sábado, 21 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18863: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8): Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018: Béli (e a Fundação Chimbo Daribó), Dandum, Madina do Boé, Canjadude...


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1de  julho de 2018 >  Béli > Bangalós da Fundação Chimbo Daribó


Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de  julho de 2018 >   Picada para Dandum


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 30 de junho de 2018 > Posto de fronteira de Dandum


Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 > A célebre Fonte da Colina de Madina, construída em 1945 (, data já pouco legível), no tempo do governador Sarmento Rodrigues (I)


Foto nº 8A > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 > A célebre Fonte da Colina de Madina, construída em 1945 (, data já pouco legível), no tempo do governador Sarmento Rodrigues (II)


Foto nº 9 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: restos do antigo quartel abandonado pelas NT em 6 de fevereiro de 1969.


Foto nº 10 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: tabanca.


Foto nº 11 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Madina do Boé: monumento ao herói do PAIGC, Domingos Ramos, morto em 1966.


Foto nº 12 > Guiné-Bissau > Região do Boé > 1 de julho de 2018 >  Caminhos do Boé, com colinas ao fundo.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (8) > Os meus passeios pelo Boé - Parte II: 1 de julho de 2018:  Béli, Madina do Boé, Dandum, Canjadude...

[ Patrício Ribeiro é um português, natural de Águeda, criado e casado em Angola, com família no Huambo, ex-fuzileiro em Angola durante a guerra colonial, a viver na Guiné-Bissau desde meados dos anos 80 do séc. passado, fundador, sócio-gerente e director técnico da firma Impar, Lda.]

(Continuação)

Ultrapassado o rio [Corubal] (`), lá seguimos por cima da estrada de pedra a caminho de Beli, mais ou menos  40 km, passando por algumas poucas tabancas, que outrora eram bem pequenas, com as casas todas cobertas a palha, mas agora são maiores e com mais casas, quase já não há casas cobertas a palha. Este caminho é muito bonito e difícil.

Ao chegar a Beli, iniciamos o nosso trabalho e procuramos alojamento nas instalações da Chimbo, que tem 9 bangalós para alugar.

São holandeses, da Fundação Chimbo Daribó. Andam a instalar máquinas fotográficas nas árvores, para fotografarem os Chimpanzés (muitos), Búfalos, alguns e alguns leões: www.chimbo.org (foto 5)

Não há Internet, mas na vila há telefone. No resto da região, não. A língua falada corrente é o Fula. Por vezes não é possível uma conversa em Crioulo e Português, língua oficial, só com professores e alguns funcionários. Os jovens entendem um pouco.

Ao outro dia [, 1 de julho de 2018} seguimos viagem para Dandum, voltamos para trás até tabanca de Cobolo e seguimos em direção a Sate; dali por um caminho a corta mato para Diquel, por onde as viaturas ainda passam. Passamos por algumas pequenas tabancas perdidas nas colinas do Bolé, mas todas têm escolas. Cruzamos alguns rios que começam rapidamente a aumentar o caudal, com a chuva que está a cair.

Lugares muito bonitos e completamente diferentes do resto da paisagem da Guiné (foto 6). Algumas destas tabancas já existiam. (Ver mapa de 1961 da Província da Guiné, e voltaram a ser implantadas na Carta Geológica da Guiné, do Dr. Paulo Alves, em 2011).

Por aqui começam a aparecer algumas hortas de caju nos vales, assim como algumas pequenas tabancas, porque os terrenos são mais férteis. O que obriga os animais selvagens existentes no Parque Natural do Boé a ter de "arranjar" outros locais … Agora são avistados para os lados de Lugajole.

Chegamos até perto de Madina do Boé, mas seguimos o caminho para Dandum, 3 km mais à frente.

Dandum, a tabanca é muito grande com muitas casas, tem posto de fronteira (foto 7):  alguns funcionários públicos, guardas de fronteira, professores;  tem um hospital, tudo e todos perdidos na distância para Bissau... O local é uma planície com terra muito fértil, com muitas árvores de fruto.

Verificamos o trabalho que tínhamos realizado no hospital há uns meses, está tudo ok!

No regresso pelos mesmos caminhos, mas paramos em Madina do Boé, para as fotos da praxe. A tabanca de Madina do Boé fica em uma planície fértil, com muitos árvores de fruto e tem alguns morros ao longe (Fotos 9,10).

Foto junto da fonte construída,  em 1945, que já tem diversas fotos no blog (foto 8).

Estivemos junto ao Memorial de Domingos Ramos, local onde foi ferido e provavelmente morto (foto 11). Está aproximadamente a uns 500 metros da fonte de 1945 e do antigo quartel, a poucos metros do caminho para Dandum, na planície.

Regresso a Beli, para assistir ao encontro de Portugal / Uruguai no club dos jovens, enquanto a trovoada deixou ver, até que o sinal da parabólica deixou passar.

Grande foi a festa, quando Portugal marcou o golo.

Depois regresso de Beli até Candjadude (foto 12) onde passamos o resto do dia a fazer trabalhos, antes da chegada da noite, a Gabú.

Abraço
Patrício Ribeiro

PS - Sobre, o Memorial ao Domingos Ramos: não, não havia nenhuma inscrição. O pessoal que me acompanhava do Parque Natural do Boé, sabia deste local, indicaram-me talvez porque passamos perto. Das outras vezes que fui a Madina não me indicaram este sitio. Do outro lado da picada, perto a 70 metros, já há algumas casas. Na texto que te enviei, descrevo o local.

A Net por estas paragem não é uma ciência exacta... é muito complicado.


Carta da Província da Guiné (1961) > Escala 1/500 mil > Detalhe: a região do Boé

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)
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Nota do editor:

Último poste da série > 21 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18861: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché

Guiné 61/74 - P18862: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7): Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018: a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché


Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal >  30 de junho de 2018.> Ché Ché  fica(va) do outro lado do rio, na margem esquerda. A jangada do Ché Ché,  puxada à corda, como há meio século atrás... Vídeo de Patrício Ribeiro (Impar Lda, Bissau), gentilmente cedido ao blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné. Em 6 de fevereiro de 1969, neste mesmo local e com uma jangada deste tipo, houve um trágico acidente: morreram, afogados, 46 militares e 1 civil, na sequência da retirada do quartel de Madina do Boé (Op Mabecos Bravios).

Vídeo (1´01'') > Disponível em You Tube / Luís Graça


Foto nº 2 > Guiné-Bissau >Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 > Rampa de acesso, do lado do Gabu, na margem direita.


Foto nº 2A > Guiné-Bissau >Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 > Rampa de acesso, do lado do Gabu... Do outro lado, na margem esquerda,  em Ché Ché (ou Cheche, como vem grafado no nosso blogue...),. vê-se a jangada que faz o transporte de viaturas, pessoas e bens...


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 >  Rampa de acesso, na margem direita; lavadeiras (1)


Foto nº 1A > Guiné-Bissau > Região do Boé > Rio Corubal > 30 de junho de 2018 >  Rampa de acesso, na margem direita; lavadeiras (2)


Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região do Boé >  30 de junho de 2018 >   Estrada de Che Ché - Béli.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2018) Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de ontem, do Patrício Ribeiro, às 18h26

Assunto - Os meus passeios pelo Boé

Luís,

Quero enviar algumas fotos deste passeio [em 30 de junho e 1 de julho], mas como chove em Bissau há mais de 24h, a Net está muito difícil,

Vou enviar as fotos por diversas vezes, incluindo um vídeo.

Abraço
Patricio Ribeiro

IMPAR Lda
Av. Domingos Ramos 43D - C.P. 489 - Bissau , Guin?? Bissau
Tel,00245 966623168 / 955290250
www.imparbissau.com
impar_bissau@hotmail.com


2. Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (7) > Os meus passeios pelo Boé - Parte I: 30 de junho de 2018:  a travessia do Rio Corubal, de jangada, em Ché Ché  (*)


Há poucos dias, fui dar uma volta pela região do Boé. Nos finais de Junho, após as primeiras chuvas, como sempre gosto de fazer.

Nesta época podemos encontrar as encostas das colinas todas verdes, como se lá tivessem plantado relva, o terreno muito colorido com as primeiras flores a desabrochar, após a época seca. Com a falta de chuva nos últimos 7 meses, começando as chuvas, a relva cresce 2 a 3 cm por dia ...

Neste mês ainda se pode passar por todos os caminhos e picadas; os rios de água cristalina começam a correr, mas ainda os podemos ultrapassar com as viaturas todo o terreno.

Claro que em alguns locais já temos mais de um palmo de água nas entradas, durante muitas dezenas de metros (foto 4) mas como o solo é todo de pedra, não há o perigo de ficar atolado na lama.

Depois de sair de Bafatá, passamos em Gabú, a caminho de Ché Ché, estrada de terra batida, em muito bom estado até ao rio.

Lá chegamos ao primeiro obstáculo (fotos 1 e 2),  a travessia do rio Corubal.

Esperamos pela jangada que estava do outro lado e, depois de algum tempo de espera, lá apareceu ela para nos transportar! Estava a ser puxada à mão por diversos homens, porque o motor estava avariado. (Vd.vídeo, acima.)

(Continua)
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sexta-feira, 20 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18861: Notas de leitura (1085): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (44) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2018:

Queridos amigos,

Estamos ainda num período em que os gerentes de Bolama e Bissau têm a caneta em riste, escrevem desassombradamente, a carta para Lisboa, em 16 de Agosto de 1918, em que o gerente de Bissau pede à administração para receber bem o eis governador Ivo Ferreira, que passava ao gerente informações confidenciais têm o seu quê de maquiavélico e oportunista, não se esquece de dizer que a ação do governador foi simplesmente nula.
Enceta-se um período de grandes dificuldades, o poder de compra deteriora-se, e não surpreende a carta dirigida ao gerente de Bissau, em 14 de Fevereiro de 1921 em que os trabalhadores nas obra do banco em Bissau vêm muito respeitosamente pedir aumento de vencimentos, andam de mão estendida, quando em Lisboa, quando tinham sido contratados os salários eram o triplo. A não serem correspondidos, informa Sua Excelência que tinham que regressar a casa.
Abdul Indjai partira para Cabo Verde, o BNU em Bissau procurava vender tabacos e não descurava a possibilidade de se abrir uma delegação em Bafatá.

Um abraço do
Mário


Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (44)

Beja Santos

Introdução 
De V. Senhorias para V. Exas.

Uma das singularidades que encontramos neste período da vida das duas agências do BNU na Guiné é a comunicação franca para Lisboa das opiniões dos gerentes, em matérias compreensivelmente delicadas.

Veja-se a carta enviada por Bissau em 16 de Agosto de 1918 tendo como assunto o ex-Governador Ivo Ferreira que seguia para Lisboa e fora substituído por coronel Oliveira Duque:

“É natural que o senhor Ivo de Sá Ferreira visite V. Exas., e neste caso rogamos a V. Exas. que lhe dispensem todas as provas de especial deferência, auxiliando-o mesmo, se possível for, em qualquer pretensão oficial que este senhor tenha, pois que assim não fazemos mais do que retribuir alguns serviços que nos prestou.

Muitas vezes e quando governador, deu-nos importantes informações, particular e confidencialmente, sobre medidas que iam ser tomadas quer pelo governo da Província quer pelo governo da metrópole; algumas vezes foram-nos essas informações de grande valor, principalmente as referentes à proibição de exportar as oleaginosas para o estrangeiro.

Sobre a sua acção na Província quase nada podemos dizer, porquanto da nojenta e mesquinha política local sempre vivemos bastante afastados; a sua acção administrativa e de fomento foi… simplesmente nula. Enfim, um governador como tantos outros; deixa o cargo com pena porque era rendoso, e não encontrará outro equivalente com facilidade.

É todavia um governador que nos convém, porque tem pelo Banco uma grande consideração, estando sempre e de antemão disposto a conceder-nos tudo quanto lhe pedíssemos”.

No ano seguinte é a vez de Bolama comunicar a Lisboa o triste fim do régulo do Oio Abdul Indjai, um indefetível companheiro de Teixeira Pinto nas diferentes campanhas.

Atenda-se à informação como facto e aos comentários subsequentes:

“Tendo-se rebelado o régulo Abdul Indjai, foi batido pelas forças do governo e aprisionado bem como os seus conselheiros. Estão já em Bolama.

Este régulo era um dos de maior prestígio na Guiné e de nomeada pelos actos de banditismo praticados, que se estendiam até dentro do território das colónias estrangeiras fronteiras à nossa, o que em tempo deu lugar a reclamações diplomáticas por parte do governo francês e inglês. Há anos que foi batido e deportado para S. Tomé, conseguiu, quando passou por ali em viagem às colónias o falecido príncipe real D. Luís Filipe, ser indultado, regressando à Guiné.

Quando das operações levadas a efeito para bater os Papéis, o governo utilizou os seus serviços, tendo desempenhado então papel preponderante e exercendo todos os excessos sobre os vencidos e pilhando alguns milhares de cabeças de gado.

Acabada a campanha, não se julgou suficientemente pago, ficou com armas e vinha de exigência em exigência rebelando-se contra o governo. Dotado de grande astúcia e muito inteligente, chegou a impor ao governo que lhe fosse dada uma percentagem sobre todo o imposto de palhota cobrando actualmente nas regiões que ele ajudou a bater, entre outras exigências. Ultimamente preparava-se para tomar Farim e vir até Bissau. O comércio estava já temendo que com ele fizessem causa outros régulos.

Depois deste feliz resultado, desenhou-se porém um certo movimento político contra governador, capitaneado segundo dizem pelo Major Médico Francisco Regala, que faz serviço em Bissau, que veio aqui, levando alguns membros do Conselho do Governo a votarem contra a expulsão da colónia do régulo, a ser antes submetido a julgamento nos tribunais. Este julgamento seria demoradíssimo e talvez impossível pela dificuldade de se cumprirem determinadas formalidades judiciais. O certo é que o Conselho votou por maioria que fosse entregue aos tribunais e não expulso. Esse facto causou certo alarme entre o comércio pois a permanência na Província do prisioneiro era certamente a repetição dos factos ocorridos e um incitamento para outros régulos.

Hoje reuniu de novo o Conselho do Governo em sessão deliberativa, e talvez porque alguns chefes de serviço reconhecessem o caminho errado que iam seguindo com politiquices contra o governador, acompanharam os vogais eleitos votando por maioria a expulsão da colónia por 10 anos, máximo período que a Carta Orgânica permite, fixando-lhe para cumprimento do desterro, por proposta do governador, a ilha da Madeira”.



Imagens retiradas da revista “Mundo Português”, da Agência Geral das Colónias

Nesse mesmo ano a Companhia dos Tabacos de Portugal é sondada pela agência de Bissau para a venda de tabacos nacionais na Guiné. Em carta endereçada aos diretores da empresa, o gerente de Bissau recorda a necessidade absoluta da empresa tabaqueira fabricar tabaco folha que se rivalize com o importado dos EUA, em pipas, pois esse tabaco tinha grande procura em todas as regiões da colónia, era uma verdadeira fonte de riqueza.
E especificava para Lisboa:
“Para que V. Exas. possam adquirir tabaco idêntico ao preferido neste mercado, fizemos duas amostras com todas as indicações de preços e qualidades. Para que V. Exas. possam avaliar da importância deste artigo de consumo nesta colónia, transcrevemos aqui as quantidades e valores de tabaco folha importado entre 1912 e 1916, elementos este tirados das estatísticas oficiais.
É para lamentar que não esteja completamente nas nossas mãos a venda deste artigo, quer importado de algumas das nossas colónias, quer reexportado para esta; verifica-se que Portugal concorre com um número bastante pequeno, de quilos de tabaco para a sua possessão da Guiné.
Finalmente, temos a informar-lhes que por enquanto o tabaco folha preferido pelo gentio da Guiné é o de produção da América do Norte. Se não estamos em erro, no ano de 1916-1917 a firma desta praça Salomão Pereira Neves & Companhia importou do Brasil tabaco em ramos e não foi bem aceite neste mercado.

Rogamos a V. Exas. a maior atenção neste assunto, aliás muitíssimo importante para os nossos interesses, pois como atrás deixámos dito é um artigo de grande consumo e bastante compensador e de grandes vantagens para o comércio com o gentio. Em certas localidades da colónia chega o tabaco folha a correr como moeda e é um grande auxiliar para os pequenos comerciantes que vão ao interior da Província nas ocasiões das campanhas de compra de produtos.

Quanto aos cigarros, hoje dificilmente poderemos reconquistar o mercado não só pela grande invasão de cigarros e tabacos estrangeiros, sobretudo o brasileiro, por preços relativamente moderados, como também pelo grande atraso com que ultimamente têm sido executadas as encomendas de tabacos nacionais”.


Mostram-se os dois únicos documentos existentes anteriores a 1917, que estão no Arquivo Histórico do BNU, datam de 1911

O BNU em Lisboa pretende saber, em 1920, se deve abrir uma filial em Bafatá. Dir-se-á aqui antes de tempo que a questão da filial de Bafatá se irá arrastar até ao fim da presença portuguesa, em 1974.

A carta do gerente de Bolama avança com os seguintes esclarecimentos:

“Todas as casas importantes têm sucursais em Bafatá, há ali também alguns comerciantes estabelecidos, começando outros a estabelecerem-se para a região de Gabu.

Desde que ali fosse montada uma agência ou subagência, estamos certos que todas as casas que levantam fundos em Bolama e Bissau para operarem ali e que os enviam em embarcações, passariam a levantá-los em Bafatá. E, decerto, os pequenos comerciantes em vez de recorrem às sucursais das casas importantes ali estabelecidas recorreriam à nossa dependência. Esta teria sem dúvida um movimento com resultados compensadores.

A Província está hoje por completo pacificada e assim continuará devido a ter sido proibida há anos a importação de pólvora e a venda de armas ao gentio. O único régulo irrequieto era o Abdul Indjai, que conservava armas em virtude dos serviços prestados ao governo, mas desde que foi batido e expulso da colónia não mais se fala de possíveis rebeliões.
Bafatá dista de Bolama, por via terrestre, aproximadamente 170 quilómetros e por via fluvial aproximadamente 130 milhas; de Bissau por via fluvial dista 90 milhas também aproximadamente. Por terra vence-se a distância a cavalo em alguns dias de marcha, por via fluvial em lanchas à vela, pequenas embarcações a vapor e motores de explosão. As embarcações a motor podem levar 11 a 12 horas de Bissau a Bafatá, sucedendo às vezes levarem muito mais; as embarcações de vela 3 dias normalmente.

As demoras dão-se se não se navega em concordâncias com as marés.

Nos meses de Dezembro a Março só com a maré alta se pode passar no baixo entre Gam-Jarra e Geba.

Não nos consta que haja casa em que nos possamos instalar. Os fundos podem ser transportados com a mesma segurança que de Bissau para Bolama ou vice-versa”.

E envia para Lisboa um mapa indicativo do movimento marítimo de Bafatá, extraído de documentos oficiais, mas dizendo que não merece inteira confiança.

(Continua)
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Notas do editor

Poste anterior de 13 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18841: Notas de leitura (1083): Os Cronistas Desconhecidos do Canal do Geba: O BNU da Guiné (43) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 16 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18850: Notas de leitura (1084): “Máscaras de Marte”, por Nuno Mira Vaz; Fronteira do Caos Editores, 2018 (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P18860: Os 81 alferes que tombaram no CTIG (1963-1974): lista aumentada e corrigida (Jorge Araújo)



Fotos de João Tavares Pinto > Álbum da Guerra Colonial: Guiné (1966/68). In: Vidas e Memórias de uma Comunidade > Vidas Contadas > Migrações (com a devida vénia).

[João Tavares Pinto nasceu em 3 de janeiro de 1946 em Vila Velha de Ródão. Combateu na Guiné entre novembro de 1966 e agosto de 1968. Entre julho de 1967 e janeiro de 1968, esteve em Portugal em convalescença, após ter sido ferido em combate. Tem 14 fotos no seu álbum. Estas duas fotos foram editadas e reproduzidas aqui, no nosso blogue, com a devida vénia...]



Jorge Alves Araújo, ex-fu mil, op esp / ranger, 

CART 3494 (Xime-Mansambo, 1972/1974); nosso coeditor


OS 81 ALFERES QUE TOMBARAM NO CTIG (1963-1974)  (ACIDENTE, COMBATE  OU DOENÇA): LISTA CORRIGIDA E AUMENTADA



1. INTRODUÇÃO

Ainda que a lista dos «Alferes» que tombaram no CTIG (1963-1974) tenha sido já divulgada no blogue, por iniciativa do nosso camarada Artur Conceição (ex-Sold Trms da CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembem, 1965/67) - P6658 e P12124 (*) - os meus últimos trabalhos de investigação permitiram-me identificar algumas divergências.

Por exemplo: nessa primeira lista, no n.º 68 (ordem alfabética) é referido o nome de «Miguel J. S. Moreno (FAP), 24/9/72 C», como tendo falecido na Guiné. Na minha investigação encontrei uma outra referência ao mesmo nome, mas com o óbito a acontecer em Mueda (Moçambique), conforme se prova no quadro abaixo:




Aproveitando estes dados mais recentes, decidi corrigir esse primeiro levantamento, saudando o camarada Artur Conceição pelo seu labor inicial, apresentando agora ao Fórum uma nova lista actualizada (admitindo-se a hipótese de continuar incompleta).

Para que não fiquem na "vala comum do esquecimento", como costumamos afirmar, eis os quadros estatísticos dos 81 (oitenta e um) alferes, nossos camaradas, que tombaram durante as suas Comissões de Serviço na Guerra no CTIG, 69% dos quais em combate (Vd. Gráfico a seguir).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)



2.  QUADROS POR CATEGORIAS E ORDEM CRONOLÓGICA




















Fontes consultadas [com cruzamento]:

http://www.apvg.pt/
http://ultramar.terraweb.biz/

(com a devida vénia)

Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.

Jorge Araújo.

18JUL2018.

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Nota do editor:

(*) Vd. postes de

29 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6658: Lista alfabética dos 75 alferes mortos no CTIG, 54 (72%) dos quais em combate (Artur Conceição)

7 de outubro de  2013 > Guiné 63/74 - P12124: Núcleo Museológico Memória de Guiledje (22): Onde e como estava afixada, na parada, a placa toponímica com o nome do Alf Tavares Machado [, da CART 1613, morto em combate, em 28/12/1967] ? (Pepito)

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18859: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVIII: As minhas estadias por Bissau (vii): o ano de 1969 (fotos de 71 a 81)



Foto nº 72


Foto nº 71



Foto nº 73


Foto nº 74


Foto nº 76

Foto nº 75



Foto nº 77


Foto nº 80


Foto nº 79


Foto nº 81

Guiné > Bissau > São Domingos > CCS/BCAÇ 1933 > 1969 >


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Virgílio Teixeira (*), ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, set 1967/ ago 69); natural do Porto, vive em Vila do Conde, sendo economista, reformado; tem já perto de 7 dezenas de referências no nosso blogue

 Guiné 1967/69 - Álbum de Temas: T031 – Bissau - Parte 1 > (vi)

[Devido à suas funções como chefe do conselho administrativo (CA) do comando do batalhão, o Virgílio Teixeira deslocava-se, em serviço, com relativa frequência, à capital Bissau onde ficava o QG...]


Legendas e numeradas de F71 a F81

F71 – O navio N/M  Uíge [e não Alenquer...] fundeado no Porto de Bissau. [O nosso camarada deve ter confundido o Alenquer e o Uíge: O N/M Alenquer pertencia à Sociedade Geral de Comércio, Indùstria e Transportes, Lisboa; o N/M Uíge pertencia à Companhia Colonial de Navegação, Lisboa; o primeiro era mais pequeno do que o segundo; o Alenquer tinha de comprimento cerca de 137 metros e a sua arqueação bruta não chegava às 5,3 mil tonelada; o Uíge tinha o mesmo comprimento mas o dobro da arqueação brutao, 10 mil toneladas  ]...

Resto da legenda": "Por ser mais pequeno, já não ficava ao largo, mas sim encostava no cais do porto. Desconheço a data certa, tinha chegado para descarregar e seguidamente carregar as NT. Bissau, 1º Trimestre de 1969.

F72 – A proa do Alenquer, com marinheiros negros a preparar as amarras. Ao largo vê-se duas lanchas, talvez uma LDG e uma LDM, que estão a partir com tropas, ou a chegar do interior com tropas para embarcar rumo a casa. Bissau, 1º Trimestre de 1969.

F73 – Num sábado ou domingo de folga, sentado no cais e porto, fumando um cigarro, a pensar na vida e no dia de regresso. Bissau, Abril 69.

F74 – No cais junto ao porto, apreciando a paisagem, o rio, o mar, o horizonte, esperando que chegue o meu navio para me levar a casa. Bissau, 17Abril69.

F75 – No restaurante ‘O Nazareno’ (O dono devia ser da Nazaré!) num sábado ou domingo num almoço talvez a sós, fazia isso muitas vezes, não tinha muita gente para me acompanhar nestas despesas, pois todos tinham almoço e jantar de borla ao serviço da tropa. Posso identificar na minha indumentária, as celebres calças de ganga, americanas, as primeiras que eu vesti bem como o meu cinto, era sempre mais do mesmo. Depois os sapatos finos, tipo Tod’s, tinham picos por baixo, até podiam ser. Meias brancas como era uso nesse tempo, hoje fora de moda, a minha pulseira e anel do artesanato locais. Camisa branca, de origem chinesa, compradas no comércio local. Foto na varanda/esplanada. Só falta o Telemóvel para ser perfeita e actual. Bissau, no 1º semestre de 1969.

F76 – Vista do restaurante ‘O Nazareno’ no bairro fino de Bissau, já depois de almoçado, na minha motorizada Honda, para uma tarde de partida para algum sitio, quem sabe se para uma visita até o Pilão, ou mais uma viagem a Safim. Bissau, 1º semestre de 1969.

F77 – Desconheço o que é isto, mas parece a entrada para qualquer sítio, com os paus a servir de porta para algum local [ou mais provavelmente um quartel das NT, a avaliar pelo  arame farpado, pau da bandeira ou poste de transmissões, pórtico feitos de cibes, vasos com palmeiras, etc.]  1º semestre 69.

 F79 – Pensativo, na ponta do cais do porto de Bissau, à espera que se veja o meu UIGE a chegar. Ao fundo a marginal os edifícios do Estado, uma panorâmica do porto. Bissau, Julho 69.

F80 – A cidade de Bissau vista de um barco ao largo. No cais de embarque vê-se um navio de T/T não sei qual é. Eram tempos de espera, a olhar para o Oceano para ver quando chega o nosso UIGE que nos vai levar para casa. Bissau, Julho 69

F81 – A bordo de um navio Patrulha da nossa Armada, no Estaleiro da Marinha. Não consigo identificar o nome do navio. Ao longe pode ver-se a ilha das Cobras [peço desculpa,, ilhéu do Rei[. Bissau, Maio 69.


Em, 24-04-2018

Virgílio Teixeira

«Propriedade, Autoria, Reserva e Direitos, de Virgílio Teixeira, Ex-alferes Miliciano SAM – Chefe do Conselho Administrativo do BATCAÇ1933/RI15/Tomar, Guiné 67/69, Nova Lamego, Bissau e São Domingos, de 21SET67 a 04AGO69».
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Nota do editor:

ÚLtimo poste da série > 10 de julho de  2018 > Guiné 61/74 - P18833: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXVII: História e imagens de São Domingos: fotos de 9 a 21

Vd. também poste de 28 de maio de 2018 > Guiné 61/74 - P18687: Álbum fotográfico de Virgílio Teixeira, ex-alf mil, SAM, CCS / BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1967/69) - Parte XXXII: As minhas estadias por Bissau (vi): resto do ano de 1968

Guiné 61/74 - P18858: (De) Caras (114): "Meninos-soldados" ?...O PAIGC recrutava-os e dava-lhes instrução militar (Jorge Araújo)




Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral > Pasta: 05222.000.172 > Título: Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC > Assunto: Jovens durante treino militar para incorporarem o Exército do PAIGC e a luta de libertação nacional > Data: 1963-1973 > Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral. (*)

(Reproduzido com a devida vénia... )


1. Mensagem do nosso editor Jorge Araújo, com data de ontem, às 11h12  

Caro Luís,

Bom dia.

Acabo de visitar o nosso blogue (depois do regresso de Portimão) e dei de caras com a "criança-soldado" [com o o ponto de interrogação, para permitir o debate] do álbum do Dr. Roel Coutinho. (**)

Caso entendas aumentar o número de imagens sobre este tema, anexo a primeira e o link para mais algumas.

Citação: (1963-1973), "Jovens durante treino militar para o Exército do PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43792 (2018-7-18)

Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante a instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43870 (2018-7-18)

Citação: (1963-1973), "Jovens recrutados pelo PAIGC durante instrução militar", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43874 (2018-7-18)

Hoje, espero enviar-te mais um pequeno contributo para o espólio da Tabanca.

Até mais logo.

Ab. Jorge Araújo.

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Notas do editor:


Guiné 61/74 - P18857: Parabéns a você (1472): Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2616 e CART 2732 (Guiné, 1970/72) e João Santos, ex-Alf Mil Rec Inf do BCAÇ 2852 (Guiné, 1968/70)


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Nota do editor:

Último poste da série de 17 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18852: Parabéns a você (1471): Álvaro Basto, ex-Fur Mil Enf.º da CART 3492 (Guiné, 1971/74); Jaime Bonifácio M. Silva, ex-Alf Mil Paraquedista do BCP 21 (Angola, 1970/72) e José Manuel Pechorro, ex-1.º Cabo Op Cripto da CCAÇ 19 (Guiné, 1971/73)

quarta-feira, 18 de julho de 2018

Guiné 61/74 - P18856: Historiografia da presença portuguesa em África (125): 1917: O BNU na Guiné e as convulsões republicanas (1) (Mário Beja Santos)


A Catedral de Bissau numa imagem de 1954, na obra de propaganda “Fotografias Guiné, Início de um Governo”, referente à chegada à Guiné do Governador Mello e Alvim.


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Fevereiro de 2018:

Queridos amigos,
Na documentação avulsa existente no Arquivo Histórico do BNU encontrei uma interessantíssima documentação saída do punho do Inspetor João Jacinto David que viera de Angola para analisar a situação do BNU em Bolama e observar de perto a instalação da filial de Bissau.
Apercebeu-se de várias coisas: os azedumes à volta do Governador Andrade Sequeira, que não terá deixado grandes estimas na Guiné naquele período de inquéritos a Teixeira Pinto e em que Abdul Indjai é já publicamente tratado como um vilão; e o gerente Moreira, de Bolama, parecia agir por conta própria, intimidava, o inspetor David faz-lhe a cama.
E há tumultos republicanos por aquelas bandas, como iremos ver mais adiante.


1917: O BNU na Guiné e as convulsões republicanas (1)

Beja Santos

Em 1917 o inspetor David vem de Benguela até Bolama, cabe-lhe inspecionar as contas e o funcionamento dessas instalações e apurar o que se está a fazer para instalar a agência de Bissau. É um período de enorme agitação: o governador, o Tenente-Médico Andrade Sequeira confronta-se com Teixeira Pinto e Abdul Indjai, a Liga Guineense divide-se em fações, perante a atitude do governador, Abdul Indjai é responsabilizado pelo chamado massacre de Bor, terá atraído uns régulos que mandou chacinar. A desunião entre republicanos também é evidente. Chegará um novo governador, o Coronel Manuel Maria Coelho. Convém não esquecer que em princípios de 1916 Portugal entrara na I Guerra Mundial.


Foi no Arquivo Histórico do BNU que encontrei algumas peças que melhor clarificam a história do Banco a partir de 1902 e revelam as lutas encarniçadas entre diferentes fações, tudo graças à profusa documentação que o Inspetor João Jacinto David vai enviando para Lisboa.




Vejamos os dados históricos que o Inspetor regista sobre o BNU no seu relatório:

“Durante os sete anos decorridos desde 20 de setembro de 1902, data em que foi aberta a agência, até 31 de dezembro de 1909, estiveram os negócios da agência confiados aos empregados do negociante A. S. Gouveia. No decurso daquele período de tempo, sofreu o Banco o prejuízo de 16 contos, sem que a agência prestasse qualquer serviço de especial apreço.
Reconhecendo a Exma. Gerência que semelhante situação era inconveniente e prejudicial aos interesses do Banco, resolveu, em louvável acerto, escolher o Sr. Victorino José Pereira para vir desempenhar o cargo de gerente.
Assumiu as funções do seu cargo em janeiro de 1910, instalando a agência em um modesto e mesquinho quarto no rés-do-chão do prédio onde funciona a Repartição de Fazenda, e por esta cedido gratuitamente por algum tempo.
Sendo deprimente e insuficientíssima uma tal instalação, deliberou a sede mandar construir um prédio para uso exclusivo da sua agência, adquirindo-se para o efeito em setembro de 1912 dois talhões de terreno em bom local.
Em abril de 1914, ajustou-se por escritura de empreitada com o carpinteiro António dos Santos e o pedreiro José Gaspar Júnior a construção do prédio por 19 contos. Mas quando a obra ia adiantada e o prédio estava em vias de conclusão (março de 1915), abateram as paredes, arrastando o telhado e destruindo quase todo o trabalho feito!
Não dispondo os empreiteiros de recursos para suportar o prejuízo, viu-se o Banco, pela força das circunstâncias, na necessidade de reconstruir o prédio à sua custa, despendendo quase o dobro da quantia primitivamente ajustada e gasta”.

A documentação do Inspetor David traz observações do maior interesse. Vejamos o que ele escreve de Bolama para Lisboa em 12 de março de 1917:
“Governador da Província Sequeira. Está ausente da província desde julho do ano passado e creio que não voltará a ocupar o cargo, tantas e tão sérias são as irregularidades apuradas na sindicância aos seus actos a que está procedendo o Governador-Coronel Manuel Maria Coelho. Pelo menos, assim me foi afirmado por pessoa de confiança e da intimidade do Coronel Coelho.
O Governador Sequeira foi um fraco que se deixou dominar por completo pelo círculo que o rodeava constantemente, nele incluído o Secretário do Governo Sebastião Barbosa. Operando todos juntos, tiveram a habilidade de intrigar o governador com quase toda a gente.
Para se avaliar do procedimento do Sr. Sequeira, bastará dizer que só agora estão sendo publicadas por ordem do Sr. Coelho as portarias dimanadas do Governo Central com data de Abril do ano passado, em que o Governador Sequeira é censurado asperamente e se dá razão a funcionários por ele perseguidos.
Parece-me que a uma autoridade dotada destes predicados que obriga o Governo a mandar à Província um oficial superior do Exército para sindicar dos seus actos falta autoridade moral para censurar ou se queixar seja de quem for, desde que se colocou uma situação deprimente de todos conhecida”.

O gerente de Bolama, nestes relatos, aparece como um cafajeste. O inspetor David junta ao seu relatório uma carta recebida em 5 de maio de 1917 do comerciante João Baptista Pimentel. Vale a pena proceder à sua leitura:
“Com o devido respeito e consideração, tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.ª. um facto que se deu há pouco tempo, entre mim e o actual gerente dessa agência.
Indo eu no dia 2 do corrente a essa agência fazer um depósito da mesada da minha família, fui convidado pelo Sr. Gerente Moreira a falar com ele no seu gabinete.
Julgando eu que o referido gerente pretendesse falar comigo acerca de qualquer assunto comercial, acedi ao convite. Sem mais nem menos fez-me esta pergunta: ‘o senhor quer fugir ao contrato que fez com o Carvalho?’.
Porquê? – respondi-lhe eu.
Porque fez com o Carvalho um contrato de 150 toneladas de mancarra que não quer cumprir.

Então esclareci o caso, dizendo-lhe que tinha combinado em Bissau com o Sr. Carvalho (gerente da casa comercial Salomão, Pereira, Neves & Cª.) fornecer-lhe 150 toneladas de mancarra, sob a condição de não adiantar dinheiro suficiente para a compra desse produto, e que não tendo o Sr. Carvalho cumprido com o que me prometera, resolvi não lhe entregar senão a quantidade de mancarra equivalente ao débito que, antes da aludida combinação, eu tinha com a firma Salomão, Pereira, Neves & Cª.

Depois do Sr. Moreira reconhecer que eu estava resolvido a não entregar as 150 toneladas de amendoim ao Sr. Carvalho, apresentou-me um livro dizendo: ‘Sabe o que é isto?’ – ‘Olhe: isto é o livro negro, todo o nome que para aqui vier perde crédito no Banco, se o seu figurar aqui não só o Banco lhe corta o crédito como também a Casa Gouveia, a Companhia Agrícola dos Bijagós e Jansens.

A maneira autoritária e descortês com o que Sr. Moreira me dirigiu esta ameaça, levou-me a dizer-lhe que enquanto tivesse braços não precisava dos seus favores, nem do Banco nem de qualquer casa comercial que pusesse em dúvida a minha honestidade. Mais lhe disse ainda que não devia favores ao Banco nem tão pouco a ele, ao que me respondeu dizendo que eu devia favores ao Banco pois tinha levantado dinheiro aí.
Fiz-lhe então ver que pelo facto de essa agência me aceitar letras não me considerava devedor de favores do Banco, mas sim ao sacador.

Nunca julguei, Sr. Inspetor, que o Sr. Moreira na qualidade de gerente pudesse arvorar-se em advogado de qualquer estabelecimento com o fim de me censurar ou vexar.
A má vontade do Sr. Moreira para comigo vem de longe, porque, possuindo eu bens no valor superior a 6 contos, não tem aceitado letras de valor de 150 escudos quando me prontifico a servir de sacador. V. Ex.ª., crendo, pode examinar os documentos existentes nos arquivos dessa agência para se certificar que nunca foi protestada qualquer letra minha.

Em 1916 paguei nessa agência 7.800 escudos; de janeiro a abril do corrente ano paguei ao Banco mais de 6 contos de fornecimentos enviados de Lisboa, apesar da grande crise que atravessa esta Província.
O actual gerente, ao que parece, jurou aos seus manes vingar-se de mim.
De quê? – Não sei.
Desculpe-me V. Ex.ª. a incorrecção das frases e o incómodo que lhe dei, prendendo por alguns momentos a sua atenção”.

A partir de junho, nos documentos enviados pelo inspetor David, o gerente Moreira será posto num banco de réus.

(Continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 11 de julho de 2018 > Guiné 61/74 - P18835: Historiografia da presença portuguesa em África (123): Sobre as fortalezas da Guiné e da África Oriental, pelo Capitão Henrique C. S. Barahona; Typographia do Commércio, 1910 (Mário Beja Santos)