sábado, 27 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25115: Armamento do PAIGC (8): A pistola, de origem soviética, Tokarev TT-33


A pistola Tokarev TT-33


1. Segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias (*), a pistola Tula Tokarev TT-33 surgiu na antigaURSS, baseada no desenho da Colt-Browning e foi a pistola das forças da União Soviética durante a II Guerra Mundial, vindo posteriormente a ser fabricada pelos países do Pacto de Varsóvia e pela China até ser substituída pela Makarov, no calibre 9 mm Mk.

Foi a pistola usada pelas forças de guerrilha do PAIGC. (**)

Também há referências, no nosso blogue, às pistolas apreendidas pelas NT:

CESKA ZBROJOVKA Cal. 7,65 mm, pistola semiautomática;

CESKA ZBROJOVKA Cal. 6,35 mm, pistola semiautomática pequena.

Características da pistola Tokarev TT-33

  • TIPO: Pistola semiautomática
  • PAÍS DE ORIGEM: URSS, países do Pacto de Varsóvia e China
  • CALIBRE: 7,62 mm Type P
  • DATA DE FABRICO INICIAL: 1933
  • ALCANCE ÚTIL: 50 m
  • ALCANCE PRÁTICO: 5 a 10 m
  • PESO: 0,840 kg com carregador com 8 munições
  • MUNIÇÂO: 7,62x25 mm Tokarev
  • ALIMENTAÇÃO: 8 munições num carregador unifilar colocado no punho.
  • SEGURANÇA: A única segurança é feita pelo cão travado (half-cock) a meio de ser armado.
  • FUNCIONAMENTO: Pistola semi-automática, funcionando por recuo do cano e de acção simples. As forças do PAIGC possuíram ainda pistolas CZ, de origem Checoslovaca, nos calibres 6,35 mm e 7,65 mm.

Observações: Tokarev 'versus' Walther

A pistola Walther P-38, é uma arma de grande qualidade, muito robusta, tendo-se mantido ao serviço das forças armadas portuguesas ao longo de todos estes anos, embora se preveja vir a ser substituída em breve. É uma arma excelente para tiro prático, sendo nitidamente superior, quer no tipo de munição utilizada (9 mm Parabellum), quer no seu funcionamento, à Tokarev que, segundo alguns autores, encravava com alguma facilidade devido a problemas com o carregador. 

A Walther tem ainda a vantagem de funcionar por acção dupla (rapidez de disparo) ao contrário da Tokarev que funciona unicamente por acção simples.

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Notas do editior:

(*) Vd. poste de 23 de janeiro de 2010 > Guiné 63/74 – P5690: Armamento (2): Pistolas, Pistolas-Metralhadoras, Espingardas, Espingardas Automáticas e Metralhadoras Ligeiras (Luís Dias)

Guiné 61/74 - P25114: Os nossos seres, saberes e lazeres (611): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (139): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
Insisto no pedido de desculpas por ter andado a revoltear imagens, depois de fotografar os belos conjuntos azulejares do Pinhão é que dei que tinha deixado para trás as imagens captadas em Santa Maria de Salzedas, cuja visita recomendo a quem quer que seja sem qualquer hesitação. Este edifício religioso é frisante, demonstrativo, de que quando entramos num espaço marcado pelo barroco ou pelo maneirismo a ninguém ocorre que já houve ali um outro edificado. Não sei por que carga de água o mosteiro cisterciense sofreu tais tratos de polé, a ponto de praticamente nada subsistir, a não ser vestígios. Depois foi vendido em hasta pública, dispersaram-se riquezas, felizmente que chegou a hora da recuperação e do restauro, permaneceram vestígios da igreja medieval, que era de planta em cruz latina, a atual fachada data dos finais do século XVIII, está marcada por duas torres laterais adiantadas, a nossa visita guiada começou pelo claustro do capítulo que leva obras de restauro vai para 13 anos, o resultado é imponente, por isso aqui se pretendeu dar uma imagem do espaço museológico, ele é bem merecedor do nosso desfrute tal a riqueza do seu património, basta pensar nos painéis atribuídos a Grão Vasco e o conjunto de obras legadas por Bento Coelho da Silveira, referência maior da pintura portuguesa do século XVII.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (139):
Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (8)


Mário Beja Santos

A tarde está reservada a Ucanha e ao Mosteiro de Santa Maria de Salzedas, na região de Távora-Varosa, região vitivinícola por excelência. Inicia-se a visita à casa do Paço de Dálvares, é um museu agrícola dentro de um edifício belamente reabilitado e onde se irá ouvir falar do espumante Murganheira. Fugi à lição, preferi deambular por este belo espaço e espiolhar o museu, mas não fugi à libação, muitos excursionistas não resistiram a fazer aquisições na loja de vendas.

Casa do Paço de Dálvares – Tarouca, Museu do Espumante
Um pormenor do pátio interior das instalações, este maciço de pedra é impressionante
Imagem do museu

Da Ucanha, da sua torre e ponte, já aqui se fez menção e se pediu muita desculpa por andar de trás para a frente por pura negligência de quem não sabe de manejar a câmara, e compulsar as imagens arquivadas, asseguro que a seguir à visita e este belo mosteiro vamos em definitivo navegar no rio Douro, sequência que se interrompeu quando se fez referência ao Pinhão e aos belos azulejos da sua estação ferroviária.
Bom, estamos diante deste mosteiro de Santa Maria de Salzedas Olhando a fachada, opulentíssima, ninguém acredita que tudo começou pela construção de um mosteiro cisterciense masculino, iniciado em 1168 graças ao patrocínio da segunda mulher de Egas Moniz; os monges receberam diretamente de D. Afonso Henriques o couto de Algeriz. Este domínio, mais tarde designado por Salzeda, e depois por Salzedas, abrangia as atuais freguesias de Ucanha, Granja Nova, Vila Chã da Beira e Salzedas, no concelho de Tarouca, e Cimbres, no concelho de Armamar.
A implantação do mosteiro obedeceu aos princípios da regra cisterciense, localiza-se num vale, há acesso direto a um curso de água, a ribeira de Salzedas, afluente do rio Varosa.
O passeio terminará com a visita à igreja, que já foi medieval de planta em cruz latina, tem três naves e transepto saliente, foi sagrada em 1225. Veremos pelas imagens que apesar das muitas alterações introduzidas nos séculos XVI, XVII e XVIII, ainda é possível observar da construção original alguns elementos. A fachada, evidentemente, nada guarda desses tempos da Reconquista Cristã.

Ao longo dos últimos anos, este monumento absurdamente votado ao abandono, tem vindo a ser objeto de intervenções de conservação e salvaguarda, com destaque para a consolidação do claustro de capítulo. O mosteiro está agora integrado na rede de monumentos do projeto turístico-cultural Vale do Varosa. Entre 2010 e 2011 foi levada a cabo uma profunda intervenção de recuperação e valorização que incluiu restauro do património integrado e criação de um espaço museológico que veio a ser aberto ao público, é bem merecedor de visita pelo seu destacado valor histórico e patrimonial.
Uma parte da recuperação, mas é bem visível que ainda há muito a restaurar
Uma simples imagem da bela azulejaria que se conserva, mas há para ali danos irreversíveis. Os azulejos que cobrem a sala do capítulo são azulejos de maçaroca a azul e amarelo. Este espaço monárquico, riquíssimo em arte, sofreu muitíssimo com a extinção das ordens religiosas em 1834, foi tudo vendido em hasta pública (espaço monástico e recheio) ficando para uso da paróquia a igreja, a ala Este e parte da ala Sul.
Entrámos agora na área museológica, mais propriamente na sacristia, este Cristo na cruz é de uma beleza impressionante
Imponentes painéis que tudo ganharam com o restauro
Há dois quadros no espaço museológico atribuídos a Vasco Fernandes, Grão Vasco é dado como responsável por um dos mais excecionais retábulos deste mosteiro, constituído por quatro painéis com as figuras de S. Sebastião, Santo Antão, Santa Catarina e Santa Luzia, produzidos entre 1511 e 1515. Estão aqui restaurados S. Sebastião e Sto. Antão, são uma das principais atrações deste núcleo museológico.
Nesta galeria há obras que merecem uma contemplação atenta. É o caso destes das obras de Bento Coelho da Silveira, uma delas, Imposição do hábito a S. Bernardo, possui um equilíbrio nos volumes e na segurança com que trata o grupo humano que certifica o indiscutível talento desta referência maior da pintura portuguesa do século XVII. Bento Coelho da Silveira é autor de um conjunto de pinturas realizado para este mosteiro constituído por diversas cenas da vida de S. Bento e S. Bernardo, que ele realizou entre 1667 e 1675. Faziam provavelmente parte do conjunto das oito telas do espaldar do arcaz da sacristia.
Capitel em granito talhado, séculos XII-XIII
Capitel geminado pertencente ao claustro original, também em granito talhado, séculos XII-XIII
Interior da igreja, nave principal
Quatro imagens que permitem ver elementos do templo primitivo, como foi referido, tudo foi refeito a uma escala que vai do maneirismo ao barroco, mas não se apagaram estes elucidativos vestígios da Cister no Vale de Varosa, séculos XII e XIII.

Aqui findou o passeio e regressámos a Tabuaço. O dia seguinte foi reservado ao Pinhão, de que já se falou, segue-se o esplendoroso passeio pelo Douro, à tarde houve quem quis ir visitar S. João da Pesqueira, precisei de ler e repousar. Na manhã seguinte despedimo-nos de Tabuaço, e a excursão de 5 dias deixou-nos em Sete Rios, o local dá sempre jeito, apanha-se o comboio para Roma-Areeiro, um quarto de hora depois está-se em casa.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 20 DE JANEIRO DE 2024 > lGuiné 61/74 - P25092: Os nossos seres, saberes e lazeres (610): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (138): Férias em região duriense, uma rota de aldeias vinhateiras (7) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25113: Armamento do PAIGC (7): A "patchanga", a pistola-metralhadora russa Shpagin PPSh-41 (conhecida como a "costureirinha" pelas NT)

 

Guiné > PAIGC > Novembro de 1970 > Um guerrilheiro (ou "elemento da população" ?) mpunhando uma PPSH (a irritante "costureirinha", uma arma temível sobretudo em emboscadas muito próximas das NT)...

Fonte: © Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a autorização do NAI)

1. Segundo o nosso especialista de armamento, Luís Dias, "a pistola-metralhadora PPSh-41, concebida por Georgii Shpagin, conhecida pelas nossas forças como a Costureirinha, e pelo PAIGC como a Patchanga, foi uma das PM mais fabricadas no mundo (mais 6 milhões de exemplares), e largamente utilizada pelo exército soviético na IIª Guerra Mundial. No pós-guerra foi usada nos países satélites, na China, Vietname e nos movimentos de libertação africanos".

Características técnicas da arma:

  • Tipo: Pistola-metralhadora
  • País de origem: ex-URSS
  • Calibre: 7,62 mm, Tipo P
  • Ano inicial de fabrico: 1941
  • Alcance eficaz: 200 m
  • Alcance prático: 25 a 50 m
  • Peso: 5,45 Kg com tambor de 71 munições; 4,30 Kg com carregador de 35 munições
  • Comprimento: 843 mm
  • Munição: 7,62x25 mm Tokarev
  • Velocidade de saída do projectil: 488 m/s
  • Alimentação: Tambor de 71 munições ou carregador curvo de 35 munições
  • Segurança: Através de travamento da culatra na posição recuada ou quando fechada.
  • FUNCIONAMENTO: Arma de disparo selectivo de tiro (auto ou semi-auto), funcionando por inércia da culatra, através da posição aberta
  • Cadência de tiro: 900 tpm

Ainda segundo Luís Dias: 

(...) "A célebre 'costureirinha' dava fama ao nome devido ao 'seu cantar' muito próprio (elevada cadência de disparos). Era uma arma pesada, com uma munição não muito potente e com problemas de falhas no funcionamento, quando utilizava o tambor, tornando-se incómoda no transporte, face à sua configuração e devido à sua elevada cadência, consumia muitas munições, não sendo também muito precisa." (...)

    Ver mais informação sobre esta arma, na Wikipedia.

    (...) O carregador de tambor, com capacidade para 71 cartuchos, era frágil, sofrendo deformações com facilidade, causando encravamento, sua alta cadência de tiro, e facilidade de disparo faziam com que rapidamente se gastassem as munições disponíveis, o que provocava inevitavelmente problemas logísticos aos movimentos guerrilheiros. Por conta disso foi introduzida uma versão de carregador de 35 munições, muito mais confiável que pelo design mais simples. Além disso, em florestas densas, a sua relativa pouca potência tornava-a uma arma relativamente ineficiente. (...) 

    Esta talvez uma das razões por que os guerrrilheiros do PAIGC acabaram por preferir a Kalash...



Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L5 (Galomaro) > CCAÇ 3491 (1971/74) > Chegada a Galomaro da CCAÇ 3491 / BCAÇ 3872, no dia 9 de Março de 1973. No jipe podemos ver o alf mil op esp Luís Dias, atrás o fur Baptista,  do 1.º Gr Comb,  e ao lado, a sorrir, um guerrilheiro do PAIGC que, no dia anterior, se tinha entregado a uma patrulha nossa na área do Dulombi. A arma é uma Shpagin PPSh- 41, no calibre 7,62 mm Tokarev, mais conhecida por "costureirinha" e com a particularidade de ter um carregador curvo de 35 munições, em vez do habitual tambor de 71. (Foto do Luís Dias, reproduzida com a devida vénia, do seu blogue, Histórias da Guiné, 71-74:  A CCAÇ 3491, Dulombi.

Foto (e legenda) © Luís Dias (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 18 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24766: Armamento do PAIGC (6): A mina antipessoal PDM-6 (António Alves da Cruz, ex-fur mil, 1ª C/BCAÇ 4513/72, Buba, 1973/74)

Postes anteriores:

8 de outubro de 2023 > Guiné 61/74 - P24735: Armamento do PAIGC (5): O sistema Grad, o "jacto do povo", a "mulher grande", o foguetão 122 mm: as expetativas, demasiado altas, de Amílcar Cabral

10 de maio de 2023 > Guiné 61/71 - P24305: Armamento do PAIGC (4): Morteiro pesado 120 mm M1943, de origem russa, usado nos ataques e flagelações a aquartelamentos das zonas fronteiriças, como Gandembel, Guileje, Gadamael, Guidaje, Copá ou Canquelifá

19 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24234: Armamento do PAIGC (3): peça de artilharia 130 mm M-46, cedida pelo Sekou Turé para os ataques, a partir do território da Guiné-Conacri, contra Guileje e Gadamael, em maio/junho de 1973

Guiné 61/74 - P25112: Notas de leitura (1661): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (9) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se refere a crescente importância do apoio internacional ao PAIGC, nesta fase eram os países comunistas os grandes doadores, tanto de armamento, como militares e pessoal de saúde, o apoio escandinavo virá mais tarde; a chegada de sistemas de defesa antiaérea trouxe sérios desafios à FAP, e mais inquietante quando esse sistema foi posicionado na margem sul do Geba, na região de Gã Formoso; daí o relato da importante Operação Barracuda, com um dispositivo de aeronaves como nunca se vira, sincronizados os ataques aéreos com os paraquedistas no solo, os objetivos foram totalmente alcançados, capturou-se uma metralhadora e voar perto de Bissalanca deixou de ter perigos, e certamente que a Operação Barracuda afetou temporariamente o moral dos guerrilheiros do PAIGC na região Sul - afinal a defesa antiaérea era altamente vulnerável.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (9)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 3: “Eram eles ou nós”

O Governador e Comandante-chefe Arnaldo Schulz estava gradualmente a ser confrontado com maiores meios do PAIGC, decorrentes do apoio internacional que os sucessos da luta armada ajudavam a granjear. Primeiro, logo nos primeiros meses da luta, preparação militar na China, depois armas ligeiras e granadas, depois minas antipessoal, morteiros e bazucas, depois minas anticarro, e dentro deste encadeamento chegou-se ao sistema antiaéreo; além de terem aparecido os cubanos, outras nações do Bloco Leste forneceram armas, conhecimentos táticos e técnicos e armamento mais sofisticado – foi o caso da URSS, da China, RDA, Checoslováquia, Roménia, Bulgária, Coreia do Norte e Vietname do Norte. Em 1965, a URSS até mandou construir um centro de treino em Perevalnoe, na península da Crimeia, especificamente para membros do PAIGC e outros movimentos de libertação africanos, a instrução militar centrava-se no manejo de artilharia, minas e explosivos, mas também armas de defesa aérea, especialmente aquelas que estavam projetadas para atingir alvos voando baixo. Nessa altura, a OUA (Organização de Unidade Africana) já tinha decidido canalizar todo o seu apoio ao PAIGC e o Senegal, sob pressão da OUA, abriu o seu território às bases do PAIGC e rotas de abastecimento, em 1966.

A chegada de novos equipamentos e a aquisição de novas competências exigiu ao PAIGC mudanças organizacionais – e o seu corpo antiaéreo não foi exceção. Como resumiu Amílcar Cabral em abril de 1966, “Durante muito tempo lutámos contra aviões inimigos apenas com armas ligeiras, mas estamos progressivamente a equipar as nossas unidades e bases militares com armas adequadas para o combate antiaéreo e formámos combatentes especializados em lidar com essas armas.”

Em meados de 1966, os aviadores portugueses começaram a informar os comandos de que havia uma mudança de qualidade na guerrilha, tinham aparecido sistemas de defesa antiaérea, “armas dispersas aleatoriamente, envoltas em vegetação”. Em contraste, em 1967, as posições da defesa aérea de guerrilheiros adquiriram um ar mais robustecido e convencional, com armas de maior calibre implantadas em espaldões em espiral (revestimentos de terra), implantados em áreas relativamente abertas. Esta forma de atuar permitia aos guerrilheiros alguma proteção contra explosões e estilhaços, dando ao mesmo tempo aos artilheiros do PAIGC a oportunidade de concentrar rapidamente fogo em qualquer direção; em contrapartida limitavam a sua mobilidade, tornavam as suas posições muito mais fáceis de detetar. Esta transição decorria do objetivo político de reforçar as posições do PAIGC nas chamadas zonas libertadas, caso do Como e do Quitafine.

Impunha-se uma resposta da FAP. Os aviadores portugueses desenvolveram rapidamente métodos eficazes para se confrontar com essas novas armas. O ataque ideal começou com um mergulho de 45 a 60 graus a partir de 8 mil pés, então o piloto libertava 50 kg ou 200 kg de bombas de fragmentação a aproximadamente 4 mil pés, e mergulhava para se afastar. Quando transportavam napalm, os Fiat lançavam de 100 pés, estes eram ataques que surgiam a partir da direção do Sol com o intuito de atrasar a deteção visual e minimizar o fogo (ataques idealmente praticados por volta das 9h30 ou 15h00). Mas a qualquer hora do dia este sistema embrionário aéreo beneficiava do aviso prévio do ataque, havia um grande interesse da guerrilha nas operações aéreas a partir da base de Bissalanca, o seu sistema de informações procurava recolher dados que contribuíssem para que os artilheiros estivessem sobre o aviso. E ficou comprovado que estes sistemas de defesa antiaérea abriam fogo imediatamente após o início do ataque aéreo, apesar dos esforços da FAP para obter surpresa total.

O novo arsenal de aeronaves e armas da FAP foi colocado pela primeira vez à prova na região de Quínara. Um pouco depois do novo comandante da Zona Aérea, Coronel Costa Cesário, ter chegado em janeiro de 1967, estava comprovada uma atividade intensificada do PAIGC no Quínara – diretamente do outro lado do rio Geba, em frente a Bissau, e foi esse elemento que trouxe preocupação em Bissalanca. Por exemplo, um par de Fiat onde voavam o Tenente-coronel Damásio e o Tenente Egídio Lopes foi surpreendido por fogo antiaéreo num banco a Sul do Geba, isto na aproximação inicial para Bissalanca. Para eliminar esta ameaça às aeronaves que voavam perto da sua base principal, a Zona Aérea concebeu a Operação Barracuda, um dia de ofensiva aérea e de paraquedistas em fevereiro de 1967. A ordem de missão dada ao grupo operacional 1201 foi: neutralizar a ameaça antiaérea na região do Quínara; preparar um ataque terrestre a Gã Formoso; transportar paraquedistas de helicóptero para a área de operações, em conjunto com desembarques navais quase em simultâneo; interditar movimentos do inimigo em zona de ação; e fornecer logística e apoio de fogo. Uma ordem de operações suplementar orientava os paraquedistas, quando saltassem para o solo a procurar os objetivos atribuídos para desmantelamento na zona de Gã Formoso. O BCP 12 também foi especificamente encarregue de descobrir e apreender pelo menos uma das áreas antiaéreas mais valiosas do PAIGC – um feito ainda sem precedentes para as armas portuguesas na Guiné.

A Operação Barracuda começou pelas 6 horas do dia 4 de fevereiro. 25 aeronaves (6 Fiat, 11 T-6, 7 Alouette III e 1 DO-27 configurado para PCV) partiram de Bissalanca, com intervalos mínimos de descolagem, para aumentar a probabilidade de surpresa. Tendo atravessado o Geba, os Fiat descarregaram as suas bombas de 50 kg em duas posições antiaéreas na região de Gã Formoso, silenciando uma delas; seguidamente, os T-6 atingiram alvos adjacentes na floresta com bombas de 15 e 50 kg, foguetes de 37 mm e tiros de metralhadora. Pelas 6h20, o primeiro pelotão de paraquedistas saltou em terra de 6 Alouette III, vinham acompanhados de um helicanhão, uma segunda leva pousou às 6h30; entretanto, outros paraquedistas chegaram a bordo de lanchas, em Ganduá Porto, na margem sul do Geba, apoiados por 2 T-6 e um helicanhão. Pelas 9 horas, os grupos de paraquedistas uniram-se e iniciaram a sua limpeza pela floresta de Gã Formoso, pondo em debandada os guerrilheiros. Tendo alcançado os seus objetivos terrestres em capturar uma metralhadora antiaérea DShK de 12,7 mm, que era o objetivo fundamental da operação, os paraquedistas retiraram-se para Ganduá Porto sob a proteção de 2 T-6 e 1 helicanhão e um DO-27 armado com foguete. Uma análise posterior veio a descrever a Operação Barracuda como uma operação perfeitamente executada e sem baixas, nenhuma aeronave foi atingida e apreendera-se uma arma antiaérea. E também se entendia que a operação quebrara o prestígio e a arrogância do inimigo na área. As perdas de guerrilheiros não foram espetaculares, mas ficava a nu a vulnerabilidade destas armas, e restaurava-se a total liberdade de ação da força aérea em Gã Formoso. Sabia-se que se tratava de resultados transitórios, que tinham sido utilizados praticamente todas as aeronaves à sua disposição, gastaram-se 4200 kg de bombas, mas também muitos foguetes, projéteis de canhão e cartuchos. A Operação Barracuda demonstrou também o valor da fotografia de baixa altitude graças às missões de reconhecimento realizadas pelos Fiat, que revelaram informações detalhadas sobre a localização e disposição no terreno das posições antiaéreas do PAIGC.

Ação da Operação Barracuda (Matthew M. Hurley)
Posições de metralhadoras DShK próxima de um aldeamento, imagem tirada durante a Operação Barracuda (Arquivo da Defesa Nacional)
Operações helitransportadas entre maio e dezembro de 1967 (Matthew M. Hurley)
Um Alouette III numa operação contra o PAIGC (Coleção Serrano Rosa)

(continua)

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Nota do editor

Post anterior de 19 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25088: Notas de leitura (1659): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (8) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 22 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25100: Notas de leitura (1660): "Os três rostos da Igreja Católica na Guiné" (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P25111: Memórias cruzadas: pistolas Walther P38 alegamente capturadas ao nosso exército, e distribuídas ao pessoal do PAIGC, ainda antes do início oficial da guerra... (José Macedo, ex-2º ten fuzileiro especial, RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74, a viver agora nos EUA)



A pistola Walther, P38, de 9 mm, de origem alemã, foi adoptada pelas nossas Forças Armadas, em 1961, como pistola 9 mm Walther m/961, vindo substituir a Parabellum.
Foi desde logo utilizada na guerra colonial em África (nova versão P1).  




Declaração: 
"Nós, abaixo assinados, declaramos que da mão do nosso camarada Pascoal recebemos duas pistolas marca Walther, números 770809 e 241113, com quatro carregadores 100 balas (sic) 
com cinquenta cada um.

Koundara, 3 de novembro de 1961
aa) Braima Solô (?) | Adbul Djaló


Declaração: 
"Nós, abaixo assinados, declaramos que da mão do nosso camarada Pascoal recebemos duas pistolas marca Walther, números 220868K e 214492K, com quatro carregadores 100 balas (sic) 
com cinquenta cada um.

Koundiara, 3 de novembro de 1961
aa) Pedro Gomes Ramos | Hilário Gapar Rodrigues



Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares | Pasta: 07068.099.028 | Título: Declaração de recepção de pistolas | Assunto: Declaração assinada por Pedro Ramos, Hilário Gaspar Rodrigues, Braima Sôlô e Abdul Djalo, acusando a recepção de pistolas Walther. | Data: Sexta, 3 de Novembro de 1961 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral |Tipo Documental: Documentos | Página(s): 1

Citação:
(1961), "Declaração de recepção de pistolas", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41059 (2024-1-25)



Pistolas Walther, e respetivos números, alegadamente capturadas ao exército português pelo PAIGC. S/d, s/l.

Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares |  Pasta: 07056.009.011 | Título: Pistolas Walther nas Zonas 4, 7 e 8 | Assunto: Números de série de pistolas Walther [capturadas ao exército português] nas Zonas 4, 7 e 8. | Data: s.d.Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Material militar (com manuscritos de Amílcar Cabral).Fundo: DAC - Documentos Amílcar CabralTipo Documental: Documentos-

Citação:
(s.d.), "Pistolas Walther nas Zonas 4, 7 e 8", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40992 (2024-1-25)




Pistolas Walther, para a Zona 11: "P38 9mm | 346 k ac 44 | 3375 d c/ 160 b(alas) | Data: 6/10/1962.


Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares ! Pasta: 07056.009.021 | Título: Pistolas Walther para a Zona 11 | Assunto: Pistolas Walther para a Zona 11.| Data: Sábado, 6 de Outubro de 1962 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabrall | Tipo Documental: DocumentosPágina(s): 2


Citação:
(1962), "Pistolas Walther para a Zona 11", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41002 (2024-1-25)


(Com a devida cénia...)


  
1. Mensagem do nosso amigo e  camarada José Macedo  (ex-2º tenente fuzileiro especial, RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74; nasceu na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1951; vive nos Estados Unidos, onde é advogado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 13/2/2008):

Data - quinta, 23/03/2023, 21:31
Assunto - Pistolas Walther


Boas noites, camarada. Espero que lá em casa estejam todos de saúde (parece as cartas do 'Nino' ao Aristides Pereira).

Tenho passado algum tempo a ler,  na Casa Comum, o Arquivo Amilcar Cabral,  e tenho encontrado alguma correspondência em que eram enviadas pistolas Walther para as diferentes Frentes. E como cada pistolas tinha o seu número de série, fico curioso em saber se seria possível identificar as  unidades a que  pertenciam as pistolas que foram capturadas.

Um abraço,

Zeca Macedo

2. Comentário de LG:

Vai ser muito difícil, se não impossível,  a alguém (incluindo o nosso especialista em armamento, o Luís Dias) (*) dar-te uma ajuda no esclarecimento desta questão... 

Tendo em conta o ano (1961 e 1962), mas também a quantidade (nos documentos acima repriduzidos são duas dezenas), é de todo imprável que estas pistolas Walher tenham sido capturadas pelo PAIGC ao exército português... 

De facto, não consta que tenha sido assaltado por forças do PAIGC (ainda PAI)  algum depósito de armamento em Bissau ou  esquadra de polícia e, muito menos, algum aquartelamento no mato (ainda havia poucos), no início dos anos 60...

E mesmo que fossem pistolas do exército português, só eventualmente no Arquivo Histórico-Militar, e com muita sorte, se poderia encontrar uma lista dessas armas "capturadas pelo IN", com os respetivos números de série... Enfim, seria como encontrar uma agulha num palheiro...  

O mais provável é estas pistolas Walther P38 (a nossa era já a P1) terem entrado clandestinamente na Guiné-Conacri, oriundas de Marrocos ou terem sido  compradas no "mercado negro" (lembro-me de Luís Cabral ter falado nisso, nas suas memórias)... Terão equipado os primeiros comandantes e comissários politicos como nosso conhecido Pedro Ramos, irmão do Domingos Ramos, que andavam a fazer trabalho essencialmente político (propaganda, recrutanento e organização) no interior do território) e ações de sabotagem ... 

O PAIGC oficialmente começou a guerra (dos tiros)  em 23 de janeiro de 1963, com um ataque a Tite.  No meu tempo (1969/71), eles já usavam a pistola russa Tokarev (a CCAÇ 12 apanhou uma a um guerrilheiro: vd foto a seguir)...

De qualquer modo, obrigado pela tua questão. Pode ser que algum camarada tenha mais alguma informação adicional. (**)



Uma pistola de origem soviética, Tokarev, de 7,62, igual ou parecida à que que foi apreendida ao guerrilheiro Festa Na Lona, na Ponta do Inglês, no decurso da Op Safira Única ... Pelo que me recordo, esta pistola ficou à guarda do Alf Mil Abel Maria Rodrigues, comandante do 3º Grupo de Combate, que a tomou como "ronco"... Não sei se a conseguiu trazer para o Continente e legalizá-la... Ao que parece, esta arma teve a sua estreia na Guerra Civil de Espanha, em 1936, nas fileiras do exército republicano, estando distribuída a pilotos e tripulações de tanques, entre outros... (LG).

Fonte: © Kentaur, República Checa (2006)(com a devida vénia...)
 (link descontinuado:
 http://www.kentaurzbrane.cz/shop/images/sklady/tokarev.jpg )

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

(...) A pistola Walther P-38 é uma arma semi-automática, com origem na Alemanha (fábrica Carl Walther), datada originalmente de 1938 e foi a substituta da Luger, como a principal pistola alemã da IIª Guerra Mundial, com provas dadas em diversos teatros de guerra. Em meados dos anos 50, foi seleccionada para equipar o novo Exército da RFA e, com ligeiras alterações, passou a denominar-se P1 e é este modelo que veio para Portugal, passando a ser a pistola das guerras de África. (...)

(**) Último poste da série >  16 de janeiro de  2024 > Guiné 61/74 - P25076: Memórias cruzadas: o que o PAIGC sabia sobre Bubaque, em 1969... "O antigo governador Schulz ia lá de vez em quando, com outros militares e algumas mulheres. O atual governador nunca lá esteve morado. Foi só visitar."...

quinta-feira, 25 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25110: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (27): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Junho de 1971



"A MINHA IDA À GUERRA"

27 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

João Moreira


MÊS DE JUNHO 1971

O MEU COMENTÁRIO AO DIA 09 DE JUNHO DE 1971

Partida do resto da Companhia do Olossato para Nhacra (2.ª grupo de combate, 4.º grupo de combate e resto do comando e dos serviços).
Durante o trajecto entre Bissorã e Mansoa uma viatura da coluna "AVARIOU"? por 2 vezes.
Como eu era o graduado mais próximo desta viatura comuniquei ao capitão que mandou parar a coluna.
Pouco tempo depois a viatura voltou a "trabalhar" e a coluna prosseguiu.
Perto de Mansoa a mesma viatura voltou a "AVARIAR".
Após pedir ao capitão para parar a coluna, dirigi-me ao condutor e disse-lhe que estava quase a escurecer e não podíamos ficar ali parados. Desta forma só tinha 2 alternativas:
1) - Ou punha a viatura a trabalhar e seguia com a coluna OU
2) - Ficava lá sozinho, porque a coluna tinha de prosseguir.
Dei sinal ao capitão para a coluna avançar, e passados poucos minutos a tal viatura já seguia na coluna.

Chegados a Mansoa tomamos a estrada asfaltada que ligava Bissau a Mansabá.
Poucos minutos depois a "viatura avariada" por 2 vezes ultrapassou a coluna em grande velocidade e nunca mais ninguém a viu.
Deduzo que este condutor tinha "instruções" para retardar a nossa chegada a Nhacra, porque os nossos quarteis entre Mansoa e Nhacra foram todos ou quase todos atacados ao mesmo tempo que Bissau foi atacada com foguetões 122 m/m, lançados do Cumeré.

Chegados a Nhacra fomos instalar os soldados no edifício, que estava em construção, para instalar o posto emissor da Emissora Provincial, e ficava ao lado do quartel.
Depois fomos para o quartel para descarregar a nossa bagagem e instalarmo-nos nos quartos que reservaram para os furriéis.
Com a viatura parada junto aos nossos quartos e alguns furriéis em cima, a tirar a nossa bagagem, e os outros no chão a recebê-la e arrumá-la para depois nos instalarmos.
Nesta altura começaram a passar balas tracejantes, do lado do Cumeré para a estrada Bissau/Mansoa.
Pela trajectória das balas parecia que vinham dum edifício do quartel e nós, os furriéis da CCAV 2721 a pensar que era alguma brincadeira do pessoal que íamos render dizíamos:
- "Ide brincar com o caralho"...
- "dos tiros vimos nós"...
- "Estamos fartos da guerra"...
- Etc...

Passado pouco tempo rebentou uma rocketada.
Nessa altura percebemos que não era brincadeira.
ERA MESMO UM ATAQUE.
Perguntamos aos "velhinhos", que estavam connosco, onde eram as valas ou qualquer local onde nos pudéssemos proteger.
Como responderam que não havia valas nem locais protegidos, meti-me debaixo da viatura, do lado de dentro da roda de trás. Passados alguns segundos, estavam lá todos os furriéis - nossos e os da companhia que íamos render.

A companhia recebeu ordem para sair, mas eu fiquei no quartel porque tinha os pés cheios de bolhas porque vinha calçado com as botas de couro.
Grande recepção, com "fogo de artifício" e tudo...
E vinha a Companhia para uma zona onde não havia "guerra".
Felizmente, foi caso único.
No destacamento de DUGAL, morreu um soldado do 1º grupo de combate, vítima de ferimentos no ataque ao destacamento.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 18 DE JANEIRO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25084: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (26): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Maio de 1971

Guiné 61/74 - P25109: Por onde andam os nossos fotógrafos? (18): António Murta, ex-alf mil inf MA, 2ª C/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74) - Parte IV: Bem-vindos a Nhala!

Foto nº 16


Foto nº 17


Foto nº 18


Foto nº 19


Foto nº 20


Foto nº 21


Foto nº 22

Guiné > Região de Quínara > Nhala e Buba >  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74)  

Fotos (e legendas): © António Murta (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Estamos a recuperar, selecionar e reeditar algumas das melhores fotos do António Murta, ex-alf mil inf  MA,  2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74). (*)

O Murta nasceu em Cantanhede, em 1951, vive atualmente na Figueira da Foz. Está reformado há mais de 10 anos. Passou a integrar a Tabanca Grande em 2014.

Tem já cerca de 110 referências no nosso blogue, é  autor de uma notável série, "Caderno de Memórias de António Murta"...  de que se publicaram mais de 4 dezenas de postes.

Só começou a fazer fotos a cores ("slides") quando comprou,  vindo de férias, uma Olympus compacta: "Digitalizados com um scanner normal, são uma triste amostra dos originais. Com muito deles optei por fotografar a projecção em suportes variáveis, com os inconvenientes que também isso acarreta." . 

 Fotos nºs, de 16 -17 > Nhala, 1973:

Foto nº 16 > Pórtico de entrada da tabanca
Foto nº 17 > Centro do aquartelamento com mulheres que vem da fonte.

29 de Abril de 1973 (domingo)  (**)


(...) À chegada da coluna a Nhala, e ainda antes de termos descido das viaturas, num ápice, formou-se uma pequena multidão vinda da tabanca, sobretudo mulheres e crianças, que nos receberam com palmas, cânticos, enfim..., se não em apoteose, pelo menos com grande euforia. 

Fiquei entre contente e surpreso, a achar tudo um bocado exagerado. Seria sempre assim? Não foi preciso passarem muitos dias para ter uma explicação, plausível, para aquele acolhimento tão efusivo.

(...) E cantavam acompanhando com palmas:

Periquito vai pró mato / Ó lé, lé, lé!, Velhice vai no Bissau / Ó lé-lé – lé-lé!.

Esta cantilena, soube depois, era conhecida em quase todo o território da Guiné. E eram-lhe acrescentados outros versos, que só aprendi mais tarde, muito brejeiros e, pareceu-me, ao sabor da inspiração do momento:

"Mulher grande cá tem cabaço, / Ó lé, lé, lé! / Bajuda tem manga dele / Ó lé-lé – lé-lé"
"Mulher grande cá tem catota, / Ó lé, lé, lé! / Bajuda tem manga dela / Ó lé-lé – lé-lé"

E voltavam ao princípio com o Periquito vai pró mato, etc. etc.

(...) Desembarcados com armas e bagagens, havia que distribuir o pessoal pelas acomodações previamente preparadas pelo comando da Companhia que iríamos render (após um longo período de sobreposição das duas companhias para o nosso treino operacional e para conhecimento da nossa área de acção).

Verificámos que o aquartelamento estava ainda em obras, com alguns edifícios inabitáveis e valas a rasgar o chão. Mas em vias de conclusão. Não foi fácil acomodar duas companhias numa área pensada para apenas uma e em vias de conclusão. Parte de nós fomos distribuídos por pequenas palhotas na tabanca. Apesar disso foi com satisfação que constatámos que iríamos ter condições condignas de alojamento. 

Eu, confiante, imaginava já os melhoramentos de conforto a introduzir, o arranjo e embelezamento dos exteriores que tornassem a nossa estadia mais agradável, sobretudo no regresso das saídas para o mato. Até lá, havia que desenrascar. A mim também foi destinada uma pequena palhota mesmo no início da tabanca, portanto, fora da área militar. Cabiam apenas, lado a lado, duas camas de ferro e aí fiquei com outro camarada até à conclusão das obras no aquartelamento. Nalguns casos foi até ao fim da comissão dos “velhinhos”. Pouco espaço nos restava dentro da palhota, mas era um abrigo e, além disso, tinha qualquer coisa de exótico a condizer com os cheiros, o pó e o calor de África. Pessoalmente, gostei da experiência.

(...) A população de Nhala é Fula. Os adultos parecem muito indiferentes em relação a nós, ou mesmo frios. Dependem muito da tropa, mas estão fartos de tropa. As mulheres e as bajudas atravessam o aquartelamento para se deslocarem à fonte que fica a pequena distância, num baixio. Está sempre alguém a passar para um lado e para o outro com bacias à cabeça e com a roupa que nos lavam. (...)

As bajudas, algumas bonitas, e toda a criançada são uma simpatia. É contagiante a alegria delas e um bálsamo para a nossa saúde mental. Ainda assim, como já disse, os “velhinhos” de Nhala parece que já não beneficiam desse bálsamo. Aproveitando as recomendações deles, vamos escolhendo as nossas lavadeiras. A oferta é grande, de modo que se fazem “contratações” despreocupadamente. 

E em matéria de sexo, como é? Já em Bolama aprendemos que há lavadeiras “que lavam tudo” por pouco mais que a mensalidade da roupa lavada. «Desiludam-se!». As fulas são muito reservadas e pouco permissivas. Contam-nos um caso ou outro de envolvimento com militares, mas excepcionais e por questões de afecto. A tropa em geral vai brincando, mais ou menos inocentemente, com as bajudas mais velhitas, mas sem consequências nem gravidade. De vez em quando, por ocasião da entrega da roupa lavada aos soldados, lá vem uma delas fazer queixa:

- Alfero, o soldado Manel do teu pelotão apalpou minha mama!

E eu perguntava:

- Ai, sim? E não lhe deste uma estalada?

E estava o caso resolvido.(...)

Fotos nºs 18-22 > Mulheres de Buba (***)

(...) Não recordo a data (1973 ou 1974) nem a razão deste evento em Buba, com grande aparato de viaturas, mulheres e militares à mistura, mas garanto que foram momentos de grande descontracção os que nos proporcionaram as mulheres de Buba, com a sua alegria, vitalidade e carácter forte. 

Reconheço na assistência, soldados do meu grupo de combate e de outro grupo de Nhala. No meio da roda de dançarinas, pode ver-se o cap mil João Brás Dias,  da 1.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 de Buba, animando a festa. (...) (***)

(Seleção, reedição de fotos, revisão / fixação de texto: LG)

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