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quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

Guné 61/74 - P25078: S(C)em Comentários (25): Salvemos a nossa correspondência de guerra, e nomeadamente os aerogramas que escrevemos (amarelos) e que recebemos (azuis)



Um exemplar do aerograma amarelo, gratuito para os militares. "Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332. Guardo-o religiosamente comigo..." (Carlos Carvalho,, ex-fur mil, CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72).


Aerograma azul recebido pelo nosso camarada João Crisóstomo, SPM 2918 (a viver hoje em Nova Iorque, EUA). O aerograma azul era vendido a familiares e madrinhas de guerra, ao preço unitário de 20 centavos (até 1971), e depois 30 centavos (a partir de 1971) (a preços de hoje, e na moeda em vigor, seriam 9 e 8 cêntimos, respetivamente).

Fonte: Arquivo (digital) do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)


1. Foram 376 milhões os aerogramas distribuidos pelo Movimento Nacional Feminino durante a guerra colonial / guerra do ultramar, de acordo com a investigadora Sílvia Espírito-Santo. Foi criado em meados de 1961.  (*)

...Mesmo que 20% não se tenha usado (metido no correio), temos 300 milhões de aerogramas amarelos e azuis escritos, que circularam no "Portugal multirracial e pluricontinental" de então...

A grande maioria já se perdeu irremediavelmente: foram parar ao caixote do lixo, à Feira da Lada, à Feira da Vandoma, ao OLX, etc. É pena, são documentos de uma época, de uma geração, de uma sociedade... São documentos nossos, pedaços da nossa pequena história que devem alimentar a História com H grande, 

Os amarelos, sobretudo, os que eram de distribuiçãoo gratuita aos militares.  Os que os nossos camaradas mandaram, de África (e nomeadamemte da Guiné, Angola, Moçambique) para a família, as namoradas, as noivas, as madrinhas de guerra, os amigos, os vizinhos, os colegas de escola e de trabalho, os camaradas de armas, etc. (**)

Reforçamos aqui o apelo do nosso blogue para que os salvemos e os divulguemos.) (***)

2. Por seu turno, o nosso grão-tabanqueiro Antrón J. Pererira da Costa, cor art ref, já aqui,  por várias vezes,  chamou  a nossa atenção para um projecto do Arquivo Histórico Militar (AHM): 

"Chama-se 'Faltam Elementos'  e resume-se a enviar, se possível tratados pelo próprio, todos os documentos de todos os tipos que possam (e devam) ser arquivados no AHM.

"Uma carta não é assim muito cara e basta acrescentar a identificação do dono dos documentos e dar, por seu turno, autorização para utilização e estudo do AHM" (...).
____________

Notas do eidtor:

(*) Vd. poste de 28 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23119: Bibliografia (50): Movimento Nacional Feminino: Área de apoio material: secção de aerogramas (Sílvia Espírito-Santo, excerto de artigo em preparação, cortesia da autora)

(**) Vd., poste de 16 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25074: As mulheres que afinal foram à guerra (20): Cerca de 400 aerogramas estavam ainda esta manhã à venda, ao desbarato, no OLX - Parte I - O remetente era o nosso camarada José..., ex-1º cabo radiotelegrafista, nº mec. 1491/64, CCAÇ 763, "O Lassas" (Cufar, 1965/67), a companhia do nosso grão-tabanqueiro Mário Fitas

(***) Último poste da série > 28 de dezembro de 2023 > Guiné 61/74 - P25009: S(C)em Comentários (24): Os últimos anos do Amadu Djaló (1940-2015) devem ter sido de uma grande amargura e de arrependimento (Cherno Baldé, Bissau)

domingo, 7 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25046: Fotos à procura de... uma legenda (179): o que é o Joshua Benoliel fotografou em fevereiro de 1917 ? Um soldado a escrever uma carta de despedida para a família de um camarada analfabeto ? E com quê: lápis de carvão, caneta de aparo, caneta de tinta permanente ?...


Pormenor da capa da "Ilustração Portuguesa", II Série, nº 575, Lisboa, 26 de fevereiro de 1917. (Edição semanal do jornal "O Século"; editor lit.: José Joubert Chaves; nº avulso: 10 centavos.)

1. A legenda diz: "Expedicionários portugueses: escrevendo a um camarada uma carta para a família". ('Cliché': Benoliel)".

Será ? Aqui fica um desafio ao leitor:

O que é o militar (figura do lado esquerdo) escreve em cima do joelho ? É uma carta, um bilhete-postal ou um simplesmente apontamento num caderninho ? Será mesmo uma carta, talvez de despedida, para a família do outro camarada (também de perfil, à direita) ? Ainda estava por inventar o aerograma... e o SPM.

Estamos no cais de embarque, no cais de Alcântara, em Lisboa, em fevereiro de 1917... Os dois militares estão em vias de embarcar para França num vapor inglês, integrados no CEP (Corpo Expedicionário Português)...

E depois também não sabemos com que é que o militar escreve: lápis ou pena  de carvão, caneta de aparo (com bico de pato), caneta de tinta permanente ? A imagem não tem resolução suficiente para se poder tirar conclusões... Tanto pode ser um lápis (pelo comprimento e espessura) como uma caneta simples de aparo...

Com esferográfica, não é, seguramente; ainda não existia, só se iria vulgarizar nos anos 50, depois da II Guerra Mundial, "democratizando" a escrita. (Os mais de 500 ou 600 milhões de cartas e aerogramas que se escreveram ao longo da guerra colonial foram-no com a "Bic", a esferográfica por antonomásia).

Recorde-se que, tal como a nossa geração, os nossos camaradas do CEP (aqueles que tiveram a felicidade de andar na escola) aprenderam a escrever com giz (na ardósia e no quadro preto), com pena de carvão, e lápis e depois com caneta simples, de aparo, de ponta metálica, que se molhava no tinteiro, de porcelana, acoplado no respetivo orifício da carteira escolar...

E o segredo do artista era, então, "não borrar a escrita", isto é, o papel, uma infelicidade que custou a muitos de nós algumas dolorosas reguadas e ponteiradas, por parte do professor (e se calhar também muitos puxões de orelhas, por parte  das nossas mães,  por sujarmos a roupa com o raio da tinta azul real)...

A caneta de tinta permanente (com reservatório) era um luxo que o "papá rico" dava ao menino sortudo quando este era aprovado no exame de admissão ao liceu... Na I Grande Guerra só estaria ao alcance dos oficiais...

Em 1917, o soldado do CEP já se dava por contente se tivesse papel, tinteiro com tinta e caneta de aparo na sua trincheira na Flandres (mas, convenhamos, não era nada prático molhar o bico da caneta no raio do tinteiro ao som dos canhões)...

Bem, vamos lá fazer o "trabalho de casa"... "Bitaites" precisam-se para melhorar a legenda desta grande foto do Benoliel (mais uma, tirada à malta do CEP, e é pena que ele não fosse vivo no tempo em que a gente foi à "guerra do ultramar", partindo do Cais da Rocha Conde de Óbidos nos Niassas e nos Uíges; infelizmente, morreu trinta anos antes).

Em boa verdade, nós, antigos combatentes das "guerras de África"(1961/74), não tivemos os fotojornalistas (e muito menos os fotocines) que merecíamos...

sexta-feira, 16 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24403: Notas de leitura (1590): "O Cântico das Costureiras - Crónicas D'Uma Vida Adiada - Guiné 1964 - 1965", por Gonçalo Inocentes; Modocromia Edições, 2020 - As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Janeiro de 2021:

Queridos amigos,
Há dez anos, quando estava a preparar o meu livro sobre a literatura da guerra da Guiné, ainda suponha que a veia literária dos velhos combatentes se pudesse encaminhar pelo leito do romance, o que então parecia afirmar-se categoricamente era a literatura memorial. Parece que o romance secou, a poesia é cada vez menos pródiga , há, é certo, investigação, documentação, apresentação de acervos fotográficos, mas são as memórias que pontificam. E Gonçalo Inocentes aparece num estado de louçania e vivacidade que nos assombra, e toma conta de nós, pois cedo se percebe que aquela poesia não é sobranceira e muito menos destinada a altos voos literários, são dimensões do afeto que pontuam uma alegria de viver, de alguém que se apresenta sem tiques de heroísmo nem apelos à comiseração. Bom será que continue, se mais memórias houver para contar.

Um abraço do
Mário



As Peregrinações de Gonçalo Inocentes, zombeteiras e resilientes

Mário Beja Santos

Já aqui no blogue o Luís Graça entoou loas a este inesperado presente, O Cântico das Costureiras, por Gonçalo Inocentes, Modocromia Edições, 2020. Limito-me a fazer minhas as palavras do orador que me precedeu… e adicionar loas da minha lavra, nestas coisas da recensão é benéfico que os olhares se complementem ou até mesmo se contradigam. Vê-se pela imagem que é homem apaziguado, talvez coloquial e bonacheirão, o seu currículo dá logo para folgar: “Curtiu-se em três guerras, ex-técnico agrícola, ex-combatente, ex-piloto de linha aérea, ex-marinheiro”.

De tanta vivência cinge-se exclusivamente ao que andou a fazer na Guiné, onde a sorte nunca o pôs de lado. Em março de 1964 sabe que tem o destino traçado para a Guiné, caminha para Lisboa e enquanto aguarda transporte anda faceto e manganão, percorre casas de fados e até guardou recordações de uma cuequinha vermelha. Parte de avião e bem consolado, vai em rendição individual. Do Pidjiquiti parte para Bolama e daqui para São João, é a sua nova morada e a sua nova família. Começam as peripécias. Encontra-se com o capitão, está a ser barbeado e tem ao lado uma mulher chinesa, por ali perto está um bidonville tropical, as imagens que publica falam por si e tece laudes a um piloto que muitos de nós conhecemos: o Honório, de nome completo Honório Brito da Costa. Fala-nos do Corão, da sua amizade com a G3, sempre que vem a preceito dá-nos poesia. E tal como anuncia no preâmbulo, recorda a máquina de costura Singer, o seu tiquetaque e a PPSh, vulgo “costureirinha”, tambor de 70 balas e um ritmo de 1000 por minuto, com alcance efetivo de 150 metros.

Movimenta-se com uma mini Minolta, o que lhe deu para registar este acervo de memórias. Lê-se num só fôlego, ninguém espere encontrar um herói ou anti-herói, é de têmpera folgazão, o lado positivo da vida anda quase sempre ao de cima, tira partido da aprendizagem e suas componentes, que podem ser a solidão, o corpo extenuado, o escrever o aerograma (aproveita a oportunidade para nos contar a história do bom funcionamento do Serviço Postal Militar e fala-nos de alguém que se chama Ernesto Tapadas e que esteve por trás de máquina tão eficiente), em vez de jogos de cartas aproveitava os banhos de mar e na Pensão Central, dessa ícone que deu pelo nome de Dona Berta, apareceu-lhe uma empregada grávida no quarto com um propósito muito evidente, interroga-se quanto à tragédia que pode levar uma mulher quase a ser mãe a tal iniciativa. Como não venho aqui contar as façanhas de guerra, descreve o que o meio permite, vive-se numa santa paz ou na mais formidável beligerância: é o caso dos tornados, em atmosfera tropical arrancam telhados, volteiam e rodopiam, destruindo e apavorando, e inopinadamente como aparecem deixam-nos numa serenidade com o caos à volta.

Se nos recorda as minas e fornilhos, logo estrondeia a peripécia das falsas cartas de condução que terão dado a felicidade e o pão a muita gente, e volta à página para nos falar nos guias, alguns de uma lealdade a toda a prova, tendo muitos deles tido um final inglório. Naquele ano de 1964 havia que retomar espaços abandonados, no caso vertente de quem estava em São João havia que provar que as estradas de Quinhará estavam transitáveis, lá foi uma coluna de carros para Nova Sintra, nenhum engenho explodiu no itinerário, mas foram colhidos pelo fogo cerrado em Nova Sintra. No regresso uma viatura derrapou mas vem logo um comentário pícaro a propósito: “Os soldados que seguiam nele (Unimog, que tinha capotado) ficaram por baixo da viatura e sem cuidar da segurança todos acorremos a socorrer. Grande asneira, só não correu pior porque o IN era também muito mau”.

Vai interpolando as suas memórias com poesias a jorros. Chegou a hora de partir para Ponta de Jabadá, dali o PAIGC castigava com fogo quem navegava pelo Geba. Recorda uma flagelação em que uma granada de morteiro 82 ceifou vidas e logo salta para a recordação de António Gladstone Silva Germano, natural da ilha de São Nicolau, que depois da guerra da Guiné andou por Ceca e Meca e Olivais de Santarém até aterrar no aeroporto da Portela onde geria o restaurante. Gonçalo Inocentes vem para contar recordações, elas dispõem-se bem com as imagens ao tempo colhidas, e exalta a figura do médico do destacamento em Jabadá, o Dr. Torcato Adriano Serpa Pinto. E com a maior das naturalidades confessa-se: “Não sei onde fui buscar, mas sempre carreguei uma constante alegria de viver que, se por um lado me engalanou tantos dias, também me acarretou alguns dissabores. Posso dizer que foi a mais bela armadura deste cavaleiro do imprevisível”.

Com a sorte benfazeja, ele que andava junto à CCAÇ 423, em abril de 1965 recebeu ordens de marcha para Bissau e daí para Farim, mas em Bissau disseram-lhe que já não ia para Farim, terminara a sua comissão, afinal já não ia para a CCAV 488. Fala-nos de Vassalo Miranda, um desenhador de BD sempre em cenários de guerra, está mais do que apresentado aqui no blogue. Recorda-nos como se atravessava em João Landim da ilha de Bissau para Mansoa. E vai até São Vicente e ocorre-lhe um poema, isto a propósito de um banho na Guiné, que é muito provavelmente o seu cartão de cidadão: “Sou feliz pois Deus me deu,/ a capacidade de ver,/ mesmo no escuro da vida,/ a beleza a acontecer./ P’ra alimentar a esperança/ De um mundo a renascer”.

E assim regressa, vai a Estremoz entregar a trouxa e segue para a Chamusca onde foi entregar a Maria Helena Fragoso a cruz que esta lhe pusera no pescoço antes de ir para a Guiné. Receando a tanta fartura daquela comissão encurtada, e mesmo continuando a receber a parte do vencimento que era depositada no Banco Totta e Açores da Chamusca, foi logo comprar o bilhete de passagem para Angola, para regressar à casa de onde tinha saído há dez anos. “Não toquei no dinheiro que fiquei a receber indevidamente e coloquei-o a prazo. Sabia que eles viriam buscar. Durante vários anos tive pesadelos onde me via ser chamado para regressar à Guiné. Acordava sempre banhado em suores”.

E bem a propósito despede-se das suas memórias relembrando os costureiros, ou seja, a malta da PPSh. “Tinha uma certa admiração por estes homens que fizeram uma guerra que até terminou num triunfo armado. Já pelos políticos não nutro qualquer simpatia porque fizeram uma guerra assente em promessas desonestas que sabiam não poder cumprir. Demonstraram ao longo dos anos de independência uma incapacidade absoluta. Tantos mortos para coisa nenhuma. Ter uma bandeira serve apenas para içar e para arrear. O povo, esse, ficou a perder. Passou de colonizado a escravo do tráfico de droga”.

Chegámos a um tempo em que já não se esperam romances mas literatura memorial, creio ser este hoje o retorno possível, tantos são os anos passados. E há que saudar estes cotejos e estas imagens arredadas de gabarolices ou espaventos sem contraditório.

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Nota do editor

Último poste da série de 12 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24392: Notas de leitura (1590): Uma obra fundamental por quem se interessa por estudos africanos: "Atlas Histórico de África, da Pré-História aos Nossos Dias", Direcção de François-Xavier Fauvelle e Isabelle Surun; Guerra e Paz Editores, 2020 (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 28 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23119: Bibliografia (50): Movimento Nacional Feminino: Área de apoio material: secção de aerogramas (Sílvia Espírito-Santo, excerto de artigo em preparação, cortesia da autora)


Um exemplar do aerograma amarelo, gratuito para os militares. O aerograma azul era vendido a familiares e madrinhas de guerra, ao preço unitário de 20 centavos (até 1971), e depois 30 centavos (a partir de 1971) (a preços de hoje, e na moeda em vigor, seriam 9 e 8 cêntimos, respetivamente).

"Este Aerograma foi-me devolvido tal como está, traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, efectuada à coluna Piche-Nova Lamego, em que faleceram o Alf Mil Soares, o 1º. Cabo Cruz, o Sold Cond Ferreira e o Sold Manuel Pereira, todos da CART 3332. Guardo-o religiosamente comigo..." (Carlos Carvalho).

Documento que nos foi enviado pelo nosso grã-tabanqueiro Carlos [Alberto Rodrigues] Carvalho, ex-fur mil da CCAV 2749/BCAV 2922, Piche e Ponte Caium, 1970/72, irmão da nossa amiga Júlia Neto e, portanto, cunhado do nosso saudoso capitão Zé Neto. Muito provavelmente o aerograma ia no saco do correio... Pelo que se depreende, o destinatário do aerograma era um seu familiar, possivelmente a sua mãe (Rosa Maria Silva Simão Melo Rodrigues de Carvalho), que vivia em Lamego. Não temos tido notícias deste camarada. Página no facebook: Carlos Alberto Carvalho. (*)


1. Mensagem, com data de sexta, 25/03/2022, 21h51, de Sílvia Espírito-Santo, investigadora, que tem estudado o Movimento Nacional Feminino, autora de “Cecília Supico Pinto: o rosto do movimento nacional feminino” (Lisboa: A Esfera do Livro, 2008, 222 pp.):

Caro Luís Graça,

Espero que esteja tudo bem consigo. Peço desculpa pelo meu longo silêncio.
 
Não me esqueci que tinha ficado de enviar um texto sobre os aerogramas. Aqui vai agora. Não sei se terá interesse para o vosso blog,  o Luís dirá! São apenas algumas linhas de um artigo mais vasto sobre o MNF que, espero, talvez venha a ser publicado lá para o fim do ano!

Agradeço a informação sobre a cançonetista Isabel Amora (que não conhecia) nos espectáculos para militares. Até agora, nas minhas pesquisas sobre o MNF ainda não vi qualquer referência a este nome, mas vou estar atenta.

Um cordial abraço
Sílvia
 
2. Movimento Nacional Feminino (MNF): Área de apoio material: secção de aerogramas

por Sílvia Espírito-Santos (excerto de artigo em preparação, cortesia da autora) (**)

A secção dos aerogramas foi a primeira iniciativa do MNF e foi das que alcançou maior notoriedade dado que os «bate-estradas», assim designados na gíria militar, constituíram sempre o principal elo de ligação entre militares e famílias (1). 

 Uma secção cuja dimensão e complexidade, levaram, a partir dos últimos anos da década de 60, à colaboração do Major Pinto Enes, um militar cuja trabalho e «dedicação» seriam reconhecidos pelo MNF como de grande importância para «um controlo perfeito deste serviço e uma administração equilibrada»(2).

Com pouco mais de um mês de existência, o MNF já tinha percebido a importância que um serviço postal gratuito podia ter para os militares, pelo que solicita ao governo a isenção de franquia postal para a correspondência entre estes e seus familiares; a resposta seria dada pela Portaria nº18 545 de 23 de Junho de 1961 – e revista pela de 513/71 – que atribuía à comissão central do MNF a exclusividade na edição de impressos próprios para esse fim.

Surgem por esta via dois tipos de aerogramas: 

(i) os amarelos, gratuitos para militares;

(ii)  e os azuis vendidos a familiares e madrinhas de guerra pelo preço unitário de $20 (vinte centavos).

Determinava ainda a Portaria que a entrega destes devia ser feita em mão nos CTT a fim de garantir a sua utilização apenas pelos autorizados.

Até 1971, o MNF editou 200 milhões de aerogramas (até 1974 o número ascenderia aos 376 milhões), sendo distribuídos, nesse ano, 26 058 010 amarelos e vendidos apenas 15 900 145 azuis – apesar da Portaria 513/71 ter feito cessar as restrições estabelecidas à aquisição apenas por familiares e madrinhas de guerra –, num total de 41 958 155; números que decrescem em relação ao ano anterior, registando-se uma quebra de 1 700 000 na venda dos azuis, embora a distribuição dos amarelos tivesse aumentado para 5 800 00 (3),

A circunstância é justificada com o uso dos amarelos «na correspondência da Metrópole para o Ultramar […] enviados pelos militares às suas famílias […] ou usados pelos próprios militares quando regressam […] chegando mesmo a vendê-los» visto terem sido aumentadas as «dotações de todas as Províncias para os quantitativos usados para Angola (12 aerogramas/homem/mês)  (4); mas também, como atestam as reclamações chegadas ao MNF e os protestos publicados na imprensa nacional e regional, pelo descontentamento da população com a obrigatoriedade da sua entrega em mão nos postos dos CTT e não em marcos ou caixas de correio como era pretendido (5).


Aerograma azul recebido pelo João Crisóstomo, SPM 2918


Embora a despesa de emissão dos aerogramas gratuitos fosse coberta pelo aumento do preço dos azuis para $30, para tentar sanar os protestos que chegavam à organização e aos jornais, a presidente do MNF solicita ao ministro da Defesa Nacional, general Horácio Sá Viana Rebelo (1910-1995), e ao ministro das Comunicações, Engenheiro Rui Sanches (1919-2009) a alteração desta disposição (6).  Solicitação que foi recusada já que, segundo o ministro Horácio Sá Viana Rebelo, continuava a prevalecer a necessidade de «fiscalização sobre essas correspondências, quer quanto à qualidade dos seus destinatários, quer quanto à inclusão nos aerogramas (única forma de correspondência adoptada) de papéis ou objectos, o que, na prática, não raras vezes se verifica[va]» (7). 


Um aerograma azul... remetido pelo Beja Santos, SPM 3778


 Por outras palavras, se por um lado a  disposição ministerial tentava evitar que os aerogramas fossem utilizados por quem não tinha direito a eles ou transportassem, o que não era raro, notas, medalhas e fios de ouro ou prata, por outro, e mais plausível  dado o clima de crescente contestação  à guerra, o seu aproveitamento como meio de transporte de «propaganda subversiva» para o Ultramar.

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Notas da autora:

[1] Sobre aerogramas: Eduardo Barreiros e Luís Barreiros, História do serviço postal (Lisboa: Edição dos autores, 2004).

[2] MNF, Memorial 1971, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, caixa 2726.2.

[3] Relatório da Comissão Executiva do MNF período de 30-1 a 31-12 de 1971, Arquivo Cecília Supico Pinto… 

[4] MNF, Memorial 1971, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de S. Julião da Barra, caixa 2495.2.

[5] MNF, Parecer 1973, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, caixa 2459.3.

[6] MNF, Memorial 1971, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, caixa 2495.2.

[7] MNF, Memorial 1973, Arquivo de Ministério da Defesa Nacional, Forte de São Julião da Barra, ofício 1275, processo 2.15.1, 2, caixa 2495.2.

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Notas  do editor:

(*) Vd. poste de 24 de novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7327: Facebook...ando (1): O aerograma traçado de balas ou estilhaços na emboscada de 26/10/1971, na estrada Piche-Nova Lamego, e em que morreram 4 camaradas da CART 3332 (Carlos Carvalho)

segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22804: Notas de leitura (1398): "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins da Silva; Saída de Emergência, 2021, com prefácio do general Pezarat Correia (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Dezembro de 2021:

Queridos amigos,
Isto é jornalismo de reportagem de excelência, por não só a correspondência de guerra numa grande angular, ouvir testemunhos, fazer-nos sentir a comoção de sentimentos inextinguíveis. Organização excelente, ir atrás à Primeira Guerra Mundial, berçário de toda esta correspondência e de um serviço postal que sempre ajudava a mitigar a ausência e a inquietação dos perigos da guerra; recordar os primeiros momentos de 1961, como se constitui o Serviço Postal Militar, chegou o momento dos arrebatamentos das cartas de amor, por definição todas elas distintas, mesmo que o destino tenha vindo a separar os protagonistas; e esta colectânea de cartas de dor, um momento extraordinário de saber pesquisar, escutar e dar ao leitor, em toda a latitude, os horrores da perda, o pleno sofrimento do corpo que não chegou e do luto que não se fez. Seguramente uma obra de referência para as investigações vindouras.

Um abraço do
Mário


Cartas de Amor e de Dor, por Marta Martins Silva (3)

Mário Beja Santos


Descobriu na sua atividade jornalística na revista Domingo do Correio da Manhã, através de desabafos de antigos combatentes, que há uma vertente de guerras gradualmente sumidas na memória dos portugueses, que merece ser revitalizada, é constituída por aerogramas, cartas, bilhetes-postais, folhas de apontamentos, fotografias, é um acervo de consulta marginal pelos historiadores e investigadores dos diferentes países envolvidos. O seu livro mais recente, "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins Silva, Desassossego, chancela de Saída de Emergência, 2021, é um magnífico trabalho de investigação que ela enceta com cartas da Primeira Guerra Mundial, contextualizada depois a chegada da Guerra Colonial, é apresentada uma sinopse do Serviço Postal Militar, seguem-se as cartas de amor e temos agora, a coroar este tão meritório trabalho, cartas de dor.

Inicia a viagem com um jovem alferes que morreu em Moçambique e quem a mãe posteriormente editou poesias e cartas, feriu-se em combate, os médicos não acertavam no diagnóstico, morreu de hematoma cerebral. Legou uma correspondência original, com se exemplifica: “Será que morreste numa esquina anónima dessa rouca cidade? Desejaria ouvir a tua palavra amiga aqui: neste deserto de areia negra. Sim: escreve em última análise diz-me que chove e que Deus é doce”. Este triste fadário de ver a morte ao pé, de pegar num moribundo, de lhe fechar os olhos, de escrever aos pais, à mulher ou à namorada, as descrições que a autora ouviu em pungentes testemunhos orais, andam muito próximos do que podemos ler na literatura, em centenas de livros já publicados e noutros temos esperanças que ainda venham a surgir, uma literatura que mete explosões, tiroteio medonho, descrições cruas de um resto de perna saindo das calças esfarrapadas, o olhar vidrado, uma bota ensanguentada, as vísceras à mostra, as confidências... e há aquela mãe que se dirige a furriéis a quem pergunta angustiada: “Em que condições morreu o meu filho? Gostaria de saber se se encontrava acompanhado, por outros militares, se foi em combate, em desastre, em captura, etc. etc. Assim peço-vos toda a verdade e não receiem, pois toda a mãe que resiste à morte de um filho aguenta saber em que condições a mesma ocorreu, sejam elas quais forem. Agradeço reconhecida todo o conforto que me derem e acreditem que é de todo o coração que vos desejo mais sorte do que aquela que teve o meu querido filho”.

Há também os corpos que não apareceram, alguém testemunhou, viu o corpo subtraído por outro que viera da Tanzânia, depois escreveu à família, no regresso falou com a mãe neste morto de quem não há corpo, quem faz este relato à autora ainda hoje se impressiona com a dor desta mãe que não pode fazer luto.

Testemunhos, recordações, memórias que não se apagam, há também cartas anónimas, há os telegramas anunciar a morte, o preço proibitivo das transladações e Marta lembra-nos a carta de uma mãe dirigida ao Ministro da Defesa, em 1967: “Pedia a Vª Exª. pela sua saúde, já que não tive a sorte de trazer o meu filho vivo, peço que me mandem mesmo morto. Para eu o adorar e rezar ao pé daquele querido filho. Peço imensa desculpa à Vª Exª. estas minhas tristes palavras, mas a dor é tão grande que não sei onde hei de respirar”. E o governo de então passou a assegurar o regresso dos militares mortos. Temos a história daquele que dá uma jovem viúva, ele partiu para a guerra e não chegou a lá estar três meses, a filhota ia fazer 2 anos dois dias depois, ela com 21 anos, o mundo ruiu e ela faz um comentário que desenha a moral de uma época: “As pessoas eram muito críticas, eu muitas vezes tinha vontade de fazer um bolo para a minha filha e então tinha de queimar um trapo para as vizinhas não notarem pelo cheiro que eu estava a fazer um bolo, também não podia sair à rua porque eu não ia passear a minha filha, ia-me passear a mim. Cheguei a andar de casaco grande, lenço na cabeça, meias pretas, o luto que eu tinha no meu coração queriam que eu tivesse em tudo, julgavam-me assim que eu punha um pé fora de casa. Um dos meus cunhados chegou a vir-me buscar para ir passar férias a Lisboa, e assim que chegámos ele disse logo para tirar o lenço e a minha cunhada para eu tirar as meias pretas. Mas quando regressei ao Alentejo as pessoas disseram que eu vinha morena, que tinha ido para a praia e que meias de vidro não era luto. Foi um sofrimento a todos os níveis”.

E há a história daquele homem cujo pai, comunista, fora morto pela PIDE, era filho único, a mãe viu-o partir em 1973, namorava ele a Gracinha. Passou uma boa tormenta, até em 22 de março 1974 a sua vida mudou irremediavelmente, vai numa coluna, num carro blindado em que ele foi o único sobrevivente, perdeu as pernas, a sua relação com a Gracinha deslassou, surgirá a Paulinha e passados estes anos todos ele confessa que teve muita sorte em ter encontrado uma mulher extraordinária.

Sucedessem-se exemplos como este, deficientes das Forças Armadas conseguiram obter um casamento à prova de uma dura guerra. Há mortos que lá ficaram e a família choram-nos. Houve quem perdesse a mãe em menino e encontrasse o amor da madrasta, foi uma carta de intensa dor que ele recebeu do pai, uma narrativa tocante: “Quando regressou, e à medida que se aproximava mais de casa, aumentava o nó na garganta que sentia pela perda que nem teve tempo de chorar: enfrentar a casa sem a sua querida madrinha/mãe, que o criara desde os 5 anos como um filho e de quem se despedira com um até breve quando foi mobilizado. Apesar de ter continuado a trocar correspondência com o pai, não sabia como o ia encontrar e quais as palavras certas para o confortar por tamanha perda. A forma que encontrou foi nunca o deixar. O pai viveu toda a vida com o filho, mesmo depois deste casar e formar família”.

Houve uma mãe cancerosa terminal que pediu ao Ministro da Defesa que lhe concedesse dar o último beijo ao filho, sucedessem-se peripécias, não chegaria a tempo, a burocracia tudo complicou. E temos já perto do final da obra a narrativa que acompanha de perto a importante obra do Coronel José de Moura Calheiros “A Última Missão”, Editora Caminhos Romanos, 2010. Chamava-se António Vitoriano, tinha 20 anos, e morreu em combate no chamado Cerco de Guidaje. Será uma sua irmã, arqueológa, que o irá identificar. Não teve grande dificuldade em identificar o irmão por causa de uma clavícula partida na infância. É um depoimento magnífico: “E a mim, que não sou nada religiosa, que ensino Antropologia, que ensino a evolução dos primatas, que ensino o Charles Darwin, aconteceu-me uma coisa muito estranha. Estavam 42º e só nós, as raparigas, é que trabalhávamos a equipa militar estava toda a olhar. A dada altura comentei para uma colega: ‘Sou só eu que não sinto calor?’ Nenhuma de nós tinha fome nem sede. E só tive coragem de comentar isto com ela passado 3 a 4 dias. ‘São eles’, disse ela, ‘são os nossos anjos da guarda, estão aqui para nos proteger’. E quando eu estava na sepultura eu pedi assim: ‘Se for o meu irmão, que me dê um sinal’. E assim que mexi na terra, onde estava a escavar, surgiu um pendente com um coração cor-de-rosa e pensei: ‘Este foi o sinal que eu pedi’”. A mãe de António Vitoriano pôde finalmente fazer o luto. E quando lhe nasceu um filho pôs-lhe o nome de António. Finaliza a obra com a ida de Ernestina que foi buscar o pai a Angola, 54 anos depois de António ter morrido. A filha de António conseguiu exumar o corpo em novembro de 2017. Nessa altura a viúva de António já estava em Roma, a filha, de nome Cecília disse-lhe: “Mãe, o pai vai voltar para trás” e a coitadinha chorou. A neta de António, hospedeira de bordo, voa sempre com as asas do avô, que nunca conheceu, ao peito".

Obra de leitura imperdível.

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Nota do editor

Último poste da série de 6 DE DEZEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22785: Notas de leitura (1397): "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins da Silva; Saída de Emergência, 2021, com prefácio do general Pezarat Correia (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22785: Notas de leitura (1397): "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins da Silva; Saída de Emergência, 2021, com prefácio do general Pezarat Correia (2) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Não deixa de assombrar a variedade de cartas de amor que Marta Martins da Silva coligiu, uma paleta de cores muito garrida de sentimentos tão diversos, abarcando ansiedade dos pais que pedem insistentemente notícias, as namoradas e aqui vamos ter a temperatura de uma comissão por inteiro, desde do deslumbramento ao desalento, as mulheres, a quem nem sempre tudo se encobre e a rede das madrinhas de guerra, por vezes com remates felizes, radiantes descobertas de quem chega e tem a madrinha à espera e caem nos braços um do outro.
Deixa-se terceiro e último texto correspondência com muita dor... se também não nos esquecermos que há nestas cartas de amor implicitamente dor, tensão profunda na espera, o terror de vir a receber um aerograma como receberam aqueles vizinhos que ficaram em luto perpétuo.

Um abraço do
Mário



Cartas de Amor e de Dor, por Marta Martins Silva (2)

Mário Beja Santos

Descobriu na sua atividade jornalística na revista Domingo do Correio da Manhã, através de desabafos de antigos combatentes, que há uma vertente de guerras gradualmente sumidas na memória dos portugueses que merece ser revitalizada, é constituída por aerogramas, cartas, bilhetes-postais, folhas de apontamentos, fotografias, é um acervo de consulta marginal pelos historiadores e investigadores dos diferentes países envolvidos. No entanto, são documentos onde podemos aquilatar a vida emocional desses jovens, abruptamente retirados de um ambiente familiar, de uma profissão ou dos estudos, e que vazam na escrita o que descobrem em novas paragens, nem sempre contidos nas saudades, por vezes discretos na narrativa da hostilidade permanente, perguntando pela família e pelos amigos, disfarçando os estados de alma com descrições pacíficas sobre a comida, a vida do quartel, omitindo, tanto quanto possível, quem morre e quem se sinistra. Marta Martins Silva procura veios novos para interpretar o universo psicológico destes jovens vestidos de camuflado. Começou por os pôr a conversar com as madrinhas de guerra, e agora, em "Cartas de Amor e de Dor", Desassossego, chancela do grupo Saída de Emergência, 2021, parte de cartas da I Guerra Mundial, fala-nos do ano de 1961 em Portugal, explica a não-iniciados os dados fulcrais do Serviço Postal Militar e então entramos numa grande torrente, primeiro a do amor, os parentes mais próximos, as namoradas e as mulheres e todo este ímpeto epistológrafo desagua numa dor que não se pode esquecer, os pais que reclamam o corpo do filho, a carta que anuncia a morte de um amigo muito querido num outro teatro de guerra, as cartas anónimas infamantes.

A reportagem de investigação centra-se no fundamental em duas dimensões da correspondência entre os combatentes, os ente-queridos, as amizades e a todos aqueles a quem era imperativo dar notícia, mais não fosse para comunicar a morte de um filho, de um marido. A jornalista reparte o tema das Cartas de Amor em namoradas, mulheres e madrinhas. Procurando sempre contextualizar a correspondência do quadro de evolução da guerra, logo dá a estampa a carta de uma mãe para o filho em África, estamos obviamente no inicio da guerra, os chamados valores pátrios sobrelevam, de modo que esta mãe fala nos deveres, algo que nos recorda uma mãe patrícia nos tempos gloriosos do Império Romano quando escreve: “Se de si for exigido o sacrifício máximo: a vida, pois aceite, meu filho, com os olhos postos na Cruz de Cristo, Cruz que fomos nós mostramos ao Mundo inteiro, e na bandeira verde e rubra, que representa a pátria mais amada de todas as pátrias. A alma portuguesa é grande como este Portugal interno, amado e indivisível”.

Filhos que escondem às mães a aspereza das suas missões, filhos que nem se despediram dos pais para fugir aquelas cenas lancinantes no Cais da Rocha do Conde d’Óbidos, porque há pais que choram, mães que desmaiam, mulheres e namoradas que rabiam de dor e não a escondem. Numa sequência bem organizada, a autora põe estes pais e filhos dissimulando a saudade, pedindo mais notícias, e mesmo quando se dissimula não se resiste a um desabafo em conversa com a autora: “Um dos meus camaradas morreu em combate e nada disso a gente podia contar nas cartas. Vivia com eles mais de dezoito meses na frente militar norte e leste de Angola”. O camarada António Amadeu da Fonseca Frade, mortalmente atingido por uma rajada de Kalashnikov. O corpo deste soldado só viria a ser resgatado ao quinto dia por um grupo helitransportado. Há quem recorde que a mãe lhe entregou uma moeda embrulhada, como se fosse uma relíquia, muitos anos mais tarde, um dia depois da morte da mãe, deu com esta prova de amor indistinguível. Há uma mãe que pede ao filho que se faça acompanhar do seu terço, e que o ponha ao peito. E sempre falando ao querido filho, fazendo votos para que este ao receber o aerograma se encontre bem de saúde e, quando necessário, um pai pede ajuda ao filho combatente para admoestar o irmão mais novo um tanto rebelde: “Pedia-te que escrevesses ao teu irmão Jorge a dizer-lhe que estás informado ele não anda lá muito bem na escola, portanto a dares-lhe uma ensaboadela das tuas. Espécie de um conselho de um irmão mais velho experiente”. Há quem destetasse o bacalhau até ir para a guerra, depois habituou-se a tudo, quando faltava um mês para regressar a mãe escreveu-lhe um aerograma a perguntar “o que tu gostavas que a mãe te fizesse, estava a pensar fazer um almoço e um jantar para uns amigos, diz-me o gostavas que a mãe fizesse”. E ele respondeu: “Faz o que tu quiseres, até bacalhau com batatas”.

Há namoradas, súplicas, arrufos, desânimos, as fúrias dele quando ela conta que participou numa festa, há narrativas envinagradas, há pedidos de fidelidade, tais como: “Gostava de te pedir que nunca abusasses das africanas porque há quem diga aqui na metrópole que os soldados brancos se servem das raparigas daí”. Há desabafos de solidão, há quem conte a autora muitos anos depois que chegou o anoitecer, pegou na motorizada e foi à casa onde a namorada trabalhava como ama. “Dirigimo-nos um ao outro e o reencontro deu-se num forte abraço e num longo e recatado beijo. O tempo suficiente para nos apaziguar toda a saudade que evaporava de nós naquele momento”. Há quem ajudasse os camaradas analfabetos, recorda alguém escreveu cinco aerogramas com cinco endereços diferentes que começavam sempre assim: “Meu eterno amor: aqui longe de ti e das tuas caricias passei mais um domingo só. Só com a minha dor e o meu desespero e como este outros domingos já se passaram e muitos mais tenho de passar e eu tal como a maioria dos meus colegas temos de resistir a esta tragédia quando ainda há pouco tínhamos uma vida tão alegre”. E o escrevinhador de então comenta a autora: “Escrevia frases de todos os géneros. Muitas de cariz sexual. Pedidos dos maridos para as esposas se portarem bem. Muitas juras de amor que, na maioria das vezes, se foram perdendo com o decorrer dos dias. Li cartas de mães extremamente pungentes”. Há muitas zangas pelo caminho que vão sarar na carta seguinte, há quem escreva dando pormenores, caso das descrições da ceia de Natal.

Há correspondência de marido e mulher e quem, pelo caminho, também mantinha cartas com as madrinhas de guerra. O artista Manuel Botelho, com Marta Martins da Silva conversou, montou uma instalação baseada num grande maço de cartas que adquiriu na Feira da Ladra, explorou admiravelmente o entusiasmo narrativo dos primeiros meses, de ambos os lados, e gradualmente foi grassando uma melancolia, uma inquietação, os últimos meses eram manifestamente duríssimos, o casal afligir-se com a dor de tanta espera e até o medo de sucumbir mesmo em cima do regresso.

Às madrinhas de guerra, caso houve acabaram em casamento, um afilhado descobrira o mau casamento que fizera, houve divórcio e veio a entender-se muito bem com a sua madrinha. São histórias maravilhosas, nota-se que o grau de desabafo ganha intensidade, o tempo passa e a intimidade cresce. Há um relato soberbo que a autora apanha por inteiro e vale a pena reproduzir, ele regressa à metrópole, “vê-la pela primeira vez foi engraçado. Eu sabia que ela era pequenina, eu tinha 1,65m e era magrinho, cheguei ao pé dela para lhe dar um beijinho, mas ela baixou-se e deu-lhe um beijinho na cabeça”. Despede-se da fábrica em Alcobaça e vai para Setúbal, trabalham juntos. “Namorávamos quando íamos e vínhamos do trabalho, depois à noite ia à casa dela namorar mais um bocadinho, mas sempre vigiados, ninguém me conhecia e surgiram determinados boatos a meu respeito e a família dela tinha medo”. Para conseguir casar com a sua amada, que antes de ver ao vivo conheceu por carta, contou com grande ajuda do padrasto. “Foi ele que me deu tudo para eu casar. Eles queriam que eu vivesse com eles, mas eu quis alugar uma casa. A renda era cara, e embora eu ganhasse mais ou menos bem, as coisas foram difíceis no principio”.

E não há cartas de amor sem as cartas de dor, tantas vezes elas se confundiram, é dessas dores que falaremos em seguida, é um dos pilares determinantes desta bela reportagem de investigação que ninguém deixará indiferente.

(continua)

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Nota do editir

Último poste da série de 29 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22762: Notas de leitura (1396): "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins da Silva; Saída de Emergência, 2021, com prefácio do general Pezarat Correia (1) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22762: Notas de leitura (1396): "Cartas de Amor e de Dor", por Marta Martins da Silva; Saída de Emergência, 2021, com prefácio do general Pezarat Correia (1) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
As toneladas de correio que ligavam diariamente os militares às suas famílias é material que pouco pesa na historiografia das guerras que travámos em África. Eram predominantemente aerogramas, mas não faltavam cartas e bilhetes-postais, eram uma âncora afetiva tão poderosa que alguns escritores registaram e ainda nos tocam profundamente as descrições da chegada do correio. Marta Martins Silva desvela o papel desta correspondência através de uma significativa reportagem de investigação que começara pela narrativa das madrinhas de guerra e que ela agora prolonga com talento com o recurso a livros, documentos avulsos e muitas entrevistas. Foi hábil quando nos dá uma sinopse das cartas na I Guerra Mundial, para termos um termo de comparação com tudo o que se seguiu a partir de 1961, é óbvio que a narrativa afetiva alcançou outra dimensão mas a jornalista primou pelo cuidado de demarcar eflúvios amorosos, estados de saudade, dissimulações para não dar à família preocupações sobre as hostilidades da guerra, das cartas de dor, porque quem combatia também iria ser confrontado com anúncios de mortes, houve mentes perversas que endereçaram cartas anónimas e houve quem, por carta, soubesse que tinha perdido familiares ou o seu maior amigo. O mínimo que se pode pedir a Marta Martins Silva é que continue a explorar este lado obscuro da vida íntima dos antigos combatentes enquanto é tempo, para que a historiografia não fique meramente confinada a factos documentais irrefutáveis (e refutáveis) e se sinta o pulsar e o estado de ânimo de quem escreveu aquelas toneladas de correspondência que enchiam a vida daqueles jovens de camuflado de promessas de esperança.

Um abraço do
Mário



Cartas de Amor e de Dor, por Marta Martins Silva (1)

Mário Beja Santos

Descobriu na sua atividade jornalística na revista Domingo do Correio da Manhã, através de desabafos de antigos combatentes, que há uma vertente de guerras gradualmente sumidas na memória dos portugueses que merece ser revitalizada, é constituída por aerogramas, cartas, bilhetes-postais, folhas de apontamentos, fotografias, é um acervo de consulta marginal pelos historiadores e investigadores dos diferentes países envolvidos. No entanto, são documentos onde podemos aquilatar a vida emocional desses jovens, abruptamente retirados de um ambiente familiar, de uma profissão ou dos estudos, e que vazam na escrita o que descobrem em novas paragens, nem sempre contidos nas saudades, por vezes discretos na narrativa da hostilidade permanente, perguntando pela família e pelos amigos, disfarçando os estados de alma com descrições pacíficas sobre a comida, a vida do quartel, omitindo, tanto quanto possível, quem morre e quem se sinistra. Marta Martins Silva procura veios novos para interpretar o universo psicológico destes jovens vestidos de camuflado. Começou por os pôr a conversar com as madrinhas de guerra, e agora, em "Cartas de Amor e de Dor", Desassossego, chancela do grupo Saída de Emergência, 2021, parte de cartas da I Guerra Mundial, fala-nos do ano de 1961 em Portugal, explica a não-iniciados os dados fulcrais do Serviço Postal Militar e então entramos numa grande torrente, primeiro a do amor, os parentes mais próximos, as namoradas e as mulheres e todo este ímpeto epistológrafo desagua numa dor que não se pode esquecer, os pais que reclamam o corpo do filho, a carta que anuncia a morte de um amigo muito querido num outro teatro de guerra, as cartas anónimas infamantes. Uma verdadeira surpresa, esta reportagem com investigação descobre algumas pepitas de ouro e seguramente que contribuirá para que o olhar dos historiadores e investigadores deixe de ficar indiferente a estas toneladas de correspondência.

O General Pezarat Correia logo chama a atenção no prefácio de que o foco da obra é o drama humano da guerra na forma de correspondência, exalta o modo como a autora contextualiza a época e o ambiente, ela tem uma preocupação maior, a lembrar ao leitor, sobretudo das novas gerações, que aqueles soldados que regressavam não eram os mesmos homens que tinham partido. A importância para o estudo da História também não escapa ao prefaciador, logo a evolução do estado de espírito, as formas patrioteiras de 1961 vão-se apagando com a guerra prolongada. Direi da minha parte que há um outro ângulo da correspondência militar que merece a melhor atenção de quem investiga: a evolução do estado de espírito ao longo dos dois anos de comissão e que bem se espelha na quantidade do que se escreve à chegada ao teatro de operações, como o cansaço se torna indisfarçável, quase intolerável a atitude de inquietação nos últimos meses, é uma escrita agitada, um tanto sintética, o correspondente paira entre dois mundos, mesmo inconscientemente sabe que quando chegar ao lugar onde tão ansiosamente o esperam ele é outro.

Estamos na I Guerra Mundial, a primeira carta da Maria para o António é escrita num Portugal ceifado pela gripe pneumónica, já houvera a cena apocalítica de La Lys, a autora fala-nos de África, onde igualmente combatemos, do Serviço Postal, temos um padre jornalista, José Ferreira de Lacerda, fundou o jornal "O Mensageiro", em Leiria, em 14 de julho escreve ao amigo: “Agora estão as granadas a rebentar a uns 500 metros de onde estou. Não vejo o efeito porque não tenho tempo a perder, mas sinto os franceses a passar debaixo da janela do meu quarto a retirarem das proximidades dos rebentamentos. Os alemães, com os tiros que fazem neste momento, não matam a milésima parte. Tenho três feridos da minha freguesia, um gravemente, mas todos por desastre. Se quiser amanhã de manhã ver os efeitos das granadas, venha daí. Agora não, que é perigoso!”. Cumprimenta o padre José Ferreira de Lacerda, alferes capelão-militar da 3ª Brigada de Infantaria. E ficamos conhecedores de quem foram as primeiras madrinhas, tem a palavra um prestigiado arqueólogo, Afonso do Paço, é uma correspondência que acompanha quem ficou prisioneiro dos alemães e há um alferes de infantaria, João Valadares Costa, prisioneiro na Alemanha que pede à sua boa mamã conservas, manteiga, marmelada, chocolate, bolacha, mas também bacalhau grosso, alho, cebola, pimenta e muito mais, tudo que deve ser remetido bem-acondicionado e fechado. “Peço que também me mandem umas alparcatas, uma escova de dentes boa, e duas pastas Couraça, sabonetes e sabão”. Há quem escreva aos maridos com a euforia de o saber vivo, aproveitando a circunstância para falar dos palavrões que o sogro profere, já supunham que o seu querido homem tinha batido a bota: “Porque o teu pai já te andava a fazer os funerais do que tu tinhas em nossa casa, era a tua roupa que queria ir buscar a nossa casa. Quer com respeito aos dois relógios ele assenhorou-se de ambos, diz ele que não me dá nenhum”. Há quem foi combater a França e por lá ficou constituindo família, a autora fala mesmo em histórias edificantes. E temos o Armistício e o Comité de Socorros aos Militares. E assim chegamos a 1961, um dos primeiros que parte para Angola, Etelvino da Silva Baptista escreveu no seu diário: “Embarco ao meio-dia. Não posso descrever o que me custou a partida. Ainda muito depois de perdermos a costa de vista havia muitos camaradas que choravam. A bordo havia música por todos os lados para nos distrairmos. Andei a percorrer todos os cantos do navio. São 10,20 vou-me deitar. Estou a lembrar-me muito especialmente da Isabel e apetece-me chorar, mas não posso”.

A autora contextualiza os acontecimentos que preludiam o início da guerra de Angola, para o Estado Novo 1961 foi um ano horrível. Sufocada a tentativa de mudança de regime, Salazar manda partir para Angola, rapidamente e em força, dá-nos troços de cartas de mães e mulheres a pedir cautelas, temos aqui cartas deles com arroubos patrióticos, o esforço de recuperação das povoações abandonadas e ocupadas pela UPA, era a reconquista do Norte de Angola. Desta feita, temos um novo modelo de Serviço Postal Militar, cuja génese aparece filiada ao Movimento Nacional Feminino, esta instituição procura zelar pela situação de militares doentes ou pão de família, é inevitável a referência a Cecília Supico Pinto para se entender a criação do aerograma e como este foi peça fundamental na correspondência dos militares durante a guerra. Marta Martins Silva fala-nos do apelo que este Movimento lançou para o apoio aos militares através da figura da Madrinha de Guerra. Algum desse correio tornar-se-á conhecido, como aquele que o escritor António Lobo Antunes enviou à sua mulher Joana, deu origem ao livro D’este viver aqui neste papel descripto: “Nesta terra tenho enterrado os melhores meses da minha vida e, se calhar, também, a maior parte dos anos da minha velhice. Isto gasta por dentro como um cancro. E o que mais me custa é o coeficiente do absurdo desta aventura. É um preço caro o que estou a pagar para poder um dia viver aí. E tu, então, casada com uma espécie de fantasma! Pai de uma criança que não conheço, marido de uma mulher com quem não posso falar e a quem não posso tocar. Condenado a uma horrível solidão. Condenados os dois a uma horrível solidão”.

E agora, sim, vão começar a jorrar as cartas de amor.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22743: Notas de leitura (1395): "Nunca digas adeus às armas: os primeiros anos da guerra da Guiné", de António dos Santos Alberto Andrade e Mário Beja Santos, Lisboa, Edições Húmus, 2020: um livro escrito com autoridade (João Crisóstomo, Nova Iorque)

segunda-feira, 22 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22740: Notas de leitura (1394): "Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes; Edições Desassossego, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,

É uma terna surpresa, esta investigação de Marta Martins da Silva, uma viagem circundante pelas guerras do Império, as madrinhas de guerra vinham procurar aplacar a solidão daqueles jovens que procuravam amarras na comunicação com o mundo de onde provinham, alguém fora dos contatos estabelecidos pelos vínculos familiares ou um quadro afetivo de onde se sabia de antemão que vinham abraços de coragem, família e amigos situavam uma atmosfera de identidade, as madrinhas de guerra era outra coisa, propiciavam oportunidade de abrir portas a um mundo desconhecido, quem escrevia ignorava a vida do outro e numa espiral podia crescer a intimidade, a madrinha enviava dados da sua vida e prometia companhia a quem combatia lá longe. 

Marta Martins da Silva vai ao passado da I Guerra Mundial, exatamente como faz agora com livro recém-publicado e intitulado Cartas de Amor e de Dor, recordações íntimas e poderosas do Ultramar, Edições Saída de Emergência, 2021, de que mais tarde falaremos. Posso estar equivocado, mas não há relato tão belo sobre o desempenho destas mulheres anónimas como este livro que se revela um verdadeiro prodígio de História Oral.

Um abraço do
Mário



A madrinha de guerra sabe que é importante distrair o seu afilhado

Mário Beja Santos

"Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes, Edições Desassossego, 2020, é um livro surpreendente, pela inovação da pesquisa, pela abrangência do tratamento da temática, pelas questões sociológicas que ousa levantar. E Carlos de Matos Gomes abre as hostilidades com um magnífico prefácio:

“É uma obra sobre as estratégias pessoais dos jovens portugueses feitos soldados para preservarem a corrente que os liga à origem, para resistirem às várias mortes, a física e a emocional. As madrinhas de guerra constituíram uma das amarras que permitiram ao mobilizado continuar a fazer parte da sua comunidade, enquanto ser social (…)

A correspondência trocada entre os militares portugueses e as suas madrinhas de guerra revela que aquela não era uma guerra que pudesse ser ganha por aqueles soldados. As primeiras cartas falam do cumprimento de um dever, de um tributo a pagar, mas, logo de seguida, do regresso, do vazio da missão que cumprem. Não se vislumbra nenhum sentimento de orgulho por estarem os militares mobilizados a contribuir para uma vitória ou para uma grande causa. As cartas manifestam, isso sim, preocupações com a sobrevivência, com o desejo que o tempo passe sem deixar grandes marcas (…) 

Da leitura das cartas subentendemos que a guerra também foi o pretexto para procurar uma companhia, um destino, um futuro. Umas vezes o resultado foi feliz, noutras nem tanto. Em muitos casos, os correspondentes e as madrinhas perderam o rasto um dos outros. Quando as promessas trocadas nos aerogramas não se concretizavam na chegada dos militares à metrópole, muitas madrinhas e muitos dos mobilizados acabaram por queimá-los e a outras recordações da guerra, como um adeus ao passado. Marta Martins Silva reconstrói com emoção parte dele”.

A primeira surpresa que a autora nos proporciona é falar-nos de um livro de um pioneiro da arqueologia, Coronel Afonso do Paço que escreveu o livro "Cartas às madrinhas de guerra", com data de 1929, e nos fala da guerra das trincheiras. E temos a história de um grupo de mulheres que incentivou esta forma de comunicação, os extratos que a autora nos oferece dão conta da evolução do estado de espírito do combatente Afonso do Paço, basta o extrato de uma carta de fevereiro de 1918:

“Se a madrinha soubesse o quanto nós sofremos nesta vida de trincheira!? Se pudesse imaginá-lo!? Diria que era uma vida inteira votada à dor e ao sofrimento, porque só de dor e sofrimento é feita a nossa vida na trincheira. Sofre-se de metralha que nos corta as carnes em paroxismo de dor. Sofre-se de gases que nos queimam o corpo, que secam as goelas, fazem espirrar como cabritos ou chorar como Madalenas. Sofre-se de frio, os pés na lama, a roupa pegada ao corpo, as articulações emperradas de reumatismo. Sofre-se de piolhos que nos roem a pele. Sofre-se na terra de ninguém rastejando sobre a lama ou cadáveres em putrefação”.

E daqui partimos para os aerogramas, em Jumbembém Manuel de Sousa vai contando o seu fadário, e vem logo a propósito conhecer a popularidade do chamado bate-estradas, grátis para um militar, a preço insignificante para as famílias, envolveu o Movimento Nacional Feminino (MNF), o Serviço Postal Militar, a TAP, os transportes marítimos. 

A dirigente do MNF, Cecília Supico Pinto, define a competência da madrinha: escreve ao afilhado pelo menos todas as semanas, procura ser sempre agradável, versando os assuntos que mais possam interessá-lo, escreve para o distrair. Porque, como nos recordou Carlos Matos Gomes, quem partiu para aqueles teatros de guerra a tudo quer resistir quando sentiu que quebrava uma ligação ao que lhe era matricial à sua terra, à sua família, à sua comunidade, aos seus projetos de vida. E a autora desenvolve habilmente a origem e o sucesso deste meio de comunicação, dá-nos o essencial do que foi o papel do MNF, como se chegava à madrinha de guerra, muitas vezes era graças às revistas mais populares da época, caso da Crónica Feminina, talvez o maior sucesso de todos os tempos em Portugal de uma revista de entretenimento. Um meio que permitiu enredos, aproximações que levaram à descoberta do amor ou que respeitaram à mera formalidade da ajuda que era pedida para distrair um militar.

E temos uma correspondência que permite conhecer o perfil de quem escreve, como vive, do que gosta, como ocupa o tempo, como trabalha. O militar responde, começa então respeitoso e vai-se desprendendo, pergunta se há namorado na costa, pede fotografia, umas vezes é comedido a descrever os horrores da guerra, outras vezes não tanto, trabalha na padaria, na manutenção de viaturas ou na secretaria, e não quer dar parte de fraco. 

Essa riqueza epistolar é-nos dada pela autora através de uma transcrição muito bem escolhida que intitula “Amor em tempo de guerra”, no fundo o triunfo dos aerogramas, tudo vai acabar bem, no altar ou na conservatória, com o copo-de-água possível. O primeiro contacto é sempre tocante, caso de Mário Silva para a menina Rosa Maria:

“Menina, você dizia-me que gostava de saber de onde eu era, pois eu sou de aí de perto, tão perto que pertenço à mesma freguesia. Sou natural de Vilarinho, mas já vivo fora da terra natal há 10 anos, estando os últimos anos como padeiro em Lisboa. Menina, quando me escrever, não se importava de me mandar dizer se é natural de Cacia e ao mesmo tempo agradecia que me trates por tu. Se por acaso a menina não se importasse podíamos escrever como madrinha e afilhado? Agradeço uma vez mais a atenção dispensada".

Nem todos os casamentos irão ocorrer pouco depois da chegada do jovem, a autora deixa-nos para o fim um amor de longa espera entre Maria do Céu Cadima e Fernando Paredes. A Maria do Céu nunca deu ao Fernando qualquer sinal de que queria ser mais do que a sua madrinha de guerra, nunca se ultrapassava a linha da amizade, o Fernando queria mais. A vida trocou-lhes as voltas, Fernando casou com Maria Olinda, sem nunca deixar de pensar na sua Céu. A mulher de Fernando adoeceu e morrer em 2010, pouco depois Fernando também adoeceu com linfoma nos ossos, chegou a ir viver para um lar, onde contava a sua antiga história de amor, os moradores, comovidos, encorajaram-no a encontrar-se com a amada. E como no romance de Gabriel García Márquez, "O Amor nos Tempos de Cólera", cinquenta anos depois, Fernando plantou-se à porta da Céu, ela disse que não mas aceitou reatar a amizade. O resto merece ser transcrito:

“Casaram a 13 de maio de 2015 pelo civil e a 1 de agosto passaram a morar os dois em Alfarelos, a terra do noivo. O casamento pela igreja fez-se a 7 de novembro, na Igreja de S. Martinho, em Montemor-O-Velho, a terra da noiva. A cerimónia teve guarda de honra dos Bombeiros Voluntários. Mas a felicidade que tardou a chegar para o casal não ficou durante muito tempo e por isso Céu não pôde ajudar Fernando a contar esta história, a história de um amor que venceu passado 50 anos com uma guerra pelo meio e muitas adversidades. ‘Só estivemos juntos um ano e meio, a Céu teve uma pneumonia e como tinha as defesas em baixo não resistiu a uma bactéria hospitalar. Foi um golpe duro depois de tanto lutarmos por este amor’, conta Fernando comovido. Céu, a fininha de voz doce que lhe disse naquele primeiro baile que não sabia dançar, morreu no dia 8 de janeiro de 2016. ‘Céu, eu nunca te vou esquecer’."

E com este ponto culminante finda um itinerário que é mar ignoto para as novas gerações, tudo parece inacreditável ter havido mulheres que escreviam a um desconhecido, por sugestão do Movimento Nacional Feminino, dando alento e por vezes lugar a declarações apaixonadas, algumas que chegaram ao altar.

É uma dádiva maravilhosa, a de Marta Martins Silva, pôr estas mulheres esquecidas em cena pela voz das próprias, acabaram por ser protagonistas de uma guerra que seguramente nada lhes dizia, cumpriram o seu dever e até por vezes encontraram amor para toda a vida.

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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22721: Notas de leitura (1393): "História da África Contemporânea, da Segunda Guerra Mundial aos nossos dias", por Marianne Cornevin, I Volume; Edições Sociais, 1979 (2) (Mário Beja Santos)

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21644: Notas de leitura (1329): "Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes; Edições Desassossego, 2020 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Dezembro de 2020:

Queridos amigos, 

A jornalista Marta Martins Silva está de parabéns, dá-nos de forma tocante a missão das madrinhas de guerra, tanto na I Guerra Mundial como nos teatros de guerra em África, nos tempos da luta de libertação das colónias. É uma obra que qualquer combatente pode e deve mostrar aos filhos e netos, seguramente alheios a este fenómeno de mulheres completamente esquecidas e que tiveram um papel exemplar no suporte moral de inúmeros militares. 

Já sabíamos muito sobre a história dos aerogramas e do Movimento Nacional Feminino, mas a autora, que recorre a uma investigação cuidada e apela ao testemunho lembra-nos fenómenos ímpares como o de Maria Estefânia Anacoreta que gravava as vozes das mães, mulheres e noivas e que se deslocava a África até encontrar os fiéis destinatários. Recolhe uma dimensão triunfal deste tumulto de aerogramas e outra epistolografia, quando tudo acaba no altar ou na conservatória. E com sinceridade diz a autora: 

"Cada vez que segurei no aerograma ou numa carta trocada entre um soldado e uma madrinha de guerra foi-me inevitável pensar na viagem que aqueles pedaços de papel tinham feito até chegar às minhas mãos, tantas décadas depois de terem sido lidos pela primeira vez pelos seus destinatários. Senti-me a espreitar, pelo buraco de uma pesada fechadura, a história daquelas pessoas que tinha à minha frente - e com a maior generosidade me permitiram fazê-lo - mas também a história de um país. "

Um abraço do
Mário



Madrinhas de guerra, a correspondência que ajudava a suprir a solidão

Mário Beja Santos

"Madrinhas de guerra, A correspondência dos soldados portugueses durante a Guerra do Ultramar", de Marta Martins Silva, prefácio de Carlos de Matos Gomes, Edições Desassossego, 2020, é um livro surpreendente, pela inovação da pesquisa, pela abrangência do tratamento da temática, pelas questões sociológicas que ousa levantar. 

E Carlos de Matos Gomes abre as hostilidades com um magnífico prefácio: 

“É uma obra sobre as estratégias pessoais dos jovens portugueses feitos soldados para preservarem a corrente que os liga à origem, para resistirem às várias mortes, a física e a emocional. As madrinhas de guerra constituíram uma das amarras que permitiram ao mobilizado continuar a fazer parte da sua comunidade, enquanto ser social (…) 

A correspondência trocada entre os militares portugueses e as suas madrinhas de guerra revela que aquela não era uma guerra que pudesse ser ganha por aqueles soldados. As primeiras cartas falam do cumprimento de um dever, de um tributo a pagar, mas, logo de seguida, do regresso, do vazio da missão que cumprem. Não se vislumbra nenhum sentimento de orgulho por estarem os militares mobilizados a contribuir para uma vitória ou para uma grande causa. As cartas manifestam, isso sim, preocupações com a sobrevivência, com o desejo que o tempo passe sem deixar grandes marcas (…) 

Da leitura das cartas subentendemos que a guerra também foi o pretexto para procurar uma companhia, um destino, um futuro. Umas vezes o resultado foi feliz, noutras nem tanto. Em muitos casos, os correspondentes e as madrinhas perderam o rasto um dos outros. Quando as promessas trocadas nos aerogramas não se concretizavam na chegada dos militares à metrópole, muitas madrinhas e muitos dos mobilizados acabaram por queimá-los e a outras recordações da guerra, como um adeus ao passado. Marta Martins Silva reconstrói com emoção parte dele”.

A primeira surpresa que a autora nos proporciona é falar-nos de um livro de um pioneiro da arqueologia, Coronel Afonso do Paço que escreveu o livro "Cartas às madrinhas de guerra", com data de 1929, e nos fala da guerra das trincheiras. E temos a história de um grupo de mulheres que incentivou esta forma de comunicação, os extratos que a autora nos oferece dão conta da evolução do estado de espírito do combatente Afonso do Paço, basta o extrato de uma carta de fevereiro de 1918:

“Se a madrinha soubesse o quanto nós sofremos nesta vida de trincheira!? Se pudesse imaginá-lo!? Diria que era uma vida inteira votada à dor e ao sofrimento, porque só de dor e sofrimento é feita a nossa vida na trincha. Sofre-se de metralha que nos corta as carnes em paroxismo de dor. Sofre-se de gases que nos queimam o corpo, que secam as goelas, fazem espirrar como cabritos ou chorar como Madalenas. Sofre-se de frio, os pés na lama, a roupa pegada ao corpo, as articulações emperradas de reumatismo. Sofre-se de piolhos que nos roem a pele. Sofre-se na terra de ninguém rastejando sobre a lama ou cadáveres em putrefação”.

E daqui partimos para os aerogramas, em Jumbembém Manuel Sousa vai contando o seu fadário, e vem logo a propósito conhecer a popularidade do chamado bate estradas, grátis para um militar, a preço insignificante para as famílias, envolveu o Movimento Nacional Feminino (MNF), o serviço postal militar, a TAP, os transportes marítimos. 

A dirigente do MNF, Cecília Supico Pinto, define a competência da madrinha: escreve ao afilhado pelo menos todas as semanas, procura ser sempre agradável, versando os assuntos que mais possam interessá-lo, escreve para o distrair. Porque, como nos recordou Carlos Matos Gomes, quem partiu para aqueles teatros de guerra a tudo quer resistir quando sentiu que quebrava uma ligação ao que lhe era matricial à sua terra, à sua família, à sua comunidade, aos seus projetos de vida. 

E a autora desenvolve habilmente a origem e o sucesso deste meio de comunicação, dá-nos o essencial do que foi o papel do MNF, como se chegava à madrinha de guerra, muitas vezes era graças às revistas mais populares da época, caso da Crónica Feminina, talvez o maior sucesso de todos os tempos em Portugal de uma revista de entretenimento. Um meio que permitiu enredos, aproximações que levaram à descoberta do amor ou que respeitaram à mera formalidade da ajuda que era pedida para distrair um militar. 

E temos uma correspondência que permite conhecer o perfil de quem escreve, como vive, do que gosta, como ocupa o tempo, como trabalha. O militar responde, começa então respeitoso e vai-se desprendendo, pergunta se há namorado na costa, pede fotografia, umas vezes é comedido a descrever os horrores da guerra, outras vezes não tanto, trabalha na padaria, na manutenção de viaturas ou na secretaria, e não quer dar parte de fraco. 

Essa riqueza epistolar é-nos dada pela autora através de uma transcrição muito bem escolhida que intitula “Amor em tempo de guerra”, no fundo o triunfo dos aerogramas, tudo vai acabar bem, no altar ou na conservatória, com o copo-de-água possível.

O primeiro contato é sempre tocante, caso de Mário Silva para a menina Rosa Maria: 

“Menina, você dizia-me que gostava de saber de onde eu era, pois eu sou de aí de perto, tão perto que pertenço à mesma freguesia. Sou natural de Vilarinho mas já vivo fora da terra natal há 10 anos, estando os últimos anos como padeiro em Lisboa. Menina, quando me escrever, não se importava de me mandar dizer se é natural de Cacia e ao mesmo tempo agradecia que me trates por tu. Se por acaso a menina não se importasse podíamos escrever como madrinha e afilhado? Agradeço uma vez mais a atenção dispensada". 

Nem todos os casamentos irão ocorrer pouco depois da chegada do jovem, a autora deixa-nos para o fim um amor de longa espera entre Maria do Céu Cadima e Fernando Paredes. A Maria do Céu nunca deu ao Fernando qualquer sinal de que queria ser mais do que a sua madrinha de guerra, nunca se ultrapassava a linha da amizade, o Fernando queria mais. A vida trocou-lhes as voltas, Fernando casou com Maria Olinda, sem nunca deixar de pensar na sua Céu. A mulher de Fernando adoeceu e morrer em 2010, pouco depois Fernando também adoeceu com linfoma nos ossos, chegou a ir viver para um lar, onde contava a sua antiga história de amor, os moradores, comovidos, encorajaram-no a encontrar-se com a amada. E como no romance de Gabriel García Márquez, "O Amor nos Tempos de Cólera", cinquenta anos depois, Fernando plantou-se à porta da Céu, ela disse que não mas aceitou reatar a amizade. O resto merece ser transcrito: 

“Casaram a 13 de maio de 2015 pelo civil e a 1 de agosto passaram a morar os dois em Alfarelos, a terra do noivo. O casamento pela igreja fez-se a 7 de novembro, na Igreja de S. Martinho, em Montemor-O-Velho, a terra da noiva. A cerimónia teve guarda de honra dos Bombeiros Voluntários. Mas a felicidade que tardou a chegar para o casal não ficou durante muito tempo e por isso Céu não pôde ajudar Fernando a contar esta história, a história de um amor que venceu passado 50 anos com uma guerra pelo meio e muitas adversidades. ‘Só estivemos juntos um ano e meio, a Céu teve uma pneumonia e como tinha as defesas em baixo não resistiu a uma bactéria hospitalar. Foi um golpe duro depois de tanto lutarmos por este amor’, conta Fernando comovido. Céu, a fininha de voz doce que lhe disse naquele primeiro baile que não sabia dançar, morreu no dia 8 de janeiro de 2016. ‘Céu, eu nunca te vou esquecer’

E com este ponto culminante finda um itinerário que é mar ignoto para as novas gerações, tudo parece inacreditável ter havido mulheres que escreviam a um desconhecido, por sugestão do Movimento Nacional Feminino, dando alento e por vezes lugar a declarações apaixonadas, algumas que chegaram ao altar.

É uma dádiva maravilhosa, a de Marta Martins Silva, pôr estas mulheres esquecidas em cena pela voz das próprias, acabaram por ser protagonistas de uma guerra que seguramente nada lhes dizia, cumpriram o seu dever e até por vezes encontraram amor para toda a vida.

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Nota do editor

Último poste da série de 7 de dezembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21619: Notas de leitura (1328): “Socialismo na Guiné-Bissau: problemas e contradições no PAIGC desde a independência”, na Revista Internacional de Estudos Africanos, N.º 1, Janeiro-Junho 1984 (Mário Beja Santos)