analfabetismo dificulta todas as ações de prevenção, assistência e adesão aos tratamentos.

No país, há pouco acesso às ferramentas de comunicação social: o uso de computadores entre jovens de 15-24 anos é de 17,2% para os homens e 10,3% para as mulheres; o uso de internet segue a mesma proporção: homens 16,8% e mulheres 9,4%. Cerca de 30,5% dos homens ao menos uma vez por semana tem acesso à comunicação social impressa, radiofônica ou televisiva, e apenas 11,7 das mulheres.

(xiii) Economia informal ou paralela

As mulheres guineenses, que compõem 51,5% da população do país, estão no setor informal. Ou seja, com o trabalho e sem direitos laborais, a sua vulnerabilidade aumenta – ao precisar interromper o trabalho, não têm direito a licenças ou qualquer remuneração.


(xiv) Não há um único médico psiquiatra 

num país de 1,8 milhões de habitantes:

A ausência de profissionais de saúde mental no país é um fator extremamente importante, um ponto de vulnerabilidade programática que precisa ser cuidado o quanto antes. 

Em 2015 havia apenas um profissional, um enfermeiro com formação em psiquiatria, para todo o país.

(Continua)
______________

Nota do editor:

(*) Vd. postes anteriores da série:

11 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20228: Guiné-Bissau, hoje: factos e números (3): em bom crioulo nos entendemos (ou não ?): mandjidu, kansaré, muro, djambacu, baloba, balobeiro, ferradia, tarbeçado, doença de badjudeca, rónia irã... O Cherno Baldé, nosso especialista em questões etnolinguísticas, explica para a gente...

9 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20223: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (2): prevalência do HIV/SIDA; comportamento de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST

4 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20204: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (1): população e morbimortalidade; etnias, idiomas e religiões; doenças sexualmente transmissíveis

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20223: A Guiné-Bissau, hoje: factos e números (2): prevalência do HIV/SIDA; comportamento de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST



Guiné-Bissau > Bissau > HIV / SIDA > Dístico colocado sobre a estátua Maria da Fonte, na rotunda do Império, praça dos Heróis Nacionais, em Bissau. Foto de DW - Deutsche Welle / B. Darame. Com a devida vénia...



1. Mais alguns dados sobre a Guiné-Bissau, relativamente às "doenças sexualmente transmissíveis" (*), com destaque para o HIV / SIDA.


A fonte consultado é o relatório da CPLP sobre a Guiné-Bissau, e que corresponde ao capítulo 4 (da pag. 272 à pag. 337) do relatório final. A autora é a consultora brasileira Helena Lima.

Fonte: Helena M. M. Lima - Diagnóstico Situacional sobre a Implementação da Recomendação da Opção B+, da Transmissão Vertical do VIH e da Sífilis Congênita, no âmbito da Comunidade de Países de Língua Portuguesa- CPLP: Relatório final, volume único, dezembro de 2016, revisto em abril de 2018. CPLP - Comunidade de Países de Língua Portuguesa, 2018 [documento em formato pdf, 643 pp. Disponível em: https://www.cplp.org/id-4879.aspx]


(iii) Doenças sexualmente transmissíveis (DST)(Continuação

HIV / SIDA

Prevalência de HIV entre mulheres grávidas: 5%

Prevalência de HIV entre grávidas 15-24 anos: 3,4%

Prevalência nacional geral: 3,3% | Meio rural: 2,3% | Urbano: 3%


Prevalência por género: Homens: 1,5% | Mulheres: 5%


% de recém-nascidos filhos de mães HIV + que nascem infectados pelo HIV: 26%


Número de pessoas vivendo com HIV (2013): 41 mil


Crianças < 15 anos vivendo com HIV: 6.100


Órfãos por causa da doença: 10.614




(iv) Comportamentos de risco e práticas socioculturais e tradicionais, que tornam mais vulnerável a população guineense face ao risco de transmissão de HIV/SIDA e outras DST:




Tráfico de mulheres e violência de género



Alguns problemas estruturais vulnerabilizam a população de Guiné Bissau para os agravos diversos relacionados  com a sexualidade, como tráfico de mulheres e as diversas modalidades de violência baseada em género. 

O modelo patriarcal legitima as práticas socioculturais e tradicionais sobre grupos étnicos que compõem o país.



Circuncisão feminina e masculina



A Mutilação Genital Feminina (MGF), embora proibida por lei, é praticada em ambiente doméstico. 

Estima-se que as mutilações genitais tenham atingido 44,9% das mulheres entre 15-49 anos e cerca de 49,7% das crianças 
entre 0 – 14 anos.

A circuncisão masculina é socialmente incentivada e tem apoio no serviço público de saúde. 

Em inquérito de 2014, alguns dados apresentados sobre a situação dos inquiridos perante a circuncisão / MGF, por sexo:  
64,1% dos homens confirma a circuncisão, contra 35,9% que ainda não foi circuncisada. 

Para o sexo feminino 37,2% respondeu 
que sim foi submetida a MGF,
contra 62,8% que responde que Não.


Casamento precoce



Em relação ao casamento precoce, 7,1% referem-se a crianças com menos de 15 anos e 37,1% entre menores de 18 anos.



Contracepção


Em relação à taxa de contracepção, 
dados de 2014 apontam que 84% da população não usa método algum contraceptivo.


Os homens nunca são responsabilizados por eventual esterilidade, esta é uma questão meramente feminina e de mulheres, em alguns casos são sancionadas pelo divórcio. 

Essa verdade não é diferenciada por zonas ou espaços rurais/urbanos, 
é uma realidade cultural. 



A religião, a cultura e a tradição obrigam as mulheres a procurarem formas de conseguir despistar os maridos para poderem usufruir dos métodos contracetivos, porque,  segundo estes, elas são casadas para se procriar. 



Para se livrarem dos maridos, muitas das vezes, elas inventam desculpas em levar as crianças para as vacinas e/ou consultas e aproveitam para fazer controlo 
do implante dos métodos.




Planeamento familiar, gravidez e aborto 
entre os manjacos e os papéis



Segundo inquérito de 2014,  entre os manjacos, as mães não deixam os filhos fazer o planeamento e, quando aparecem grávidas, não as deixam fazer o aborto, porque é uma prática tradicionalmente interdita ("mandjidu") (...) 



Similaridade em Quinhamel, entre os papéis, onde se testemunhou um grau de liberdade das raparigas em ambientes noturnos e, quando aparecem grávidas, as mães não as exigem, temendo represálias de defuntos e/ou "kansaré". 



Segundo a crença dos papéis, se uma mãe se zangar com a filha grávida, ela não poderá tocar na criança após a nascença, porque representa uma rejeição a priori, o que faz com que as mães tenham que se consentir com a gravidez das filhas. 



Ainda neste mundo animista, segundo um técnico entrevistado em Caió, uma localidade de elevada taxa de prevalência do VIH, os homens desta localidade contraem matrimónio com mais de cinco mulheres, o que se associa a um elevado índice de promiscuidade, sobretudo nas deslocações de mulheres ao Senegal e das oportunidades sexuais que se lhes assistem.



Curandeiros tradicionais, muros, djambacus e balobeiros





Outras experiências demonstram que 
as mulheres casadas em dificuldade de gravidez recorrem sempre aos "murus" ou "djambacus" para receberem tratamentos tradicionais ou ainda as "balobas" de "ferradias",  fazendo pedidos e consequente promessas, em detrimento de aconselhamento e/ou tratamento médico.



Relativamente ao HIV/SIDA, segundo as perceções de alguns técnicos de saúde 
e ativistas de organizações 
que lidam diariamente com esta pandemia, 
uma larga percentagem de pessoas infetadas recusa a existência, considerando-a "tarbeçado", doença de "badjudeça".

De acordo com certas tradições animistas,  a doença é igualmente interpretada como falta de cumprimento de alguns rituais, 
caso de se tornar "djambakus" 
e/ou cerimónia de "rônia iran".


Fonte: Excertos do supracitado relatório. 
Com a devida vénia...

(Continua)

Guiné 61/74 - P20219: (Ex)citações (360): O sucesso do posto de controlo sanitário de Nhacra, ao tempo em que por lá passavam as "trabalhadoras do sexo" de Bissau, em missão patriótica... (José Ferreira da Silva, autor do bestseller "Memórias boas da minha guerra", 3 volumes, Chiado Books, 2016-2018)


Guiné > Região autónoma de Bissau >  Nhacra > c. 1972/74 > Casa do administrador


Guiné > Região autónoma de Bissau > Nhacra > c. 1972/74 > Igreja, escola e campo de futebol

Fotos do álbum de Eduardo Ferreira Campos, ex-1º cabo trms, CCAÇ 4540 )Cumeré, Bigene, Cadique, Cufar e Nhacra, 1972/74)


Fotos (e legendas): © Eduardo Campos (2009). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região autónoma  de Bissau >> 11 de março de 1968 > O alf mil SAM Virgílio Teixeira,   CCS/BCAÇ 1933 ( Nova Lamego e São Domingos, 1967/69),  de motorizada, em Safim, a caminho de Nhacra.


Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Òio > Mansoa > 1968 > CCAÇ 2405 (1968/70) > O Alf Mil Inf Paulo Raposo, membro sénior da nossa Tabanca Grande, junto à placa toponímica que indicava as localidades mais próximas: para oeste e sudoeste, Encheia (a 18 km), Nhacra (a 28 km), Bissau (a 49 km)...; para leste sudeste e nordeste: Porto Gole ( a 28 km), Enxalé (a 50 km), Bambadinca (a 65 km), Bafatá (a 93 km)...

Foto (e legenda): © Paulo Raposo (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. A propósito da nossa "despreocupada sexualidade" em tempo de guerra, segundo uns, ou "miséria sexual", segundo outros,  quando já havia a santa penicilina (desde finais de finais dos anos 40, eficaz no combate às doenças sexualmente transmissíveis), mas ainda ninguém suspeitava da diabólica pandemia do HIV/Sida que se haveria de abater sobre o primata do "homo sapiens sapiens" nos cinco continentes (a partir dos anos 80), já  aqui foram evocados ou chamados a capítulo  dois dos nossos mais talentosos contadores de histórias, o "alfero Cabral", mais "softcore", e o Zé Ferreira, mais "hardcore"... 

O Cabral é incapaz de dizer uma asneira, uma palavrão, uma indecência (*), o Zé Ferreira chama os "bois pelos cornos", como nós chamávamos naquele tempo, em que tínhamos testosterona para dar e vender...Enfim, idade ideal para matar e morrer... Não é por acaso que nos chamavam para a tropa nessa idade...Mas também era um tempo em que a hipocrisia social havia feito do sexo um tabu.

Hoje cabe a vez de "repescar" uma das "memórias boas da minha guerra",aqui já publicadas há mais de dois anos (**), mas também já passadas para livro: e já vão três, os volumes com a assinatura do José Ferreira da Silva, sob a chancela da Chiado Books. (***)




2. Memórias boas da minha guerra > Controlo sanitário (**)

por José Ferreira



Todos os rapazes do meu tempo sabem bem do perigo que se corria quando se procurava uma relação sexual com uma das “badalhocas” que proliferavam nos arrabaldes do Porto e de Gaia. Dizia-se, até, que as prostitutas “mais limpas” eram as “meninas” da baixa do Porto, porque eram submetidas a um rigoroso controlo sanitário, uma “modernice” imposta pelo regime de Salazar.

José Ferreira 
da Silva
É claro que as relações amorosas surgiam por todo o lado. Não havia santa terrinha que não exibisse (ou ocultasse) enredos dignos da pena de um Camilo Castelo Branco. Ora, os resultados apareciam como cogumelos no pinhal, umas vezes com as gravidezes involuntárias e outras com os inesperados “esquentamentos”. Tudo fruta da época.
Enfim, tudo normal. Porém, por vezes, surgiam alguns rumores de que o Senhor Fulano de Tal, também andava “esquentado”, devido a descuidos da sua bela e fidelíssima amante. Mas isso era abafado e rapidamente esquecido, por falta de testemunhos credíveis e por alguns receios de represália. Quando muito, e para se salvaguardar situação social tão melindrosa, fazia-se a alusão aos lugares públicos, onde possivelmente se sentara, sem a protecção do lencinho estendido debaixo do rabo.

Esta juventude foi mobilizada para defender patrioticamente as nossas Províncias Ultramarinas. Influenciada pelos princípios patrióticos incutidos desde a instrução primária, ela aparece, assim, repentinamente, relacionada com os nativos. 


Os “turras”, no interior, que, em termos de guerra subversiva, dominavam as populações, levavam as jovens e deixavam as crianças e as velhas para as proteger. Raramente ficava alguma mulher adulta para apoio a essas pessoas mais fragilizadas. As mulheres que mais se viam, eram as da tropa milícia, que combatia ao nosso lado.

Isto quer dizer simplesmente que a actividade de prostituição, fora de Bissau, era quase nula, apesar dos apetites sexuais de tanta e tão potente clientela.

Pergunta-se:
- E como é que a malta se “safava”?

Os portugueses sempre foram conhecidos pelo seu primor no desenrascanço. Aqui, como manda a sua educação católica, cada um teria que se confessar dos seus pecados contra a castidade e de um ou outro caso de relação furtiva, por vezes não muito correcta. Estou a lembrar-me do caso do Fafe que apareceu na enfermaria “à rasca da piça”, porque uma jovem adolescente o havia masturbado, não tendo lavado as mãos, que estavam impregnadas de piripiri.

Por altura dos princípios dos anos 70, com a evolução da guerra, foram aumentados os contingentes militares, a par de outras consequentes movimentações. Uma delas, foi o aparecimento de prostitutas brancas, na cidade de Bissau. No bar Mon Ami já “trabalhavam” regularmente. 


Tal como no Texas, nos tempos da corrida ao ouro, essas profissionais carregadas de ambição, tudo arriscavam pelo dinheiro fácil obtido no “negócio das carnes”. Agora, na procura de clientes do interior, deslocavam-se de táxi e de outros meios de transporte (até onde as novas e poucas estradas alcatroadas o permitiam), saindo, assim, de Bissau, rumo a norte… com regressos rápidos e seguros.

Fora de Bissau, elas passavam por controlos militares. Na zona de Nhacra, esse movimento era cada vez mais notório. Perante essa situação, os militares locais viam-nas passar, a caminho da satisfação dos outros camaradas, deixando-os chateados porque também queriam usufruir desse “serviço”. 


Foi então que o Maia, mais o Seixas, assumiram a liderança reivindicativa dos “justos direitos” e foram interpelar o comandante do destacamento, o Alferes Bastos:
- Meu Alferes, nós também queremos foder. Estamos a deixá-las passar e …ficamos “a ver navios”. E quando lhes dizemos qualquer coisa, elas mandam-nos ir a Bissau, que é perto. Aqui o Seixas, há dias, ainda conseguiu, disfarçadamente, dar-lhes umas apalpadelas, com o pretexto de ter que fazer “controlo de armas”, mas uma mulata quis “assapar-lhe” o pelo.

O Alferes, que também já se apercebera dessa movimentação, e que até já fora mimoseado por reconhecimento dessa sua autoridade local, em visita ao Mon Ami, acalmou-os e disse que ia pensar no assunto.

À noite, com os Furriéis, enquanto bebiam umas cervejas, a conversa versava o assunto da prostituição versus “necessidades fisiológicas” da nossa tropa. O Furriel Moura aproveitou para demonstrar os seus conhecimentos nessa matéria, dando como exemplo o que se se passava no Vietname. Falou do grande número de prostitutas que quase chegava a rivalizar com os 500 mil militares. Ao contrário da nossa situação na Guiné, aos americanos “não faltava onde despejar os tomates”. 


Mesmo assim, lembrou o facto de grandes artistas americanos visitarem periodicamente as tropas, moralizando-as e mantendo-as racionalmente ligadas ao seu mundo de origem. Lembrou a Raquel Welch e a Joan Collins. Esta, que sendo capa da Playboy, foi pessoalmente entregar exemplares da tiragem dos 7 milhões dessa edição recorde. A Playboy subira de tiragem desmesuradamente, graças à sua procura no seio das forças armadas.

Por sua vez, o Alferes Bastos referiu um facto curioso, também relacionado com o Vietname. Dizia que numa determinada zona, ocupada por cerca de 20.000 militares, se haviam desenvolvido doenças venéreas com tal gravidade que, por precaução sanitária, os militares foram impedidos de se deslocarem à cidade mais próxima, o que provocou nocivos reflexos psicológicos, sociológicos e económicos. 


Então, o chefe dessa região teve uma ideia brilhante. Em parceria com as autoridades militares, fundou um enorme bordel, conhecido por “Disneyland Oriental”, que consistia essencialmente numa zona de 10 hectares, devidamente cercada, implantada com 40 quartos/casa dispersos, para satisfação sexual dos visitantes. E, em simultâneo, foram admitidas, identificadas e controladas as prostitutas, bem como o desenvolvimento de condições de tratamento aos infectados, tudo integrado num adequado serviço de controlo e apoio sanitário.

Porém, é sabido que, apesar do grande esforço médico, apoiado em carradas de “Penicilina” e “Penisulfadê”, o drama causado pelas doenças venéreas foi dos piores inimigos enfrentados pelos militares. Fala-se muito de suicídios de militares, incapacitados sexualmente, na hora do regresso do Vietname, mas, nós sabemos que isso também acontecia entre os nossos combatentes da Guiné. E muitos dos afectados optaram por ficar por lá.

Da conversa, voltou-se à análise da nossa situação e à nossa real dimensão. Momentaneamente, o que mais preocupava estes graduados era o aproveitamento do movimento “putéfio” para resolver a satisfação sexual da tropa do seu destacamento. E foi assim que com mais cerveja ou menos conversa, o Alferes determinou democraticamente, sem qualquer votação, contestação ou parecer superior, que ali também seria criado um serviço contínuo de Controlo Sanitário. A partir de agora, todas as mulheres, supostamente prostitutas, que ali passassem para exercício do seu métier em outras zonas, teriam que ser submetidas a exame prévio. 


Desta forma, se daria a oportunidade dos nossos militares, agora habilitados ao uso de bata branca, poderem, alternadamente, usufruir de (e cobrar) contactos seguramente mais agradáveis.

Uns dias depois, perante as novas valências do Controlo Militar e o enorme entusiasmo criado, o Alferes Bastos foi obrigado a aprovar uma rigorosa escala de serviço na Enfermaria, por via do Controlo Sanitário de mulheres, em trânsito, a caminho do norte.


_____________

Notas do editor:

(**) Vd. poste de 6 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17146: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (27): Controlo sanitário


(***) O autor não precisa de apresentações... Mas, para os que chegaram só agora à Tabanca Grande, podem a ficar a saber o seguinte sobre ele:
José Ferreira da Silva:

- Nasceu em 1943, no concelho da Feira.

– Aos 10 anos de idade começou a trabalhar no sector corticeiro.

– Fez os estudos liceais e outros através de ensino particular.

– Durante o serviço militar, esteve nas seguintes unidades: Escola Prática de Cavalaria – Santarém Set/Dez 1965;  Escola Prática de Artilharia – Vendas Novas,  Jan/ Março 1966; GACA 3 – Espinho,  Abr/Set 1966;   CIOE (Rangers) – Lamego,   Set/Dez 1966; RAP 2 – V. N. Gaia, Jan/Fev 1967

– Partiu para a Guiné no Navio Uíge em 26 de Abril de 1967, integrado na CART 1689 do BART 1913. Chegado a Bissau, a CART 1689 saiu do Uíge directamente para barcaças rumo a Bambadinca, subindo o Rio Geba.

– A CART 1689 esteve colocada em Fá Mandinga, Catió, Gandembel, Cabedu, Dunane, Canquelifá e Bissau. Com Companhia de Intervenção, a CART 1689 actuou em mais de metade do território do CTIG, vindo a ser premiada com a Flâmula de Honra em Ouro do CTIG, o mais alto galardão atribuído a companhias operacionais.

– Regressou da Guiné, chegada a V. N. Gaia em 09 de Março de 1969.

– Começou a trabalhar como Comercial no ramo de Tintas e Vernizes, mas logo seguiu para Angola, terra de seus sonhos.

– Trabalhou na secção de Contabilidade da Câmara Municipal de Cabinda.

– Regressado de férias, em 1974, demitiu-se da C.M. Cabinda e foi viver para Crestuma, Vila Nova de Gaia, terra natal de sua Mulher.

– De 1975 a 1985, trabalhou numa empresa de fundição, como Director de Serviços.

– De regresso ao sector corticeiro, trabalhou como Director Comercial, vindo a criar uma pequena empresa direccionada para o apoio ao engarrafador.

– Como amante do desporto e do associativismo, ajudou à criação e desenvolvimento de vários clubes e associações desportivas, cultura, solidariedade e recreio.

– Praticou Canoagem, chefiou a Federação Portuguesa de Canoagem,   é Sócio Honorário, por aclamação, da F. P. Canoagem.

– Foi reconhecido pela Comunicação Social como Presidente do Ano, mais que uma vez; também foi homenageado em Espanha.; foi galardoado como Personalidade Desportiva do Século XX (como foram Eusébio, Joaquim Agostinho, Moniz Pereira e outros ilustres desportistas).

sábado, 5 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20207: (Ex)citações (359): Uma noite nos braços de Vénus, três semanas por conta de Mercúrio... Relembrando o fino humor do "alfero Cabral"...


Guiné > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > "Cinco séculos de história te contemplam!", terá proclamado o "alfero Cabral", perante o anónimo e estupefacto fotógrafo...  Em tronco, nu, o "alfero Cabral", é o segundo a contar da esquerda para a direita, na segunda fila... De pé, e sem cachimbo...

A foto chegou clandestinamente à metrópole. E faz parte hoje do precioso álbum fotográfico do Jorge Cabral, ex-brilhante advogado e  melhor criminalista, reformado, depois que o senhorio lhe aumentou a renda  do escritório  de 400 para 6 mil euros... É uma das milhares de vítimas da "gentrificação" de Lisboa... O país, depois de perder o Império, está em vias de perder a cabeça, isto é, a capital do ex-Império...

Foto:  ©: Jorge Cabral  (2013). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


1. Em matérias como as "doenças sexualmente transmissíveis" (ou, como diria o nosso grande médico do séc. XVIII, Sanches Ribeiro, de Penamacor, "males de amores"), temos aqui, na Tabanca Grande, alguns catedráticos, do José Ferreira ao "alfero Cabral"... São peritos em falar de "esquentamentos" (sic), com elegância, elevação de espírito, competência, devoção,  imaginação, didatismo, profissionalismo e,  sobretudo, com muito fino humor, que é coisa que às vezes nos faz falta..., muita falta.

A propósito do tema, ainda hoje, volvido mais de meio século, do fim da guerra e da mobilização de um milhão de  homens para os vários de teatros de operações no longínquo ultramar, temos as mais diversas opiniões e reações dos ex-combatentes quando se fala dos "ditos cujos"... Convenhamos que, em tratando-se de maleitas nas "partes baixas",  não é de boa educação falar delas em público, para mais num blogue que é lido por toda a gente, lá em  casa, da avó ao neto (*).

Para amenizar as leituras neste dia de feriado (em que se comemora o fim de 700 anos da nossa gloriosa monarquia), nada como ir desencantar algumas das "estórias cabralianas" que, em tempos idos, alegraram as noites de tédio da Tabanca Grande, há dez anos atrás!... E eu proponho esta, as "Trompas de Falópio" que, traduzido em crioulo de Fá Mandinga e Missirá, queriam  dizer "Trombas do Lopes" (**)... 

O "alfero Cabral" e os seus rapazes do Pel Caç Nat 63, do Nanque ao Lopes,  são figuras impagáveis que já ficaram gravadas na memória dos últimos soldados do Império...



Estórias cabralianas: as Trombas do Lopes


por Jorge Cabral


O Amoroso Bando das Quatro (***) deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. 

Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse.

Só então o Alfero ficou preocupado. Ora se nos mandam agora numa operação! Que vergonha! Avançaremos de pernas abertas como se fossemos da Cavalaria no tempo dos cavalos?

Mas como é que a moléstia teria chegado aos Africanos? Mesmo sem poder contar com o investigador Nanque que continuava preso em Bambadinca, o Alfero acabou por descobrir. Reconstituída a noite do Amor, constatou que as damas se tinham ausentado durante meia hora para comer. Fora, então.

E quem? Óbvio suspeito, Preto Turbado, soldado Bijagó, de quem se dizia, que às vezes aliviava os maridos fulas do débito conjugal. Chamado, confessou. Naquela noite oferecera às visitantes a bianda, e à sobremesa... acontecera. Depois contagiara algumas das mulheres dos militares, as quais por sua vez, contaminaram os fidelíssimos maridos...

O assunto era grave. Que fazer perante aquela verdadeira pandemia? Como tratar as mulheres e ao mesmo tempo dissipar as dúvidas sobre o seu comportamento sexual?
Naquele tempo e para aquele Alfero, tudo era possível. Resolveu reunir todos os africanos, soldados, milícias e respectivas mulheres, proibindo os brancos de assistirem, com uma única excepção – o enfermeiro Alpiarça.

E a todos, pregou o mais absurdo discurso da sua vida. Ainda hoje se lembra dos olhos esbugalhados do Alpiarça... Falou de gonococos trazidos pelo vento, das infecções do útero e das trompas de Falópio... Tratamento imediato, frisou, e nada de mezinhas. Claro que perceberam muito pouco, mas ficou com a certeza que no futuro se protegeriam do vento Blenorrágico...

Na semana seguinte, encontrava-se no bar de oficiais em Bambadinca. Conversava e bebia o seu quarto uísque, quando o foram chamar para ir ao Posto de Socorros. Lá foi. Médico, Furriel e Cabo rodeavam um casal de Missirá, o milícia Suma Jau e a mulher. Não os percebiam. Eles queixavam-se das... “Trombas do Lopes”.

O Alfero ouviu e muito sério informou:
- É fula, quer dizer, esquentamento.

Parece que o Furriel apontou no seu caderno de sinónimos...

_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 1 de outubro de  2019 > Guiné 61/74 - P20195: (Ex)citações (358): Fernando Calado, camarada de Bambadinca, gostei de ler o teu poste... Também eu escrevia cartas diárias, com muitas páginas, para a minha namorada... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)


(***) Vd. poste de 24 de abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1696: Estórias cabralianas (21): O Amoroso Bando das Quatro em Missirá (Jorge Cabral)

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Guiné 61/74 - P20199: Controvérsias (139): As doenças sexualmente transmíveis: profilaxia e tratamento... Recordando o nosso saudoso camarada Armandino Alves (!944-2014), ex-1º cabo aux enf, CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68)



Capa de uma brochura sobre higiene sexual, sem data [, 1954?],  publicada pela Direcção do Serviço de Saúde Militar, e com destino  essencialmente às praças do exército.

Reproduzida, com a devida vénia, da página da CCAÇ 3387, Escorpiões (Angola, 1971/73), mobilizada pelo RI 2  (Abrantes). bem como o excerto, abaixo ("ligeiros conselhos de higiene sexual").

Os nossos especiais agradecimentos ao Mário Ferreira da Silva, de Cacia, que criou e alimenta esta página, e a quem damos os nossos parabéns: era 1º cabo padeiro.



1. O documento aqui reproduzido é antecedido de uma pequena nota introdutória, da responsabilidade do editor da página da CCAÇ 3387:

Numa época em que um homem ainda podia ter relações sexuais sem o risco de apanhar doenças incuráveis, para as quais ainda não há qualquer hipótese de tratamento à vista [, referência  ao HIV/SIDA], o exército português, na segunda metade do século XIX [ou XX ?], tinha não apenas o cuidado de efectuar acções de sensibilização para os problemas das doenças venéreas, como também distribuía frequentemente documentação escrita, em forma de pequenas publicações num formato A5, na esperança de que os militares a lessem.

Volvidos mais de 30 anos após o término de um período em que os nossos homens eram obrigados a férias forçadas por terras distantes [, referência à guerra colonial],  vão-nos chegando verdadeiras relíquias documentais, que aqui arquivamos e damos a conhecer, após a devida conversão para um formato electrónico.

O presente documento é uma publicação da Direcção do Serviço de Saúde Militar, rigorosamente transcrito e do qual reproduzimos apenas a capa da publicação, num formato A5, tal como anteriormente dissemos.

O citado documento foi inserido em 1/7/2009, na página da CCAÇ 3387-


DIRECÇÃO DO SERVIÇO DE SAÚDE MILITAR

LIGEIROS CONSELHOS DE HIGIENE SEXUAL


Segundo pesquisa que fizemos na Porbase - Base Nacional de Dados Bibliográficos, esta brochura ou folheto,  de 2 folhas, data de 1954: 

Título Profilaxia das doenças venéreas no Exército: ligeiros conselhos de higiene sexual
Publicação: [S.l. : s.n.], 1954 ( Lisboa:  Tip. Pap. Fernandes)
Descrição física: 2 fl; 11 cm.


De qualquer modo é de registar que o exército (ou o seu serviço de saúde militar), nessa época já distante, sete anos antes do início da guerra colonial,  era muito mais pragmático e muito menos hipócrita, em matéria de prevenção  e tratamento das doenças sexualmente transmissíveis  do que a generalidade das outras instituições da sociedade portuguesa da época...

Recorde-se que a  ilegalização da prostituição e das casas de passe (ou de tolerância, ou casas toleradas, como a famosa Casa da Mariquinhas), com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1963, foi feita pelo Decreto-Lei nº. 44579, de 19 de setembro de 1962, emanado dos Ministérios do Interior e da Saúde e Assistência, do Governo de Salazar (**).

Claro que o documento não deixa de ser misógino, diabolizando a  prostituição feminina... O médico miitar, qie terá redigido os conselhos, esqueceu-se de acrescentar que em todos os tempo a prostituição segue a tropa... Muitas mulheres que trabalhavam nas casas depasse, em 1963, terão emigrado para Angola (**)...


LEMBRA-TE:

– Que depois de teres contacto sexual com mulher é obrigatório procurares o posto antivenéreo  [PAV] da tua unidade; e deves procurá-lo dentro de 3 horas, o máximo, depois desse contacto, para tirares resultado;

– Que tens no PAV a garantia da tua saúde; e sabes que a tua saúde é o melhor capital de que dispões;


– E que, não procurando o PAV, não te desinfectando, arruínas a tua saúde para sempre, contraindo doença venérea; e depois levas para casa mal ruim que pegarás à tua mulher e que transmites a teus filhos.


FICA SABENDO:

– Que essas doenças venéreas são a blenorragia (corrimento de pus pela uretra) e que aparece alguns dias depois do contacto sexual;

– As feridas no pénis e órgãos genitais e até na boca e no ânus (cavalos duros) podem aparecer só passadas algumas semanas, e que muitas vezes se não dá pelo aparecimento, porque podem não doer; e há outras fendas no pénis (cavalos moles) que dão muitas vezes inchaços nas virilhas (as mulas).


TOMA CUIDADO:

– Com as mulheres que se dizem muito sérias e saudáveis e em geral são mais perigosas do que as outras. E procura não ter relações sexuais com mulher que tenha feridas, caroços nas virilhas ou no pescoço, rouquidão, aftas, purgação ou qualquer corrimento, que tenha as roupas manchadas, ainda que para isso te dê qualquer desculpa e que diga não ter isso importância alguma.


PROCURA:

– Fazer uma completa e boa desinfecção e para isso segue as regras que estão afixadas no PAV e assim:

– Urina com força (pois que, urinando, fazes uma boa lavagem da uretra) e baixando as roupas convenientemente utiliza o mictório,  cavalgando com a face voltada para a parede e ensaboa, com o sabão desinfectante, durante um minuto, tudo o que esteve em contacto com as partes genitais da mulher, lava bem tudo com bastante água e, a seguir, repete a lavagem com mais sabão e durante 2 a 3 minutos.

ATENÇÃO:

– Nunca te fies na experiência apregoada das praças velhas e procura sempre o PAV, nunca te esquecendo que o tens de fazer dentro de 3 horas, o máximo, pois que, mais tarde, a desinfecção já não tem efeito; e mais, sempre que tenhas qualquer suspeita de doença venérea, consulta sempre o médico da tua unidade.


[Revisão / fixação de texto para efeitos de edição no blogue: LG]


2. O nosso saudoso camarada, do Porto,  Armandino Alves (1944-2014),  ex-1º Cabo Auxiliar de Enfermagem, CCAÇ 1589 (, Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68)  (*), escreveu a propósito deste documento o seguinte em 2009 (**)

(...) "Recebi o o teu e-mail e fiquei admirado com a existência do referido Livro. Nem na recruta nem no Ultramar foi distribuído tal livro ao serviço de saúde para ser entregue aos militares .

Mas pelo que depreendo deve ter sido para a Guerra de 1940/45 [, o documento é posterior, é de 1954]. E digo isto porque em 1960 [, mais exatamente em 1963] Salazar acabou com a prostituição. Isto diziam eles. Como deves saber até essa data havia as chamadas casas de tia e vários cafés especializados nisso (no Porto havia o Derby, o Royal, o Moderno e o Portuense onde elas estavam sentadas nas mesas e era só escolher)." (...)


E acrescentava sobre as práticas sanitárias da época:

(...) "Nessa altura elas possuíam um livrinho, tipo Boletim de Vacinas, onde era anotado pelo Médico o estado delas. Se fossem apanhadas pela Polícia com o livrinho com a inspecção fora da validade dava 3 anos de cadeia. No Porto essas inspecções eram feitas num anexo nas traseiras da Biblioteca Municipal do Porto .

"Ora como na teoria tinha acabado a prostituição para quê mandar editar esses opúsculos ?" (...)

E focando-se no seu tempo, enquanto militar:

(...) "A verdade é que o que existia nos postos médicos das unidades (e nem em todos) era umas caixinhas com umas bisnagas com um produto que eu nem me lembro do nome, que o soldado solicitava quando queria ir às putas, mas tinha que se anotar o nome, dia e hora a que era solicitado. Claro que ninguém ia buscar o dito tubinho.

"E foi assim que, quando a minha Companhia regressou do mato a Bissau e os soldados se sentiram livres, apareceu-me passados dias em vários soldados os sintomas da blenorragia.

Ora isto tinha que ser comunicado ao Médico que por sua vez informava o Comando da Companhia que por sua vez agraciava o infractor com cinco dias de detenção. Ora detidos já tinhamos estado nós no mato durante um ano e, como eu já sabia que o médico ia receitar Penicilina na dose mais forte, foi o tratamento que eu lhes prescrevi e para estarem na enfermaria a X horas para ser eu a aplicar as referidas injecções. Só que para meu azar um dos atingidos, por motivos de serviço não pôde estar no horário previsto e foi ter com o Cabo Enfermeiro de Dia para que lhe desse a injecção. Como ele não sabia de nada,  comunicou ao Médico,  que comunicou ao meu Comandante e este chamou o soldado que lhe disse que tinha sido eu que o mediquei.

Claro que fui chamado ao Comandante que me ameaçou com os referidos 5 dias de detenção. Eu então perguntei-lhe se fosse no mato o tratamento era o mesmo... Felizmente o Comandante, atendendo aos bons serviços prestados durante toda a Comissão, rasgou a participação do Médico e ficou tudo em águas de bacalhau."

E concluindo:

(...) "O que as brochuras dizem não é bem o que se passa no terreno a nível prático. A gente vai-se desenrascando conforme pode e sabe e isso às vezes salvava vidas." (***)

___________________