sábado, 19 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10967: Blogoterapia (221): As nossas vidas valiam pouco ou nada para quem ficava na retaguarda (Júlio Benavente)

1. Mensagem do nosso camarada Júlio Benavente, ex-Fur Mil da CCS/BCAV 1905, Teixeira Pinto, 1967/68, com data de 16 de Janeiro de 2013: 

Caros camaradas,
Gostava de vos mostrar a desorganização e a falta de ética militar por que passámos muitos de nós.

Em fevereiro de 1967 chegámos a Bissau pela manhã no navio Uíge.
Até aqui nada de especial, só que permanecemos, até às tantas da noite, a bordo, à espera que chegassem as LDGs que nos haviam de levar rio acima a Teixeira Pinto.

O mais curioso é que o nosso batalhão inteiro não tinha uma única arma, só os marinheiros que compunham a guarnição das LDGs é que tinham algumas metralhadoras.
Quem conhece esse rio, sabe como era fácil alguém, mesmo da margem, lançar algumas granadas para dentro das embarcações e matar dezenas de companheiros.

No dia a seguir à nossa chegada a Teixeira Pinto, eu furriel miliciano mecânico de armamento, mais o meu segundo comandante, major Luís Rodrigues de Carvalho, e o alferes de transmissões, voamos num Dornier de volta a Bissau onde eu fui levantar todo o armamento em caixotes e novamente metido na LDG regressei a Teixeira Pinto.

Escusado será dizer que todo o batalhão ficou cerca de uma semana sem uma única arma, com excepção das que o 7 ou 10 de espadas, que era o pelotão que fomos render, tinha.

Por outro lado, as G3 que vieram nos caixotes eram velhas e a maior parte delas encravava.
Nessa altura aquela zona de Teixeira Pinto era bastante agitada sempre com emboscadas, minas, etc!...

O Pelundo era mau, o Cacheu era mau, e muito especialmente Jolmete onde os ataques eram quase diários. Na única vez em que lá fui tive a sorte de nada acontecer.

A razão por que vos escrevo é para comentar o pouco ou nada que as nossas vidas valiam para gente que ficava sempre na retaguarda, dando ordens e estratégias para muitos de nós que passamos maus bocados naquela guerra. Felizmente isto não se aplica muito a mim.

P.S. -  Desculpem a falta de acentuação, mas estou a escrever num teclado americano, e alguns erros de composição e ortografia que possa ter dado, pois já estou um pouco enferrujado, já que vivo há 33 anos nos Estados Unidos da América.

Júlio Benavente
ex-furriel miliciano
CCS/BCAV 1905
North Providence
Rhode Island
USA
____________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10941: Blogoterapia (221): Fantasmas do fundo do baú... A morte, em 24/1/1971, do cap inf op esp Fernando Assunção Silva,1º comandante da CCAÇ 2796 , e meu amigo (Vasco Pires, 23º Pel Art , Gadamael, 1970/72)

Guiné 63/74 - P10966: Amílcar Cabral, um agrónomo antes do seu tempo (Carlos Schwarz, Pepito, eng agr) (Parte I)


Amílcar e Maria Helena recentemente chegados a Bissau


1. Em 11 do corrente, o sítio oficial da AD - Acção para o Desenvolvimento publicou um notável texto do nosso amigo Pepito sobre o eng agr Amílcar Cabral e o seu pensamento pioneiro, no domínio da agronomia. A meu pedido, ele de imediato me mandou esse texto, para publicação no nosso blogue.  Dividimo-lo em duas partes, a publicar por ocasião dos 40 anos do seu bárbaro e cobarde assassinato em Conacri, em 20 de janeiro de 1973. Cabral e a mulher, Maria Helena, portuguesa, silvicultora,  sua colega do ISA - Instituto Superior de Agronomia, eram amigos da família Silva (Artur Augusto Silva e Clara Schwarz Silva). Há um texto introdutório na página da AD. Aqui vai:  representa o ponto de vista dos nossos amigos, guineenses,  da AD,  não vinculando naturalmente o nosso blogue e os seus editores (LG).



Página oficial da AD - Acção para o Desenvolvimento


AD - Acção para o Desenvolvimento > Pensar Amílcar Cabral
11 jan112013

Este ano, no dia 20 de Janeiro, assinala-se o 40º aniversário do primeiro assassinato de Cabral, em Conakry.

Depois destes anos todos, os dados são mais claros, conhecendo-se muito melhor os organizadores, os mandantes e os coniventes, já que os executores nunca houve dúvidas sobre eles.

Embora haja quem persista em considerar, ao mesmo nível, a eventualidade da implicação de três organizadores: Spínola, Sekou Touré e alguns dirigentes do PAIGC, cada vez fica mais evidente que o principal organizador foi Spínola, que obteve aí a sua única vitória na vida.

Não foi uma vitória militar, porque ele nunca a teve, mas sim política. O ponto mais forte e simultaneamente mais fraco da Luta, era o da “unidade Guiné-Cabo Verde”. Ele conseguiu jogar essa cartada e mobilizar para a sua causa, militantes politica e mentalmente pouco preparados, predispostos para a traição e com uma ambição desmedida.

No 14 de Novembro, Cabral volta a ser assassinado no golpe de estado dirigido por Nino Vieira. Se durante 3 dias não se falou de PAIGC, já de Cabral então foi o silêncio completo durante longos anos.

Hoje, golpistas e seus mentores, voltam a agitar a bandeira de Amílcar Cabral, dizendo-se seus verdadeiros continuadores. Mas, porque nunca perceberam nem entenderam o pensamento de Cabral, falam do Cabral morto, não das suas ideias, posições políticas e opções ideológicas.

Saberão eles que Cabral recusou, no início da luta, deslocar-se à Argélia após o golpe de estado que derrubou Bem Bela, porque não pactuava com estes métodos?

Conta o jornalista-cronista francês, Gérard Chaliand, que acompanhou e divulgou a Luta de Libertação da Guiné-Bissau, no seu livro de memórias “A ponta da navalha” que quando disseram a Nelson Mandela “tu és o maior”, este respondeu com toda a simplicidade “não, o maior é Cabral”.

Quarenta anos depois, a AD partilha com todos um ensaio sobre o pensamento agronómico de Amílcar Cabral, “Um agrónomo antes do seu tempo”.

É o nosso pequeno contributo. 


2. AMILCAR CABRAL: UM AGRÓNOMO ANTES DO SEU TEMPO


Por Carlos Schwarz
(agrónomo)
Novembro
2012






À memória de meu pai Artur [Augusto Silva] que, desde criança
me incentivou, sem que eu me apercebesse,
a seguir os caminhos da agronomia;


À minha mãe Clara [Schwarz] que sempre esteve solidária 
com as minhas opções e nas mãos de quem vi, 
pela primeira vez e ainda nos tempos da ditadura, 
os símbolos do PAIGC; 

À Isabel [Levy Ribeiro] , minha forte e decidida companheira de sempre
nesta caminhada difícil mas extraordinária;


Aos meus filhos Cristina, Ivan e Catarina 
que partilham corajosamente e sem hesitações 
os sobressaltos políticos da vida dos seus pais;

Às minhas netas Sara e Clara com a esperança
de um dia poderem viver tranquilamente
na terra adiada com que Cabral sonhou.



AMILCAR CABRAL, 
UM AGRÓNOMO ANTES DO SEU TEMPO [, foto à direita,]


Aos 28 anos de idade, em Setembro de 1952, poucos meses após ter terminado o curso, regressava à terra que o viu nascer, o agrónomo Amílcar Cabral.

No pensamento trazia certamente as palavras que seu pai, Juvenal Cabral, escrevera no livro “Memórias e Reflexões”, quando se instalara em Bissau em 1911, após “ter deixado as rochas nuas da Paria Negra, da Achada Grande, do Lazareto, e cujo aspeto, severo e triste, parece simbolizar o sofrimento e a dor, meus olhos, maravilhados, contemplaram sem cessar a paradisíaca majestade da flora que, de modo misterioso parece emergir do mar! Por toda a parte árvores frondosas, lindos e esquisitos arbustos que, verdejantes, se espalham pelo solo como tapetes no chão”. “Tudo isto é opulência e vigor, é maravilha que encanta, é riqueza que seduz e predispõe um rapaz a encarar com otimismo a vida neste país.”

Esta visão de seu pai terá influenciado Amílcar Cabral a optar por exercer a sua profissão na Guiné, para além de que, naquela época, a agricultura em Cabo Verde estar votada ao abandono e onde a maior parte dos homens emigrava para o norte (EUA, Portugal e Holanda) à procura da sobrevivência e da vida, tanto mais que outros, desde o final do século XIX, demandavam a Guiné para se dedicarem à agricultura, especialmente cana-de-açúcar, quase sempre associada ao fabrico de aguardente de cana.

Um agrónomo que quisesse de facto exercer a sua profissão, teria de optar pela Guiné, onde tudo podia ser feito, onde tudo estava por fazer e onde a quase totalidade dos habitantes eram pequenos agricultores “indígenas”.

Acompanhava-o a sua primeira mulher, Maria Helena Rodrigues, silvicultora, que chegando 3 meses depois dele, ia conhecer pela primeira vez a cidade de Bissau, nessa altura uma pequena urbe com muito poucos habitantes, espalhados por duas zonas distintas: de um lado a cidade colonial, dita “civilizada”, que incluía a Fortaleza da Amura, o agora chamado “Bissau Velho”, o porto de Pindjiguiti e a avenida da Republica, hoje Amílcar Cabral. Esta parte estendia-se até ao monumento “Esforço da Raça” e Palácio do Governo, nessa altura ainda em construção; do outro, à volta do centro, localizava-se a parte popular, dita dos “indígenas”, onde vivia maioritariamente a etnia pepel.

Era na parte colonial que moravam os poucos intelectuais presentes no país e se encontravam localizadas as grandes firmas estrangeiras como a NOSOCO e a SCOA, às quais se juntavam as portuguesas (A.C. Gouveia, Barbosa & Comandita, Álvaro Camacho e Sociedade Comercial Ultramarina, entre outras) e uma enorme plêiade de pequenos comerciantes libaneses como Mamud ElAwar, Aly Souleiman, Michel Ajouz, etc.

No resto do país o comércio de produtos e bens elementares era fundamentalmente assegurado pelos “djilas”, comerciantes ambulantes que percorriam de bicicleta e canoa todo o território.



Fotografia atual da casa onde Cabral e Maria Helena viveram na Granja de Pessubé


A agricultura, então chamada de “indígena”, assentava na produção de arroz para o autoconsumo das comunidades rurais, a qual era praticada há cerca de 3.000 anos e na produção de uma cultura de exportação, a mancarra (amendoim) incentivada pelas empresas estrangeiras que se revezam na sua exportação para a Europa (em bruto ou em óleo). O ciclo da mancarra começa na zona de Buba, incentivada por alemães e percorre um itinerário fácil de identificar pela erosão e degradação dos solos que provoca na Guiné e que passa por Bolama, norte do Oio, Bafatá e Gabú.

Os serviços oficiais de apoio aos agricultores eram praticamente inexistentes ou inoperacionais, confinando-se dentro das infraestruturas técnicas e administrativas que construíam. Não existia nenhum centro de experimentação, de formação de quadros ou de vulgarização.

Este foi o contexto global que se deparou a Cabral à sua chegada a Bissau, ele que vinha para como dizia, “viver o seu tempo e a sua época”, iniciar os desafios políticos da luta pela conquista da independência, defender um desenvolvimento centrado na agricultura e promover a dignidade da população guineense.

Ele e Maria Helena instalam-se na casa da Granja Experimental do Pessubé, atribuída ao seu diretor, na altura situada muito longe do centro de Bissau, num bairro popular da periferia e numa zona isolada e de difícil acesso. A Granja dispunha de cerca de 400 ha onde existia grande número de essências florestais e um pequeno número avulso de algumas espécies frutícolas, como por exemplo cacaueiros.

Nesta altura, quando começa a exercer a sua profissão, Amílcar está convencido de que o processo de independência decorrerá de forma pacífica, nos moldes como se virá a processar nos outros países africanos, pelo que decide começar a construção do novo edifício conceptual agrícola que iria substituir gradualmente o modelo colonial existente.

A Granja de Pessubé vai ser o ponto de partida, para começar a pôr em prática uma estratégia, em três vertentes principais, que ele considera importantes para o desenvolvimento da agricultura guineense:


A primeira, foi a de transformar a Granja de mera unidade de produção de legumes destinados às autoridades politicas e administrativas coloniais da praça e num local de piqueniques e passeios recreativos, num centro de pesquisa agrícola, enquanto instrumento para melhorar e modernizar a produção dos agricultores. 

Cabral concebe e põe em aplicação um programa de experimentação baseado na identificação de técnicas culturais para diferentes espécies agrícolas (compasso, armação do terreno, adubação e época de sementeira), de ensaios de adaptação varietal (arroz, cana-de-açúcar, mancarra, banana, algodão e hortícolas), identificação de pragas e doenças, valorização de variedades locais de certas espécies, como a “juta”, e a introdução de novas espécies como o gergelim (sésamo), soja e girassol.

Começa um trabalho de aproveitamento dos terrenos agrícolas da Granja, utilizando critérios inovadores, em função da natureza dos solos e da sua aptidão, apostando na sua fertilização orgânica com base nas camas dos animais da Granja da Pecuária, na consociação de culturas (mandioca-bananeiras), identificação de pragas e doenças, caracterização das diferentes variedades de cada espécie.

Dá início, pela primeira vez, à publicação de resultados da experimentação e de reflexões sobre a agricultura guineense, criando para isso o “Boletim Informativo” trimestral da Granja Experimental de Pessubé onde, para além da descrição das atividades, propunha a reflexão sobre temas importantes, como a “cultura mecanizada”, o “vírus da roseta da mancarra” e a “cultura da juta”.


Amílcar Cabral, Maria Helena e Clara Schwarz [, decana do nosso blogue, à beira dos 98 anos,]na estrada de regresso de Dakar para Bissau em 1954. 

[As presentes fotos do arquivo pessoal de Clara Schwarz. O seu marido, o escritor e jurista Artur Augusto Silva, é que conviveu mais com Amílcar Cabral. Clara, que foi professora no Liceu de Bissau, traduziu textos de Cabral para francês. Pepito, o filho mais novo, nasceu em Bissau, em 1949.] [LG]


Com uma regularidade notável, foram publicados, desde Novembro de 1952, cinco “Boletins Informativos”. 

A  segunda, foi o de romper os muros internos em que se confinavam os serviços agrícolas, para os aproximar dos agricultores, que deviam ser os seus principais beneficiários.


Para Cabral, mais do que o refrão da época, “a agricultura é a base da economia”, ele defendia claramente que “a agricultura era a própria economia da Guiné” pelo que era importante os serviços aproximarem-se dos pequenos agricultores.

É assim que a Granja de Pessubé passa a executar ensaios e experiências agrícolas nos postos de Bula, Safim, Bigene, Nhacra e Prábis, fazendo aquilo a que hoje em dia se chama de “ensaios em meio camponês”, como forma de testar a sua adaptabilidade às diferentes condições ecológicas e sistemas de cultura dos agricultores.

O projeto FAO de recenseamento agrícola aprovado pelo governo português em 1947 e logo metido na gaveta, onde pernoitou mais de 4 anos, é rapidamente retomado por Cabral, poucos meses depois da sua chegada a Pessubé, o qual estuda, planeia e executa. Para ele, o censo não era apenas um conjunto de quadros e números, mas também a possibilidade de ler, compreender e agir sobre a dinâmica agrícola prevalecente. 

Este trabalho permitiu-lhe definir de forma precisa a contribuição dos diferentes grupos étnicos guineenses para a produção agrícola, servindo ainda hoje, passados 60 anos, para compreender os sistemas de produção e de cultura por eles praticados.

Por outras palavras, o censo fez sair os serviços agrícolas da sua torre de marfim em direção aos campos dos agricultores, confrontando-os com a realidade que deviam servir e possibilitando a procura de soluções para os seus problemas fundamentais e para a modernização agrícola.


A  terceira, foi a da interação da agricultura guineense com as dos países vizinhos da sub-região


Consciente que o reduzido número de quadros técnicos e a constante falta de recursos impediriam que a pesquisa agrícola fosse realizada e trouxesse resultados úteis e práticos aos agricultores, Cabral fomentou a vinda a Pessubé de diversos técnicos, como a missão pedológica francesa de Dakar, especialistas em cana-de-açúcar, entomologistas, etc. 

A participação de Amílcar Cabral na “Conferência internacional Mancarra-Milheto”, realizada em Bembey, Senegal em 1954, onde apresenta a comunicação “Queimadas e pousios no ciclo cultural Mancarra-Milheto”, é uma prova eloquente da sua estratégia de conhecer os resultados experimentais de estações estrangeiras mais antigas, com maior número de técnicos e para marcar a presença e capacidade dos técnicos guineenses nos circuitos científicos da sub-região, aspeto que ele considerava determinante para o período pós-independência.

Internamente, vai começando a criar um núcleo de quadros técnicos que possa garantir a continuidade e reforço destes programas. Deles, realçam-se dois:

(i) Bacar Cassamá, monitor agrícola da Granja, é a primeira pessoa de quem se aproxima e com quem criará relações de amizade e confiança até ao final da sua vida; alto, forte, sério, de riso difícil, com quem terá repetidamente discussões sempre ultrapassadas, porque na sua maneira de ser, a melhor forma de ser honesto era dizer claramente ao “engenheiro” a sua posição e o que pensava; homem que nunca dobrou a coluna, continuou seu amigo e fiel ao PAIGC, mesmo depois do Golpe de Estado de Nino Vieira, quando houve a tentativa de apagar Cabral da história da Guiné-Bissau; acaba por falecer em 2012, esquecido e abandonado por muitos companheiros, com algumas exceções como a de Pedro Pires, ele que foi quem mais tempo acompanhou Cabral; 

(ii) Júlio Mota Almeida, prático agrícola na Granja, que acaba por estar presente na fundação do PAIGC em Bissau, em Setembro de 1956. Morre em Portugal em 1982.


Durante dois anos e meio, Cabral percorre a Guiné de lés-a-lés, observando, estudando e escrevendo sobre o fácies da agricultura guineense. Cite-se o caso do estudo local das queimadas e pousios em Fulacunda. Determinante foi a realização do recenseamento agrícola onde, à frente de uma equipa técnica, contactou agricultores, lideres comunitários, jovens e mulheres, apercebendo-se das diferentes lógicas de pensamento e ação de cada grupo étnico, as suas potencialidades e as fraquezas e, sobretudo, as prioridades mais sentidas na promoção da sua forma de vida. 

Em Março de 1955 sai de Bissau num avião da Air France, por imposição das autoridades políticas governamentais coloniais, que o acusam de exercer atividades conspiratórias pela independência da Guiné, o que efetivamente correspondia à verdade, mas não lhes dava esse direito. Autorizam-no a vir anualmente a Bissau, o que ele aproveita em 1956, para colaborar com outros nacionalistas na fundação do PAIGC, num dia de Setembro que mais tarde acaba por ser arbitrariamente fixado como sendo o dia 19. Também em 1959, já com 35 anos de idade, vem a Bissau no ano do Massacre do porto de Pindjiguiti, momento determinante para Cabral perceber que a conquista da independência teria de ser obtida pela luta armada de longa duração e não da forma pacífica pela qual ele sempre pugnou.

Desde que foi expulso da Guiné, Cabral continuou a desenvolver a sua atividade agronómica em Portugal e Angola, dedicando-se sempre à reflexão sobre a agricultura guineense, salientando-se a publicação na revista AGROS, da Associação de Estudantes de Agronomia, do seu texto: “A agricultura na Guiné, algumas notas sobre as suas características e problemas fundamentais”.

Em 1960, estimulado pela independência da Guiné-Conakry e do NÃO à França dado em 1958, decide estabelecer-se definitivamente em Conakry, certo que era o local ideal tendo em consideração a forma como o Senegal tinha decidido aceder à independência. As vicissitudes que a guerrilha passou neste país durante os 11 anos de Luta, veio mostrar que a sua visão estava correta.

Poucos anos antes do seu assassinato, em 1972, consciente de que a vitória militar era um dado adquirido e surgiria a curto prazo, começa a dedicar mais do seu tempo à conceção do futuro Estado da Guiné-Bissau e aí volta a agricultura a estar presente no futuro programa. A vivência em Conakry permitira-lhe identificar os reais perigos com que o novo país se iria confrontar no pós-independência. Um deles são os “atrativos” que a cidade de Bissau iria exercer na cúpula dirigente dos guerrilheiros, a tendência para a intriga e complot político e, finalmente, o descanso do guerreiro. O outro, era o do inevitável esquecimento e afastamento gradual dos dirigentes em relação às populações que haviam participado na Luta. 

Uma das ideias que Cabral estava a desenvolver quando é assassinado, era o da criação dos diferentes Ministérios governamentais, um em cada uma das capitais regionais do país. Mantinha os dirigentes perto dos cidadãos, empurrava-os para resolverem os problemas concretos das populações e diminuía o risco do “diz que diz”, da conflitualidade estéril e da intriga política. É o retomar da tese de agrónomo de que os técnicos e decisores não se devem fechar entre portas, mas estar perto dos beneficiários do seu trabalho.

(Continua)

Texto e fotos;  © Carlos Schwarz (2013). Todos os direitos reservados

Guiné 63/74 - P10964: Memória dos lugares (206): Olossato, anos 60, no princípio era assim (2) (José Augusto Ribeiro)

1. Segunda série de fotos do Olossato que o nosso camarada José Augusto Ribeiro (ex-Fur Mil da CART 566, Cabo Verde (Ilha do Sal,  Outubro de 1963 a Julho de 196464) e Guiné (Olossato), Julho de 1964 a Outubro de 1965), nos enviou em mensagem do dia 1 de Janeiro de 2013.


MEMÓRIA DOS LUGARES

OLOSSATO - O princípio (2)

Foto 124 > Olossato > Descarga de alimentos

Foto 125 > Olossato > Os refugiados constroem as suas casas

Foto 126 > Olossato > Os refugiados constroem as suas casas

Foto 127 > Olossato > Os refugiados constroem as suas casas

Foto 130 > Olossato > Local de lavagem de roupa

Cartaz de propaganda política de Amílcar Cabral

Foto 132 > Olossato > Pofessor de língua muçulmana.A escrita é feita sobre madeira que poderá ser raspada para reutilização

Foto 133 > Olossato > Escola de adultos onde dezenas de soldados fizeram exame da 4ª classe

Foto 134 > Olossato > Escola para adultos. Improvisada

Foto 136 > Olossato > Lavadeira

Foto 138 > Olossato > Com a lavadeira

Foto 139 > Olossato > O nosso guia Vaca que mais tarde ficou cegou e veio para Lisboa

Foto 140 > Oossato > Muito naturalmente as mulheres andavam assim vestidas
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Nota de CV:

Vd. poste anterior de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10939: Memória dos lugares (205): Olossato, anos 60, no princípio era assim (1) (José Augusto Ribeiro)

Guiné 63/74 - P10963: Do Ninho D'Águia até África (45): Os meus galões (Tony Borié)

1. Quadragésimo quinto episódio da série "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177, chegado até nós em mensagem do dia 15 de Janeiro de 2013:


DO NINHO D'ÁGUIA ATÉ ÁFRICA (45)



Quando criança, o Cifra, que nessa altura se chamava To d’Agar, descalço e com uns calções que tinham sido do irmão mais velho, assistia com algum frio no corpo, às classes do professor Silvério, que entre outras coisas lhe dizia:
- O grande navegador e explorador Nuno Tristão, navegando numa “casca de noz”, por volta do ano de 1450, sempre debaixo dos auspícios do reino de Portugal, descobriu a Guiné, onde existem leões, elefantes, tigres e macacos.

E mostrava um mapa mundo pendurado na parede, apontando com uma cana fina e seca, com que lhe batia nas orelhas, algumas vezes, para um pequenino espaço, onde dizia que aí era a Guiné.
Estas palavras do professor Silvério não mais lhe saíram do pensamento, primeiro por mencionar leões, elefantes, tigres e macacos, e segundo por lembrar a cana, fina e seca, com que lhe batia nas orelhas.
Nunca gostou que lhe batessem, o pai e a mãe repreendiam mas não batiam, só os irmãos mais velhos é que às vezes lhe batiam, mas coisa sem importância, e estavam logo amigos, mas não gostava.
Se algum adulto lhe batia por qualquer coisa que tivesse feito, que não estivesse de acordo com as regras, que esses mesmos adultos ditavam, ficava revoltado e chorava, às vezes por horas.

Os amigos, antigos combatentes, já estão a pensar que ao Cifra, hoje deu-lhe “pró moral”, mas não, tudo isto vem a propósito de no tempo em que o Cifra esteve estacionado no aquartelamento de Mansoa, na então província da Guiné, e dado ao desenvolvimento do conflito armado, que com o passar do tempo se intensificava cada vez mais, o aquartelamento funcionava como se fosse um posto avançado de fronteira, com chegada e saída de militares e equipamento bélico, que às vezes, talvez debaixo de algum stress, pois a partir de Mansoa entravam no verdadeiro cenário de guerra, os militares criavam pequenos conflitos, dentro do grande conflito em que estávamos todos envolvidos, e não era necessário ser bom observador para ver que havia militares, mas cada caso era um caso, como por exemplo o soldado atirador, Curvas, alto e refilão que tinha uma linguagem reles e agressiva, que não acatava ordens e tinha algum desprezo pela sua própria vida, outros, eram mesmo graduados, poucos, felizmente muito poucos, quase que se contavam pelos dedos da mão, que deviam de ter assimilado o treino total a que foram submetidos, e agora em pleno cenário de guerra, não aguentavam a pressão psicológica, da responsabilidade que tinham entre mãos.

O tempo que nos resta, a nós antigos combatentes, já não é muito, e deve ser gasto com coisas que nos alegrem e façam viver esta idade de ouro, o mais feliz possível, e não deve ser gasto em críticas a nenhum de nós, tudo o que fizemos de bom ou de mal já lá vai, e isto é só única e simplesmente um lembrar de situações, que alguns de nós, até vão sorrir, ao lembrarem-se de algo que se passou consigo, ou em seu redor. O rascunho do boneco que o Cifra fez, a personagem tem seis ou sete divisas, só para não se confundir com nenhum graduado. Mas continuando, esse treino era agressivo, muitas vezes doloroso, eram treinados sobre uma grande pressão psicológica, dizendo-lhes que tinham que servir de exemplo, pois esses militares iam ser lideres, e tinham que manter o poder nas mãos, não interessava se tinham de usar o sistema de agressão física, se tinham que usar o sistema de intimidação, o que interessava era que no final desse treino, estivessem habilitados, para poder ter nas mãos todos os seus subordinados de modo a os poderem dirigir, controlar, e colocarem nas mais remotas e violentas zonas, sem que esses subordinados, pudessem dizer uma só palavra de que não se sentiam confortáveis. Se no final do treino estivessem habilitados para isso, o referido treino tinha sido perfeito.


Houve alguns, como o Cifra disse anteriormente, felizmente muito poucos, que assimilaram totalmente e seguiram todos os regulamentos de treino, e foram durante a sua estadia em cenário de guerra uma cópia do sistema, onde possivelmente lhe diziam: vai em frente, és o melhor, a razão é sempre tua, todos sobre os teus galões, têm que acatar as tuas ordens, em caso de dúvida, elimina o elo mais fraco, se for preciso usa a tua força física, pois estamos a treinar-te e a explicar-te as artes de luta, que não são explicadas aos soldados, para isso vais ser um líder, tens o compromisso com a tua Pátria de a representar, tu, em algumas situações és a Pátria!.


Daí nasceram alguns “Rambos” e “Justiceiros”, como nos filmes de cowboys, em que o xerife, com duas grandes pistolas, é quem decidia quem era o bom e o mau, e assim tínhamos, em cenário de guerra, militares, alguns com galões, que usavam todo o seu poder nos seus subordinados, usando a força física no corpo de outros militares e “partiam tudo à chapada”, eram os tais “donos da verdade”, ou “donos da guerra”, que sem saberem o que faziam, estavam a quebrar as mais exemplares regras da humanidade, que era terem contactos físicos e agressivos, fazendo mazelas e danificando o corpo e a dignidade de outro ser humano. Depois, como eram justiceiros e pessoas com muito bons sentimentos, vestiam a pele de “Madre Teresa” e eram capazes de dizer:
- Fiz mazelas no teu corpo, feri-te na parte mais íntima da tua dignidade, quebrei as mais exemplares regras da humanidade, mas era para teu bem, pois se escrevesse a dizer mal de ti, ficava no teu registo pessoal, portanto, uns simples pontapés e umas bofetadas até te tornam mais militar e mais agressivo, não fiques com vergonha dos teus colegas, porque eles, não tarda muito, também vão levar e se não te portares com juízo, depois sim, é que te estrago a vida com relatórios de não obediência, e agora, se te está a doer, vou levar-te ao Pastilhas, para que te ponha aí uma qualquer ‘pomada”!.

Não sabendo, esse graduado, que na sua inocência, tinha feito o maior mal do mundo a esse colega militar, que foi o ter tocado e danificado o seu corpo e a sua dignidade de homem novo, que nesse momento, precisava de confidência e toda a moral do mundo para resistir ao ambiente de conflito, em que então se encontrava.

Bem, o Cifra, acredita que já está a ir longe demais, vai pôr um bocadinho de “água na fervura” e vai dizer: ah, grande Curvas, alto e refilão, que no caso de ser insultado ou tentarem agredi-lo, não olhava para as divisas e não lhes virava a cara e não lhes tinha qualquer receio. Mas nunca usou a força física, era só uma linguagem reles, dita por uma cara com feições de guerreiro, que às vezes metia algum respeito, também nunca foi castigado, pelo contrário.

O Cifra sempre pensou que esses militares nunca foram os verdadeiros culpados de todas essas anomalias, mas sim o sistema e o governo que os treinou, talvez nunca os tivessem treinado para seguirem as regras do respeito e fazerem crer aos seus subordinados que podiam seguir as suas ordens porque única e simplesmente confiavam neles e viam neles um líder, porque a disciplina tem que ser consentida e não imposta, e esta surge naturalmente se houver capacidade de liderança, como dizia há dias um antigo combatente que também viveu, como nós as agruras de um cenário de guerra, pois esses militares, que repito eram poucos, alguns até eram pessoas com bons sentimentos, tendo muitos ficado traumatizados pela responsabilidade que lhe tinham dado, pois sem eles mesmo querer, tinham recebido e assimilado totalmente esse treino, que era deveras violento, e dado em muito pouco tempo, e creio que esse treino, neste princípio de guerra, não era acompanhado psicologicamente, para se saber se o carácter e os sentimentos das pessoas que o recebiam tinham capacidade para isso.

Já agora, e vem mesmo a “talhe de foice”, como era costume dizer-se na altura, quer o Cifra reproduzir, com o devido respeito, e pedindo perdão por esta liberdade, um enxerto de um texto que o nosso prestigiado camarada Beja Santos transcreveu de um livro, que creio é “Da Guiné a Angola, Fim do Império”, do senhor coronel Piçarra Mourão, que serviu na Guiné, na região do Oio, a mesma onde o Cifra serviu uns anos antes, onde a certa altura diz:

“A NAÇÃO, E OS SEUS MENTORES LIMITAVAM-SE A MANDAR COMBATER A QUALQUER PREÇO. O ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO DOS HOMENS, EM QUALQUER FASE DO SEU EMPENHAMENTO, NUNCA FOI VISTO, TRATADO OU FALADO”.

Pelo menos no tempo em que o Cifra esteve na então província da Guiné, e pelo que lhe foi dado observar, era verdade, NUNCA FOI VISTO, TRATADO OU FALADO.

O Cifra só agora verificou que já vai longe demais no texto, os amigos antigos combatentes vão por certo dizer que “já chega de moral”, o Cifra tem que falar é das emboscadas e da guerra na Guiné, mas como sabem o Cifra era um razoável militar, mas um fraco, mesmo muito fraco guerreiro e também nunca gostou que o professor Silvério lhe batesse com a cana fina e seca, nas orelhas.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10946: Do Ninho D'Águia até África (44): O Canjura andava farto de guerra (Tony Borié)

Guiné 63/74 - 10962: Blogpoesia (318): Dizem-nos que estamos a envelhecer ( Luís Graça)



Texto e foto: © Luís Graça (2013). Todos os direitos reservados


Dedicatória

Poema para ser lido por velhos,
daqueles que já usam óculos com muitas dioptrias,
ou então essas horríveis lentes de aumentar
que se compram nas Lojas do Avô,

nos novos templos das novas religiões do consumo,
e que só servem para ler os títulos de caixa alta do jornal.

Títulos Pornográficos. Bombásticos. Terroristas.


A todos os velhos combatentes de todas as guerras 
em que a minha geração andou metida.

Ao Jorge Cabral, mestre do lirismo do absurdo 
e da 'short story'.

Ao meu pai, meu velho, meu camarada

que conseguiu chegar aos 91. 
Ao (e)terno sorriso e à sua alegria de viver,
a sua forma muito pessoal de promover 
um envelhecimento ativo.




Dizem-nos que estamos a envelhecer.


Luís Graça


Dizem-nos
que estamos a envelhecer.
Dizem os demógrafos,
que correm, eles próprios, o risco
de ver limitado o objecto de estudo da demografia
aos velhos.

Dizem as máscaras do Entrudo
do nosso descontentamento
muito pouco chocalheiro.
Diz o safado do cangalheiro:
Eu cá não quero que ninguém morra,
só quero que o meu negócio corra.
Dizem os divertidos caretos de Ousilhão.

Dizem os últimos rapazes da Festa dos Rapazes.
Dizem os médicos,sizudos,
que também estão a encanecer.
Diz o senhor Ministro da Indústria da Doença
que mandou encerrar as maternidades.
Por falta de fedelhos.

E por falta de crença.
Tenham paciência, 
minhas senhoras.
Voltemos ao tempo das aparadeiras!
Dizem as abortadeiras.
Dizem os hospiteis,
a abarrotar de gente na fila para morrer.

Em Portugal.
Hospiteis, que os hospitais agora só de campanha!
Dizem os sociólogos,
em crise tamanha

de paradigma existencial.
Dizem os jornais,

de papel,
que já não vendem mais.
Diz o meu geneticista,
que anda à procura do gene da eterna juventude.

Hoje com saúde, amanhã no ataúde.
Dizem os futurólogos
que leem nas entrelinhas das camadas de ozono.
Diz a esteticista, pessimista,

quando o verniz estala.
Vão-se os anéis, ficam os dedos!
Diz a vida, malsã.
Diz a palma da mão 

e a linha (torta) da vida.
Muita saúde, pouca vida, 
que Deus não dá tudo.
Diz a grega pitonisa de Delfos,
a escarnecer
da cultura judaico-cristã.
Diz o comissário político de Bruxelas,
que não foi eleito,

todos eles e todas elas, os eurocratas,
muito menos eleitos pelos eurovelhos.

Diz a medicina,
que a velhice não tem cura.
Diz o Eurostat,
que representa a sacrossanta ciência
do positivismo do século.

Diz o Golden Sachs Sachs Sachs.
E até a Santa Madre Igreja,
agora sem crianças para baptizar
nem selvagens para evangelizar.
Não sei o que diz Ela,
a Santa,
a Madre,
a Igreja.
Não sei o que é que diz Roma
nem Pavia,
que não se fizeram num dia.
Mas dizem as estatísticas,
que, dizem-nos, não mentem,
que estamos a embranquecer,
a encanecer,

a ensurdecer,
a envelhecer,
a ensandecer.

Diz o Censo de 2011.
A morrer, meus irmãos, a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão.
Estamos a morrer.
De solidão
.
Diz o espelho meu,
que o tempo faz o seu trabalho de sapa.
Que o tempo, no final, te mata.
Como nos filmes de terror.
Diz o sino da tua aldeia,
quando dobra a finados.

Que te importa, agora, 
os teus feitos heróicos de Quinhentos,
ó povo meu ?
Dizem as tuas rugas.
Dizem as tuas brancas,
as primeiras, não sei onde.
Dizem os teus dias cinzentos.
Só o Governo esconde
a bomba biológica
que paira sobre a cabeça
dos que hão-de vir.
Dizem-me que o Governo tropeça, trapaça,
mas não cai
só por mentir,
com as medidas da tendências central.

Os cães ladram e a caravana passa.
A média, a moda e a mediana,
mais o desvio padrão
e o erro amostral.
Eu sei que o Governo está sujeito à erosão
dos ventos e das marés,
mas também à irrisão,

mortal,
das sondagens.

E das pilhagens.
O Governo pode ser sacana.

mas não deve mentir
e muito menos roubar.
O Governo deve dizer a verdade,
deve dizer a verdade, nua e crua,
com um grau de confiança de noventa e cinco por cento.
Mas nem sempre diz toda a verdade,
ou só a verdade,
por causa da coesão social,
por causa do clima económico,
por causa da confiança psicológica
do investidor estrangeiro,

por causa do índice de NASDAQ,
por causa da liberdade,
primordial,
do consumidor.


Dizem que estamos a envelhecer, camarada.
Dizem-te que há muito ultrapassaste 
a barreira dos quarenta.
Até aos 40 bem eu passo, 
dos 40 em diante, ai a minha perna, 
ai o meu braço. 
Que aos 45 já eras velho,
para além do limiar da esperança ao nascer
quando nasceste.
Dizem-te que somos todos velhos.

O censo. E a falta de senso.
Um em cada cinco.
Leia-se: velhos, os mais de 65.

Velhos até aos tutanos.
E que agora já começou a caça
aos talentos, aos rebentos,
na perspectiva da rarefacção dos recursos humanos.

Diz o nosso mediático guru.
Diz o feio do jagudi, 
diz o mau do urubu.
Diz o provérbio que na era de 31, 
poucos moços, velhos nenhum.
Dizes tu, camarada, ex-combatente da guerra colonial,
Antes a morte que tal sorte!
Mas não é envelhecimento,
é senescência,
diz o meu neurologista.
Degenerescência,
dizem os puristas da língua.
Diz a neurociência:
o mais importante
não é perderes 100 mil neurónios
por dia,
nem a paciência, 
nem a compostura, 
nem o controlo dos esfíncteres.
Nem a decência.

Nem a cabeça do fémur.
Que a saúde dos velhos é mui remendada.
Deus te livre do Alzheimer e do Parkinson
e das demais doenças crónicas degenerativas.

Que Deus te livre da peste, da fome e da guerra,
E do Estado Mínimo a que hás-de chegar.
O que é grave é perderes
as redes neuronais
e não sei que mais.

Blá, blá, blá.
Mas já diziam os antigos,
Não há cousa tão junta a outra como a morte à vida.
E mais avisado é o conselho do velho para o novo,
à laia de impropério;
Teme a velhice porque ela nunca vem só,

Cabelos brancos, flores de cemitério!


PS - Dizem que estamos a envelhecer, Papi!

Porra, meu pai, meu velho, meu camarada,
eu sei o que a vida fez de ti,

mas tive orgulho na maneira como viveste 
e como morreste!


LG - jan 2008 / jan 2013
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Nota do editor:


Último poste da série > 14 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10942: Blogpoesia (317): Toadas de Inverno (J.L. Mendes Gomes)

Guiné 63/74 - P10961: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (7): A metralhadora pesada Browning, de calibre 12.7




Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > O fur mil José Carlos Lopes, o homem dos reabastecimentos,  posando ao lado da temível Browning, 12.7, um metralhadora pesada que podia varrer toda a pista de aviação. Era uma arma devastadora, com uma cadência de 500 disparos por minuto, e com um alcance à superfície de 1500 metros. Pesava cerca de 45 kg. Principal função: defesa de ponto. Era também usada pela Marinha.

Fotos: © José Carlos Lopes (2013). Todos os direitos reservados. (Editadas e legendadas por L.G.) (*)





Guiné > Zona Leste > Setor L1 > Bambadinca > 1970 > Vista aérea do aquartelamento, tirada no sentido leste-oeste, ou seja, do lado da grande bolanha de Bambadinca (vd. mapa da região). O ponto 25,  marcada por um círculo a azul, era o espaldão da metralhadora Browning, 12.7. Do lado esquerdo, ficava a pista de aviação. Em maior dettalhe, vê-se o quadrante noroeste do aquartelamento, com o arame farpado(e os holofotes)   assinalado a amarelo. Do lado direito ficava o Rio Geba (e a tabanca a longo da encosta (que dava para o rio).  A Browning aqui tinha um ângulo, de pelo menos,  de 180 graus. (**)

Do lado esquerdo da imagem, para oeste, era a pista de aviação e o cruzamento das estradas para Nhabijões (a oeste), o Xime (a sudoeste) e Mansambo e Xitole (a sudeste). Vê-se ainda uma nesga do heliporto e o campo de futebol. .

Ver aqui a foto com todas as legendas.

Foto: © Humberto Reis (2005). Todos os direitos reservados. (Editada e legendada por L.G.)

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Notas  do editor:

(*) Último poste da série > 17 de janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10951: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (6): A Cilinha em Bambadinca, talvez em finais de 68 ou meados de 69

(***) Vd. excerto do portal Guerra Colonial (, reproduzido com a devida vénia):


(...) Metralhadora pesada 127 mm m/955 Browning M2 

A metralhadora pesada Browning é uma arma automática de tiro tenso destinada à  execução de tiro anti-aéreo ou tiro terrestre. Tem um curto recuo do cano no momento do disparo. Apenas realiza tiro automático. O travamento realiza-se por intermédio de uma lingueta que mantém a ligação da culatra ao cano até o projéctil se encontrar no interior deste. O percutor encontra-se na cabeça da culatra. A alimentação é efectuada por uma fita de carregamento. Tem um extractor de dupla calha e a ejecção não se realiza. O invólucro depois de consumido é abandonado pelo fundo da caixa da culatra. O arrefecimento do cano efectua-se pelo ar que circula através dos orifícios de ventilação da manga que envolve a câmara e pelo ar apoiado pela considerável massa do cano. O arrefecimento deve ainda incluir a substituição manual do cano ao fim de 300 tiros. 

(...) A Browning M2 é uma das mais notáveis armas de sempre, produzida em mais de 3 milhões de exemplares desde 1930. Foi uma arma usada em todos os conflitos importantes nos últimos 70 anos e era ainda a principal metralhadora pesada usada numa infinidade de blindados, pela Aviação (era a arma do B-17 ou do P-47, que serviram na Força Aérea portuguesa, por exemplo) ou pela Marinha (amplamente usada para equipar as lanchas portuguesas em África nas guerras de 1961-1974). (...)

Guiné 63/74 - P10960: Parabéns a você (524): José Crisóstomo Lucas, ex-Alf Mil Op Esp da CCAÇ 2617 (Guiné, 1969/71) e Manuel Mata, ex-1.º Cabo Apont AP do Esq Rec Fox 2640 (Guiné, 1969/71)

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 18 de Janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P10954: Parabéns a você (523): Luís Rainha, ex-Alf Mil Comando, CMDT do Grupo Centuriões (Guiné, 1964/66)

sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Guiné 63/74 - P10959: Tabanca Grande (382): Cândido Luís Carvalho Morais, ex-Fur Mil da CCAÇ 2679 (Guiné, 1970/71)

1. Em mensagem do dia 9 de Janeiro de 2013, o nosso camarada José Manuel Matos Dinis [foto à direita] (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), falava-nos assim do nosso camarada e novo tertuliano Cândido Luís Carvalho de Morais (ex-Fur Mil, também da CCAÇ 2679), aquando do envio de um texto*, deste último, para publicação no nosso Blogue:

Viva Carlos,
Hoje reservo-te uma surpresa.
Envio-te um texto da lavra do Cândido Morais, um camarada e amigo desde que nos conhecemos na Madeira.
O Morais [foto à civil à esquerda], que é voyeur do blogue, foi convencido a descrever pelo menos esta e outra situação, mas é um repositório de estórias com muito para contar.
É um tipo brilhante, de muito fácil contacto, linha direita, generoso e afectivo. Mas, se for preciso, também é teso. Prima pela inteligência e simplicidade, pelo que declaro com grande orgulho a nossa amizade.
Foi director de uma empresa de construção naval, mantém o culto do desporto, agora com particular atenção para o Kayak Clube de Perre, a sua terra, e já me ajudou em dois passeios para o meu grupo de montanhismo.

Assim, se não te importas, vou enviar-te sucessivamente, umas trocas de impressões prévias, e depois o texto e fotografias. Ele não pede ainda a aceitação na Tabanca Grande, mas cumpre a obrigação antecipadamente, isto é, conta-nos uma estória, e depois é que pede licença. E, já agora, se for preciso um fiador, conta comigo, que este é dos poucos por quem ponho as mãos.

Um grande abraço
JMMD


2. E ainda numa outra mensagem do dia 14, o José Dinis dizia-nos:

Viva Carlos, boa noite,
De facto enviei-te dois textos: um, o principal, da autoria do Cândido Luís Carvalho de Morais [foto à direita], residente em Perre, Viana do Castelo, que foi Fur Mil da mesma CCaç 2679, mas do 1.º Pelotão.
Pelas linhas dos textos anteriores deixei algumas impressões sobre ele, e adianto, se tivéssemos que eleger o melhor dos furriéis da Companhia, ele, muito provavelmente, seria o eleito. Foi ele que algumas vezes, e durante as minhas ausências, era incumbido do 2.º Pelotão.
Em geral, os pelotões aceitavam com grande à-vontade essas rotações, pois entre os milicianos havia o sentido da camaradagem, mas o Cândido tinha uma peculiar forma de relacionamento, que não prescindia da autoridade, mas era sempre transmitida com grande delicadeza.

Não estou a exagerar, estou a dar a minha avaliação, e não menosprezo os restantes furriéis, que também, e tão bem, contribuíram para que a Companhia não se desestruturasse e mantivesse um bom nível operacional e de relacionamento com a população.

Se pretenderes mais alguma coisa, faz o favor de mandar vir.
Um grande abraço
JD


Nesta foto, o autor da pintura Zé Tito Martins e o retratado Cândido Morais

Nesta foto a cópia e o original

Por ordem de grandeza: Dinis, Tito, Morais e Marino. A oportunidade está na bola, ou luz, ou mancha avermelhada, que deve representar um sinal transcendental, de que os meninos eram jovens, espertos, e divertidos, pelo que teriam ainda longas vidas para puxar pelo tutano.
Foto e legenda de JMMD


3. Comentário de CV:

Caro camarada Cândido Morais, o teu "padrinho" fala de ti de uma maneira que te deve provocar algum rubor. Tens aqui um amigo a valer que acreditamos não está a exagerar.

Julgo que irás partilhar com o Zé Dinis a série da História da CCAÇ 2679, o que será inédito no Blogue. Tens campo aberto para trabalhar, até porque as tuas histórias serão na maioria passadas contigo no teu 1.º Pelotão.

Temos cá um texto que sairá talvez segunda-feira pelo que podes começar a pensar já no próximo.

Resta-me enviar-te o abraço de boas-vindas em nome da tertúlia e dos editores.

O teu camarada e amigo
Carlos Vinhal
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 15 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10947: História da CCAÇ 2679 (59): Grande farra no Funchal (José Manuel Matos Dinis / Cândido Morais)

Vd. último poste da série de 13 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10935: Tabanca Grande (381): Abílio Magro, ex-Fur Mil Amanuense do CSJD/QG/CTIG (1973/74), 600.º tabanqueiro desta tertúlia

Guiné 63/74 - P10958: O cruzeiro das nossas vidas (20): Viagens de avião de ida para a Guiné, e volta, patrocinadas pelo Estado Português (Henrique Cerqueira)

1. Mensagem do nosso camarada Henrique Cerqueira (ex-Fur Mil da 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4610/72, Biambe e Bissorã, 1972/74), com data de 11 de Janeiro de 2013:

Tal como solicitado e por vontade própria vou tentar contar as minhas viagens de avião para a Guiné "patrocinadas" pelo Estado Português em 1972 e logo no dia 19 de Junho desse mesmo ano em que fazia o meu vigésimo segundo aniversário. Vou ainda tentar usar um pouco de ironia para aligeirar a "aventura".

Inicialmente a minha companhia estava destinada a embarcar para a Guiné no dia 24 de Junho de 1972, que era dia de S . João no Porto, mas por "tralhas ou malhas" o embarque foi antecipado para o dia 19. Eu ainda hoje penso que foi por minha causa, pois que os nossos chefes da altura devem ter reparado na data do meu aniversário e resolveram me presentear com uma "Viagem" de Avião. Como na altura estava em moda o "Destino" Guiné-Bissau, eles, pimba... é mesmo para aí que vais Henrique. Vais num avião da Boeing, o 707 dos TAMs (Transportes Aéreos Militares).

Claro que quando soube do presente até comentei com a família :
- Ainda bem que vou de avião, porque de barco não podia ser, visto que enjoo no mar. Se tivesse que viajar de barco, ainda por cima em dia de aniversário, de certeza que me recusava e acabava por não ir á Guiné. Mas os nossos Governantes sabiam mesmo como nos convencer (ainda hoje sabem). Daí juntaram o útil ao "agradável" e lá me enfiaram no avião e para não me aborrecer, mandaram o resto da companhia comigo.

Então, no dia 19 de Junho pela fresquinha e depois do pequeno almoço, a Companhia formou em parada no RI 16 de Évora. Estavam lá todos os senhores importantes civis e militares, deram umas palavrinhas de circunstância (mau grado que se esqueceram de me dar os parabéns e ainda hoje tenho um trauma quando me cantam os "parabéns a você" que até já pensei pedir uma pensão vitalícia por "Trauma prá Guerra".

Tenham paciência, foi uma desconsideração, depois de tanto trabalho que tiveram a mudar datas por minha causa... mas enfim nem tudo pode ser prefeito. Mas como ia a dizer, depois da parada, a malta foi em viaturas do Estado (Mercedes, Berliet e outras), eu lá me desenfiei e fui com um amigo Alferes, mais a sua mulher, e também a minha Ni, no seu carrinho civil já que ele era de Lisboa. Grande Camarada o Alferes Coelho de qume nunca mais soube nada.

Resta dizer que a Ni foi comigo ao aeroporto porque eu tinha recebido o primeiro pré de Furriel dias antes, e vai daí telefonei para ela vir passar o fim de semana comigo, porque ela ainda não sabia que eu embarcaria no dia 19 e não a 24, como estava previsto. Foi só durante o almoço no dia 18, um domingo, e junto de mais alguns camaradas que ela ficou a saber que seria no dia seguinte a minha partida para a Guiné. Por isso acabou por ir até Lisboa e só até ao portão do aeroporto onde se despediu de mim.

Diga-se de passagem que a viagem de avião para a Guiné, em termos de despedidas, até foi bastante benéfico, pois assim se evitaram aqueles momentos de sofrimento com lenços a acenar, gritos de dor dos familiares e aquele lento zarpar que, quanto a mim, quem os viveu deve ter sido de muita dor e angústia. 

Então lá entramos no avião e aquilo era novidade para todos. Havia um misto de prazer e "cagaço" medo... misturado com a ânsia do desconhecido. O avião levantou voo e logo que foi possível desapertar os cintos vieram uns "rapazes" bem fardados com uns cestinhos de rebuçados de fruta e, de lugar em lugar, foram distribuindo um (sim só UM) rebuçado de fruta que era para a malta não enjoar. Eu claro que não enjoava pois que até poderiam me mandar para trás (fundo do avião) e isso eu não queria, é preciso não esquecer que fazia anos, não é?

Entretanto pelo caminho o avião fez uma paragem na ilha do Sal em Cabo Verde, mas a malta nem saiu do avião. Diziam eles (os chefes) que era para não nos perdermos e que a paragem foi só para os pilotos fazerem um chichi. Lá retomamos a viajem (ainda pensei: lá vamos comer mais um rebuçadinho, mas não, já não havia o perigo de enjoar).

Chegamos ao nosso destino ao fim dumas três horitas de viagem. Sobrevoamos a Guiné com a malta a espreitar pelas janelitas para admirar aquele emaranhado de rios e riachos que em boa verdade era mesmo lindo visto de cima.

Guiné-Bissau > Maio de 2007 > Vista aérea de braços de rio
Foto e legenda: © Fernando Inácio (2007). Direitos reservados.

O avião aterrou e aí é que foram elas... É que os nossos chefes não sabiam nada sobre o ambiente da Guiné e do seu clima na altura. Como eram bons chefes, exigiram que desembarcássemos com a farda n.º 2, com blusão e tudo. Claro, como éramos muito obedientes (que remédio), começamos a descer as escadas do avião e passados uns breves momentos a malta começou a cair no chão como "tordos" afogueados de calor.

O que valeu é que estavam lá uns "chefes" tipo comitiva de receção que mandou a malta despir imediatamente os blusões e arregaçar as mangas da camisa . Ainda ouvi um dizer entre dentes :
- Estes chefes piriquitos são mesmo burrinhos, querem matar a malta antes mesmo de irem à bolanha.

Bom (mal), mais uma vez nos meteram nos Mercedes e Berliets e ala, que se faz tarde, até ao Cumeré.

Ainda pensei que pelo nome era onde se "comia bem " e, como ainda estava em aniversário, vinha bem a calhar. Mas não, nada disso.

Em Julho de 1974, data do regresso.
O percurso e transporte até ao aeroporto de Bissalanca foi idêntico ao da chegada, só que... um... qual idêntico qual quê?

Para abreviar: não éramos mais piriquitos, não éramos mais os mesmos jovens da chegada... não...
Éramos muito mais maduros, sei lá... mais sofridos... hã... já passou.
Entramos no avião, não havia medo nem novidade, não havia rebuçados e os pilotos não parraam para mijar em Cabo Verde, e ao fim de duas horas mais ao menos, estávamos a entrar no Ralis em Lisboa para a desmobilização final e virar as costas "ÁQUILO".

Ainda me admirei um pouco com a "bandalheira" da tropa na altura, mas depressa o calor humano e o carinho dos meus familiares me envolveram de tal modo que tudo foi passando para trás.
Bem, tudo não. Ainda hoje não perdoo de, na parada em Évora, não me terem cantado os parabéns a você. Mas também como paga eu jamais passei cartão à tropa.

Um abraço a todos os Tertulianos Camaradas da Guiné
Henrique Cerqueira
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Janeiro de 2013 > Guiné 63/74 - P10949: O cruzeiro das nossas vidas (19): A minha viagem de avião da Guiné para o Porto, com escala em Lisboa (Maria Dulcinea)

Guiné 63/74 - P10957: Agenda cultural (249): No passado dia 15 de Janeiro, foi apresentado o livro Golpe de Mão's, de autoria do nosso camarada José Eduardo Oliveira, na Livraria Municipal Verney, em Oeiras (Miguel Pessoa)

1. A propósito da apresentação, no passado dia 15 de Janeiro, na Livraria Municipal Verney, em Oeiras, do livro "Golpes de Mão's", de autoria do nosso camarada José Eduardo Reis Oliveira, o outro nosso camarada Miguel Pessoa enviou-nos o seu trabalho de reportagem, efectuada aquando do acontecimento.

Os nossos parabéns ao José Eduardo (o nosso JERO) e o agradecimento ao sempre oportuno Miguel Pessoa.

OBS: - Esta reportagem pode (e deve) também ser lida no site da Tabanca do Centro que brevemente vai comemorar o seu 3.º aniversário.


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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10944: Agenda cultural (248): Abertura ao público do Arquivo Amílcar Cabral e realização do seminário "Amílcar Cabral: um projeto interrompido", Lisboa, Fundação Mário Soares, 2ª feira, dia 21

Guiné 63/74 - P10956: Notas de leitura (450): Guiné-Bissau: A Destruição de um País, por Julião Soares da Silva (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 26 de Outubro de 2012:  

Queridos amigos,
O historiador guineense Julião Soares Sousa, Prémio Fundação Calouste Gulbenkian concedido ao seu trabalho sobre a vida e a obra de Amílcar Cabral, vem agora a terreiro com um diagnóstico das instituições da Guiné-Bissau, desde 1974 ao presente.

Rememora os diferentes ciclos políticos, as suas tensões e rupturas, até chegar a um manifesto, elencado iniciativas, susceptível de tirar a Guiné-Bissau da situação anticonstitucional em que se encontra, mercê de uma solução nacional que será a única solução para se obter a confiança e a harmonia entre todos os guineenses, que aspiram à paz e ao desenvolvimento.

Um abraço do
Mário


Guiné-Bissau: A destruição de um país

Beja Santos

“Guiné-Bissau: A destruição de um país” é o livro mais recente do historiador Julião Soares Sousa (edição de autor, Coimbra, 2012, email do autor juliaosousa@hotmail.com).

Trata-se de um contributo, como um apelo em matérias de interesse nacional, contra o subdesenvolvimento, a corrupção e toda a espécie de imoralidades que pautam a vida política, económica e social da Guiné-Bissau, adianta o autor. Tudo o que ele pretende é intervir construtivamente, diagnosticando as causas da crise e propondo linhas de rumo que permitam à Guiné-Bissau ir resolvendo os seus problemas mediante uma solução nacional que possivelmente a presente crise irá abrir as portas.

Na sua visão, a história da Guiné-Bissau entre 1974 e o presente, tem várias repúblicas e períodos de transição. Começando na I República, o historiador refere que a independência formal não foi pacífica com a instalação e o controlo do país por parte do PAIGC, numa lógica de partido/Estado e de um modelo de desenvolvimento estatizado. Houve logo uma caça aos inimigos internos e aos inimigos da revolução, concretamente os ex-comandos africanos, os régulos, membros de antigos movimentos nacionalistas e opositores declarados. O PAIGC foi confrontado com a fracassada tentativa de politização das massas urbanas, o partido isolou-se e entregou a administração do país à burocracia do país, totalmente impreparada, era abissal a distância entre a organização dos territórios libertados e o novo país. As perseguições davam ilusão de que o partido/Estado possuía as rédeas do poder. Fuzilaram-se ex-comandos; entre 1974 e 1980 mais de meio milhar de guineenses pereceu nas mãos da polícia política. O autor esclarece: “Foi na diáspora que alguns filhos da Guiné se (re)organizaram no sentido de combaterem o regime de partido único. Assim, em 1976, foi fundada (no exílio de Lisboa) a Organização Anticolonialista da Guiné-Bissau (OANG), por Viriato Pã, entre muitos outros quadros guineenses. Rapidamente, a OANG criou células clandestinas em Bissau, na região de Oio e em Farim, tarefa para a qual contou com o trabalho incansável de António Mendes Fernandes, Zinha Vaz, entre outros. Podemos mesmo afirmar que, em pouco tempo, a OANG penetrou na estrutura da sociedade guineense que quase minou o edifício em que assentava o poder despótico do monopartidarismo no pós-independência, se não fosse a sanha implacável da segurança do Estado e a prisão de grande parte dos elementos que constituíam a sua célula clandestina na Guiné, em meados de 1977”.

A I República (1975-1980) falhou no domínio económico, sobretudo não conseguiu adequar os incentivos à agricultura, não houve qualquer conversão desta bem como falhou a tentativa de instalação de unidades industriais ligadas ao sector primário. Ocorreu uma subida de custos devido à monopolização das importações e das exportações, os camponeses abandonaram os campos e avançaram para os grandes centros urbanos. Caiu de forma alarmante a produção agrícola sobretudo em 1979 e 1980. Falharam as prometidas reformas, caso do complexo Agro-Industrial do Cumeré, da fábrica de compotas de Bolama, entre outras. Mesmo com este caudal de desaires, observa o autor, é inegável que havia uma visão estratégica de desenvolvimento, apenas comparável aos governos de Carlos Gomes Júnior. O falhanço de muito projetos durante a administração de Luís Cabral deve-se, adianta o autor, à incúria, falta de profissionalismo e de patriotismo de alguns funcionários estatais e dirigentes políticos nacionais: “Ainda hoje passamos um atestado de incompetência a nós mesmos por sermos incapazes de criar e de manter uma fábrica de transformação do bauxite em alumínio destinado à exportação, como pretendia Luís Cabral, preferindo alienar a exploração a outros países e a empresas estrangeiras, sem um estudo sério do impacte ambiental”. Repertoria o conjunto de pequenas e médias unidades industriais que se pretenderam implantar durante a I República. Tratou-se de uma euforia estatizante mas onde também havia a lógica de transformar no país muitos dos recursos locais. O regime apostara no processo de industrialização em sintonia com a eletrificação dos principais centros urbanos, a criação de hospitais e não se pode negar que houve um grande esforço feito no domínio da educação. A par da ajuda externa, o Estado foi-se endividando devido às inúmeras despesas com as importações de bens de consumo. Até ao golpe de Estado de 1980, assistiu-se a um aumento da inflação para níveis incontroláveis, deu-se a centralização e a concentração do poder nas mãos de uma elite tendencialmente mais isolada e afastada da base sociológica de apoio.

O golpe de 14 de Novembro assentou neste profundo descontentamento, na tensão interna dentro do PAIGC devido a um projeto de revisão constitucional que na lógica dos golpistas acarretaria à absoluta personalização do poder e a marginalização dos guineenses no aparelho de Estado. Entrou-se na II República (1980-1994). Nino Vieira e o seu regime, desde muito cedo lançaram mão a falsos golpes de Estado, perseguições e sequestro de militantes e dirigentes de movimentos rivais. Houve assassinatos, como o que vitimou o líder da FGUIRIN, Aladje Baldé, nos anos 80 e os de Paulo Correia e Viriato Pã, e de muitos outros cidadãos nacionais. Os planos em vários sectores iniciados na I República foram postos em causa, ridicularizados e mesmo abandonados pelas novas autoridades. Caíram por terra projetos como a produção de mel e cera no Gabu, a fábrica de cerâmica de Bafatá, a fábrica de fundição e oficinas metalo-mecânicas, entre tantos projetos. Quanto aos projetos que o novo regime elaborou nunca foi capaz de os executar, muito do financiamento evaporou-se no mar de corrupção. A seguir houve que abraçar o Programa de Ajustamento Estrutural, era visto como a única saída possível para a resolução da crise económica e social.

Em simultâneo com a descrença total nas capacidades do Estado em fazer face à crise, emergiram novas revoltas que vieram acentuar a fragilidade do Estado. Constituiu-se a Frente Unida para a Libertação da Guiné (FULGUIBI), organização fundada em Lisboa e liderada por Bailo Djau. No Senegal, para além da FLING, a oposição contava com a FGUIRIN, liderado por Aladje Baldé, assassinado em 1982. Evocando tentativas de golpe, Nino chegou a convocar um congresso extraordinário, em 1981, com o objetivo de concentrar o poder. E na Constituição de 1984, Nino passou a acumular a chefia do PAIGC como secretário-geral, a do governo (depois de extinguir o cargo e de afastar Vítor Saúde Maria, acusado de estar planear um golpe de Estado). Segue-se o “caso 17 de Outubro”, de 1985 que irá culminar na prisão de 63 oficiais e civis, teremos mais fuzilamentos. O Estado ia sendo progressivamente confiscado, crescia o clientelismo, e Nino que se dizia avesso ao neoliberalismo veio a converter-se formalmente à democracia e ao multipartidarismo. Emigrados em Portugal fundaram a Resistência da Guiné-Bissau/Movimento Bafatá, uma peça importante para a abertura política que se iria consumar nos primeiros anos da década de 90. Não parou de crescer a degradação do nível de vida, foram aparecendo os partidos políticos enquanto descia a produção do arroz e se promovia a monocultura do amendoim que mais tarde dará lugar à monocultura do caju. E o autor observa: “O golpe de Estado de 1980 foi também um golpe contra o processo de industrialização em curso. Para isso concorreram o desprezo voltado ao plano industrial, a falta de divisas para a compra de equipamentos, a falta de quadros especializados e a ausência de uma rede energética para consumo das unidades industriais. E assim se caminha a passos largos para um tumultuoso conflito, aquele que eclodiu em Junho de 1998, a rebelião capitaneada por Ansumane Mané".

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2013 > Guiné 63/74 - P10938: Notas de leitura (449): Palavras de um Defunto... Antes de o Ser, por Mário Tito, o nosso camarada Mário Serra de Oliveira (Mário Beja Santos)