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segunda-feira, 27 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25567: Facebook...ando (57): "Os Bravos da Freguesia: Vidas Roubadas": homenagem da junta de freguesia de Figueira dos Cavaleiros, concelho de Ferreira do Alentejo, aos seus antigos combatentes - Parte I: Fotos


Foto nº 1

Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7


Foto no 8

Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 21 de abril de 2024 > Hmenagem da junta de freguesia aos seus antigos combatentes. Foi também feito um vídeo com histórias de vida ("Os bravos da freguesia: vidas roubadas") (51' 40''). 

O Jacinto Cristina aparece nestas fotos (nºs 5, 6, 7 e 8)  com óculos escuros e camisola com losangos às cores. Na primeira foto de cima (nº 1), a de grupo, aparece em primeiro plano a presidente da junta de freguesia, a dra. Juvenália Salgado, técnica superior de serviço social.

Na foto nº 4, surge na parede, no lado direito, a imagem do 1º cabo at cav Casemiro Manuel Mestre Caneiras, que esteve no TO da Guiné, em 1971/73. (Desconhece-se a unidade ou subunidade a que pertendeu.)

Do concelho de Ferreira do Alentejo, morreram 10 camaradas nossos (4 na Guiné, 3 em Angola e 3 em Moçambique). O único morto da freguesia de Figueira dos Cavaleiros foi o Elisário Brandão Penedo (em combate, em Moçambique, em 1967) (Fonte: Portal UTW  - Dos Veteranos da Guerra do UltramaPortal UTW  - Dos Veteranos da Guerra do Ultramar).

Fotos: Facebook da Junta de Freguesia de Figueira de Cavaleiros (2024) e Facebook de Jacinto Cristina (2024) (com a devida vénia...) 



Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 25 de abril de 2024 > Fotograma do vídeo (51' 40'')

Os Bravos da Freguesia: Vidas Roubadas"  (Alojado na página do Facebook de Juvenália SalgadoJuvenália Salgado: ideia de Juvenália Salgado, produção da Junta de Freguesia de Figueira de Cavaleiros) (Disponível no poste a seguir, P25568)


1. Nos 50 anos do 25 de Abril e do fim da guerra do ultramar / guerra colonial, há autarquias que se lembram de nós, antigos combatentes. E ainda bem, mesmo que nalguns casos, tinha sido tarde e a más horas, quando muita gente já morreu. Independemente disso, as nossas palmas vão hoje para a Freguesia de Figueira dos  Cavaleiros, concelho de Ferreira do Alentejo.  E, claro, para o nosso tabanqueiro Jacinto Cristina, o mais famoso padeiro da Guiné, o padeiro da Ponte Caium, no setor de Piche. (Através dele, homenageamos também os demais camaradas da freguesia, que passaram pelo ultramar, e nomeadamente Angola, Guiné e Moçambique)



Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Setor de Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium, guarnecido pelo 3º grupo de combate, "Os fantasmas do leste". Na foto, o o nosso amigo e camaradas soldado at inf Jacinto Cristina, municiador do morteiro 81, que as circunstâncias obrigaram a tornar-se padeiro... Foi aqui, de resto,  que ele aprendeu a arte, tentando pôr em prática o que via fazer à sua mãe quando amassava e coaiz o pão em forno de lenha.

Foi mobilizado para a Guiné, já casado e pai de um filha pequena. Colocado no leste, no subsetor de Piche, foi um "sem-abrigo", viveu um ano e tal em cima do tabuleiro da ponte do rio  Caium, com a G3 a seu lado e o morteiro 81 (deque era municiador(... 

É membro da nossa Tabanca Grande desde 24/9/2010, tem 45  referências no nosso blogue.  Natural de Figueira de Cavaleiros, concelho de Ferreira do Alentejo, vai fazer 75 anos, no  próximo dia 14 de novembro de 2024.   Viúvo, reformou-se de industrial de panificação,  aos 62 anos, em 2011, por invalidez.

Na foto acima, vê-se de costas, em tronco nu, o seu amigo e camaradas Manuel da Conceição Sobral (que vive hoje em Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém), e era o ajudante de padeiro e o o apontador do morteiro 81.  O Jacinto Cristina, o padeiro, está a enfornar.

No destacamento da ponte de Caium (Foto nº 6) estava um grupo de combate, à época pertencente à CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74). O Sobral e o Cristina faziam reforço das 4 às 6 da manhã. Por volta das 5h/5h30, um deles ia amassar a farinha (12 kg / dia)... O outro ficava de reforço até às 6. Depois das seis, até às 8h/8h30, ficavam os dois a trabalhar. Às 9h já havia pão fresco... 

Todos os dias coziam. Tinham um stock de farinha que dava para um mês. Faziam uma média de 30 pães de 400 gramas, por dia. Como bons tugas, os camaradas que defendiam a ponte, adoravam pão!... O resto do dia os padeiros descansavam, ou jogavam à bola, ou brincavam no rio, quando levava água... Tabanca,  só havia a 3 km dali.

O Sobral era o apontador do morteiro 81 e o Cristina o municiador. Portanto, uma parelha completa!... Depois na "padaria", trocavam de papeis...Também havia um morteiro 10,7, ao cuidado do Pinto e do Algés. O 81 ficava do lado direito, à saída da ponte, no sentido de Buruntuma. O 10,7 ficava no lado esquerdo, junto ao paiol, também no sentido de Buruntuma... Mais à frente estava o 1º cabo Torrão, apontador da HK 21 (irá morrer na emboscada de 14 de Junho de 1973, na estrada Ponte Caium - Piche). Também havia o morteiro 60 e a bazuca 8,9.

O Cristina (eu trato-oo sempre por Jacinto) tornou-se de tal maneira imprescindível (por causa do "pão nosso de cada dia") que, além de municiador (e apontador, quando necessário) do morteiro 81, ficou na ponte de Caium 14 meses!!!... (Em rigor, 13, se descontarmos o glorioso mês de férias, em abril de 1973, em que veio a casa para estar com a mulher e a filha; já não se lembra de quanto pagou pela viagem na TAP, mas foi ma fortuna para um soldado, para mais casado e pai de filha: "seis contos, para aí", diz-me ele.)

Diziam que o pão da dupla Cristina-Sobral era o melhor casqueiro da Zona Leste...  Terrível foi aquele período de um mês (entre meados de maio e junho de 1973) em que o destacamento esteve sem reabastecimentos, sem farinha, sem pão... Por que a fome era negra, meteram-se a caminho de Piche, no Unimog, a 14 de junho de 1973, tendo sofrido uma brutal emboscada (que não era para eles
) e em que morreram o 1º cabo apontador de metralhadora David Fernandes Torrão, e os soldados atiradores Carlos Alberto Graça Gonçalves ("Charlot"), Hermínio Esteves Fernandes e José Maria dos Santos...

Disse-me o Jacinto Cristina (que ficou na ponte a tomar conta do seu morteiro 81), que os corpos foram cortados em quatro, com rajadas de Kalash... O bigrupo do PAIGC (onde foram referenciados cubanos) levou cinco armas (incluindo a do furriel que foi projectado com o impacto do RPG7, juntamente com o sold cond auto Rocha, o Florimundo ).

Uns meses antes, em 19 de Fevereiro de 1973, tinha morrido o fur mil op esp Amândio de Morais Cardoso, na sequência da desmontagem de uma armadilha de caça. Essa cena passou-se debaixo dos olhos do Cristina que se salvou por um triz, ao pressentir o perigo.
 
 Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

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segunda-feira, 11 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25261: Contos com mural ao fundo (Luís Graça) (21): O pão que o diabo amassou

Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Piche > CCAÇ 3546 (1972/74) > Destacamento da Ponte de Caium, guarnecido pelo 3º grupo de combate, "Os fantasmas do leste". Na foto, o sold Cristina, municiador do morteiro 81, que as circunstâncias obrigaram a tornar-se padeiro... Como muitos outros, espalhados pelos duzentos e tal aquartelamenntos e destacamentos da Guiné..."A necessidade faz o órgão"... Mas esta história que aqui se conta não tem nada a ver  diretamente com ele..., apesar de ter descoberto na ponte Caium a sua vocação e ter continuado  a ser padeiro pela vida fora.


Foto: © Jacinto Cristina (2010). Todos  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Contos com mural ao fundo (21) >  O pão que o diabo amassou 


por Luís Graça


− “Duque de Palmela”, imaginem!,  foi a alcunha que me puseram na tropa.

Muitos militares tinham como alcunhas os nomes das terras donde provinham. Assim era mais rápido distinguir os Silva, os Santos, os Ferreiras, os Carvalhos, etc. , em cada pelotão ou companhia. E sempre era mais fácil do que fixar o número mecanográfico, que na realidade ninguém sabia de cor, nem o próprio… Andava-se com ele ao pescoço numa medalha metálica, picotada:

− Em caso de um tipo lerpar, cortavam uma metade e entregavam-na ao cangalheiro..., não fosse mais tarde haver troca de urnas − esclareceu o meu interlocutor.

Santos era o seu nome, um antigo 1º cabo atrador de infantaria, que se emocionava uando falava  da Guiné:  dos camaradas que lá ficaram, uma boa meia dúzia; dos que regressaram e que ele nunca mais voltou a ver:  "da fome e da sede que raparam"; dos “embrulhanços”, das emboscadas no mato, das minas nas colunas logísticas, dos ataques e flagelações aos aquartelamentos,  destacamentos e tabancas… 

Emocionava-se ao falar do pão que amassou e cozeu em fornos, quase sempre improvisados… E, claro, das “beijudas”… E ainda da sorte que, afinal, só teve na guerra, ao trocar a G3 pela amassadeira e a pá de padeiro...

Ainda se emocionava, enfim, quando falava da sua infância e adolescência, marcadas pela pobreza e pela orfandade.

− Camarada, comi o pão que o diabo amassou!... Pode escrever aí!

Nasceu nas faldas da serra da Arrábida, perto da Quinta do Anjo, no concelho de Palmela. O pai, J. Santos, era de origem beirã, nascido "lá para as bandas da Serra da Estrela", em Gouveia. Fixou-se por ali, com a família, no início dos anos 30. Era pastor, quando, no período da II Guerra Mundial, foi chamado a cumprir o serviço militar obrigatório. Mobilizado pelo RI 11, em Setúbal, esteve como expedicionário, na ilha do Sal, em Cabo Verde. 

− Rapou fome e sede, apanhou o escorbuto por falta de fruta e legumes frescos, e nunca mais ficou bom dos pulmões. Regressou em 1943, casou em 1944, e teve o seu primeiro filho em 1945, que fui eu. 

Filho e neto de pastores, o J. Santos pastor continuou a ser, em regime de "parceria pecuária": tinha um rebanho de ovelhas que não era seu, era do patrão, um fabricante de queijo de Azeitão, um dos fundadores da cooperativa local nos anos 40.

No final do ano tinha direito a algumas crias que podia vender, mais tarde, como borregos, machos, em especial na altura da Páscoa, em que havia maior procura. O seu salário-base era uma miséria. Nunca conseguiu chegar a ter um rebanho seu.

Analfabeto, descobrirá, por si mesmo, a importância que era saber ler, escrever e contar. Em Cabo Verde, tinha que pedir ao seu 1º cabo, um rapaz do seu distrito, para lhe ler as cartas que recebia da namorada e dar-lhe a resposta na volta do correio (que só era de tantos em tantos meses, quando o barco lá passava).

De regresso à terra, casou e jurou a si mesmo que os seus filhos, se os tivesse e  fossem machos, teriam que ir à escola, custasse o que custasse. Só teve rapazes e todos fizeram a 4ª classe, ou andavam na escola quando ele morreu, cedo, aos 38 anos... De uma pneumia, mal curada. 

− Nunca ficou bom da 'doença dos pulmões' que trouxera da ilha do Sal, dizia-nos a nossa mãe.

Deixou viúva e 4 filhos menores. Estamos em 1958, o ano do ciclone político chamado general Humberto Delgado. Salazar continuaria sentado na cadeira do poder, mas o país nunca mais voltaria a ser o mesmo: no final dos anos 50 tinha começado a grande debandada rural…(Um em cada dois portuguesees ainda vivia na sua aldeia.)

O “Duque de Palmela”, o M. Santos, era o mais velho dos quatro irmãos. Tinha 13 anos. A mãe, viúva, ficou desamparada. Pouco ou nada tinha de seu. Vivia num casebre, com cobertura de colmo (como nase tabancas da  Guiné!), paredes meias com o rebanho, numa propriedade do patrão e, por esmola, lá continuou a viver com um pequeno pedaço de horta que lhe dava uma mancheia de batatas e couves…

Naquele tempo não havia Segurança Social. A não ser para uma minoria privilegiada de trabalhadores da indústria e serviços, cobertos pelas caixas de previdência, criadas no âmbito do sistema corporativo do Estado Novo. 

Os portugueses estavam então divididos em três categorias sociais, conforme o rendimento: pensionistas, porcionistas e… indigentes. Só estes, uma espécie de párias, tinham direito a internamento hospitalar gratuito nos hospitais públicos  que de resto se contavam pelos dedos (Hospitais Civis de Lisboa e poucos mais...). 

Hospital queria dizer, até então, local onde se acolhiam doentes pobres. Só os pobres iam para os hospitais para serem tratados e, em muitos casos, morrer. Os ricos tratavam-se e morriam... em casa.

O “Duque de Palmela” pegou numa sacola de serapilheira e aos treze anos, “homem já feito”, não teve outro remédio senão o de estender a mão à caridade dos ricos e remediados, metendo-se ao caminho para arranjar o sustento da família.

− Não tenho vergonha de o contar aos meus netos que hoje vestem roupas de marca, e têm, cada um, o seu belo carro: uma rapariga que ainda anda na universidade e um rapaz, que já ajuda o pai, na administração da Panificadora, depois de tirar o curso de gestão hoteleira ou coisa parecida.

Bateu casais e aldeias nas faldas da serra, desde Azeitão e Quinta do Anjo até à vila de Palmela, "estendendo a mão à caridade". Ao fim do dia sempre havia algum pão, queijo, chouriço, toucinho, etc., para fazer o caldo, e meia dúzia de tostões, para além da fruta e legumes que ia surripiando, aqui e acolá, à beira dos caminhos.

− Roubar para matar a fome não é  
crime, camarada... Os meus netos, uma vez, espantados, perguntaram-me se eu tinha passado fome… E eu respondi-lhes: ‘Não, meus queridos, eu, a vossa avó e os vossos tios não morremos de fome, graças a Deus… mas passámos muitas necessidades’… O que é diferente.

E, em jeito de conclusão, acrescentou:

− A roupa que tínhamos no corpo, aos mais novos, que ainda andavam na escola, valeu-nos a distribuição do pão, queijo e leite da Cáritas, para além do vestuário e do calçado em 2ª mão. Mas eu, aos 13 anos, fiquei conhecido como o “pé descalço”, porque as únicas botas que tinha, no tempo do meu pai, deixaram-me de servir…

− Camarada Santos, quantas histórias iguais à tua (vamos lá tratarmo-nos por tu como camaradas que fomos,  pode ser ?!) não poderiam contar muitos de nós que passámos pela Guiné ? Éramos um país de pobreza envergonhada! – interrompi eu.

− Diz bem, ou dizes bem, camarada: pobreza envergonhada!... Nos primeiros dias e semanas, custa muito um gajo estender a mão à caridade dos outros.. E eu já não era uma criança inocente… Corava de vergonha e baixava os olhos quando eram raparigas ou jovens mulheres que me vinham abrir a porta…

Depois a mãe pô-lo a trabalhar, por volta dos 14 anos. Teve vários ofícios. Andou a trabalhar à jorna no campo, na debulha do trigo, e foi aprendiz de moleiro. Só não quis ser pastor como o pai. Na altura cultivava-se muito cereal por aquelas bandas, e não faltavam também moinhos de vento.

Até que por volta dos 16 anos arranjou trabalho como ajudante de forneiro numa panificadora, num dos  concelhos vizinhos. Comprou uma “pasteleira” em segunda mão, ia e vinha todos os dias de bicicleta, fizesse sol ou chuva… Cerca de 20 e tal quilómetros, ida e volta.

Ainda se cozia o pão a lenha, nessa época, só mais tarde vieram os fornos a eletricidade e depois a gás. A ver os colegas a amassar, a estender a massa, a cortar e a enfornar, depressa aprendeu o ofício de padeiro. De resto, a sua mãe também fazia pão em casa, com sobras da farinha do moleiro  ou da Cáritas. Foi com ela que aprendeu mais alguns pequenos segredos da arte de padeiro.

Aos vinte anos foi chamado para a tropa. Pela primeira vez, saiu da região: a viagem que tinha feito mais longe fora até Setúbal. Lisboa ficava na outra margem do rio Tejo, e ele nunca tinha andado de barco. Mais longe era ainda o Porto, aonde se chegava de comboio.

Deram-lhe a especialidade de atirador de infantaria, foi mobilizado para a Guiné, formou companhia no Campo Militar de Santa Margarida. E numa madrugada fria de inícios do ano de 1966 chegou de comboio ao Cais da Rocha Conde de Óbidos para embarcar, com a sua companhia, independente.

Na instrução da especialidade, o M. Santos foi o primeiro classificado em quase tudo. Ninguém o batia na carreira de tiro, com a G3, nem os oficiais do quadro permanente que vinham da Academia Militar, e que tinham muito mais treino. 

Nas provas físicas, era o campeão. Fazia uma marcha  de 30 quilómetros, quase a brincar, deixando a “concorrência” a grande distância. Baixo, entroncado, com um boa caixa de ar, era o típico militar português, de origem rural, capaz de sobreviver a muitas provações e até desaires.

Vaticinava o segundo comandante da companhia, que tinha feito o “curso de operações especiais” em Lamego, ao mesmo tempo que evocava o exemplo do "Palmela" (mais tarde, já na Guiné, "Duque de Palmela"):

− Na hora do combate, debaixo de fogo inimigo, o “Palmela” será o primeiro a reagir, de pé, sem medo, o peito feito às balas… Nos ataques ao quartel, será o primeiro a saltar para as valas e a varrer o inimigo na orla da mata, ou junto ao arame farpado… À bazucada ou com tudo o que tiver à mão!...

− E assim foi – confirmou o “Duque de Palmela” −, na primeira emboscada que tivemos, logo numa das primeiras colunas logísticas, uma vez que fomos buscar mantimentos a Buba, eu fui o único que fiz fogo de pé, a varrer o capim… Valeu-me o capitão, a meu lado, que me obrigou a amochar os cornos… 

− Ah!, valente!...

− E no primeiro ataque a um dos nossos destacamentos, fui eu e o capitão que manobrámos o morteiro 81, o capitão punha as granadas, descavilhadas,  e eu aguentava o tubo com o ombro… No meio daquela confusão toda, não tínhamos o tripé, só o prato.

Ainda chegou a ser "aliciado" para os comandos:

− Chumbaram-me nos psicotécnicos, não sei porquê. Com números e letras é que nunca fui bom na tropa. Tirei a 4ª classe à rasquinha, não tenho vergonha de o dizer.

− E para os paraquedistas ? – atrevi-me eu a sugerir.

− Para os paraquedistas, nem pensar. Nunca me deu bem com as alturas! – explicou ele.

Ainda em Santa Margarida foi abordado por um oficial, português, com brilhante currículo em África, um dos heróis de Angola em 1961. O Santos disse-me o nome, mas por razões óbvias não o vou aqui citar. Andava ele, mais um cabo miliciano, e um primeiro sargento, a recrutar futuros voluntários para a Rodésia, a África do Sul e até para o  Vietname.

− 'No caso de regressares com vida e saúde, como esperamos, finda a tua comissão na Guiné, tens aqui o meu contacto. Podemos fazer um pré-contrato. Se quiseres, assinas já, sem compromisso’… Esperamos por ti! − disseram-me eles, à despedida.

Para o “Duque de Palmela” era a sua independência económica, " o prémio da lotaria" que nunca lhe calhara, porque também "nunca tivera dinheiro para jogar”!, exclamou ele, com um brilhozinho nos olhos.

Sobretudo, no Vietname, um 1º cabo de infantaria era capaz de ganhar tanto ou mais do que um capitão na Guiné, garantia-lhe um dos engajadores.

Começou a fazer contas por alto, e a ficar baralhado com os números. A cabeça nunca mais teve sossego. O risco era “um gajo lerpar e ficar por lá”. Mas isso também podia acontecer na Guiné, logo aos primeiros tiros. Era só preciso “confiar na estrelinha da sorte” e “rezar, todas noites, ao anjo da guarda", conforme a mãe lhe recomendara.

Confessou-me que nessa altura nunca ou raramente pensava na morte.

− Quando um gajo tem 20 ou 21 anos, não pensa sequer na morte. Tem a vida toda à frente dele. 

− É verdade... E nem sequer é capaz também de imaginar o sofrimento daqueles que o amam… e que estão longe, à espera de uma carta ou de um aerograma!

Por outro lado, quando embarcou em Lisboa, com destino à Guiné, os seus sentimentos eram muitos diferentes de boa parte dos seus camaradas:

− Para alguns deles
 era como ir para a forca! Outros iam com cara de enterro. 
Havia até quem chorasse baba e ranho. Havia-os já casados e já com filhos… Eu até compreendia, Mas, para mim, não!... Solteiro, sem compromissos...
 
E explicou-se melhor: 

 Não vou dizer que fiz uma festa a bordo, longe disso... Mas não conseguia esconder que estava algo excitado com a ideia de ir para a a guerra, a milhares de quilómetros de casa.

− Excitado ?!... Mas também com saudades, não ?!...

− Claro, tive saudades da minha mãe e irmãos, ficaram cá dois para ajudá-la. O outro, a seguir a mim, já tinha cavado para França, a salto, e mandava-nos algum dinheiro.

E depois fez-me uma confidência:

− Nunca contei isto a ninguém, muito menos à família. Eu parecia um puto a quem deram um brinquedo, neste caso a G3. Mal comparado, era como o cão de caça,  um perdigueiro, excitado pela algazarra dos homens e animais, antes dos caçadores e das matilhas largarem para a caça…

−És ou foste caçador ?

− Tenho poucos vícios, mas este é um deles…

− Em suma, convenceram-te que eras um bom soldado e um grande português!

− E era, sem peneiras! Oxalá todos fossem como eu, ontem e ainda hoje! A vida foi-me madrasta até aos vinte e tal anos, mas depois compensou-me. 

− ... Compensou-te ?!

− Sim, posso bem dizê-lo: passei um terço da minha vida, até aos vinte e tal anos, a viver mal e porcamente,  a comer o pão que o diabo amassou… E os outros dois terços a viver menos mal, graças a Deus. Claro, a trabalhar 12 horas e mais por dia na Panificadora…

A sua ideia fixa era ganhar dinheiro, "manga de patacão",  para depois montar o seu negócio quando voltasse:

− Estava a apontar lá para os 30 anos… Nessa altura, arrumava a farda, a espingarda automática, as cartucheiras e as botas… Juntava o pé-de-meia de soldado da fortuna e regressava à terra, casava-me, constituía família, tornava-me um gajo decente, comprava um carro… Abria um café com fabrico próprio de pastelaria, em Palmela ou nas terras próximas…

Está grato a duas pessoas que lhe tiraram da cabeça “essa maldita ideia de ir para a África do Sul ou para o  Vietname”. 

Estava a ser uma obsessão. Nos primeiros tempos de Guiné, não se coibiu de partilhar o “segredo” com alguns dos seus camaradas mais próximos. Não sabe bem porquê, nem exatamente quando, começou a convencer-se de que poderia ficar “rico” se enveredasse pela vida de “mercenário” ou “legionário”. Impacientava-se, ainda tinha quase dois anos pela frente até acabar o raio da comissão na Guiné. 

Chegou a mesmo a arquitetar um plano para “desertar”, fugindo para a Guiné-Conacri. Afinal, a fronteira era ali tão perto. Bastava, numa noite de luar, ir à tabanca, e não voltar ao quartel, despedir-se da sua “beijuda” e, por volta das 3 da madrugada, rezar ao seu anjo da guarda e… zarpar!

Começou a estudar os trilhos que levavam à fronteira, em Aldeia Formosa, e que eram conhecidos dos gilas, os comerciantes ambulantes. O problema é que não tinha nenhum mapa do país vizinho. E depois havia a língua, as comunicações, os transportes, os papéis, o risco de ser apanhado pelo PAIGC ou pelas autoridades da Guiné-Conacri… 

− E, claro, encostado a um poilão para me limparem o sebo, como fizeram a alguns desgraçados depois da independência!

Por outro lado, interrogava-se ele, como é que voltaria a contactar o grupo dos engajadores, que de resto eram portugueses e militares do exército português?!... Que história é que ele lhes iria contar ? … 

A par disso,  ele sabia que a estadia na Guiné, em zona de guerra, era fundamental para fazer currículo, "ganhar calo", e se poder depois  alistar num exército estrangeiro… E, por certo, eles não iriam querer um “desertor" no seu lote...

O seu sonho começou a cair por terra, como um castelo de cartas, à medida que se avolumavam as dificuldades para pôr em prática os seus planos de fuga… Começou a ter problemas de “consciência” e a “dormir mal”: desertar era, afinal, virar as costas aos seus camaradas de armas, alguns dos quais eram já seus amigos do peito. 

E, depois, se fosse apanhado, pelo lado português, tinha a vida estragada, apanhava uma porrada, uns bons anos  em presídio militar… Até o poderiam fuzilar, alguém lhe tinha dito que, numa situação de guerra, podiam levar um desertor a um tribunal marcial, condená-lo à morte e fuzilá-lo, sem apelo nem agravo…

Enfim, a coisa estava a tornar-se feia…


Na altura tinha várias madrinhas de guerra, mas havia uma com quem simpatizava mais. Era alentejana, “ali de Santiago do Cacém”.

− Olhe, acabaria por ser a minha senhora… Casámo-nos passado um ano e tal, depois do meu regresso da Guiné. Foi ela quem me tirou da cabeça essa “ideia maluca” de ir para a África do Sul ou para o Vietname... Também me falavam da Legião Estrangeira’mas os sacanas dos franceses pagavam pior que os sul-africanos e os americanos...

E a outra pessoa a quem ele ficou “grato para o resto da vida”, foi o capitão, o seu comandante de companhia.

− Um pai, um amigo!,,,

Era miliciano, teria pelo menos dez ou  doze anos a mais do que a maioria dos graduados da companhia, os alferes e os furriéis. Nunca confessou a ninguém o que pensava daquela guerra, mas estava lá porque fora “obrigado como a grande maioria do pessoal”… 


Aceitou a missão de comandar aqueles 160 homens e jurou, perante eles, todos formados na parada do Campo Militar de Santa Margarida, na véspera de partirem de comnboio, para o embarque no Cais da Rocha Conde de Óbidos, fazer tudo para os trazer de volta, "sãos e salvos", de regresso a casa e às suas famílias…

Sabia-se pouco sobre ele e a sua vida, se era casado, se tinha filhos, o que fazia na vida civil… Não era pessoa de muitas falas… Mas a verdade é que nunca se deixou intimidar quer pelo inimigo quer pelos superiores hierárquicos. Soube sempre defender, tanto quanto possível, os interesses e os bem-estar dos seus homens, pese embora a companhia ter feito uma boa parte da comissão às ordens do batalhão de Aldeia Formosa.

− E lá, fomos carne para canhão!... O primeiro ano foi duro… E tivemos os primeiros mortos… Depois ficámos em quadrícula, espalhados por alguns destacamentos e a ajudar a reforçar a autodefesa de algumas tabancas fulas da região do Forreá.

O capitão acabou por saber do “segredo de Polichinelo” do “Duque de Palmela”… Às tantas só faltava publicar na “ordem de serviço” um requerimento dele a pedir a autorização para se alistar nas tropas do Tio Sam…

Como o capitão o achava “temerário”, para não dizer "maluco" ou  "prematuramente apanhado do clima”, na melhor ocasião retirou-o do 1º pelotão, com o acordo expresso do respetivo alferes com quem, de resto, o nosso 1º cabo Santos, o “Duque de Palmela”, não fazia “farinha”…

− ‘Antes que o gajo faça alguma maluqueira e nos estrague a vida a todos’... – terá dito, na altura, o capitão.

Sabendo da sua profissão na vida civil, pôs o “Duque de Palmela” na padaria. Para qualquer outro no seu lugar, seria um prémio, uma promoção, um alívio.  Mas, não,  para o nosso homem, foi uma tremenda desconsideração, quase uma despromoção… 

− Padeiro era básico, tal como o cozinheiro… Nessa noite apanhei uma 'cadela de todo o tamanho'…

− Básico ?!... O pãozinho de todos os dias é que não podia faltar, ó  Santos!

− … Foi isso que acabou por me convencer... E no dia aprazado já lá estou eu, no meu posto, bem ataviado, a substituir o padeiro da companhia que, vim a saber mais tarde, tinha sido transferido para Bissau… 


De facto, o rapaz, que o Santos foi substituir,  fora pai, e logo de dois gémeos. Alguém meteu uma cunha à Cilinha, a patroa do Movimento Nacional Feminino. E o rapaz lá foi para o “bem bom” do quartel de Santa Luzia, em Bissau. Apesar de continuar a exercer a sua especialidade, que era a de fazer pão para a tropa...  
 
O “Duque de Palmela” não se deu mal com a “nova vida”, a de padeiro ... Deixou de fazer colunas, operações e serviço de guarda, etc.,  mas tinha que trabalhar de noite para ter pão fresco todas as manhãs para cerca de bocas, entre militares e civis, incluindo o chefe de posto e a família...

E a verdade é que a malta se habituou ao pão fresco todas as manhãs. E isso também ajudou a levantar o moral da tropa. 

O "casqueiro" era, reconhecidamente,  um parte importante da ração a que cada homem tinha direito. Cabia nos 24 escudos e 50 centavos que eram atribuídos a cada militar, do soldado básico ao general, para efeitos de alimentação. Quem era arranchado, recebia em géneros, quem era desarranchado recebia em espécie, sendo no caso dos africanos, muçulmanos ou animistas, que não comiam a comida dos brancos, um importante complemento do salário: dava para comprar um saco de arroz de 100 kg ou mais.

− Comia-se mal e porcamente. Faltavam as batatas. E os frescos só os havia quando, uma vez por outra, vinha uma avioneta de Bissau. Massa com cavala era o prato do dia. O vinho era pouco e 'batizado'. Que não faltasse, ao menos, o pão nosso de cada dia…

O Zé Soldado era "pãozeiro", como qualquer bom português de origem rural. O padeiro, por sua vez, em conjunto com o vagomestre, responsável pelos géneros,  tinha que saber gerir muito bem o “stock” de farinha (e fermento…), sobretudo no tempo das chuvas em que as picadas no sul da Guiné se tornavam autênticos rios. O  abastecimento era então irregular e incerto. 

− Em Buba, quando lá estivemos, apesar de tudo, tínhamos a lancha da marinha a abastecer-nos.

Na realidade, ficavam isolados muitos aquartelamentos, destacamentos e tabancas. As colunas tornavam-se um pesadelo, às vezes chegava-se a andar um quilómetro por hora (!) e praticamente não se fazia mais nada do que tentar assegurar, a todo o custo, no final do tempo seco e no início do tempo das chuvas, a autossuficiência da tropa em matéria de abastecimentos (munições, comes & bebes, outros géneros de primeira necessidade, etc.). 

A farinha e a cerveja era dois géneros alimentares de “primeiríssima necessidade”… Ainda bem que a atividade operacional ficava mais reduzida, sobretudo de julho a setembro, meses de maior pluviosidiade, tanto para as NT como para o PAIGC. Em boa verdade, a guerra parava...

O nosso homem tinha, nesse aspeto, um bom entendimento com o vagomestre e com o capitão. E nunca houve, até ao primeiro ano, falta de farinha para fazer o pão.

− No novo 'posto', eu tinha durante o dia tempo e vagar para ir passear à tabanca, fazer a 'psico',  e, ao lusco-fusco, ir caçar galinhas do mato e lebres, na orla da bolanha. Arranjei uma espingarda de caça e ganhei um vício que não tinha…


− A caça ?!...

− Sim, a caça... Dava para fazer o gosto ao dedo e sempre se arranjava carne para o petisco. Matei a malvada a muita gente, incluindo alferes e furriéis… Uma vez por outra convidava o capitão, mas ele nunca aceitava… Acho que não se queria misturar com os subordinados, o que eu hoje entendo... 

− Não queria dar confiança aos subordinados, compreende-se... 

− Por outro lado, ele não gostava nada que eu saísse fora do arame farpado, mas lá ia fechando os olhos… E eu também não era mau cozinheiro, diga-se em abono da verdade… Uma vez por outro fazia-lhe uns miminhos, como um cabritinho assado para a messe. Ou um leitão, iguaria que era mais difícil de arranjar, só indo roubá-la aos 'turras'...

A coroa de glória do “Duque de Palmela” foi quando a companhia, a dois grupos de combate, ficou com as calças na mão, mum medonho ataque a um dos seus destacamentos, lá para os lados de Aldeia Formosa, já na segunda parte da comissão, em inícios de 1967, em  plena época das chuvas.

− Os gajos atacaram-nos,  às tantas da noite, e usaram metralhadoras pesadas 12.7, com balas incendiárias. Acordei sobressaltado. Em pouco tempo, a tabanca, fula, com as palhotas muito juntas umas às outras, foi pasto das chamas. Nunca tinha visto um incêndio como aquele, a não ser quando se deitava fogo ao capim, no tempo seco. Valeram-nos as valas onde o pessoal se entrincheirou e resistiu até de madrugada. Eu, mais o capitão que teve o azar de lá estar nessa semana, agarrámo-nos com unhas e dentes ao morteiro 81. A companhia tinha apenas uma secção de morteiros. E dessa vez estava colocada, em reforço, noutro destacamento, não muito longe do nosso. Mas tínhamos, aqui, um morteiro 81. Foi o que nos valeu.  Apoio de artilharia não havia.

O nosso padeiro conta que ia ficando com as mãos queimadas se não fora as luvas que apareceram no espaldão, "por milagre".

− Granadas não faltavam, graças a Deus. E foi a nossa sorte. Os gajos retiraram com mortos e feridos, a avaliar pelos rastos de sangue que deixaram nos abrigos individuais junto ao arame farpado. Até mioleira lá deixaram!... Por minha conta, devo ter mandado alguns para o inferno. Em contrapartida, tivemos dois mortos e vários feridos graves. 

E só por milagre, é que a população se safou. Teve apenas alguns feridos ligeiros.  Mas a tabanca ficou praticamente calcinada. 

− E com ela perdemos também os nossos haveres e os improvisados abrigos onde tínhamos os géneros alimentícios, bem como as outras palhotas que tinham sido cedidas à tropa. Ficámos só com a roupa que trazíamos no pêlo.

A descrição não poderia ser mais pormenorizada:

− A tabanca estava sobrelotada. Era pressuposto ficarmos ali temporariamente em reforço do sistema de autodefesa.  Havia suspeitas, fundadas, de colaboração com o inimigo, por parte de alguns elementos da população, 'puta-fulas', e que por isso estavam de debaixo de olho do comandante do pelotão de milícias e do régulo.

− 'Puta-fulas' ?!... Queres dizer futa-fulas... Os fulas eram leais à nossa tropa…

− Nem todos, junto à fronteira, eram mais permeáveis à propaganda e às ameaças do PAIGC – respondeu-me o M. Santos.

− Quer então dizer que, dessa vez, vocês ficaram de tanga…

− Ficámos de calções e chanatas. Só com a G3 na mão, e as cartucheiras à cintura… Alguns ficaram só em cuecas!... A malta dormia prtaicamente nua, por causa do calor... A minha mala ardeu. Houve malta que perdeu tudo, tinham trazido os parcos pertences com eles, convencidos que iam passar ali umas ricas e merecidas férias… O tanas!... 

− Medonho, hã?!

−  O mais grave é que ficámos sem comes e bebes, incluindo as rações de combate. Lá se aproveitou uma ou outra maldita lata de cavalas ou de conservas de pêssego da África do Sul… Claro que a população também pilhou o que não ardeu... Nestas situações, os seres humanos são todos iguais, sejam brancos ou pretos: há sempre uns tantos que tiram partido da desgraça dos outros...

De Bissau vieram, de helicóptero, trazer alguns reabastecimentos mais urgentes: caixas de munições, por exemplo. A coluna só chegou ao fim do segundo ou terceiro dia. E trazia alguns sacos de farinha. Mas como fazer pão se até o pequeno forno do destacamento, em adobe, também tinha sido destruído?

− Com bidões cortados ao meio, na vertical, improvisei um forno e fiz o milagre dos pães, para meia centena de homens esfomeados… mais a as milicias e a população. Tive um louvor do Schulz, e outro do comandante do batalhão, sob proposta do meu capitão. Mandei ampliar e emoldurar o louvor do general Schulz. Está no escritório. Ou estava, agora já passei a pasta ao meu filho mais velho. Reformei-me da Panificadora.

A padaria a que o “Duque de Palmela" se refere, foi a que ele criou, depois do seu regresso da Guiné em finais de 1967, e que ajudou a crescer, nos últimos 50 anos, "com mais algumas dezenas de colaboradores" (sic).

Com a construção e a inauguração da Ponte Salazar, unindo finalmente as duas margens do Tejo, entre Lisboa e Almada, o distrito de Setúbal conheceu um enorme surto de desenvolvimento, em termos urbanísticos, industriais, económicos e demográficos.

 Com algum dinheiro que poupou em África e um pequeno empréstimo bancário e mais uma ajuda de um dos irmãos que fora 'a salto' para França, fugindo à tropa, e que agora estava lá bem, perto de Paris, o “Duque de Palmela" comprou a quota de um seu antigo patrão, que se reformara, e que fazia parte de uma cooperativa de panificação num dos concelhos vizinhos. Essa Panificadora deu muitas voltas, depois do 25 de Abril, passou a sociedade anónima, até que o M. Santos se tornou o acionista principal, com o filho e com o irmão que estava em França.

Hoje é uma empresa de referência, no seu ramo, faturando  "manga de patacão" , e tendo uma razoável rede de clientes, incluindo superfícies comerciais, em todo o distrito de Setúbal. O “Duque de Palmela”, outrora o “pé descalço”, o 1º cabo que queria "ser mercenário e ir para o Vietname", tem hoje motivo de orgulho no legado que deixa aos filhos e netos.

− É sobretudo um exemplo de vida, tenho pena que o meu velhote já não esteja cá, há muito, para ainda poder ver a obra do filho. Ou dos filhos, há um irmão meu que também é sócio, minoritário.... O meu velhote e minha pobre mãe que ficou viúva tão cedo...

Enxuga uma lágrima furtiva… Pediu-me uns minutos para ir a casa, uma bela vivenda ali ao lado das instalações fabris da Panificadora, para ir buscar uma foto que tinha com o general Schulz e mostrar-me o louvor, emoldurado.

− Não conheci o Spínola, o meu comandante foi o Schulz. Só tenho a dizer bem dele. Visitou-nos por duas vezes. Esta é a foto dele comigo, eu a enfornar o pão. E chegou a levar do meu pão para o palácio do Governador, em Bissau. Em troca deixou-me uma caixa de cerveja “para os padeiros e cozinheiros”...

Infelizmente, o “Duque de Palmela” tinha enviuvado há dois ou três anos e lamentava não poder partilhar, com a “duquesa” (como ele, carinhosamente, tratava a sua alentejana de Santiago do Cacém), a alegria que fora a “transferência de poderes” para o filho, seu sucessor, e agora o maior acionista da Panificadora e seu administrador.

− Afinal, é a ela que eu devo tudo ou quase tudo. A ela e ao meu capitão. Foi, na Guiné, um pai para mim. Fiquei-lhe grato para o resto da vida. Vim a descobrir, entretanto,  que trabalhava nas Alfândegas de Lisboa, há uns dez anos atrás, quando ele se reformou. Nessa altura, fiz-lhe uma grande homenagem. Fizemos aqui o convívio anual da companhia. Foi memorável. Faltaram muitos mas mesmo assim consegui juntar uns sessenta camaradas. Com as mulheres, filhos e netos, éramos quase um centena de convivas. Fiz questão de ser eu a oferecer o almoço. Arranjei uma empresa de “catering” e o borreguinho assado foi feito cá nos fornos da Panificadora. Por coincidência, comemorávamos também nesse ano os 40 anos do regresso da Guiné.

E acrescenta, com alguma euforia:

− Foi um dia de alegria, um dos maiores da minha vida. Esse convívio ficou na memória da malta toda. E quem não veio, ficou com pena… Infelizmente, o capitão morreria uns tempos depois, ainda a minha mulher era viva.


Falando do seu sucesso empresarial, disse-me em tom de confidência:

− Tive sorte nos negócios, não vou dizer que não. Mas fui sempre um homem decidido e determinado. Umas "furão" ... Tinha pouco a perder e tudo a ganhar. Se fosse alferes ou furriel, com estudos, teria arranjado um reles emprego,  num banco, num escritório, nas finanças, nas caixas de previdência, aqui ou em Setúbal. Hoje sou patrão, ajudei a criar cinquenta postos de trabalho, são outras tantas famílias que dependem do bom andamento da empresa. Não tenho luxos, tirando a caça, que é  a minha  amante (mais cara que uma amante!), continuo a ser um gajo simples…

 Pelo que vejo e pelo que me contam...

−  O que é queres que eu te diga mais, camarada ?!... Põe aí, no teu canhenho,  que sei dar valor ao dinheiro e ao trabalho, e sou amigo do meu amigo, camarada do meu camarada!

Curiosamente, eu conhecera este homem, não na Guiné, mas por ocasião de um estudo europeu sobre condições de trabalho e absentismo por doença, nos anos 90.

 A Panificadora tinha então ganho um prémio de segurança no trabalho, e poderia ser um potencial estudo de caso de “boas práticas”… Conheci o pai e o filho através do médico do trabalho que tinha uma avença com a empresa e que fora meu aluno. Conversa puxa conversa, acabei por saber que o "patrão velho" tinha estado na Guiné, antes de mim, mas não longe dos sítios por onde passei e penei…

Já nessa altura eu gostava de dizer que o mundo é pequeno e que um dia voltaria a tropeçar na guerra da Guiné. Também eu, como muita gente, precisava de exorcizar os fantasmas do passado.

− Chegou a hora do repouso do guerreiro, camarada! – disse-lhe eu, da última vez que estivera com ele, já depois de enviuvar.

− Esse é um dos problemas da malta da nossa geração… Muitos nunca tiraram férias, passaram a vida a trabalhar e a poupar, não gozaram a vida… Falo por mim… Como saber que estamos a chegar ao fim da picada ? Ainda gostava de lá ir, à Guiné, antes de me dar uma macacoa, mas não sei se tenho força nas canetas…

− Mas já agora diz-me porquê e para quê voltar à Guiné?!... Se a pergunta, claro, não te ofender… – pedi-lhe eu.  

Pesou a pergunta antes de responder:

− Porquê ?... O criminoso gosta sempre de voltar ao local do crime – respondeu-me com  um misto de bonomia e malícia. 


− E para quê, já agora ? – voltei a insistir.

− Olha, sempre ouvi falar do Saltinho e dos rápidos do Corubal, até se dizia que era a parte mais bonita da Guiné… Andei por lá perto, mas nunca lá fui, nunca vi sequer o rio Corubal. O rio Grande de Buba, o Geba também, mas não o raio do Corubal... Era um dos sítios da Guiné que gostava de visitar… E, depois, se conseguir fazer alguma coisa por aquela gente, tanto melhor.

Demos um grande abraço de despedida… e eu prometi a mim mesmo  escrever a história de vida deste homem…  


Soube depois, pelo médico do trabalho meu conhecido,  que o Santos acabara por concretizar o seu sonho de voltar à agora Guiné-Bissau e ainda encontrara gente do seu tempo, nas tabancas por onde andara… 

E, ao que parece, deixou, a uma ONGD, a operar na zona, uma "nota preta" para ajudar a construir uma  pequena escola na antiga tabanca onde estivera destacado, e que ardera em 1967. Julgo que quis fazer as pazes com o passado, tal como alguns de nós.

Faltou-me na altura, por lapso ou talvez por pudor, perguntar-lhe a origem da alcunha “Duque de Palmela”… Não tive lata ou faltou-me o tempo, se bem que ele nunca tivesse rejeitado, bem pelo contrário, a alcunha que lhe puseram na tropa e na guerra. 

Vim a  a saber, afinal, que era seu hábito estender a mão, muitas vezes, aos amigos dos seus amigos, quando se apresentava,  dizendo com graça: 'O Duque de Palmela, para o servir!'... Inclusive tratava a esposa por “duquesa… de Santiago do Cacém”. Tinha sentido de humor.

Um antigo camarada, furriel, da sua companhia, explicou-me, ao telefone, a origem da alcunha:

− Em Santa Margarida, no IAO, já toda a gente o tratava por “Palmela”… Acho que não havia mais ninguém daquelas bandas… Ao que parece, no barco, quando fomos para a Guiné, é que apareceu o “Duque”… Ele gostava de jogar às cartas, para passar o tempo, como boa parte dos militares embarcados. Mas não tinha sorte ao jogo… ‘Só me saem duques’, queixava-se sempre que perdia… 

− Afinal, foi um camarada com azar ao jogo e sorte aos amores e aos negócios  − conclui eu.

− Quando chegou a Bissau, já toda a malta o tratava por “Duque de Palmela”… E acho que é também uma justa homenagem, visto o filme ao contrário, da frente para trás…

− E, olha, é uma figura ilustre da nossa história, o 1º Duque de Palmela, político, militar e diplomata, um patriota do tempo do liberalismo − acrescentei eu. − Não nasceu em Palmela, mas para o caso pouco importa. No tempo da nossa monarquia constitucional davam-se títulos nobiliárquicos honoríficos por razões nem sempre nobres...  aos amigos e correligionários. Homenageavam-se homens e terras.  Dizia o povo, com sarcasmo: "Foge, cão, que te fazem barão!... Mas para onde se me fazem visconde?!"... 


Aqui para o leitor, que ninguém nos ouve: não me admirava nada que num próximo 10 de Junho a gente ainda vá a tempo de ver, na televisão, o nosso ex- camarada M. Santos a receber a Comenda da Ordem do Mérito... 

Não seria nada de mais justo, de resto, ver um antigo "pé descalço" (que não tinha vergonha do seu passado!), um  ex-combatente da Guiné, um antigo padeiro e agora  um industrial de panificação  de sucesso  a ser tratado pelos "grandes do Reino" como  comendador,  depois de ter comido o pão que o diabo amassou.  

Afinal, mudam-se os tempos, mudam-se  as vontades, as honrarias e as mercês...

© Luís Graça (2019). Revisto em 10 de março de 2024.

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segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22763: O que é feito de ti, camarada? (14): Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3.º Gr Comb, CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74)...Viúvo, acaba de fazer 72 anos, está reformado como industrial de panificação... e abriu conta no Facebook.


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5


Foto nº 6


Foto nº 7

Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Setor de Piche > Ponte sobre o Rio Caium > CCAÇ 3546 (1972/74) >  Destacamento da Ponte Caium, guarnecido pelo 3º grupo de combate, "Os fantasmas do leste",  de que fazia parte o nosso amigo e camarada Jacinto Cristina, natural de Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, 72 anos, feitos no passado dia 14 (*). 

Soldado atirador de infantaria, foi mobilizado para a Guiné, casado e pai de um filha pequena,   foi um "sem-abrigo", viveu um ano e tal em cima de um tabuleiro da Ponte Caium, com a G3 a seu lado... 

É membro da nossa Tabanca Grande desde 24/9/2010, tem cerca de 4 dezenas de referências no nosso blogue. Vive em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, reformado de padeiro e viúvo.

Fotos: © Jacinto Cristina (2010). Todos  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O que é feito deste camarada (**)  que ficou "famoso" por bater o recorde de permanência no destacamento da Ponte de Caium ?

A ponte, a padaria e o padeiro... O forno foi construído na parte inferior da ponte... Como o espaço era acanhado, tudo se aproveitava... O forno e a cozinha ficavam do lado esquerdo, no sentido Piche-Buruntuma (Foto nº 1)...

De costas, em tronco nu, vê-se o Manuel da Conceição Sobral (que vive hoje em Cercal do Alentejo, Santiago do Cacém), e era o ajudante de padeiro. O Jacinto Cristina, o padeiro, está a enfornar (Foto nº 1)...

No destacamento da ponte de Caium (Foto nº 6) estava um grupo de combate, à época pertencente à CCAÇ 3546 (Piche, 1972/74). O Sobral e o Cristina faziam reforço das 4 às 6 da manhã. Por volta das 5h/5h30, um deles ia amassar a farinha (12 kg / dia)... O outro ficava de reforço até às 6. Depois das seis, até às 8h/8h30, ficavam os dois a trabalhar. Às 9h já havia pão fresco... 

Todos os dias coziam. Tinham um stock de farinha que dava para um mês. Faziam uma média de 30 pães de 400 gramas, por dia. Como bons tugas, os camaradas que defendiam a ponte, adoravam pão!... O resto do dia os padeiros descansavam, ou jogavam à bola, ou brincavam no rio, quando levava água... Tabanca só havia a 3 km dali.

O Sobral era o apontador do morteiro 81 e o Cristina o municiador. Portanto, uma parelha completa!... Depois na "padaria", trocavam de papeis...Também havia um morteiro 10,7, ao cuidado do Pinto e do Algés. O 81 ficava do lado direito, à saída da ponte, no sentido de Buruntuma. O 10,7 ficava no lado esquerdo, junto ao paiol, também no sentido de Buruntuma... Mais à frente estava o 1º cabo Torrão, apontador da HK 21 (irá morrer na emboscada de 14 de Junho de 1973, na estrada Ponte Caium - Piche). Também havia o morteiro 60 e a bazuca 8,9.

O Cristina (eu trato-o sempre por Jacinto, pai da minha querida amiga Cristina Silva, enegenheira e empresária,  e sogro do meu querido amigo, o médico madeirense Rui Silva, não o  posso tratar por "doutor" que ele vai aos arames...)  tornou-se de tal maneira imprescindível (por causa do "pão nosso de cada dia") que, além de municiador (e apontador, quando necessário) do morteiro 81, ficou na ponte de Caium 14 meses!!!... (Em rigor, 13, se descontarmos o glorioso mês de férias, em abril de 1973, em que veio a casa para estar com a mulher e a filha; com ele, de férias, vieram também o Pinto, o Charlot e o Algés; no avião da TAP, uma alegria!...Já não se lembra de quanto pagou... Uma fortuna para um soldado, para mais casado e pai de filha..."Seis contos, para aí", diz-me ele.)

Diziam que o pão da dupla Cristina-Sobral era o melhor casqueiro da Zona Leste... Na foto nº 2,   o Jacinto está varrer e a limpar o forno... Na foto nº 3, está a fazer um petisco, ou não fosse ele um alentejano dos quatro costados... Na foto nº 4, está a barbear-se... Mesmo com o metro quadrado mais caro da Guiné, nas "suites" da Ponte Caium não faltava nada (Foto nº 5)... O chuveiro era um bidão de 200 litros, furado...

Terrível foi aquele período de um mês (entre meados de maio e junho de 1973) em que o destacamento esteve sem reabastecimentos, sem farinha, sem pão... Por que a fome era negra, meteram-se a caminho de Piche, no Unimog, a 14 de junho de 1973, tendo sofrido uma brutal emboscada (que não era paraceles..
) e em que morreram o 1º cabo apontador de metralhadora David Fernandes Torrão, e os soldados atiradores Carlos Alberto Graça Gonçalves ("Charlot"), Hermínio Esteves Fernandes e José Maria dos Santos...

Disse-me o Jacinto Cristina (que ficou na ponte a tomar conta do seu morteiro 81), que os corpos foram cortados em quatro, com rajadas de Kalash... O bigrupo do PAIGC (onde foram referenciados cubanos) levou cinco armas (incluindo a do furriel que foi projectado com o impacto do RPG7, juntamente com o sold cond auto Rocha, o Florimundo ).

Uns meses antes, em 19 de Fevereiro de 1973, tinha morrido o fur mil op esp Amândio de Morais Cardoso, na sequência da desmontagem de uma armadilha de caça. Essa cena passou-se debaixo dos olhos do Cristina que se salvou por um triz, ao pressentir o perigo.

Na foto nº 5, vê-se o tabuleiro da ponte por onde passava a estrada Piche-Buruntuma,,, A padaria ficava em segundo plano do lado esquerdo... A foto deve ter sido tirada no dia dos anos do Sobral, em março de 1973, a avaliar pelos dois cabritos que estão junto ao "burrinho" (o Unimog 411)... Tinham sido comprados na tabanca fula, que ficava a nordeste da ponte, a 3 km, e onde residiam as lavadeiras...

Soldado atirador, o Cristina era, como já dissemos, municiador do morteiro 81. Mas, uma vez que Piche ficava longe e era preciso fazer pão todos os dias, aprendeu a arte de padeiro (que depois seria o seu ganha-pão, em Figueira de Cavaleiros, Ferreira do Alentejo, onde vive, hoje já refiormado; durante anos, teve um negócio próprio na área da panificação; passei várias vezes pela casa e padaria, e trazia para Lisboa o seu pão feito na hora; pude, pois, comprovar que o seu "casqueiro" era, de facto, o melhor da região).

Como se percebe pelas fotografias, as estruturas da ponte foram aproveitadas ao milímetro...

Na foto nº 6 (s/d, tirada na época seca, em 1973), o destacamento é visto da margem esquerda do Rio Caium, a sul da estrada, no sentido Buruntuma-Piche. Segundo o Carlos Alexandre (, de alcunha, "Peniche"), ao examinar melhor uma imagem destas que lhe mandei, com maior resolução, vê-se que,  à entrada do tabuleiro, estão dois camaradas que parecem ser o Cristina e o Sobral.

Um novo troço da estrada Piche-Buruntuma estava então em construção, a cargo da Tecnil. De Nova Lamego a Piche já se ia, há muito, em estrada asfaltada. Daí talvez este desvio, contornando a pontes.  O desvio é visível (parcialmente, em primeiro plano) na foto nº 6.

Na foto nº 7, pode-se ver um aspecto dos pilares da ponte... O Cristina, mais um camarada, na "hora do recreio" (ele não se recorde do nome)... Ali no rio Caium, naquela improvisada jangada, poderiam dar largas à sua imaginação de marinheiros e aventureiros... Na época seca, o rio levava pouca água... O abastecimento de água era feito mais longe, de Unimog, com segurança,

Na época seca, o rio Caium ficava seco (ou reduzia-se a um pequeno charco à volta da ponte). Este rio é um afluente do Rio Coli, que fica a sul da estrada Nova Lamego-Piche-Buruntuma e serve de linha fronteiriça entre a Guiné-Bissau e a Guiné-Conacri. (***)

Entre o destacamento e a fronteira era "terra de ninguém" mas onde o PAIGC podia movimentar-ser à vontade.

Foto nº 8


Foto nº 9

Ferreira do Alentejo  > Figueira de Cavaleiros >  2021 > O Jacinto Cristina, agora reformado, ainda vai fazendo pão  para a a família e os amigos... Fotos da sua página no Facebook.

Fotos (nºs 8 e 9): © Jacinto Cristina (2021). Todos  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 10


Foto nº 11

Ferreira do Alentejo > Figueira de Cavaleiros > 14 de novembro de 2021 > O Jacinto Cristina e o genro, o médico Rui Silva....A foto nº 10  foi tirada pela filha, a engª Cristina Silva (que aparece na foto a seguir, nº 11.). Uma família feliz... Filha e genro vieram de propósito do Funchal para fazer uma surpresa no 72º aniversário do Jacinto...

Fotos (nºs 10 e 11): © Rui Silva (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Há já uns tempos (, uns anos bons,) que o não vejo nem lhe falo ao telefone... Mas não nos esquecemos de lhe dar todos os anos os parabéns pelo seu aniversário, a 14 de novembro... 

Este ano eu estava no Funchal quando a filha, Cristina Silva (, membro da nossa Tabanca Grande),  e o genro, Rui Silva, se preparavam para vir fazer-lhe, na sua casa em Figueira de Cavaleiros,  uma surpresa!... E que surpresa!..

Eu fiz questão de me associar à festa, e o Rui Silva teve ocasião de lhe ler a mensagem e os versinhos que escrevi para o Jacinto... E que reproduzo aqui, mesmo já com duas semanas de atraso. (Apesar de sermos camaradas, ele é um pouco formal comigo, tratando-me por professor e por você... Fiz questão agora de começar a tratá-lo por tu, esperando que ele faça o mesmo comigo...)


Mensagem para o Jacinto Cristina, no seu dia de aniversário

Camarada Jacinto, os bravos da Guiné tratam-se por tu...E em dia de aniversário eu venho aqui desejar-te o melhor da vida. Sei que já não te apanho, muito menos no teu centenário.. E ainda pro cima de canadianas.Mas quero que sejas muito  feliz e tenhas boa saúde e o amor e a estima da tua família e dos teus amigo. Trata-me sempre muito bem as tuas princesas, a Cristina e a Sara [, a neta, a estudar em Inglaterra ]. E es um sortudo por teres arranjado um genro como o Rui Silva que tem um coração maior do que a terra dele. Felicidades tambémpara a tua  companheira que eu ainda não conheço.

Gostava de te voltar a ver em Figueira de Cavaleiros, em Lisboa ou na Lourinhã. Ou até no Funchal. Pode ser que um dia destes calhe...Para alegrar a tua festa, viu-te mandar uns versinhos que fiz no avião Lisboa-Funchal para a Cristina ou o Rui lerem...

Tanto tempo sem te ver,
Meu camarada Jacinto,
Já saudades de ti sinto,
'Tá na hora d'aparecer.

'Tá na hora d'aparecer.
Sempre foste hospitaleiro,
De Caium o milagreiro,
Qu'a muitos deu de comer.

Qu'a muitos deu de comer,
Lá na ponte de Caium,
Não faltando a cada um
O que todos queriam ter.

O que todos queriam ter,
Era o casqueiro p'la manhã,
Mesmo sem manteiga haver,
Lembrava o pão da mamã.

Lembrava o pão da mamã,
O teu Alentejo querido,
Na alma vieste dorido,
Da guerra em terra pagã.

Da guerra em terra pagã,
Resta a camaradagem,
Mas p'ra próxima viagem,
Tens que vir à Lourinhã.

Daqui do Funchal bebemos um copo à tua saúde,
e dos teus queridos que estão aí à tua mesa.
Luís (e Alice), 14 nov 2021.

Comentário do Rui Silva:

Lindo! Obrigado...E missão cumprids. O seu gentil texto e o poema comoveram o Jacinto,
como se pode  apreciar nas fotos que vos enviei por Whatsapp. Deram um toque muito pessoal e amigo a esta singela festa... Ele adorou, bem haja, uma vez mais... Rui
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 14 de novembro de  2021 > Guiné 61/74 - P22717: Parabéns a você (2004): César Dias, ex-Fur Mil Sapador Inf da CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa e Mansabá, 1969/71); Jacinto Cristina, ex-Soldado At Inf da CCAÇ 3546/BCAÇ 3883 (Piche e Camajabá, 1972/74) e Maria Arminda Santos, Ex-Tenente Enfermeira Paraquedista (1961/1970)

(***) Vd. poste de 24 de setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7033: Álbum fotográfico de Jacinto Cristina, o padeiro da Ponte Caium, 3º Gr Comb da CCAÇ 3546, 1972/74 (1): O melhor pão da zona leste...