sábado, 8 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19871: Os nossos seres, saberes e lazeres (331): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Janeiro de 2019:

Queridos amigos,
Final de viagem mais feliz não podia ter acontecido, com a visita a Burford e a Kelmscott Manor, no coração das Cotswolds.
A cidadezinha de Burford é cativante, aprazível e oferece ao visitante uma igreja de alto valor arquitetónico e artístico. A casa de Verão desse artista genial que foi William Morris guarda a essência da sua presença, ele chamava a Kelmscott o paraíso na terra, era uma casa de férias onde ele trabalhou afanosamente, aqui se viveu o seu drama amoroso quando um dos seus maiores amigos, Dante Rossetti se apaixonou pela sua mulher - coisas do romantismo ou sofrimentos de pré-rafaelita.
Foram dias maravilhosos e o pretexto era um casamento. Convém não esquecer que a viagem nunca acaba desde que o viandante mantenha acesa essa luminária que dá pelo nome de curiosidade, uma prima direita do entusiasmo, ou vice-versa.

Um abraço do
Mário


No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (8)

Beja Santos

Pega-se numa brochurinha à entrada da igreja, logo assomam os encómios: “Galardoada com cinco estrelas por Sir Simon Jenkins no seu livro ‘As Mil Melhores Igrejas de Inglaterra’, a Igreja de Burford combina beleza e complexidade arquitetónica com uma história fascinante. A metade inferior da torre e a parede oeste foram construídas à volta de 1170, a igreja foi ampliada por fases até ficar concluída com a colocação do pináculo em 1475. É tida por muitos como o coração palpitante das igrejas paroquiais de Cotswolds”.



A igreja merece uma visita demorada, tal a riqueza dos vitrais, os elementos das capelas, os monumentos, o esplendor do transepto sul, os túmulos, a porta normanda.




Este é o monumento funerário Tanfield, estão aqui sepultados Sir Lawrence e Lady Elizabeth Tanfield. Terão sido profundamente odiados, o povo queimou as suas efígies, no entanto os Tanfield ensaiaram ficar para a eternidade, não foram pecos a gastar dinheiro em tumbas esplenderosas.




Deambula-se pela igreja e os vitrais são omnipresentes. Atenção, nem tudo é medieval, no transepto sul há um famoso vitral de Artes e Ofícios executado por Cristopher Whall. Se o leitor tiver a feliz ideia de aqui vir, só se espera que tenha mais sorte que o viandante, que apanhe um dia ensolarado para captar o esplendor da nave, a imponência dos monumentos, a riqueza das capelas, a imponência do púlpito, tudo merece uma visita demorada, será compensado pelo esplendor de um monumento gótico que foi retocado até ao século XIX. Teve a felicidade de conhecer intervenções cuidadosas e oportunas. Concluída a visita, viandante e companha aceleram o passo, o último destino deixa-os aguados, é Kelmscott Manor, construída no início do século XVII, alvo de sucessivas intervenções até que em 1871 um dos nomes sonantes da Arte britânica, William Morris, foi por ela seduzido, dizia que Kelmscott era o Paraíso na Terra.






Recomenda-se a todos os visitantes que beneficiem da beleza dos jardins e contemplem o exterior com detalhe. O interior da casa guarda a personalidade do seu proprietário e há recordações de um dos seus maiores amigos, o artista e poeta Dante Gabriel Rossetti. A mansão merece ser saboreada em todo o primeiro andar, aqui se situavam os quartos e o estúdio de Rossetti, o rés-do-chão conserva a sala de jantar e espaços pitorescos que nos fazem sentir numa atmosfera do génio pré-rafaelita. Na loja, o viandante sente-se tentado pelos livros e tecidos, controla-se com dificuldade, alivia a consciência pois guarda nas suas estantes dados fundamentais sobre este génio e o seu laborioso trabalho. No fundo, estes pré-rafaelitas são arautos da Arte Nova. E o legado de Morris jamais se perderá, é uma segura referência para as Artes Plásticas e para as Artes Decorativas de todos os tempos.



Aqui acaba a viagem que teve como pretexto um casamento em Fairford, uma semana de felicidade, e o viandante estava tão feliz que desejou desde a primeira hora partilhar estes tempos tão vibrantes com todos os seus amigos. Faz-se agora uma pausa, o viajante já desenhou a próxima viagem, é o eterno regresso à Bélgica.
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Notas do editor:

Poste anterior de 1 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19846: Os nossos seres, saberes e lazeres (329): No condado de Oxford, a pretexto de um casamento em Fairford (7) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 5 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19861: Os nossos seres, saberes e lazeres (330): Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983" (António Graça de Abreu) - Parte IX: Huhehot, Mongólia Interior, 10 de Julho de 1981: visita ao túmulo de uma das mais belas e famosas mulheres da China clássica, Wang Zhaojun (76 a.C.-33 a.C.)

Guiné 61/74 - P19870: Parabéns a você (1634): Antero Santos, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 3566 e CCAÇ 18 (Guiné, 1972/74) e João Gabriel Sacôto, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 617 (Guiné, 1964/66)


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Nota do editor

Último poste da série de 7 de Junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19865: Parabéns a você (1633): Ernesto Marques, ex-Soldado TRMS Inf da CCAÇ 3306 (Guiné, 1971/73)

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Guiné 61/74 - P19869: Notas de leitura (1184): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (9) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Fevereiro de 2019:

Queridos amigos,
Chegou a hora do bardo invocar a primeira perda do BCAV 490, o que nos remete para lembranças dolorosas e poderosos textos em que a literatura de guerra é fértil. A nossa memória esvoaça para aqueles acidentes estúpidos de viaturas, de afogamentos, saltamos para teatros de operações onde o apontador de dilagrama se enganou no cartuxo e só não morreu por acaso, jaz a nossos pés como um Cristo a descer da Cruz. Por acidente ou combate, é uma perda. E decidi-me remexer nessa obra-prima que é o "Nó Cego", de Carlos Vale Ferraz para bater à porta do horror.

Um abraço do
Mário


Missão cumprida… e a que vamos cumprindo (9)

Beja Santos

“Quando veio do Continente

Quando veio do Continente
trouxe o destino marcado.
A 28 de Agosto
morreu num tronco estampado.

Quem lhe havia de dizer,
quando de lá abalou,
quando seus pais abraçou
que os não tornava a ver.
Neste sítio veio morrer,
numa morte tão de repente.
Deixou pena a muita gente
e à sua família querida.
Trazia a sina já lida,
quando veio do continente.

Conduzindo uma viatura,
no dia 28 a certa hora
saiu da estrada fora
onde teve a desventura.
Ali teve a morte escura
este pobre malfadado.
Em Bissau foi sepultado.
Tão longe da sua terra,
morreu sem lutar na guerra,
trouxe o destino marcado.

A morrer foi o primeiro
cá do nosso Batalhão,
a todos deixou paixão
este amigo e companheiro;
esse soldado solteiro
andava sempre bem disposto.
Sua mãe já não vê o rosto
do filho que tanto amou
porque numa árvore se estampou a 28 de Agosto.

Pois ele vinha a guiar
ao lado um superior.
Foi ele quem viu o condutor
com a morte labutar.
O Furriel não pôde salvar
o rapaz por ele estimado.
Já não mais se pôs ao lado
de António Silva Pereira,
porque na maldita 4.ª-feira
morreu num tronco estampado.”

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É por demais sabido que a mina ou emboscada, a troca de tiros numa operação, o descabelado acidente pesam mais na memória, quando é a primeira vez. E a literatura da guerra está pejada destes momentos infaustos, obrigatório é contá-los, fazem parte do narrador, é um dever não o obliterar, na narrativa devem constar todos os ingredientes, a dor própria e a dor alheia, o acabrunhamento que se instala nos circunstantes. E assim se chega a um romance maior, "Nó Cego", por Carlos Vale Ferraz, começa-se por um episódio relacionado com a primeira operação de uma Companhia de Comandos:
“O jovem comandante da Companhia, seco de carnes e de rosto de feições regulares, inspirava confiança, apesar de ser quase da mesma idade dos homens que comandava. Mantinha uma distância de reserva entre si e eles que alguns confundiam com arrogância. Deu as ordens com voz calma, como se estivesse ainda em exercício de preparação e só depois se aproximou do soldado ferido deitado sobre um pano de tenda.
O Pedro, que ele escolhera pessoalmente para número um do primeiro Grupo, era o primeiro ferido da sua Companhia. Um dos pés estava transformado numa massa de formas irregulares onde se misturava o coiro preto da bota com a terra castanha empapada em sangue, e de onde emergiam tendões brancos desligados dos ossos.
À vista deste espectáculo empalideceu. Não conseguiu evitar esse sinal de fraqueza. Sentou-se a observar os gestos do enfermeiro: primeiro, uma injecção de morfina, depois, apertar o garrote para estancar o sangue, de seguida, uma injecção de vitamina K para facilitar a coagulação e, por fim, os movimentos tensos de limpar o melhor possível a pasta avermelhada antes de a envolver num penso.
Depois de acabar o penso que envolvia o que restava do que fora o pé do soldado Pedro, o enfermeiro arrumou a bolsa dos primeiros socorros, enterrou os novelos de algodão ensanguentados, as gazes sujas e as ampolas vazias, para o inimigo não saber que um soldado fora ferido, e preparava-se para se sentar um pouco mais longe.

- Fica aí perto, ele está a recuperar – mandou o capitão ao enfermeiro.

Vindos de muito longe, chegaram ao soldado Pedro a voz e o rosto do capitão. Lentamente começou a ver as folhas brilharem ao sol, a ouvir um zumbido na cabeça. Tentou mexer os dedos das mãos, dobrou as pernas. Parecia estar inteiro. Ele era ribatejano e tinha sido forcado amador. Sentia-se como depois de uma pega de caras: dorido, mas completo, quando muito, com alguma coisa fora do lugar.
- Não me dói, meu capitão, só tenho sede.
- É assim mesmo, vamos mandar vir um helicóptero para a evacuação, vais ver que ficas bom – disse-lhe enquanto lhe dava água.
Só então o Pedro olhou para a extremidade da perna e viu a bola branca a tingir-se de vermelho, as ligaduras ensopadas em sangue. Mas sentia o pé lá em baixo, até podia mexer os dedos!”.


Esta Companhia de Comandos, destinada a ir ao assalto de santuários da Frelimo, viverá horas de horror, aqui se deixa alguns parágrafos dispersos de uma escrita universal sobre os nossos trabalhos africanos, uma lembrança intemporal para as dores que qualquer combatente tem pouca vontade de transmitir:
“Os homens moveram-se sem necessidade de ordens. Ligaram os cabos dos guinchos de reboque ao casco e à torre da autometralhadora para libertarem do interior do blindado o corpo meio esmagado do furriel do Esquadrão de Cavalaria a escorrer sangue e espuma da boca. Desceram-no, desarticulado, da velha lata para os braços do enorme soldado Bento, que pegou nele ao colo como a um menino.
Deitou-o docemente à sombra de um arbusto compondo-lhe os membros. A cara de criança em corpo de gigante do soldado dos Comandos enfrentou a do outro, com a face branca da morte, sem acreditar que já não estivesse vivo. O gigante Bento, que mal cabia na farda camuflada, voltou pelo mesmo caminho na sua passada de urso cansado, com a espingarda, que parecia um brinquedo, pendurada às costas, à espera de o mandarem fazer mais algum serviço.

- O apontador da metralhadora também está morto, esmagado pela torre que saiu dos encaixes. O condutor é que não sei, não se pode passar para o seu lugar – explicou um dos que tentavam enfiar-se dentro da Fox. – Pelo menos os pés devem estar desfeitos…
- Para já é preciso tirar este caixão com rodas daqui para podermos continuar.”

E despedimo-nos com outra água-forte deste notabilíssimo romance, o fim do desventurado Casal Ventoso:
“No rescaldo, ainda com o coração a saltar debaixo da pele os homens correram para ele, para amparar o Casal Ventoso. O capitão, o Cardoso, o Lencastre, o Lino, o Torrão, o Transmissões, chegaram perto do soldado criado no maior barro de lata de Lisboa.
O Lencastre foi o primeiro a levar a mão ao nariz e a engolir um vómito seco, mas os outros também não conseguiram reprimir um gesto de repulsa quando encararam a barriga aberta do Casal Ventoso e viram as volutas azuladas dos intestinos a engrossarem viscosas entre os dedos ensanguentados. O Casal Ventoso espalhava diante deles o que todos temos trazido escondido no nosso interior, e sentiram as pernas fraquejar à vista do repugnante espectáculo das vísceras que nos fazem idênticos aos animais de talho. Agoniaram-se com o cheiro das fezes soltas e escorrerem pelo camuflado roto”.

(continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 31 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19844: Notas de leitura (1182): Missão cumprida… e a que vamos cumprindo, história do BCAV 490 em verso, por Santos Andrade (8) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 3 de junho de 2019 > Guiné 61/74 - P19853: Notas de leitura (1183): "Entre o Paraíso e o Inferno (De Fá a Bissá)", por Abel de Jesus Carreira Rei; edição de autor, 2002 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P19868: Convívios (901): XXXIV Encontro Anual da CART 3494 (Xime e Mansambo, 1971/74): Carapinheira, Montemor-o-Velho, 1 de junho de 2019 (Jorge Araújo)


Foto de família dos ex-combatentes da CART 3494 que compareceram no Castelo de Montemor-o-Velho, antes da partida para Carapinheira.



COMPANHIA DE ARTILHARIA 3494 (CART 3494)  (Xime-Enxalé-Mansambo-Ponte do Rio Udunduma, 1971/1974) > O XXXIV ENCONTRO/CONVÍVIO ANUAL > "OPERAÇÃO CARAPINHEIRA – MONTEMOR-O-VELHO", EM 1 DE JUNHO DE 2019








Fotos (e legendas): © Jorge Araújo  (2019). Todos os direitos reservados. [Edição:: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); 
coeditor do blogue desde março de 2018



1.  INTRODUÇÃO

No passado sábado, dia 1 de Junho, mantendo a tradição iniciada em 14 de Junho de 1986, no Restaurante «O Frangueiro», em Aver-o-Mar, Póvoa de Varzim, onde os pioneiros pelo projecto encetaram uma caminhada pela "rede viária nacional" apontando ao (re)agrupar das/dos tropas do contingente da CART 3494, estes voltaram a "alinhar" em mais uma "operação anual" [encontro/almoço/convívio], quarenta e cinco anos após o seu regresso à Metrópole, depois de cumprida a sua Missão Ultramarina no TO do CTIGuiné, no período de 1971 a 1974 [correspondente a vinte e oito meses].

Recorda-se que o colectivo da Companhia de Artilharia 3494 [CART 3494] era a terceira Unidade de quadrícula do BART 3873, sedeado em Bambadinca, tendo estado aquartelada no Xime, com 3 Gr Comb (Jan 1972/Mar 1973), Enxalé, com 1 Gr Comb (Jan 1972/Abr 1973), Mansambo, com 3 Gr Comb (Mar 1973/Mar 1974) e Ponte do Rio Udunduma, com ½ Gr Comb em rotação (Jun 1973/Fev 1974). O regresso aconteceu nos TAM em 3 de Abril de 1974.

Assim, conforme previsto no "Plano da Missão XXXIV", os voluntários foram chegando ao local da concentração, devidamente equipados, onde se procedeu ao respectivo "controlo" e distribuição de tarefas. O local escolhido foi o «Castelo de Montemor-o-Velho», localizado na Vila, Freguesia e Município com o mesmo nome, e inserido no Distrito de Coimbra.



Situado na margem direita do Rio Mondego, constituiu-se num ponto estratégico na defesa da linha fronteiriça do baixo Mondego, em particular na região de Coimbra, sendo, por isso, a principal fortificação da região, no contexto da Reconquista Cristã da Península Ibérica.




A primitiva povoação do sítio de Montemor-o-Velho remonta à pré-história, ocupada sucessivamente por Romanos, Visigodos e Muçulmanos, atraídos pelo estanho da Beira Alta.

As primeiras referências documentais à povoação e ao seu castelo remontam ao século IX quando Ramiro I, Rei das Astúrias, e seu tio, o abade João, do Mosteiro de Santa Maria do Lorvão, localizado na Freguesia de Lorvão, Município de Penacova, o conquistaram no ano de 848. O soberano transmitiu ao tio estes domínios, com o encargo de defender o castelo, mantendo-lhe guarnição, cujo alcaide abade João entregou a D. Bermudo, filho de sua irmã, D.ª Urraca. Ainda naquele ano resistiu ao cerco que lhe foi imposto pelo califa [emir] de Córdoba, Abderramão II (Toledo; 792-Córdova; 852) ou "Abd ar-Rahmãn", neto de Abderramão I.


Sobre este episódio, existe uma lenda que refere que no século IX, então ao tempo do abade João, o castelo foi cercado pelas forças de califa de Córdoba, comandadas por um cristão renegado – Garcia Ianhez-Zuleima. Em número inferior, os combatentes do castelo, com grande dificuldade em sustentar a defesa, deliberaram dar morte por degola aos demais, mesmo aos seus parentes, a fim de lhes pouparem o cativeiro e possíveis afrontas dos mouros. Assim tendo procedido, arremeteram contra o inimigo superior, dispostos a morrer em combate. Fizeram-no, entretanto, com tal ímpeto, que o levaram de vencido.

No século XVIII, sob o reinado de D. João V (1706-1750), a tradição enriqueceu-se com um desfecho piedoso: os familiares dos defensores, ressuscitados por milagre, saíram do castelo ao encontro dos vencedores. A imagem de Nossa Senhora da Vitória com uma cicatriz vermelha no pescoço, na Igreja local, evoca o milagre.

Anos mais tarde, no início do século XIX, no contexto da «Guerra Peninsular» (1807-1814), as dependências do castelo foram ocupadas pelas tropas francesas de Napoleão (1769-1821), sob o comando de Jean-Andoche Junot, entre 1807 e 1808, 1.º Duque de Abrantes e coronel-general dos Hussardos. Três anos mais tarde, no caminho da retirada das tropas derrotadas de André Masséna (1758-1817), foi saqueado e devastado, juntamente com a vila.

Com a extinção das Ordens Religiosas em Portugal (1834), o seu pátio de armas passou a ser utilizado como cemitério da vila. Nesta fase registou-se o reaproveitamento das suas pedras pela população. Em 1877 uma das suas torres foi adaptada como «Torre do Relógio».

O Castelo e a Igreja de Santa Maria da Alcáçova encontram-se classificados como Monumento Nacional por Decreto publicado em 23 de Junho de 1910. Em 1929, por iniciativa de um particular, empreendeu-se uma campanha de defesa que chegou a promover alguns restauros no monumento. O Castelo de Montemor-o-Velho está em bom estado de conservação, encontrando-se actualmente aberto ao público.




2. O DESENROLAR DAS ACÇÕES


A "Operação Carapinheira" - a XXXIV consecutiva - esteve a cargo do camarada António de Sousa Bonito (nosso gã-tabanqueiro), que definiu a concentração a partir das 09h30, de modo a facilitar a sua organização, uma vez que, a paredes meias com o nosso evento, iria decorrer o Encontro Nacional da ADFA – Associação dos Deficientes das Forças Armadas, comemorativo do 45.º Aniversário da fundação da instituição, com a festa convívio a ter lugar no Pavilhão Multiusos da Carapinheira, onde se registou a presença de mais de oitocentos associados, familiares, entidades e amigos da ADFA.

Entretanto, porém, este nosso Encontro de 2019 acabava de ficar marcado por um indelével acontecimento, tão impensável como imprevisível, e que tinha a ver com a morte, ocorrida ao início desse dia, do irmão mais novo do camarada António Bonito.

Foi um choque brutal… mas que já não havia nada a fazer! Contudo, esta ocorrência acabaria por pesar no ambiente do Encontro.

Saídos do Castelo de Montemor-o-Velho {vd. foto acima], seguimos quatro quilómetros em caravana auto até à Carapinheira, rumo ao «Restaurante Encosta de S. Pedro», onde foi servido o almoço para cerca de nove dezenas de participantes, entre combatentes e seus familiares.


De entre o colectivo presente neste 34.º Encontro/Almoço/Convívio é de salientar a aparição, pela segunda vez, do nosso camarada alf mil Manuel Carneiro – a primeira tinha sido em 24Mai1997, no 12.º Encontro realizado na Costa da Caparica. Embora pertencendo à CART 3494, passados alguns meses de ter iniciado a sua actividade operacional no Xime, o alf Carneiro foi colocado no Pel Caç Nat 54, em Missirá, e, algum tempo depois (Junho 1973) foi transferido para a 2.ª CCAÇ do BCAÇ 4512/72, sediada em Jumbembem [Batalhão de Farim]. Aqui, a poucas semanas de concluir a sua comissão, foi ferido em combate no "corredor de Lamel", em 2 de Fevereiro de 1974, tendo perdido a visão da sua vista esquerda.


Sobre esta ocorrência, darei conta oportunamente.

A anteceder o "brinde" pelas duas efemérides supra, foi guardado um minuto de silêncio em homenagem a mais dois camaradas que nos deixaram, entre o último encontro e o deste ano, a saber:
(i) David Fernandes (sold) – Bendada, Sabugal († 28 de Junho de 2018);

(ii) Augusto de Oliveira Meireles (sold) – Guifões, Matosinhos († 22 de Abril de 2019).

Nesta oportunidade, em nome do colectivo da CART 3494, endereçamos aos familiares dos dois camaradas falecidos as nossas mais sentidas condolências.

3.  FOTOGALERIA

Na impossibilidade de apresentar uma fotogaleria mais completa, resta-me apresentar algumas imagens do evento, gentilmente cedidas pelo fotógrafo Ricardo Laranjeira, a quem agradeço publicamente.

Esta situação ficou a dever-se ao facto do camarada Sousa de Castro (gã-tabanqueiro n.º 2) ter ficado sem a sua "objectiva", desconhecendo-se o seu paradeiro. Nessa sua "ferramenta", enquanto repórter de serviço à Unidade, estavam largas dezenas de fotos alusivas a este nosso Encontro, já que, como habitualmente e com muito gosto, era ele que fazia a sua postagem no blogue.

Se alguém, porventura, a tenha ou venha a encontrar, faça o favor de comunicar.

Obrigado pela atenção.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo

06Jun2019







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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P19867: Agenda cultural (688): Convite do autor e da editora: dia 14 de junho, sexta-feira, às 20h00, no Espaço Chiado, Parque Eduardo Sétimo, Lisboa, 89ª Feira do Livro de Lisboa; Sessão de autógrafos: José Ferreira da Silva, "Memórias Boas da Minha Guerra", vol III




Convite do autor e da editora:

Dia 14 de junho,  sexta-feira, às 20h00, no Espaço Chiado,  Parque Eduardo Sétimo, Lisboa, 89ª Feira do Livro de Lisboa;

Sessão de autógrafos: José Ferreira da Silva, "Memórias Boas da Minha Guerra",  vol III


O José Ferreira da Silva (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, , Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69) é um dos "bandalhos" do Bando do Café Progresso (, de que o "chefe",o "bandalh-mor" , é o Jorge Teixeira). Tem mais de 120 referências no nosso blogue.

O editor do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné escreveu o texto de síntese sobre o livro, que se reproduz abaixo.


Ficha técnica

Título: Memórias boas da minha guerra vol III
Autor: José Ferreira da Silva
Data de publicação: Abril de 2019

Editora: Chiado Books
Local: Lisboa
Número de páginas: 330
ISBN: 978-989-52-5458-3
Colecção: Bíos
Idioma: PT

Preço: 15,00 € (papel) | 3,00 € (ebook)

Sinopse

Quando um homem, nascido em 1943, no concelho da Feira, começa a trabalhar aos 10 anos, na indústria corticeira, para passar depois, na Guiné, na guerra colonial, “os dois anos mais importantes da sua vida”, entre 1967 e 1969, vivendo e trabalhando ainda em Angola até 1974, que memórias é que pode ter e escrever?

Boas e más... Este é o III volume das “Memórias Boas da Minha Guerra”, e que vem consagrar o José Ferreira como escritor de talento, dentro de uma fileira literária, a da caricatura, da sátira, do burlesco e do humor, que, na nossa língua, tem cultores que remontam às cantigas de escárnio e maldizer e ao Gil Vicente, passando pelo Bocage, o Camilo, o Eça de Queiroz, o Bordalo Pinheiro...

A história repete-se duas vezes: primeiro como tragédia, depois comédia... O autor pertence à geração da comissão liquidatária do império. Aqui não vamos encontrar os Gamas, os Cabrais, os Albuquerques..., os nossos “grandes” de Quinhentos... Mas tão apenas a “arraia miúda”, os “últimos soldados do império”, os “periquitos, maçaricos e checas”, os homens (e as mulheres) nascidos no Estado Novo, os “pequenitaites”, os “bandalhos”, os “badalhocos”, não os “heróis” (que, esses, são mais do que homens, menos que deuses). São os Zequitas, os Bolinhas, os Berguinhas, os Michéis, os Mohammed, os Necas, as Candidinhas, as Laidinhas, as Luisinhas, os Arturinhos, os Ruizinhos, os Heróis de Maiombe... , mas também os Zé Manéis dos Cabritos, os Silvas, os Ferreiras... Essa, sim, é a verdadeira humanidade que é a matéria-prima destas histórias, onde também há ideais de expiação, autossacrifício e santidade: “Não digas nada, porque prometemos segredo, mas ele [o alferes], durante uma emboscada lá no norte [, em Angola], em que nossos colegas foram mortos e esquartejados, prometeu casar com uma prostituta, no caso de se salvar.”

O José Ferreira tem o grande talento de saber pegar... no «material» com potencialidades humorísticas e construir com ele uma pequena grande história. Ele tem, como poucos, o sexto sentido do burlesco. Por burlesco, entenda-se «aquilo que incita ao riso por ser ridículo»... E foi o sentido do burlesco que, de certo modo, nos ajudou, a muitos de nós, a salvar a nossa sanidade mental no teatro de operações da Guiné... O problema é que poucos de nós têm o talento do José Ferreira de saber contar, por escrito, estas histórias pícaras sem cair... na pilhéria fácil, no mau gosto ou no «hard core»!

Sem ofensa para os combatentes que morreram ou que ficaram com marcas para o resto da vida, naquela maldita guerra, esta é também a geração do “sangue, suor e lágrimas... e barrigadas de riso!”... Ninguém como o José Ferreira para apanhar e contar uma boa história (muitas vezes hilariante), de guerra, ou a montante e a jusante da guerra... São histórias que também poderiam ser fábulas, “contos morais”, com “mu(o)ral ao fundo”, e em que, neste caso, os animais emprestariam a voz aos homens... Mas, não, o criador recusa-se a julgar as suas criaturas, a não ser pelo riso que provoca no leitor...

Luís Graça,
editor do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné  (**)

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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 28 de maio de  2019 > Guiné 61/74 - P19836: Agenda cultural (687): Exposição de pintura de Adão Cruz, na Sede da Ordem dos Médicos de Viana do Castelo, de 1 a 30 de Junho de 2019

Guiné 61/74 - P19866: Manuscrito(s) (Luís Graça (155): (i) "as noites" (2010), de Teresa Klut, "que mora numa ilha"... poemas escolhidos; (ii) fotomontagem: para o Rui, a Cristina e a Sara,que moram na mesma ilha


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3

Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7



Foto nº 8

Foto nº 9


Foto nº 10


Foto nº 11


Foto nº 12


Foto nº 13


Foto nº 14


Foto nº 15


Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 18


Foto nº 19

Algures numa ilha... Talvez o leitor queira pôr-lhe um nome...

Fotos (e legendas): © Luís Graça (2019). Todos os direitos reservados. [Edição:: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Alice e Teresa. Foto: Luís Graça (2019)
1. Seleção de alguns poemas de "as noites"(2010, 85 pp. ), cortesia da autora, Teresa Klut, "que mora  numa ilha" e vai ser avó da nossa neta:

fui-me afastando da casa
seguindo um odor que conhecia
cheguei ao mar doce e longe
da casa que não partia

(p. 11)


r/c a

Revolvo a terra das minhas flores cansadas.

A Terra é a profunda alma de todas as coisas.
Apenas um breve intervalo separa os corpos:
a terra que suporta os vivos
é a terra que guarda os mortos.

(p. 23)

4º b

Ando pela cidade demorada. Deixei-me ficar
para trás perdida na esquina que me perdeu
sou notícia de mim.

suave, muito bela e muito bela
corro para os sapatos cor-de-rosa carmim.

(p. 39)


1º a

Não me olhas.
Tens medo
deste lugar
onde te irias perder.
Um dia, de noite
vais-te lembrar de um gesto meu.

Foi pena, dirás.

Pois foi.

(p. 57)


águas.furtadas
tudo serve para guardar segredos

(p. 65)

Como esperas pela resposta se nem sabes a pergunta ? (...)

(p. 82)


Rui  Silva, Cristina Silva e Sara. Foto: Alice Carneiro (2019)
2.  Para o Rui, a Cristina e a Sara que também moram na mesma ilha:

a felicidade está  onde a gente a põe
mas a gente nunca a põe onde  está

se estás numa ilha procuras terra firme
se estás em terra avias-te no mar

é bom que exista o céu
para quando se está num beco sem saída

na água de mares,
não procures cabelos para te agarrares

sonhar alto trabalhar no duro e nunca morrer na praia
quem disse que os provérbios populares eram o ópio do povo ?

a ferrugem gasta o ferro
e o cuidado o coração

a amizade não tem contabilidade organizada
mas tem deve-e-haver

muita saúde e pouca vida
porque Deus não dá tudo

muita saúde e longa vida
porque os amigos... merecem tudo

luís e alice
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Nota do editor:

Último poste da série >  22 de abril de 2019 > Guiné 61/74 - P19708: Manuscrito(s) (Luís Graça) (154): Viva o compasso pascal em visita à Tabanca de Candoz