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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Guiné 61/74 - P24075: Notas de leitura (1556): O Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau: Imagens Para Uma História (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Junho de 2020:

Queridos amigos,
Por mão amiga tive acesso a este livro que surgiu no seguimento da exposição "O Museu Etnográfico Nacional: Trinta anos de História", inaugurada no Museu de Bissau em setembro de 2017. Tem imagens esclarecedoras do património que resistiu a várias depredações, espoliações e destruições. Recordo sempre o orgulho que senti no Museu Metropolitano de Nova Iorque quando numa vasta sala dedicada à Arte Africana li uma ficha de um colecionador famoso, da família Rockfeller, dizendo, com sincero entusiasmo, que tinha comprado peças artísticas das etnias Bijagó e Nalu e que as considerava do mais genial que lhe fora dado ver. Portugal possui igualmente um rico património da Arte Guineense, bom seria que se fizesse uma recolha de peças de valor indiscutível, elas estarão sempre associadas à presença portuguesa e à veneração que tal arte nos merece e merecerá.

Um abraço do
Mário



Conhecer o Museu Etnográfico Nacional da Guiné-Bissau

Mário Beja Santos

Não há ninguém que tenha feito comissão na Guiné que não conheça este edifício, no nosso tempo era Museu da Guiné e o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, reunia uma preciosa coleção de património etnográfico, o impulso inicial coube a Avelino Teixeira da Mota, então colaborador direto de Sarmento Rodrigues, e nas mesmas instalações funcionava o importantíssimo Centro de Estudos da Guiné Portuguesa responsável pela publicação colonial mais relevante: o Boletim Cultural, ainda hoje incontornável. E havia uma biblioteca, nesse espaço ocorreram conferências que tiveram projeção. Com a independência, extraviou-se muita coisa, nos anos 1980 o museu foi transferido ali para os lados do INEP e em 2017 voltou ao edifício primitivo que já cumprira outras funções, como Ministério dos Negócios Estrangeiros e Direção-Geral da Cultura. Para comemorar o regresso, em 15 de setembro de 2017 foi inaugurada uma exposição intitulada “O Museu Etnográfico Nacional: 30 anos de História”, associaram-se diferentes parceiros, desde o Instituto Camões, a Fundação Calouste Gulbenkian, a Embaixada de Espanha em Bissau, organismos da Universidade de Oxford e outros. O catálogo foi publicado em 2018 e permite ao leitor ficar com uma ideia do que é hoje o acervo museológico, depois das diferentes provações que terá sofrido, não esquecer que durante a guerra de 1998/1999 perderam-se objetos e muitos documentos, perdas tão irreparáveis que quando o visitei em 2010 e fiz entrega de um presente de todas as cartas da então Província da Guiné, na escala de 1 para 50 mil, o então Presidente do INEP, Dr. Mamadu Jao, agradeceu-me comovidamente, nada existia de tão substancial. Depois da guerra, houve tentativas de reparação, lembro a reconstituição de imensas imagens graças à Fundação Mário Soares, que deu origem à exposição “Raízes”, que então visitei no Bairro da Ajuda e que ainda hoje se pode adquirir na Fundação Mário Soares a preço simbólico. A exposição de 2017 revela o que se tem feito na digitalização de imagens e como se têm procurado superar os danos terríveis da guerra e dos esbulhos.

Este volume, com texto em português e castelhano mostra imagens do passado, havia um catálogo-inventário da secção de etnografia do Museu da Guiné Portuguesa, Teixeira da Mota estimulara muitas doações, fizeram-se estudos, a etnografia da Guiné apareceu em populações de grande difusão, lembro, a título de exemplo, A Arte Popular em Portugal, da Verbo, que teve a responsabilidade de orientação de Fernando Castro Pires de Lima, há muitos elementos etnográficos guineenses em Portugal, basta visitar a Sociedade de Geografia de Lisboa ou acompanhar as atividades do Museu Nacional de Etnologia. Há ainda documentos à venda, alguns deles preciosos, produzidos pela Junta de Investigações do Ultramar. Lembro que António Carreira produziu um belo trabalho sobre panaria cabo-verdiana e guineense e que Rogado Quintino é autor de uma obra etnográfica de valor indiscutível sobre a prática e utensilagem agrícola na Guiné, bem como Fernando Galhano publicou outra obra relevante intitulada Escultura e Objectos Decorados da Guiné Portuguesa no Museu Etnológico.

Este livro que acompanha a exposição de 2017 descreve trabalhos de pesquisa ao longo das últimas décadas e mostra imagens de grande importância sobre a escultura Nalu e Bijagó, como o pássaro Koni Nalu, a máscara Nimba, os espíritos Bijagós, a cabeça de vaca, obras representativas do que há de melhor na escultura guineense. Temos imagens da tecelagem, os famosos panos de pente, onde a etnia Manjaco ocupa um lugar à parte, imagens sobre aldeias, para podermos confrontar o habitat das diferentes etnias, como organizam as cozinhas, as dependências, como se processa a construção das casas, se possuem pinturas murais.

Lê-se nesta obra que os melhores tecelões são Papel e Manjaco, embora as peças comumente consideradas mais genuínas – por respeitarem toda a tecnologia tradicional, sejam da tecelagem Fula. “Os tingidos e sobretudo os panos Manjacos, com fios de várias cores que desenham padrões específicos, são adquiridos e acumulados pelas mulheres, para oferecer em funerais ou em intercâmbios matrimoniais. A produção de algodão, a cardagem e a fiação perderam importância na Guiné-Bissau após a destruição das variedades tradicionais provocada pela tentativa colonial de introduzir a cultura de algodão para exportação, que também falhou depois da independência. Hoje a maioria dos fios usados em tecelagem são importados e de fabrico industrial. O tingimento dos panos continua a ser praticado artesanalmente pelos Saracolé”.

O livro contempla o trabalho em ferro, as artes agrícolas, os instrumentos musicais onde primam os instrumentos de corda como a korá, os de percussão, caso do tambor falante e o xilofone designado por balafon, a cestaria e olaria, onde se distinguem magníficos trabalhos de balaios de palmeira de leque, os jogos de criança, a multiplicidade de manifestações religiosas que vão desde a “forquilha de alma” Manjaco, a edificação de mesquitas, as indumentárias cerimoniais. Em capítulo à parte releva-se a arte Nalu onde os objetos escultóricos aparecem em rituais e danças. Temos igualmente os lugares com paisagem e património, com destaque para a Fortaleza de Cacheu e há numerosos vestígios da presença militar portuguesa, ponho ênfase na lápide onde se escreveu: “A Ti, Deus único e Senhor da Terra, oferecemos estas gotas de suor que nos sobraram da luta pela Tua palavra eterna, soldados da CART 1613”.

Há igualmente uma secção que privilegia a cultura nacional, pois um Museu Nacional de Etnografia tem não só a missão de documentar a diversidade étnica de um país mas também de colaborar na consolidação da identidade nacional, as imagens de dança balética ou carnavalescas são elucidativas de um mundo pós-colonial. O livro encerra com a notícia do seminário de Museologia que se realizou em 1989 e mostra mais de 130 imagens de objetos do atual Museu Etnográfico.

Seria muito bom que um dia se pudesse expor na Guiné o acervo das coleções particulares e de diferentes museus portugueses. Não vi referidos os objetos de couro produzidos pela etnia Mandinga, lembro-me de ter comprado almofadas e vi à venda bainhas para espadas e outros artefactos. E recordo ter ido ao mercado de Bafatá adquirir ourivesaria, não vejo referência destes trabalhos no pós-independência. Deseja-se longa vida a este Museu Etnográfico e a mais intensa cooperação com Portugal, país que detém um património privilegiado.

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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24064: Notas de leitura (1555): Quem mandou matar Amílcar Cabral? (José Pedro Castanheira, jornalista, "Expresso", 22 de janeiro de 2023) - II ( e última) Parte - Uma acusação de peso, a de Aristides Pereira: "Para todos os efeitos, goste-se ou não, o Amílcar foi morto como cabo-verdiano" (que não era: nasceu em Bafatá, viveu 10 anos em Cabo Verde, numa vida curta de 49 anos...)

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18314: (Ex)citações (328): Regresso de Iemberém, viagem até Bissau, das 3h às 10h da manhã... O Pepito continua no coração de muita gente do Cantanhez... Estive em Guileje, no dia 7. É sempre com emoção que ali paro... Mando-vos cinco fotos em homenagem a todos aqueles de vós que ali muito sofreram (Anabela Pires)


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje >  Memorial à CCAV 8350 (1972/1974) e ao alf mil Lourenço, morto por acidente em 5/3/1973. De seu nome completo Victor Paulo Vasconcelos Lourenço, era natural de Torre de Moncorvo, está sepultado na Caparica.Foi uma das 9 baixas mortais da companhia também conhecida por "Piratas de Guileje" e um dos 75 alferes que perdeu a vida no CTIG..

Em segundo plano, vê-se o nicho que ao tempo da CCAÇ 3477 (1971/77), "Os Gringos de Guileje", abrigava a  imagem de Nossa Senhora de Fátima e do Santo Cristo dos Milagres. A CCAÇ 3477 era, na alturam, comandada pel cap mil Abílio Delgado, nosso grã-tabanqueiro.


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Era a aqui a porta de armas, com a passadeira VIP feita com garrafas de cerveja dando acesso à pista de aviação, ao tempo da CCAÇ 3325 (Jan 1971/Dez 1971), "Os Cobras de Guileje", de que era comandante o cap inf Jorge Parracho.


Foto nº 3  > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje > Pormenor da passadeira VIP feita com garrafas de cerveja...


Foto nº 4 > > Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guildje > Interior da capela, da CART 1613 (1967/68), entretanto  renascida das cinzas, graças ao empenho da população local, da AD, do Pepito e do Domingos Fonseca, e da boa vontade de alguns velhos tugas, o "grupo de amigos da capela de Guileje", com o apoio do Blogue Luís Graça & Canmaradas da Guiné. A data da sua inauguração oficial foi 20 de janeiro de 2010 (com a presença de nossa amiga Júlia Neta, viúva do Zé Neto, entre outra gente ilustre)... Guileje voltou a ser um local de paz, de fé, de solidariedade, de (re)encontro, de ecumenismo, de esperança.  Não sabemos se tem sido utilizado mais vezes em atividades de culto. Em 2010 foi consagrada pelo bispo de Bafatá.

A imagem de Nossa Sra de Fátima foi oferecida e trazida, em março de 2010,  pelos nossos camaradas e grã-tabanqueiros António Camilo e Luís Branquinho Crespo,


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região de  Tombali > Guileje > Núcleo Museológcio Memória de Guiledje > A placa original, restaurada, que estava afixada na parede da capelinha, ao tempo da CART 1613 (1967/68), "Os Lenços Verdes", comandada pelo cap art Eurico Corvacho (falecido em 2011).

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > 7 de fevereiro de 2018 > Núcleo Museológico Memória de Guiledje

Fotos: © Anabela Pires (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.]


1, Mensagem de Anabela Pires, com data de ontem, às 19:00:

[Anabela Pires, janeiro de 2012, em Catesse, no sul da Guiné-Bissau, foto acima,  de Pepito... Nascida em Moçambique, técnica superior de serviço social no Ministério da Agricultura, reformada, amiga dos nossos grã-tabanqueiros Jero (Alcobaça), Alice Carneiro (Alfragide/Amadora), e do nosso saudoso Pepito, cidadã do mundo, "globetrotter", esteve três meses, entre janeiro e março de 2012, integrada, como voluntária, no projeto do Ecoturismo, da AD - Acção para o Desenvolvimento, e a viver em Iemberém; foi o golpe de Estado de 2012 que a obrigou a sair da Guiné-Bissau; está lá de novo, desde 18 do corrente; tem 25 referências no nosso blogue, dela publicámos o "diário de Iemberém"; pacifista e feminista, ela não gosta que a gente lhe chame uma "mulher de armas"... mas é assim que a gente a vê, aqui da Tabanca Grande]

Caro Luís,

Só hoje [, dia 12,]  ao chegar li o teu email em que me pedias para saber notícias do pai da Alicinha e do seu avô (*). Foi uma pena mas na noite anterior à partida deitei-me bem cedo e nem computador levei para Iemberém. 

Consegui lá chegar [, a Iemberém,] e regressar sã e salva! Fiz parte da viagem de autocarro e para cá de 7place (tipo táxis coletivos) e o resto num jipe que está em Iemberém - fizeram o favor de me ir buscar e levar a Quebo pagando eu somente o gasóleo. 

Foi um regresso muito emotivo mas que eu precisava de fazer para encerrar o capítulo que tinha sido suspenso pelo Golpe de Estado de 12 de Abril de 2012 e depois com o desaparecimento do nosso tão estimado Pepito deste mundo.

Penso que para as pessoas de lá também foi reconfortante saberem que, apesar de eu só lá ter estado 3 meses,  regressei para as visitar. Como podes imaginar,  o Pepito esteve sempre presente nas nossas conversas. É daquelas pessoas que,  mesmo não estando fisicamente,  estão sempre nas nossas memórias e nos nossos corações e, quando digo "nossos",  refiro-me também a muitas, muitas pessoas de Cantanhez. 

Hoje estou muito cansada (saí de Iemberém às 3 horas da manhã e cheguei a Bissau às 10 - a estrada de Quebo até Guileje está muito pior do que há 6 anos!) mas quero dizer, a todos aqueles que aqui muito sofreram na guerra colonial, que faço sempre uma paragem em Guileje, em vossa homenagem.

Vou sempre à capelinha que,  embora tenha agora por fora um ar muito abandonado, mantém a imagem de Nossa Senhora intacta. Quero dizer-vos que fico sempre encantada com o "passeio" feito de garrafas de cervejas enterradas e que ainda se mantém em muito bom estado (bem hajam por não terem partido e espalhado todo aquele vidro!). É sempre com grande emoção que ali paro. 

Aqui há uns meses li, por acaso, um livro chamado "Deixei o meu coração em África", de Manuel Arouca (só o consegui comprar na Internet) cujo cenário principal é exatamente Guileje na época da guerra. Esta leitura só aumentou o meu desejo de regressar. Tenho a certeza de que muitos de vós gostarão de o ler. 

Por hoje só vos envio 5 fotos que tirei agora em Guileje. (**)

Um enorme abraço para tod@s,
Anabela Pires
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Notas do editor:

segunda-feira, 25 de dezembro de 2017

Guiné 61/74 - P18137: O meu Natal no mato (45): Um Natal antecipado: 23 de dezembro de 1967 em Gadamael Porto (Mário Gaspar), ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)


Guiné > Região de Tombali > Gadamael > CART  1659 (Gadamael  e Ganturé, 1967/68) > O Natal antecipado de 1967. Eu a fumar, à esquerda o furriel enfermeiro Durães, atrás o furriel mecânico Justo.

Fotos (e legendas): © Mário Vitorino Gaspar (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Mário Gaspar [foto atual à esquerda; ex-fur mil at art, minas e armadilhas, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68; e, como ele gosta de lembrar, Lapidador Principal de Primeira de Diamantes, reformado; e ainda cofundador e dirigente da associação APOIAR; tem tem c. 100 referências no nosso blogue]

Caros Camaradas

Só hoje me lembrei do Natal passado na Guiné, passaram 50 Anos. Um dia que não esqueço.
Bebi 7 garrafas de Vermute Cinzano, ainda hoje não sei como consegui sobreviver. Depois fui fazer uma Patrulha. O PAIGC não apareceu.

Gostaria de saber o que cada um pensava no momento.

Um Bom Natal e um Ano Novo de 2018 com Saúde para toda a Tabanca.
Mário Vitorino Gaspar

PS - Ando de bengala.


Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Ao centro, o Francesinho, alcunha do sold at António de Sousa Oliveira, transbordando de energia e de alegria, uns meses antes de morrer, no "corredor da morte", em 28/12/1967, no decurso da Op Relance. Era natural de Celorico de Basto (, tal como o seu infortunado camarada, o António Lopes) e emigrante em França. É a única foto que temos dele.

Foto: © José Neto (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613  (1967/68) > O Nuno Tavares da Costa Machado, alf mil art (aqui ainda aspirante miliciano, ainda na metrópole), morto no decurso da Op Relance, em 28/12/1967, no corredor de Guileje. Foi a  agraciado a título póstumo com a Cruz de Guerra de 3.ª classe. 

.Foto: © Aníbal Teixeira (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


[Op Relance: Em 27/12/1967:

Missão – Emboscada no “corredor” de Guileje.
Forca executante: CART 1613 (incompleta);  1 Gr Comp da CART 1659;  1 Gr Comb da CCAÇ 1622; Pel Caç Nat 51;  Pelotão de Milícias 138

Resultados obtidos: Causados ao IN 4 mortos prováveis e feridos vários não controlados; as NT sofreram 3 mortos, 4 feridos graves (3 milícias) e 3 feridos ligeiros (2 milícias). Os mortos foram o alf mil art Nuno da Costa Tavares Machado, o sold at António Lopes e António de Sousa Oliveira, todos da CART 1613]


2. O meu Natal no mato (45): 23 de Dezembro de 1967 em Gadamael Porto, um Natal antecipado

por Mário Gaspar


Passaram 50 Anos!

Fomos informados pelo Comandante da Companhia (CART 1659) que se festejaria o Natal no dia 23 de Dezembro. O intermediário deste “serviço informativo” era o régulo Abibo Injasso. Razão: visto ter recebido a informação que seríamos atacados na noite de Natal. Acostumados a tudo, não deixámos de considerar esta situação inacreditável. Era a guerra e naquela guerra inclusive o Natal fora antecipado.

Desloquei-me ao abrigo onde estavam quase todos os militares da minha Secção para lhes dar a novidade. Verdade! Estávamos 24 horas de Serviço sem licenças de fins-de-semana e dispensas de recolher. Não foi publicado nem numa Ordem de Serviço e muito menos no Diário do Governo. De tronco nu, chinelos e calção mudei de vestimenta e vesti-me à civil.
– Ó pessoal! – disse em voz alta – O Natal este ano é a 24 de dezem­bro.
– O quê? Meu furriel está a brincar, não está? – disse em voz alta um soldado.
– A brincar eu? Já receberam as prendas da família e das senhoras do Movimento Nacional Feminino. Não sabem o que é o movimento femi­nino? – disse rindo, calando-me de imediato.
– Diga nacional... Tão bom que é montar e cobrir. Já nem sei o que isso é. A última vez foi na minha aldeia, com uma puta, quando estivemos de licença. Foi uma foda tão boa. – disse o soldado deitando-se no chão de terra do abrigo, fazendo flexões. – Foi assim!

O soldado não parava de fazer flexões, num sobe e desce e ria-se.
– Tu és virgem, meu cabrão, ainda tens os três... – respondeu um camarada.
– Tenho é as tuas três primas quando formos embora daqui! – res­pondeu levantando-se, batendo com a cabeça na G3 pendurada na cama.
– Foi castigo porra! – riu.
– É verdade que dizem que o Natal é todos os dias. Dizem, mas é uma grande treta. O Natal deveria ser todos os dias, o que é totalmente diferente. 

Os soldados entretanto lá continuaram o diálogo.
– Já me disseram, o Natal aqui é diferente. Lá na minha parvónia e, eu só vi o mar quando assentei praça, o Natal é a 25 de Dezembro, aqui é a 24. Não há mulheres brancas estamos longe dos nossos pais, namoradas, noivas, dos familiares e amigos. O correio vem quando vem, não temos dinheiro, comemos mal.

Estou farto e ainda não chegámos ao fim do ano. Prometeram-nos ano e meio de comissão. Bastava que construíssemos o cais. O ano terá também 365 dias?

Sei que o nosso capitão não tem culpa. Faz tudo isto para nós termos o nosso Natal. Possivelmente os tipos vão atacar a malta. O furriel Pestana e o Costa lá morreram naquela trampa da armadilha.

A tristeza apossou-se daqueles homens que em janeiro haviam desembarcado na caixa de uma GMC, enterrada no lodo em Gadamael, no sul da Guiné. Chegados no Uíge a Bissau, nem colocámos o pé em terra. Destino uma LDM e Batelão BM-1 e mato. Ao largo de Bissau os carregadores indígenas, falando dialetos que não compreendíamos, vestindo roupas rotas e sujas pediam-nos dinheiro, patacas ou patacões. Era a instrução que não havíamos recebido. A ambien­tação ao clima e os costumes daquelas gentes não constava da instrução.
– Pois é... Referi com a dor no corpo e na alma. Tocara-se na ferida: o Pestana e o Costa não chegaram a este Natal. Haja o que houver, não podemos permitir que outros Pestanas e outros Costas, não passem o próximo Natal com a família.
– Logo vamos ter rancho melhorado?

Era a hora do jantar da noite de Natal antecipada. Todos seguiram. Chegou outro soldado. Trazia uma cerveja nas mãos.
– Vocês nunca mais apareciam e tive que beber qualquer coisa antes do jantar.
– Hoje é melhorado. – ouviu-se.
– Bacalhau com batatas!
– É daquele com cal, mas também não há outro. É melhor que comer o peixe da bolanha.
– Vamos a ver se os cabrões não nos estragam o nosso Natal.

Afastei-me do abrigo. Noite bonita e sem nuvens, não se vislum­brando sequer uma. O sol lá se acomodava, austero.

O pôr-do-sol daquelas paragens era um espetáculo. O Furriel Vagomestre, Casimiro, veio ao meu encontro e caminhámos juntos até à messe de Sargentos. O que denominávamos com messe era um acrescento do casarão onde funcionava a secre­taria da Companhia, feita com cobertura de chapa zincada. Estavam os três Sargentos e uns dez Furriéis Milicianos. A ceia daquele Natal prematuro, era bacalhau com batatas.

Havia luz. Do local onde me sentara, já avistava o cais que prometia o regresso antecipado. Isso porque tinha sido prometido pelo Comandante de Sector. Seria verdade? A verdade por vezes é mentira. Mas que o havia prometido, era verdade. Na hora das refeições sucediam os ataques do PAIGC.

O que pensaria naquele momento a família do Pestana e do Costa? O que estariam a dizer, naquele momento, os familiares de mais de cento e sessenta militares, que ali se encontravam desterrados? Como seria o Natal com a mesa incompleta? Deveríamos estar todos juntos, e não era verdade.

Não havia razões absolutamente algumas para a existência de duas messes e o rancho. Não só naquele dia mas sempre, deveríamos comer todos juntos já que a comida é sempre a mesma. Não era a Companhia uma família? As pausas eram todas elas de meditação.

O bacalhau fora servido. Todos se calaram. Coloquei o azeite sobre o bacalhau e as batatas. Pensava, talvez na morte da bezerra. Descuidei-me com o azeite. O bacalhau nadava.
– É Natal, é Natal... – quebrou a monotonia o furriel Nicolau,  de São Miguel, dos Açores.
– Bacalhau? Não quero bacalhau, que raio de merda.
– Não és português, meu sacana... – disseram dois, o  furriel enfermeiro, Durães e o furriel mecânico, Justo, algarvio.
– Olha quem fala... – respondeu o enfermeiro, de garfo e faca, des­toando da grande maioria, retirando habilmente as espinhas para a ponta do prato com a faca.
– És algarvio, e na História de Portugal lá consta, sempre após refe­rir-se ao rei: “Rei de Portugal e dos Algarves”. Se um é açoriano, outro é algarvio... – disse o furriel enfermeiro.
– Fala o rei de Lisboa, o senhor todo-poderoso do nosso império. Vai mas é às urtigas. – respondeu o algarvio.
– Ouvi dizer que comeste um sonho de Natal feito de algodão. Os teus homens já te conhecem tão bem, sabem que és um grande guloso e arranjaram um tão grande sonho de Natal, foi logo esse que agarraste. Era a esticar a esticar o algodão... – disse o 1.º Sargento Barreira enquanto se ria.
– Comi mais, eram tão bons. Mas a malta também lá foi. Não sei muito bem como fizeram os sonhos, e de onde vieram os ovos.
– Se calhar os pretos ficaram a arder.

Não se falou sobre o Natal antecipado. Uma cafeteira de café é colo­cada sobre aquilo a que chamavam mesa.
– Não se bebe nada? – perguntei com ar zangado.
– O meu irmão enviou-me uma caixa de bolos sortidos... – diz o furriel de transmissões, o Campos – Vamos comer uns bolinhos e compra-se uma garrafa qualquer.
– Ó cozinheiro, vai buscar duas garrafas à cantina, de uma trampa qualquer...

Rapidamente duas garrafas de cinzano, chegaram à mesa. O cozinheiro começou a retirar os pratos da comida.
– Um bolinho à saúde do dono dos bolos –  ouviu-se, numa só voz
– Vai uma saúde a todos.

Estendemos os copos e bebemos. Todo o líquido daqueles copos de dois decilitros mergulhou pelas goelas – como se o tivéssemos combinado anteriormente. Só de uma golada.

Instalou-se o silêncio. Mordia-me o cérebro não se ouvir ninguém. Não seria eu a quebrar o silêncio.
– O meu irmão é um tipo porreiro. – referiu o Campos:
– Lembrou-se e enviou-me uma caixa de bolos. Eu sou uma merda de homem, não valho nada. Ele é um bom tipo. Não presto, nem nunca prestei. A minha família é boa, mas eu sou, mau filho e mau irmão, uma autêntica merda...
– Ena, pá, deixa-te disso – confortou-o alguém, notando-lhe as lágrimas a escorrer pela cara.
– Não presto nem nunca prestei. Vocês são uns gajos porreiros, mas eu não valho nada. Natal? Que Natal é este?
– Nós cá todos bem!...
– Cambada de mentirosos, dizer às famílias tremenda mentira.

Ele não estava habituado a beber, e já eram quase duas dúzias de garrafas de vermute de litro. O que se estava a passar era uma paragem no tempo e na guerra para reflexão. Todos parámos. Só queríamos que o PAIGC fizesse a mesma paragem.

Surdos e mudos. Seres humanos. Pensei na minha mãe, no meu pai, nos meus irmãos, nos sobrinhos, tios, primos, namoradas, amigos e madrinhas de guerra e bebi mais um copo. Dois, três copos.

O 1.º sargento que era 2.º sargento (fazendo na Companhia o serviço de 1.º sargento) cantava o fado. Ele era o mais velho. Subia na vida, cantava sobre um banco, feito de um barril de vinho.

Todos o acompanhávamos, excluindo aqueles que mais bêbedos tinham ido para a cama. Foi nesse momento que fui atingido como – se fosse um rebentamento – por uma voz num tom que me rebentaram os tímpanos. Era o enfermeiro:
– Cozinheiro mais umas garrafas. O cantineiro tem mais.
– É chato, é chato, é sambinha chato..., É muito chato... – cantava o amigo açoriano, que não gostava de bacalhau – uma das canções dos Rangers em Lamego, curso que ele fez e que eu tão bem conhecia, pela curta estadia no mesmo. Não fiquei lá.
– Chatos tens mas é na cabeça... – disse-lhe rindo, enquanto bebia mais um copo. Não eram goles, mas um copo cheio de cada vez.
 Cantemos a outra...
– Et maintenant, que vais je faire…
– … É chato, é muito chato, é sambinha chato... – Continuava o açoriano muito sério batendo com a ponta dos dedos sobre as tábuas acom­panhando um ritmo que eu não percebia muito bem qual a canção que se tratava. A letra era a famosa dos “ranger’s”.
– Ó maestro vai outra música.
– A Guarda Republicana, Republicana, republicana!
 – Vamos a esta  – gritou o sargento.

Assim íamos festejando o Natal antecipado de 1967. A festa ainda não parara, e já não havia tempo para meditações. Todos se foram deitar, uns pelos seus próprios pés, outros com ajuda. Todo o mundo embriagado. Fiquei eu e o Furriel Jorge, que vendia banha da cobra. Acabara a bebida.
– Vamos à cantina? – perguntei-lhe.
– O cantineiro já fechou aquela merda. Vamos acordá-lo... – respon­deu-me levantando-se.
– Vamos embora, toca a acordá-lo, hoje é Natal.

Caminhámos juntos, passando pela tabanca. Muitos negros estavam ainda acordados. O abrigo do cantineiro era do lado de cima do aquartela­mento de Gadamael. Aproximámo-nos do abrigo, esse de terra batida e bidão repleto de terra, com palmeiras a cobrir e, junto do cantineiro, em voz baixa, murmu­rou o meu amigo:
– Cantineiro! Estamos com sede... – disse tocando-lhe nos braços – Este tipo está mesmo a dormir:
– Cantineiro vão umas garrafinhas?
– Porra nem se pode dormir. Vá lá, mas só há duas garrafas. Levan­tou‑se, enfiando os chinelos nos pés, vestindo os calções de banho. – res­pondeu o cantineiro.

Não passámos pela tabanca e fomos diretamente à cantina. Não se via ninguém. Só os que se encontravam de serviço. Avistei no abrigo da minha secção, estava o soldado de serviço.

Tínhamos cada um a sua garrafa. Duas de litro. Estavam quentes.
– Cantineiro, então esta merda está quente? Parece mijo...
– Furriéis! Acabaram‑­se, são as últimas. Até amanhã…

Segurando cada um a sua garrafa, descemos na direção da messe de sargentos. Messe improvisada, como tudo o que existia naquelas paragens. Bebia em tragos grandes, como se o mundo acabasse e sentámo‑­nos debaixo da chapa ondulada de zinco.
 – Bebe, e cala-te ... – disse o meu amigo, com os olhos já muito peque­nos.

Só se ouvia o motor da turbina do posto elétrico.

Já tínhamos ingerido o líquido das garrafas. Pela primeira vez, naque­las paragens, estava mais que embriagado. Pelo álcool, era a primeira vez que tal sucedia. Ficara bêbedo desde que chegara ao largo de Bissau, na noite de dezassete de janeiro, se é que não me anestesiara antes, sim porque todos nós estávamos completamente anestesiados.
– Podias muito bem, estar na tua casa com a família, e eu na minha. A verdade é que não nos teríamos conhecido. Gostava de ir ao cinema, ir ao teatro. Ao Parque Mayer, ao Monumental. Ir às putas. Tanto que adorava ir ao Café Lisboa, na Avenida da Liberdade, em Lisboa. Entrava por uma porta e saía por outra. Nem que fosse para ver as já caducas das putas, sentadas, bebendo o seu café, olhando para a porta na esperança de ganharem uns cobres. O Café Martinho? Império? Paladium? Vává? Para inte­lectuais e pseudointelectuais. De Sartre debaixo do braço, que embora não o lessem. Mas era fino. Também era moda andar de botins calçados, e sujos de lama, para imitar os estudantes da Escola Agrícola de Santarém, o que não deixava de ter a sua graça. Um dia fui ver um filme com Alberto Sordi. O filme era “Uma vida difícil”, do realizador italiano Dino Risi. Há uma cena, que nem sequer é traduzida, que o personagem que o ator encarna, diz mais ou menos o seguinte:
– Vão‑­se embora daqui que isto é uma merda.

É mais ou menos isto que diz para os tipos, os turistas junto à estrada.
– Por que carga de água estamos aqui desterrados?
– Sou soldador e aqui o que faço? Ando com a G3 nas unhas. Parecemos todos nós, uns burros de carga quando vamos para o mato.
– No mato já nós estamos.
– Os mortos que já houve. É matar e morrer. Foram as mulheres e crianças em Ganturé no batuque. Foi o Vítor e o Costa.

O meu amigo quando falava em Vítor referia‑­se ao nosso grande amigo o Pestana.
– Nós estávamos de licença, lembras‑­te?

Levantou‑­se e sentou‑­se de imediato.
– E o “corredor da morte”. Foi o chavalo que se perdeu. Faço ideia o que ele não sofreu.
– Andou onze dias perdido, e nós sem termos hipóteses de o ajudar.
– É andar, é andar, sempre a andar. Vai mais uma voltinha para aquela menina de amarelo. É como na Feira de Outubro em Vila Franca de Xira, onde nós estivemos.
– E quando aquela merda dos estalinhos rebentavam e nós deitados no chão. O que aquela gente ria.

Falávamos da nossa visita à feira quando estivemos de férias, e mal sabíamos que os nossos camaradas haviam morrido, e ao mais pequeno barulho, era como se estivéssemos no mato.

Roquetadas, morteiradas, tiros, canhoada, minas a estoirar. Era o que tínhamos naquela terra.
– Fornilhos que lindos que são...
– As tripas de fora, sempre a andar. Porrada para cima. Sempre a andar.
– É picar, é picar.
– Ataques quando um tipo come, quando dorme, mas sempre a andar. Mais uma voltinha para aquela menina de amarelo. Não estou aqui para enganar ninguém, estou aqui porque a casa quer e a casa manda. Não paga cinquenta escudos, nem vinte tão pouco. Por dez escudos leva esta caneta com aparo de ouro flexível, esta esferográfica e este pincel para a barba.

O meu amigo estava mesmo embriagado. Não parava. Já nos habituara àquelas cenas de vendedor de “banha da cobra”.
– Não estou aqui para enganar ninguém, estou aqui porque a casa quer e a casa manda. Não paga cinquenta escudos, nem vinte tão pouco. Por quinze escudos leva esta caneta com aparo de ouro flexível, esta esfe­rográfica e este pincel para a barba.
– Um bom pincel, és tu... – respondi‑­lhe
– Não estamos aqui para enganar ninguém. Nós somos os únicos que saímos daqui enganados.
– Era a grande casa do Salazar, mas triste casa que mandava. Mandava, éramos carne para canhão. Somos uns imbecis, uns autênticos imbecis
– Eh, pá! Estou com sede. Já falei demais e tenho a garganta seca.

Em Gadamael, naquele momento, para além de nós, estariam acor­dados o pessoal de serviço, e um ou outro negro. O vendedor da banha da cobra olhava‑­me nitidamente, como se fosse um autómato.
– Vamos pedir de beber ao Capitão. – disse o meu amigo.

Quando falo no “meu amigo”, não é menosprezo para todos os outros, mas é que nos ligava uma forte amizade.
– Não estou aqui para enganar ninguém...

Logo à entrada daquele arruamento de tabancas, um negro da popu­lação civil sentado num pequeno banco, olhou‑­nos.
– Eh, pessoal, corpo?

Vestia uma túnica branca, de orar a Alá. A cabeça estava coberta com um gorro de lã, com desenhos ligeiros.
– Manga de chatice, pessoal... – respondeu o meu amigo.
– Pessoal... – continuou... Empresta aqui ao pessoal duas coisas dessas (apontava, referindo‑­se à túnica) e dois gorros?

O negro dirige‑­se para o interior da habitação, fazendo com a mão direita um sinal indicativo para esperarmos. Dá‑­nos aquilo que havíamos pedido, entregando‑­nos. Nós respondemos com um sorriso.

O Jorge vestiu uma das túnicas muçulmanas, dando‑­me a outra. Vestia‑­a e, não sei se me ficava bem. Colocámos ambos os gorros. O negro ria. Muito sérios, abandonámos o negro muçulmano, não sabendo bem se havíamos interrompido a sua oração. Deixámos para trás a tabanca, seguindo para o “comando”. Fomos em direção à cama do comandante da Companhia, Capitão de Infantaria Mansilha. O meu amigo faz‑­me um sinal com as mãos, para ter calma, não escondendo um sorriso.
– Alá, Alá, vinho para cá..., Alá, Alá, vinho para cá...

Repetimos a operação por duas ou três vezes, enquanto o capitão na cama nos olhava sorrindo. Parecia quase mentira mas sorria.
– Naquele caixote está a bebida.

Estávamos ajoelhados, batendo com a cabeça no chão.
– Alá, Alá, vinho para cá...

Levantámo‑­nos. No caixote existiam só copos vazios e água Perrier, água francesa, tipo água castelo.
– Só cá tem água? – disse‑­lhe com ar chateado.
– Bebam que faz bem... – respondeu o capitão.

Eram talvez quatro horas. No dia seguinte fomos ambos chamados ao comando para entrarmos numa patrulha. Eu quase morri, tal foi a bebedeira. Senti‑­me tão mal, e só na hipótese maior, a do PAIGC apare­cer. Fomos castigados, mas que castigo.

Em 27 e 28 de dezembro, a nossa CART participa na operação Relance, montar emboscada no “corredor da morte”, Famora, tendo sido utilizadas as seguintes forças: 1 Grupo de Combate da CART 1659, 1 Grupo de Combate da CCAÇ 1622 e 2 Grupos de Combate da CART 1613.

Fomos emboscados por duas vezes tendo a nossa tropa reagido bem ao fogo e à manobra do PAIGC, que sofreu 4 mortos prováveis e vários feridos não controlados.
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Nota do editor:

Último poste da série > 24 de dezembro de 2017 >  Guiné 61/74 - P18133: O meu Natal no mato (44): Naquele Natal de 1972, aprendi que os homens não são iguais, apenas porque uma toalha e um guardanapo os separam... (José Claudino da Silva, ex-1º cabo cond auto, 3ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Guiné 63/74 - P14302: Recordando a Operação Revistar (Mário Vitorino Gaspar, ex-Fur Mil Art MA da CART 1659)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Vitorino Gaspar (ex-Fur Mil At Art e Minas e Armadilhas da CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68), com data de 11 de Fevereiro de 2015:

Caros Camaradas:

Envio-lhes a “Operação Revistar”, quando da sua preparação, mereceu decerto a atenção devida, até pela ambição do projecto. Destruição de acampamentos; capturar o chefe Nino Vieira e apanhar armamento e documentação do PAIGC. Era obra…

Enquanto a NT, principalmente os nossos Comandantes Militares, planeavam a Acção mortífera, o “nosso deles” Serviço de Informação, funcionou ao contrário. O informador “jogava com um pau de dois bicos”, toda a Guiné sabia, e mais que eu… talvez até o nome da Operação.

Grande fracasso! E como existe medo de se contar a verdade, surge a mentira. Vivi tudo isto.
Estive dias beliscando papéis no Arquivo Histórico-Militar. Encontrava um, faltava-me outro, mas reuni estes elementos. Tenho fotocópias de tudo, poderia ter escrito mais. Gostava de saber por que razão camaradas da CCAÇ 1620 não respondem aos meus mails, e um até foi mal educado, porque nem sequer lhe tinha dito quem era já me tinha respondido que “não queria comprar nada”.

Por que razão na História da Unidade da CCAÇ 1620 não falam desta Operação?

Um abraço
Mário Vitorino Gaspar




OPERAÇÃO REVISTAR

Acabado de gozar Licença na Metrópole, em Bissau só se falava de uma Operação a efectuar no Sector 2, onde a CART 1659 estava agregado em termos operacionais por ser no caso uma Companhia Independente.

Escrevi uma carta à minha mulher que “estava já farto de Bissau, porque aqui só se fala em guerra”. Sou chamado ao Quartel-General, encontrava-me hospedado no Hotel Portugal, e lá me foi dito que tinha de partir com urgência para Gadamael. Respondi que não tinha transporte nos barcos tão depressa, e disseram para ir ao aeroporto que partiria de avioneta para Gadamael Porto. 

Pouco descansei, seguimos com um Grupo para Mejo a 30 de Novembro. A CCAÇ 1591 partiu para a Operação. O ambiente, passado pouco tempo era escaldante, tínhamos conhecimento do que se ia passando. Surgiam muitos evacuados por insolações. Analisei militarmente a situação e concluí que iríamos todos os que fazíamos a segurança a Mejo, chamados a intervir na Operação. 

Comecei por escrever cartas de despedida para os familiares, namoradas e amigos. Entreguei-as em mão a um camarada Furriel Miliciano de Mejo, pedindo-lhe que as guardasse, e no caso de não regressar que as colocasse no Correio. Conhecia bem Mejo, Quartel onde estava destacada a CCAÇ 1591, comandada pelo Capitão de Infantaria Luís Carlos Loureiro Cadete. O então Capitão Cadete já era meu conhecido do CISMI, em Tavira. Tinha sido o meu Comandante do Pelotão da Especialidade de Armas Pesadas, Especialidade que iniciara a Agosto de 1965. Ele na altura era Alferes, a famosíssimo Alferes Cadete, tão conhecido por todos os Sargentos Milicianos.

Mas a “Operação Revistar”, e segundo o que se pode ler na História da Unidade da CART 1613, destacada em Guileje, não se desenrolou de 1 a 3 e de 6 a 7 de Dezembro de 1967, já teriam sido efectuadas outras Operações Secundárias da “Operação “Revistar”, por parte da CART 1612, com Montagem de uma base de fogos em Nhacobá (com Pelotão de Morteiros 1086, Pelotão de Milícias 137 e CCAÇ Nativos). Causaram ao IN 5 feridos confirmados. As NT sofreram 1 morto, 3 feridos graves e 6 ligeiros. 

Também existem sinais da intervenção da CCAÇ 1622, Patrulhamento e Emboscada no “Corredor de Guileje” onde as NT foram flageladas à distância. Isto no dia 27 de Novembro de 1967.

A CCAÇ 1622 viria a ser a maior vítima da “Operação Revistar”, que tinha por objectivo a Acção ofensiva em diversos acampamentos do PAIGC e o aprisionamento do chefe Nino Vieira. Participaram na “Operação Revistar”, a CCAÇ 1622; CCAÇ 1591; CCAÇ 1624 e CART 1613.

No dia 3 (de dezembro de 1967), teve a Companhia, 3 feridos (um Oficial, um Sargento e um Soldado; 18 evacuados por esgotamento físico e dois por doença).

No dia 6, repete-se a Operação, e para além das Companhias que tinham estado na 1.ª Acção no terreno, foram reforçados com a minha CART 1659 e CCAÇ 1620.

Na História da Unidade da CCAÇ 1620, nem uma linha sobre a “Operação Revistar”, entretanto esteve lá.

Na História da Unidade da CART 1659 consta:

“De 1 a 3 e de 6 e 7 de Dezembro de 1967, feita a Operação Revistar, uma Acção ofensiva na Península de Salancaur, tendo as forças da CART 1659 colaborado numa primeira fase, montando segurança ao aquartelamento de Mejo. Numa segunda fase, participaram da operação juntamente com as forças da CART 1613 e CCAÇ 1591, 1622 e 1624. Os objectivos previstos não foram atingidos devido ao esgotamento físico das nossas tropas”.

Na História da Unidade da CCAÇ 1591, repetem-se as dificuldades que a NT teve ao percorrer matas fechadas, calor intenso o que provocou o agravamento do estado físico das NT. Termina dizendo que a Companhia acusou, notoriamente, as 5 noites ao relento, dormindo no chão e a falta de alimentação capaz, antes de iniciar a Operação.

Na História da Unidade da CCAÇ 1624, repete-se o mesmo, só com mais 15 evacuações (1 Oficial e 1 Sargento), não existindo condições para se concluir a Operação.

No dia 7 de Dezembro encontrei-me com o Comandante da “Operação Revistar”, o Capitão Luís Carlos Loureiro Cadete. Estranho,  por nunca nos termos encontrado, quando ia tantas vezes a Mejo e a sua CCAÇ 1591 as visitas que fazia a Gadamael Porto. Olhou-me, e reconheceu-me. Mesmo junto da bolanha, com a zona a atingir escondida, faziam-se evacuações. O helicóptero ali perto, e foi ele que iniciou a conversa. Perguntou-me o que pensava da Operação.

- Quem está a sobrevoar sobre nós a todo o momento, e que ao mesmo tempo nos localiza? -  perguntei eu.

Respondeu que era o Comandante da Operação. Falei-lhe que toda a Guiné, de certeza sabia daquela Operação, e qual a razão do Comandante da Operação não pisar terra e ver o estado de espírito das NT.. Com certeza que o PAIGC se juntara todo na Península de Salancaur. Respondeu-me que, segundo informações recolhidas,  o PAIGC tinha 20 Canhões S/R, apontados para a bolanha, bolanha essa por onde entraríamos.

Segundo o que se dizia, Paraquedistas, Fuzileiros e Comandos actuariam do lado oposto da bolanha, depois de nós iniciarmos o avanço. Logo após os primeiros passos cairiam sobre nós e poucas possibilidades de sobreviver. O Capitão chamou o Comandante a terra, saiu de um helicóptero com um camuflado acabado de sair do Casão, muito gordo.

Passado pouco tempo dão-nos ordens para irmos para Mejo. Caminhada rápida. Lembro-me que nem um gole de água bebera do cantil. Perguntei a todos se tinham sede. Ninguém quis. A dentadinha na palha verde do capim era eficaz, molhava os lábios. Rindo, depois de ouvir de todos que não queriam água, despejei o cantil sobre a cabeça. Chegado a Mejo, pedi as cartas ao Furriel Miliciano, meu camarada e rasguei- as. Bebi a minha dose de cerveja. Seguimos de imediato para Gadamael.

Não se entende a razão de logo no dia seguinte o Capitão de Infantaria Luís Carlos Loureiro Cadete foi em coluna auto para Cacine, e no dia 10 embarcou com destino a Buba, via Bolama. Buba (curiosamente era a Sede do Sector 2 em termos operacionais). Foi afastado devido ao fracasso da Operação Revistar? Não sou capaz de encontrar uma outra resposta. Não conheço nenhuma rendição nestes termos.

Sobre a actividade da Força Aérea nada é focado, mas que a aviação esteve lá não me podem negar. Dias antes já actuava, e em força, bombardeando constantemente a Península de Salancaur.

Em relação aos motivos que levaram que a Operação não fosse concluída, todos falam em desgastes nas NT.

Estavam Paraquedistas, Fuzileiros e Comandos do lado contrário da Bolanha? E a aviação?

Uma Grande Operação falhada. Quem foram os culpados?

Estes também foram para mim dias horríveis, 7 dias consecutivos que não esqueço.

Nota: - Pena que o Blogue não tenha camaradas destas Companhias. Ou tem? Colaborem para tentarmos encontrar uma resposta. Assim se pode colocar a verdade na história da Guerra Colonial.

Mário Vitorino Gaspar

domingo, 16 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13903: Consultório militar, do José Martins (10): Sobre a morte do alf mil Nuno da Costa Tavares Machado, em Guileje, em 28/12/1967: Parte IV - As três baixas mortais no decurso da Op Relance, no corredor de Guileje, entre a lala do Rio Tenhege e Guileje


Guiné > Região de Tombali > Mapa de Guileje > Escala 1\/50 mil > Posição relativa de Guileje e do rio Tenhege, a noroeste. Foi nesta região que o alf mil art Tavares Machado e os sold António Lopes e António de Sousa Oliveira (o "Francesinho") perderam a vida em combate, na decurso da Op Relance (local da operação: corredor de Guileje, numa lala do Rio Tenhege).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)


1. Quarta (e última) parte da informação recolhida pelo José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, TOC reformado, residente em Odivelas]. no âmbito do seu "consultório militar" e, mais concretamente, em resposta a um pedido de informação do nosso leitor Aníbal Teixeira, cunhado do alf mil art Nuno da Costa Tavares Machado, morto em combate em Guileje, em 28712/1967, e que pertenceu CART 1613 / BART 1896 (Guileje, 1968/68). (*)


2. Na História da Unidade [CART 1613] e à guarda do Arquivo Histórico Militar (AHM), que fomos consultar, consta na página número 127, a seguinte nota, relativa ao período de 1 a 31 de Dezembro de 1967:


Em 27 – Executado a Operação “Relance”

Missão – Emboscada no “corredor” de Guileje.

Forca executante:

- Companhia de Artilharia 1613 (incompleta)

- 1 Grupo Combate da Companhia de Artilharia 1659 (**)

- 1 Grupo Combate da Companhia de Artilharia 1622

- Pelotão de Caçadores Nativos 51

- Pelotão de Milícias 138

Resultados obtidos:

- Causados ao IN 4 mortos prováveis e feridos vários não controlados

- As NT sofreram 3 mortos, 4 feridos graves (3 milícias) e 3 feridos ligeiros (2 milícias).




Fonte:  CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 8.º Volume - Mortos em Campanha: Tomo II - Guiné - Livro 1 (1.ª edição, Lisboa 2001), p. 309.



Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > 1967 > Aspeto geral do quartel. Messe e quartos dos sargentos com cozinha ao fundo. Os maloagrados alf mil art Tavares Machado, sold António Lopes e sold António de Sousa Oliveira (o "Francesinho")  devem-se ter cruzado, em vida, diversas vezes com estes putos que viviam na tabanca e aquartelamento de Guileje.

Foto: © José Neto (2005) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]

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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores: 


13 de novembro de  2014 > Guiné 63/74 - P13885: Consultório militar, do José Martins (9): Sobre a morte do alf mil Nuno da Costa Tavares Machado, em Guileje, em 28/12/1967: Parte III - Ficha da Unidade, BART 1896, a que pertenciam as CART 1612, 1613 e 1614

Vd. também poste de 13 de novembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13881: In Memoriam (206) Nuno da Costa Tavares Machado, alf mil inf, CART 1613, morto em Guileje, em 28/12/1967, e condecoado com a cruz de guerra, de 3ª classe, a título póstumo

(**) O nosso camarada Mário Gaspar, fur mil da CART 1659, tem uma versão em que não se faz referências a baixas entre as NT, de acrodo com a sua mensagem de 4 do corrente, de que transcrevemos alguns excertos:

(...) A  Companhia de Artilharia 1659 – CART 1659 entrou na “Operação “Relance” (...)  – e eu estive lá, e participei nela (...)

A Operação Relance", consta no Blogue, no poste P12412 (...)


Na História da Unidade da CART 1659, pode-se ler que a Operação Relance” foi  em 21/28 DEZ67. Missão: Montar emboscada no “corredor de Guileje”, região de Famora. Forças – 1 Gr Comb., desta CART (...), juntamente com 1 GR.COMB da CCAÇ 1622 e 2 GR.COMB. da CART 1613.

As NT foram emboscadas por duas vezes, tendo reagido pelo fogo e manobra. O IN sofreu 4 mortos prováveis e vários feridos não controlados.

Quanto aos 4 mortos prováveis e feridos vários, foi a informação que passou pelo famoso Régulo Abibo Injasso e seus informadores. O Régulo que dizem ter morrido era uma boa alma, a Meca ia todos os anos, e o Exército Português pagava. As informações tinham uma tabela, grande parte das vezes era verdadeira. 

O que sei é que se fosse minar ou armadilhar determinadas zonas , e fosse somente a NT, e não iam nem Caçadores Nativos nem Praças “U”, para mim era sinal que o PAIGC se desviava, não do local nem da zona, era a garantia que tinha que por determinados locais das imediações de Gadamael Porto não passavam. Nada dizia, nem ao Capitão. 

Em relação [à informação] das NT sofrerem 3 mortes, 4 feridos graves (3 Milícias) e 3 feridos ligeiros (2 Milícias). Não tenho conhecimento que tivessem havido mortos e feridos. 

A Operação foi de 21 a 28 de Dezembro e estive sempre lá. (...)

quinta-feira, 13 de novembro de 2014

Guiné 63/74 - P13885: Consultório militar, do José Martins (9): Sobre a morte do alf mil Nuno da Costa Tavares Machado, em Guileje, em 28/12/1967: Parte III - Ficha da Unidade, BART 1896, a que pertenciam as CART 1612, 1613 e 1614



Crachá do BART 1896, "Bravos e Leais"







Crachás ou emblemas das companhais operacionais: CART 1612, 1613 e 1614

Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014)









História da Unidade do Batalhão de Artilharia nº 1896 que tinha como subunidades orgânicas, além da CCS, as Companhias de Artilharia nºs 1612, 1613 e 1614, à guarda do Arquivo Histórico Militar, donde foi extraído o resumo que juntamos, e que consta no 7º Volume – Unidades, da CECA.




1. Informação recolhida pelo José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, TOC reformado, residente em Odivelas]. no âmbito do seu "consultório militar" e, mais concretamente, em resposta a um pedido de informação do nosso leitor Aníbal Teixeira, cunhado do alf mil art Nuno da Costa Tavares Machado, morto em combate em Guileje, em 28712/1967, e que pertenceu  CART 1613 / BART 1896 (Guileje, 1968/68). (*)

Fonte: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África:  Resenha Histórico-Militar  das Campanahs de África (1961-1974) , 7º Volume: Fichas das Uniades,  Tomo II:  Guiné. Lisboa, Estado Maior do Exércitio, 2002, pp. 209-211.

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Nota do editor:


Vd. postes anteriores da série > 

Guiné 63/74 - P13883: Consultório militar, do José Martins (8): Sobre a morte do alf mil Nuno da Costa Tavares Machado, em Guileje, em 28/12/1967: Parte II - Cruz de Guerra de 3ª classe, atribuída por portaria de 19 de janeiro de 1971, pelas suas qualidades de "decisão e coragem moral, audácia, valentia e abnegação até ao extremo"

1. Segunda parte da resposta do nosso colaborador, camarada e amigo José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, TOC reformado, residente em Odivelas]  a um pedido de informação do nosso leitor Aníbal Teixeira, residente em Avanca,  Estarreja, sobre as circunstâncias da morte do seu cunhado, Nuno da Costa Tavaraes Machado, alf mil art, CART 1613 (Guileje, 1966/68), morto  em combate em 28/12/1967, no decurso da Op Relance (*).

O José Martins consultou as publicações da CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África:  Resenha Histórico-Militar  das Campanahs de África (1961-1974) , 5º Volume: Condecorações Militares Atribuídas,  Tomo VI: Cruz de Guerra (1970-1971). É neste tomo que consta a portaria de atribuição da condecoração ao Nuno da Costa Tavares Machado, assim como os louvores que deram origem à mesma. (pp. 363-365).

Já foi enviado ao nosso leitor Aníbal Teixeira uma cópia deste excerto que agora publicamos para conhecimento geral.

sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Guiné 63/74 - P13826: Consultório militar, do José Martins (7): Sobre a morte do alf mil Nuno da Costa Tavares Machado, em Guileje, em 28/12/1967: Parte I - Dúvidas que, escritas na areia, desaparecem, mas acompanham sempre os entes queridos (Aníbal Teixeira, cunhado, Avanca, Estarreja)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Guileje > Núcleo Museológico Memória de Guiledje >  A placa com o nome do alf Nuno da Costa Tavares Machado que estava na parada do aquartelamento (*)... Ou melhor: afixada na parede da messe de sargentos (**), e que foi descoberta por ocasião dos trabalhos de escavação de arqueologia militar que deram origem ao Núcleo Museológico Memória de Guiledje.  Não temos nenhuma foto, individual ou em grupo,  do nosso malogrado camarada.

Foto: © AD - Acção para o Desenvolvimento (2013) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]



Guiné  > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Caserna das praças a que foi atribuído o nome dos sold António de Sousa Oliveira (o "Francesinho") e o António Lopes (o "Sargento"), mortos em 28/12/1967 na sequência da Op Relance, juntamente com o alf mil Tavares Machado, todos eles pertencentes ao grupo "Os Lordes" [... designação dum Grupo de Combate formado por voluntários da companhia que recebera instrução especial em Bissau com o fim de constituir o primeiro escalão de progressão e assalto, dado que a CART 1613 foi, inicialmente, companhia de intervenção à ordem do Comando Chefe e actuou em vários pontos do território, segundo explicação dada pelo nosso saudoso cap José Neto (1927-2007)].





Guiné > Região de Tombali > Guileje > 1967 > CART 1613 (1967/68) > Ao centro, o Francesinho, alcunha do sold at António de Sousa Oliveira, transbordando de energia e de alegria, uns meses antes de morrer, no "corredor da morte", em 28/12/1967. Era natural de Celorico de Basto (, tal como o seu infortunado camarada, o António Lopes) e emigrante em França. É a única foto que temos dele.





Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68)> Alguns dos quadros da companhia, vestidos com trajes fulas... Dois militares parodiam a PM- Polícia Militar... O Cap Corvalho pode ser o terceiro a contar da esquerda, pelo menos é alguém que ostenta as divisas de capitão. "Aqui de certeza é o Corvacho, um bom amigo", garante-me o Nuno Rubim ...

Não, não se trata de nenhuma "festa de Carnaval", mas da tão desejada "receção dos piras"... Neste caso, a foto deve datar de maio de 1968, quando a CART 1613 (cuja comissão em Guileje vai de junho de 1967 a maio de 1968) é rendida pela CCAÇ 2316 (mai 1968/jun 1969)...Nessa altura, o alf mil Machado Tavares já tinha morrido, pelo que nunca poderia fazer parte deste "grupo de praxistas", ou no mínimo, encarregue de "dar as boas vindas" à periquitagem...
Fotos: © José Neto  (2006) / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Todos os direitos reservados. [Edição: L.G.]


1. Mensagem de 20 do corrente, do nosso leitor Aníbal Teixeira, 

Assunto: Guiné- Alferes Tavares Machado
Data: 2014-10-20 03:01


Caro Sr. Luis Graça,  bom dia.

Sou cunhado do Alferes Nuno Tavares Machado, falecido em combate na Guiné em 28/12/1967 (***).

Ao ler o vosso site e ao comunicar à minha esposa, única irmã do Nuno, os sentidos de novo despertaram para a situação vivida há 47 anos...

Muitas interrogações e curiosidades reacenderam...

(i)  Como morreu o Nuno ?? Sofreu ?? 

(ii)  Foi condecorado a titulo póstumo porquê ?? 

(iii)  Porque fizeram a placa com o nome dele e a colocaram na parada da messe de sargentos ?? 

(iv)  Se diversos tombaram, porquê o Nuno ?? 

(v)  Porque aparece agora ?? 

(vi)  Há alguém vivo que me possa descrever ?? 

(vii)  Um dia, como alferes, no Quartel General do Porto, interroguei o Comandante da Região Corvacho. Lamentou, mas não me comentou o sucedido. Porquê ?? 

Sempre fiquei com duvidas...

São dúvidas que,  escritas em areia,  desaparecem, mas acompanham sempre os familiares..!....

Se algo possível pretenderem sobre o Nuno, para enriquecerem o excelente e digno trabalho que estão a fazer, estamos à vossa disposição.

Da família directa do Nuno resta a irmã, minha mulher,  e a mãe, com 97 anos. A mãe vive no Porto e nós em Avanca (Estarreja).

Ao vosso dispor, com um forte abraço

Aníbal Teixeira

Tlm (...) | Email (...)

2. Resposta do nosso colaborador, camarada e amigo José Martins [ex-fur mil trms, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70, TOC reformado, residente em Odivelas] (****):

Caro Aníbal Teixeira

Sobre o e-mail que escreveu ao Luís Graça, na qualidade de administrador do blogue “Luís Graça e Camaradas da Guiné”, cabe-me a mim, como colaborador permanente do blogue, tentar dar resposta às questões que colocou.

Para poder dar uma resposta sobre os factos, baseado em documentos oficiais, foram consultadas as seguintes fontes:

a) História da Unidade do Batalhão de Artilharia nº 1896 que tinha como subunidades orgânicas, além da CCS, as Companhias de Artilharia nºs 1612, 1613 e 1614, à guarda do Arquivo Histórico Militar, donde foi extraído o resumo que juntamos, e que consta no 7º Volume – Unidades, da CECA.

b) 8º Volume, Livro 1, Mortos em Campanha, na Guiné, de que juntamos página onde constam os nomes dos três militares que tombaram em 28 de Dezembro de 1967.

§ Na História da Unidade e à guarda do Arquivo Histórico Militar, que fomos consultar, consta na página número 127, a seguinte nota, relativa ao período de 1 a 31 de Dezembro de 1967:

«Em 27 – Executado a Operação “Relance”

Missão – Emboscada no “corredor” de Guileje.

Força executante:

- Companhia de Artilharia  [CART] 1613 (incompleta)

- 1 Grupo Combate da Companhia de Artilharia [CART] 1659

- 1 Grupo Combate da Companhia [de Caçadores] [CCAÇ] 1622

- Pelotão de Caçadores Nativos  [Pel Caç Nat] 51

- Pelotão de Milícias 138

Resultados obtidos:

- Causados ao IN 4 mortos prováveis e feridos vários não controlados

- As NT sofreram 3 mortos, 4 feridos graves (3 milícias) e 3 feridos ligeiros (2 milícias).»

c) 5º Volume, Tomo VI, página 363 de Condecorações atribuídas, onde consta a Portaria de atribuição da Condecoração, assim como o Louvor que deu origem à mesma.

Tentemos, então, dar respostas às questões colocadas, mas que se devem considerar como “opinião pessoal”. Dúvidas não esclarecidas, que se avolumam a cada dia, marcam, às vezes, mais do que a “chegada da notícia do acontecido”.

Como morreu o Nuno? Sofreu?

Pela leitura do Louvor, ainda que feito em termos muito normalizados, o Nuno foi um dos 1711 militares que Tombaram em Combate na Guiné. Quanto a sofrimento, sem querermos ser cruéis, pelo menos o Nuno deve ter sofrido, caso a morte não tenha sido imediata. Pelo menos deve ter pensado na mãe e na família, que era um dos pensamentos sempre presentes. 

Foi condecorado a titulo póstumo porquê?

A resposta está no teor dos louvores que lhe foram conferidos. Apesar de ser o “terceiro oficial” da subunidade, era bastante voluntarioso e admirado pelos “seus homens”, tendo criado e comandado um “grupo de elite” [, os Lordes,} que o seguia sempre. 

Porque fizeram a placa com o nome dele e a colocaram na parada da messe de sargentos?

Para mim, não é mais que camaradagem. Foi, provavelmente, uma forma de “fazer o luto” por um camarada de armas que, apesar de estar “vocacionado para mandar”, não hesitava em dar o exemplo.

Se diversos tombaram, porquê o Nuno?

Se quisesse dar uma resposta “fria”, diria que estava no local errado à hora errada. Se quisesse dar uma resposta “piedosa”, diria que estava na hora de partir para “outras paragens”. Mas, prefiro, dar uma resposta objectiva, baseada no texto do segundo louvor: Morreu porque foi socorrer um camarada ferido, e por isso ficou mais exposto ao perigo. 

Porque aparece agora?

Não sei o que pretende sobre o “agora”. Guilege [ou Guileje] é um marco muito negativo na história das nossas tropas na Guiné. Ficava situado no Sul junto à fronteira, num “corredor” muito utilizado pelo PAICG, para introduzir no território homens, armamento e outros bens. Muitas são as referências àquele destacamento que, em 1973 [, em 22 de maio], acabou por ser abandonado pelas tropas que o guarneciam, após longos dias de bombardeamentos tendo, inclusivamente, ficado sem transmissões, por terem atingido a antena.

Depois da independência, e já no século presente, a AD – Acção para o Desenvolvimento, uma ONG da Guiné-Bissau, recuperou a destacamento, com a colaboração de militares portugueses [, com destaque para o nosso blogue], e organizou um simpósio [, em março de 2008,], pelo que pode ser uma das razões de agora “ter sido colocado em cima da mesa”. 

Há alguém vivo que me possa descrever?

Infelizmente já não se encontram entre nós, o então Capitão [Eurico] Corvacho [e o então 2º Sargento José Neto [, que morreu em 2007, como cap refomado,], um como comandante e outro como responsável pela formação da companhia.

Há várias entradas sobre o tema no blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. (Marcadores: Guileje, José Neto, CART 1613, referências no fim dos postes, etc; vd. coluna do lado esquerdo do blogue). 

Um dia, como alferes, no Quartel-General do Porto, interroguei o Comandante da Região Corvacho. Lamentou, mas não me comentou o sucedido. Porquê?

Quem comanda, em qualquer situação, tem apreço pelos que comanda. É natural que o Capitão Corvacho tenha interiorizado esta “baixa”.

Espero que estas notas, se não vão “apaziguar” as vossas dúvidas e saudades, possam ser uma maneira de “amenizar” tudo aquilo que levantou tantas dúvidas sobre um acontecimento de há 47 anos.

Seguem-se os textos referidos anteriormente [, a publicar, oportunamente, no seguimento deste poste].

José Marcelino Martins

josesmmartins@sapo.pt

21 de Outubro de 2014

_________________

(**) Vd. poste de 8 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12127: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (23): A placa toponímica "Parada Alf Tavares Machado" estava afixada na parede da messe de sargentos (Luís Guerreiro, Montreal, Canadá, ex-fur mil, CART 2410, 1968/70)


 (***) Vd. poste de 29 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6658: Lista alfabética dos 75 alferes mortos no CTIG, 54 (72%) dos quais em combate (Artur Conceição)