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sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27523: Notas de leitura (1873): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (4) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Há qualquer coisa de insólito no facto de este Boletim não se ter publicado durante o primeiro semestre de 1961, fala-se em agitações, mas não se dá qualquer explicação. O ano anterior fora simultaneamente de alguma pompa e circunstância, dera-se a inauguração da sede ali mesmo na Praça do Império, exaltou-se a boa comunicação existente entre a Associação Comercial Industrial e Agrícola e o Governo. Mas surgiam problemas novos, os djilas mercadejavam tudo e mais alguma coisa, impunha-se fiscalização; esse ano de 1960 fora marcado por uma quebra nas produções de mancarra e de arroz. Chegados agora a um novo ano apelava-se a uma campanha do coconote com mais regras; lembrava-se, já que havia um grande plano de obras para a regularização do Geba e aproveitamento de terrenos para a agricultura, que não se esquecesse a borracha, bem merecia o incentivo, pois dela havia bastante procura mundial. Pela primeira vez o Boletim faz uma observação clara sobre a situação política que se vive na Guiné, veja-se o que se escreveu:
"1200 mancebos guinéus ofereceram-se para dia e noite manter os matagais até desalojarem por completo os sediciosos desvinculados das tribos e dos parentes, ora convertidos em sectários do mal e da destruição indistinta por virtude de ensinamentos pérfidos ministrados por profissionais da desordem. Com Fulas, Balantas e Mandingas, raças tradicionalmente pouco afins, fundou-se a mais eficaz, aguerrida milícia da guiné portuguesa, numa voluntariosa demonstração de que nos filhos desta terra pacífica sobreleva, de quaisquer considerações de hegemonia, a comunhão fraterna imperante. 1200 homens que as populações regionais - Mansabá e Farim - de diversas etnias sustentam quando em serviço de perseguição aos guerrilheiros a monte, numa tão estreita e valorosa coadjuvância, que formulo sérias dúvidas se nós, civilizados da capital da Província, saberemos imitá-los. E lá para o Xime, ativa milícia de cerca de 600 naturais nasceu e várias outras em fluxo constante se organizam." Assinava A.J.F. Estávamos em outubro de 1962.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 4


Mário Beja Santos

Foi dada a explicação pelo presidente da direção de que não houvera condições para publicar nos primeiros meses o Boletim da Associação Comercial. Abre-se este primeiro Boletim e surge-nos uma surpresa, o Conselho Técnico da Associação, Dr. Artur Augusto Silva, vem falar-nos do novo franco da Guiné:
“A vizinha República da Guiné acaba de abandonar a zona do franco e de criar uma moeda sua. Este facto, que se situa na linha da evolução antifrancesa que a jovem república tem seguido desde que abandonou a comunidade, causou certa surpresa nos meios internacionais, que não esperavam uma medida tão grave numa altura em que os nossos vizinhos do sul estão atravessando uma crise económica bastante acentuada.
Esta medida entrará em vigor no próximo dia 1 de Março e, embora não tenhamos elementos que possam servir-nos para alicerçar conclusões seguras, afigura-se-nos altamente prejudicial para os interesses dos nossos associados, uma vez que nas regiões da fronteira Leste a maior parte do comércio se faz à base do franco CFA.

Criado o franco guinéu cuja cotação dos mercados nacionais não oferece segurança e que neles não terá qualquer procura, ficarão os comerciantes da nossa Guiné na impossibilidade de receber aquela moeda em pagamento dos produtos que vendiam aos nossos vizinhos.
Poderia o franco guinéu servir localmente como um instrumento de trocas, uma vez que a vizinha Guiné nos costuma vender couros, mel, cera e borracha.
Mas, segundo informações dignas de crédito, que nos vêm chegando, tem afrouxado muito, ultimamente, a entrada de couros e borracha, em virtude já das dificuldades postas pelas autoridades vizinhas, já da maior cotação daqueles produtos na República da Guiné.
Por outro lado, a cotação do mel da nossa Guiné baixou tanto que já se nota o evidente desinteresse por parte dos produtores indígenas e o desinteresse pelo mel sente-se consequentemente à cera: não havendo produção de mel, não há cera.

Conseguirá a República da Guiné impor a sua moeda nos mercados internacionais e dar-lhe aquela estabilidade geradora de confiança?
A solução dos problemas económicos dos nossos vizinhos está ainda no limbo das hipóteses, pelo que se torna extremamente difícil fazer previsões.
País subdesenvolvido – embora com admiráveis perspetivas – a República da Guiné tem-se preocupado mais com a politização das massas do que com a planificação económica, facto que o próprio Sékou Touré reconheceu ainda recentemente. De qualquer forma, a adoção pela vizinha Guiné de uma nova moeda não se nos afigura de bom augúrio para o nosso comércio da região Leste da Província.”


A direção da Associação Comercial sentiu-se profundamente da medida política definida pelo Governo de Lisboa acerca da política açucareira. Daí o teor do ofício enviado ao Ministro do Ultramar em 16 de agosto.

A direção da Associação tinha-se reunido em sessão extraordinária para apreciar o Despacho do Governo que definia a futura política açucareira e vinha agradecer ao Ministro que atendia aos interesses da economia da Guiné. Acontecia, porém, que o Despacho em referência esclarecia “haver a considerar a possibilidade de instalação de uma indústria açucareira na guiné e o desaparecimento das pequenas indústrias rurais”.

Mas a seguir ao agradecimento vinha o queixume:

“O que, no entanto, não define, mas carece de tal é, qual o fim a dar às 25 pequenas unidades agora existentes e que, necessariamente, têm de desaparecer, isto é, o princípio ou critério que deve adoptar-se para a justa medida de indemnização e por quem deva ser feita uma vez tudo indicar que essas pequenas instalações industriais não podem subsistir. Aos seus proprietários só resta o dilema de passarem a simples agricultores de cana, mas há que prever com o tempo a indemnização devida e de modo a não ilusões que sujeita a invitáveis prejuízos muito de supor em tais casos.

Outro lado deste problema e de não menor importância para o qual ousamos chamar a atenção de Vossa Excelência, certos da sua plena concordância achando-o de toda a justiça é o da formação do capital da empresa e seu modo de distribuição:
Diz o Despacho reservar-se 30% do capital aos ‘produtores ultramarinos de açúcar de cana’ e, muito naturalmente, como ao presente nenhum existe na Guiné Portuguesa, esta comparticipação é destinada exclusivamente aos atuais produtores de Angola e Moçambique o que significa pura e simples exclusão de comparticipação de capital ou economias da Guiné – o que não é justo nem pode satisfazer quer aos que por estas mourejam há muitos anos vindos de longe quer aos naturais evoluídos que do assunto se apercebem e dele tirem as suas conclusões.”


É um teor de carta dilacerante em que se apela a disposições como a indemnização, a reserva de participação do capital da futura empresa açucareira ao capital ou economias particulares da Guiné, pedindo-se mesmo que a sede da empresa tenha de ser obrigatoriamente na Guiné.

A campanha do coconote, como se tem visto, é tema recorrente. Pede-se a atualização do valor fiscal do coconote, fazendo-o corresponder à cotação efetiva e em prática na Província: 1$90 por kilo nos portos de embarque; caso contrário, voltarão por certo a repetir-se as imobilizações dos armazéns de consideráveis quantidades do produto. Mas os comerciantes também chamam a atenção do governador para outras duas consequências: aviltamento de preço de compra aos naturais; retraimento muito sensível nas aquisições àqueles.

Na prática apresentar textos divulgativos, num desses números vem um artigo sobre a borracha, uma riqueza inaproveitada. Faz-se um apelo ao Diretor da Fazenda para que os técnicos encarem a borracha como um elemento primordial de fomento da Guiné, a pessoa que assina o artigo recorda as verbas avultadíssimas para as obras de regularização do Geba, tudo a cargo da Brigada de Estudos Hidráulicos da Guiné, há que potenciar riqueza, para além das cabeças de gado há que fomentar de novo os negócios da borracha.

Finalmente volta-se a falar da mancarra, dizendo-se num texto que no limiar da campanha de 1962-63 estamos com todos e contra todos na essência da orientação preconizada. Enviou-se uma exposição ao encarregado do Governo focando um conjunto de seis pontos: a conveniência de antecipar por uns dias a data da abertura da campanha, para eliminar a possibilidade de especulação no referente às compras aos agricultores nativos; a fixação dos contingentes exportáveis convém ser feita e ser conhecida pelos interessados antes da data da abertura oficial da campanha; é indispensável saber-se antes da abertura os preços fob-Bissau e cif-Lisboa para a mancarra e para a ginguba (nome dado em Moçambique ao amendoim) estabelecidos pela Metrópole; fixação dos contingentes de exportação com interferência da Comissão Reguladora das Oleaginosas; pede-se o estabelecimento de dispositivos militares de proteção aos locais de recolha e armazenagem do produto no interior; entende a Associação Comercial que é inadiável a introdução dos nossos produtos agrícolas nos mercados internacionais, de forma a que a correspondente obtenção de divisas equilibre as despendidas pela Guiné nas aquisições do estrangeiro e ocasione também uma maior segurança económica para todas as vezes que a Metrópole não se disponha a absorver pela totalidade das produções locais – facto, infelizmente, muito repetido.

Pastor Mancanha
Tocadores de tambor
Resolução da divergência matrimonial
Homem Nalú

Estas quatro últimas imagens foram retiradas do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa, anos de 1960 e 1961

(continua)

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Notas do editor:

Post anterior de 5 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27498: Notas de leitura (1871): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (3) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 8 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27506: Notas de leitura (1872): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (3) (Mário Beja Santos)

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