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sábado, 2 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P24906: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIX: alferes graduado na CCAÇ 21, combatendo no Leste (pp. 261-263)


Imagem da parada de Bajocunda, cedida por Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74). Os dois barrotes sinalizam a entrada na zona aquartelada. O primeiro edifício do lado direito é a cantina. A construção seguinte albergava a secretaria, e a janela mais distante era do gabinete do comando. Nota de José Manuel Matos Dinis (1948-2021), (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), (Imagem publicada na pág. 262 do livro do Amadu Djaló.)


Guiné > Região de Gabu > Carta de Canquelifá (1957) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Copá e  Canquelifá.   A distância entre os dois pontos é de cerca d 11km.  Copá distava da fronteira com o Senegal, pouco mais de 2,5 km. E Canquelifá 10 km.

Infografia publicada na pág. 263 do livro do Amadu Djaló.


1. Continuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digitalizado, do seu livro "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O nosso  camarada e amigo Virgínio Briote, o editor literário ou "copydesk" desta obra,  facultou-nos uma cópia digital. O Amadu Djaló, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem mais de nove dezenas de referências no nosso blogue. Tinha um 2º volume em preparação, que a doença e a morte não  lhe permitaram ultimar.



Capa do livro do Amadu Bailo Djaló,
"Guineense, Comando, Português: I Volume:
Comandos Africanos, 1964 - 1974",
Lisboa, Associação de Comandos,
2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O autor, em Bafatá, sua terra natal,
por volta de meados de 1966.
(Foto reproduzida no livro, na pág. 149)

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné-Conacri, começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii) depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido, por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757;

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló (Cacine, Catió, 1929 - Tite, 1971)

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal e em setembro anda por Paunca: aqui ouve as previsões agoirentas de um adivinho;

(x) em finais de outubro de 1970, começam os preparativos da invasão anfíbia de Conacri (Op Mar Verde, 22 de novembro de 1970), na qual ele participaçou, com toda 1ª CCmds, sob o comando do cap graduado comando João Bacar Jaló (pp. 168-183);

(xi) a narrativa é retomada depois do regresso de Conacri, por pouco tempo, a Fá Mandinga, em dezembro de 1970; a companhia é destacada para Cacine [3 pelotões para reforço temporário das guarnições de Gandembel e Guileje, entre dez 1970 e jan 1971]; Amadu Djaló estava de licença de casamento (15 dias), para logo a seguir ser ferido em Jababá Biafada, sector de Tite, em fevereiro de 1971;

(xii) supersticioso, ouve a "profecia" de um velho adivinho que tem "um recado de Deus (...) para dar ao capitão João Bacar Jaló"; este sonha com a sua própria morte, que vai ocorrer no sector de Tite, perto da tabanca de Jufá, em 16 de abril de 1971 (versão contada ao autor pelo soldado 'comando' Abdulai Djaló Cula, texto em itálico no livro, pp.192-195) ,

(xiii) é entretanto transferido para a 2ª CCmds Africanos, agora em formação; 1ª fase de instrução, em Fá Mandinga , sector L1, de 24 de abril a fins de julho de 1971.

(xiv) o final da instrução realizou.se no subsector do Xitole, regulado do Corunal, cim uma incursão ao mítico Galo Corubal.

(xv) com a 2ª CCmds, comandada por Zacarias Saiegh, participa, em outubro e novembro de 1971, participa em duas acções, uma na zona de Bissum Naga e outra na área de Farim;

(xvi) em novembro de 1971, participa na ocupação da península de Gampará (Op  Satélite Dourado, de 11 a 15, e Pérola Amarela, de 24 a 28);

(xvii) 21-24 dezembro de 1971: Op Safira Solitária: "ronco" e "desastre" no coração do Morés, com as 1ª e 2ª CCmds Africanos  (8 morts e 15 feridos graves);

(xviii) Morés, sempre o Morés... 7 de fevereiro de 1972, Op Juventude III;

(xix) o jogo do rato e do gato: de Caboiana a Madina do Boé, por volta de abril de 1972;

(xx)  tem um estranho sonho em Gandembel, onde está emboscado très dias: mais do que um sonho, um pesadelo: é "apanhado por balantas do PAIGC";

(xxi) saída para o subsetor de Mansoa, onde o alf cmd graduado Bubacar Jaló, da 2ª CCmds Africanos, é mortalmente ferido em 16/2/1973 (Op Esmeralda Negra)M

(xxii) assalto ao Irã de Caboiana, com a 1ª CCmds Africanos, e o cap cav 'cmd' Carlos Matos Gomes como supervisor;

(xxiii) vamos vê-lo a dar instrução a futuros 'comandos' no CIM de Mansabá, na região do Oio, no primeiros meses do ano de 1973, e a fazer algumas "saídas" extras (e bem pagas) com o grupo do Marcelino, ao serviço do COE (Comando de Operações Especiais), que era então comandado pelo major Bruno de Almeida; mas não nos diz uma única sobre essas secretas missões; ao fim de 12 anos de tropa, é 2º sargento e confessa que está cansado;

(xxiv) antes de ir para CCAÇ 21, como sede em Bambadinca, como alferes 'graduado" (e sob o comando do tenente graduado Abdulai Jamanca, ainda irá participar na dramática Op Ametista Real, contra a base do PAIGC, Cumbamori, no Senegal, em 19 de maio de 1973;  esta parte do seu  livro de memórias  (pp. 248-260) já aqui foi transcrita no poste P23625 (**);

(xxv) no leste, começa por atuar no subsetor do Xime, em meados de 1973.


 Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXXIX:

Alferes graduado na CCAÇ 21, 
combatendo no Leste (pp. 261-263)


CCAÇ 21, Bambabinca [1]   As saídas eram constantes, quase dia sim, dia não. E os feridos aconteciam quase sempre que havia contacto com a guerrilha. Um 1º cabo que estava à espera de ser, dentro de dias, graduado em furriel, na 2ª ou na 3ª saída perdeu uma das pernas. Foi em Agosto de 1973, numa saída na Ponta do Inglês [2] .

 Eu, comandante do grupo, era o segundo homem, à minha frente ia o soldado com a bazuca. Tínhamos andado durante horas a corta-mato, até encontrarmos um carreiro. O 1º cabo, que era o comandante da 1ª secção e vinha lá para trás, chamou-me e pediu para parar. Veio até ao pé de mim e, muito baixo, disse-me que estávamos perto do carreiro, que era logo ali em baixo, junto ao mangueiro, e que se via do local onde estávamos. Que a partir daqui era muito perigoso, que tinha sido debaixo daquela árvore, que um cabo africano tinha morrido, quando regressavam da Ponta do Inglês. Quando acabou de me fazer estes avisos foi para a frente, a caminho do carreiro. 

 − Meu alferes, é ali o carreiro, está a ver? 

Deslocámo-nos até ao caminho e vimos que estava a ser muito utilizado. Continuámos muito devagar, com ele à frente distanciado uns passos. Fez sinal para aumentarmos mais a distância entre nós e fomos passando a informação para trás. De um momento para o outro, fomos sacudidos por um enorme rebentamento, logo ali à nossa frente. O 1º cabo  [3] tinha acabado de pisar uma mina anti-pessoal. 

Depois, participámos em numerosas acções na zona da fronteira, em Paunca, Pirada, Bajocunda, Piche, Canquelifá. 

Não conseguíamos passar uma semana seguida em nossas casas, nem participávamos nas nossas festas sagradas, junto das nossas famílias. Porque era nessas alturas que o PAIGC aproveitava e tentava surpreender os aquartelamentos. 

Passámos mais tempo em Canquelifá, porque o PAIGC queria mesmo acabar com o quartel e com a tabanca. Os morteiros de 120 eram em número de cinco e, como tínhamos atacado a base de Cumbamori, no Senegal, perto da estrada Koldá-Zinguinchor, o PAIGC transferiu parte do material do norte para o leste  [4]. 

Copá [5]   e Canquelifá  [6]  passaram a ser considerados os primeiros objectivos do PAIGC. Copá veio a ser abandonada [7]   e o pessoal que lá estava foi recolhido em Amedalai, perto de Bajocunda, com o nosso apoio e dos páras. Depois de Copá,  faltava-lhes conquistar Canquelifá.  

(Continua)
_________

Notas do autor e/ou do editor VB:

 [1] Nota do editor: esteve no  sector de Bambadinca, de 23ju173 a 11ago73 e de 21nov73 a 16dez73, para actuação nas regiões de Mina, Ponta Varela, Ponta do Inglês e Malafo,  e do BCaç 3883;  e no sector de Piche, de 03set73 a 12nov73 e de 07 a 10jan74. 

 [2] Ponta, o mesmo que quinta, propriedade. 

[3]  Esse 1º cabo, de nome Galé, vive em Portugal sem nunca lhe ter sido reconhecido o posto a que os seus camaradas vieram a ascender dias depois. 

[4]  Nota do editor: do sul do Casamance para o leste.

[5]  Nota do editor: a cerca de 4km da fronteira.

[6]  Nota do editor: a cerca de 12km de Copá. 

[7]  Nota do editor: o destacamento de Copá (da companhia de Pirada / BCav8323), depois de três dias de intensas flagelações, foi temporariamente abandonado durante a tarde de 13fev74 pela maioria dos militares da guarnição, que, em fuga se dirigiram para Canquelifá deixando no aquartelamento um furriel e dois ou três camaradas. Na manhã de 14fev74, os militares foragidos regressaram ao seu destacamento que, depois de armadilhado e minado, foi oficialmente extinto em 05abr74 .

[ Seleção / adaptação / revisão / fixação de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste no blogue: L.G.]

2. Ficha de unidade: CCAÇ 21

Companhia de Caçadores nº 21
Identificação CCaç 21
Cmdt: Ten grad cmd Abdulai Queta Jamanca
Início: 05jun73 | Extinção: 18ago74

Síntese da Actividade Operacional

Foi organizada, de 05 a 09jun73, no CIM, em Bolama e foi constituída por pessoal natural da Guiné, da etnia Fula, na sua grande maioria já integrante de companhias de milícias, tendo realizado a sua instrução de 11jun73 a 07ju173.

Em 11Ju173, foi colocada em Bambadinca, como subunidade de intervenção e reserva do CAOP 2, tendo colmatado a saída da CCaç 12 nessa função.

Nesta situação, tomou parte em diversas acções, patrulhamentos e escoltas, tendo sido atribuída em reforço de diversos sectores por períodos variáveis e nomeadamente do BArt 3873, no sector de Bambadinca, de 23ju173 a 11ago73 e de 21nov73 a 16dez73, para actuação nas regiões de Mina, Ponta Varela, Ponta do Inglês e Malafo,  e do BCaç 3883, no sector de Piche, de 03set73 a 12nov73 e de 07 a 10jan74, para actuação nas regiões de Cassum, Piai, mata Niji Camassuli, entre outras.

Em 18ago74, foi desactivada e extinta.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: fichas das unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág. 642.

quarta-feira, 1 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24811: Facebook...ando (44): Bafatá no dia 22 de agosto de 1974: a fonte pública de 1918 e a mesquita, de 1968, duas obras da arquitetura colonial (Amilcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74)

Foto Foto nº 1


Foto nº 2

Guiné > Região de  Bafatá > Bafatá > 22 de agosto de 1974 > Fonte pública de 1918, e mesquita.

Fotos (e legendas): © Amílcar Ventura (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Duas belas recordações de Bafatá, relativas à  presença histórica portugesa: 

(i) de um lado a fonte pública construída em 1918, ao tempo da I República,  no sítio da "Mãe de Água" ou "Sintra de Bafatá" (mais conhecido por "Boma", pelos guineenses da geração do Cherno Baldé, que estudou no liceu de Bafatá, a seguir à independência); 

(ii) do outro, a mesquita, inaugurada em abril de 1968, aquando da isita, à "princesa do Geba", do governador geral da Guiné, gen Arnaldo Schulz.

As duas fotos forma tiradas pelo Amílcar Ventura (ou pertencem ao seu álbum).

Comentários e legendas:

Foto nº 1:  "22 Agosto de 74, no  regresso a Bissau da minha Companhia que estava em Bajocunda, com passagem por Bafatá. Foto tirada no Fontanário de Bafatá. São os Furriéis da Companhia."

Foto nº 2: "No mesmo dia, mesquita de Bafatá" (percebe-se pelas poças de água, que estamos na época das chuvas)

O Amílcar Ventura foi fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74); é natural de (e residente em) Silves; membro da nossa Tabanca Grande desde 9 de maio de 2009; publicou as fotos acima na nossa  na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, no passado dia 30 de 0utubro de 2023.


2. Sobre a mesquita de Bafatá, sugerimos o visionamento da reportagem da RTP sobre a visita do Governador Geral, gen Arnaldo Schulz, a Bafatá, num dos seus últimos atos públicos (abril de 1968). Apesar do vídeo não ter som, as suas imagens falam por si. Leia-se primeiro o resumo analítico disponível aqui, em RTP Arquivos. O vídeo tem a duração de 05' 34''. E passou no noticiário nacional da RTP de abril de 1968.

  • Aeródromo: esposa do Governador Geral cumprimenta individualidade militar, multidão nativa caminha na pista, guarda de honra da Mocidade Portuguesa, Arnaldo Schultz caminha no recinto;
  • caravana automóvel na estrada e a entrar em Bafatá
  • esposa do Governador Geral descerra lápide do Bairro Social Arnaldo Schultz, a construir; placa; Arnaldo Schultz, individualidades e populares assistem;
  • missa na igreja paroquial: Arnaldo Schultz dirige-se para o edifício e assiste à celebração, fiéis, crianças nativas e esposa do Governador assistem, celebração;
  • inauguração de instalação industrial: bênção, Arnaldo Schultz acciona manivela; comitiva na estrada.
(Resumo analítico: Revisão / fixação de texto / negritos: LG)
 
___________

Nota do editor:

sábado, 8 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24208: Armamento do PAIGC (1): As polémicas viaturas blindadas BRDM-2 que teriam sido utilizadas contra Copá (7/1/1974) e Bedanda (31/3/1974)

Foto nº 1A


Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau >Fortaleza da Amura > Museu Militar da Luta de Libertação Nacional > "Viatura blindada,  de fabrico russo, que terá sido usado pelo PAIGC em 1974 contra Bedanda e Copá" (*).  A legenda é lacónica, o Patrício Ribeir0 deixou aos nossos especialistas de armamento a responsabilidade de identificar as peças museológicas... Podemos acrescentar que, salvo melhor opinião, esta viatura, da antiga União Soviética (1964), é conhecida pela designação BRDM-2 , mas também GAZ-41-08 e ainda BRT 40PB, BRT 40P-2.

Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné

Foto nº 2 > Guiné > s/l > s/d (c. 1973/74) > "Guerrilheiros deslocando-se num carro blindado, Guiné-Bissau" (que não parece, vista da traseira, ser uma BRDM-2)

Foto do acervo documental de Mário Pinto de Andrade (1928-1990), dossiê do Arquivo e Biblioteca da Fundação Mário Soares. Estas viaturas, oriundas da base de Kandiafara, a sul de Guileje, na vizinha Guiné-Conacri, já estavam em em 1973 devidamente identificadas e referenciadas pelas autoridades militares portuguesas, contituindo um perigo potencial para as guarnições fronteiriças, tais como Guileje, Gadamael, Bedanda, Cacine ou Aldeia Formosa. É impossível, porém. saber se a viatura da foto está em território da então província portuguesa da Guiné ou em território da Guiné-Conacri. Ou se se trata apenas dc uma imagem de propaganda.

Foto (e legenda): Cortesia de © Fundação Mário Soares (2009). Direitos reservados



Foto nº 3 > Guiné  > Região de  Gabu > Bajocunda (ou Pirada?) > Pós-25 de Abril de 1974 >  "Esta viatura de origem russa é igual às três que atacavam Copá em Janeiro/Fevereiro de 74. É uma BRDM-2". 

Comentário de Amílcar Ventura ( ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323(Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves, membro da nossa Tabanca Grande desde 9 de maio de 2009; publicou a foto acima na nossa  na página do Facebook da Tabanca Grande Luís Graça, em 6/4/2023, 10;53.

Foto (e legenda): © Amílcar Ventura (2023). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


Foto nº 4 > Guiné > Zona leste > Região de Gabu > Bajocunda (ou Pirada ?) > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > "Encontro das Altas Chefias de Pirada depois do 25 de Abril [de 1974]". (**) Não dá para perceber de que tipo de viatura se trata (BRDM-1 ou 2).

Foto (e legenda): © Amílcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Publicámos há dias uma imagem de uma viatura blindada, existente no Museu Militar da Amura ("Museu Militar da Luta de Libertação Nacional") (vd. Foto nº 1, acima).  

E essa foto é a mesma que vai abrir este série sobre o armamento do PAIGC.  A existência ou não de "viaturas blindadas" ao serviço do PAIGC já deu origem aqui a alguma polémica (***)... O António Martins de Matos deu o  mote: "quem os viu de ver e não de ouvir?" (***). O António Graça de Abreu, nas suas memórias da Guiné,  dissse que sim, que já em 31 de março de 1974, foram utilizadas "viaturas blindadas" contra Bedanda (****), o que o alf mil António Rodrigues, da CCAÇ 5, vem confirmar, embora se refira a uma versão, a BTR 152, de que nunca ouvimos falar.

Os "bravos de Copá" já antes, em 7 de janeiro de 1974, tiveram que defrontar a BRDM-2, uma viatura blindada anfíbia, de reconhecimento e patrulhamento, de 7 toneladas, e uma tripulação de 4 elementos, estando equipada com duas metralhadoras (uma pesada, de 14,5 mm, e uma ligeira, de 7,62 mm).

Tanto em Copá como em Bedanda, a sua estreia parece terá sido desastrosa, para o lado do PAIGC.  Em Copá, morreu o Mamadú Cassamá, confirma o Bobo Keita (ou Queita), o "chfe dos blindados" ou "tanques anfíbios"(sic)...  Depois do 25 de Abril de 1974, o PAIGC passeou algumas destes "brinquedos" na fronteira Norte (Bajocunda, Pirada), conforme se pode ver nas fostos do Amílcar Ventura (Fotos nºs 3 e 4) (**).

Ficamos na dúvida sobre o "dono" das viaturas, o PAIGC ou o Sékou Touré...  E continmuamos a ter dúvidas sobre o tipo de viaturas, usadas contra Copá e Bedanda: BRDM.1 ou BRDM-2 ?

2. Em tempos escrevemos o seguinte comentário no poste P9375 (****), e não o vamos rever mesmo em face das fotos acima publicadas (a nº 1 é de facto de uma BRDM-2, mas não sabemos se é uma oferta da Guiné-Conacri para o museu militar da Amura...):

No Arquivo Amílcar Cabral, tratado e disponiblizado para o grande público pela Fundação Mário Sores, no portal Casa Comum, não há qualquer referência a viaturas blindadas entregues pelos russos no porto de Conacri... Estamos a falar de 10 mil documentos, que abrange todo o período da guerra de "libertação"...

Até finais de 1971, a ex-União Soviética só fornecia armas automáticas, RPG 7, munições, fardamento, medicamentos e coisas assim... E mesmo assim era preciso negociar com o "ciumento" Sekou Touré... que não perdoava a Amílcar Cabral o crescente prestígio e protaganismo a nível internacional e o leque de alianças e apoios (que ia da Suécia à China)...

Felizmente para nós, parte do armamento e das munições deviam ser "obsoletos"... São os próprios e "insuspeitos" cubanos que dizem que 40% das granadas lançadas contra Copá em janeiro de 1974 não rebentavam!... (As culpas tanto podiam ser dos fabricantes como, mais provável, das condições de transporte, armazenamento e operação).

BRDM-2 para o Amílcar Cabral? Devem ser fantasias dos burocratas da 2ª Rep, para justificar o seu ordenado ao fim do mês e as horas de tédio (e de algum cagufe) passadas em Bissau... A gente sabe como funcionava a nossa "inteligentsia" na Guiné, incluindo os "broncos" da PIDE/DGS... que tinham a 4.ª classe mal tirada...

O PAIGC nunca teve, ao que parece, este tipo de veículos... Os russos terão oferecido, em 1969, 10 BRDM-1 (5 toneladas e meia + 4 tripulantes e depósito de 150 litros de gasolina)... "Sucata" que o Sekou Touré poderá ter disponibilizado, depois da morte de Amílcar Cabral, aos homens do PAIGC... que ele precisava de controlar... Mas aquela viatura devia gastar 100 aos 100 !...

Como é que vocês queriam vê-la a passar o "arco de triunfo" em Bissau? Ou a passar a ferro as 3 fiadas de arame farpado de Jemberém?

Quanto às BRMD-2 (versão posterior, melhorada, 7 a 8 toneldadas!), era muito menos provável que os guerrilheiros do PAIGC alguma vez lhes tenham posto a vista em cima... a não ser, já reformados, em 1998, quando a Ucrânia ofereceu à Guiné-Bissau quatro veículos desses, se calhar a cair de pobres... Que até a caridade tem um preço!

Angola teve 50, mas já em plena guerra da chamada "2.ª independência"...

O BRMD-2 era um "besta" de 7 a 8 toneladas, com uma tripulação de 4 elementos (condutor, operador de rádio e observador, comandante e apontador de metralhadora pesada...) e um depósito de 290 litros de gasolina, 5,75 metros de comprido... Onde é que o PAIGC tinha gente com unhas para manobrar um "anfíbio" destes? E sobretudo logística? E depois era um alvo fácil para a nossa aviação...

(...) O BRDM-2 (Boyevaya Razvedyvatelnaya Dozornaya Mashina, Боевая Разведывательная Дозорная Машина, literally "Combat Reconnaissance/Patrol Vehicle"[5]) is an amphibious armoured patrol car used by Russia and the former Soviet Union. It was also known under the designations BTR-40PB, BTR-40P-2 and GAZ 41-08. This vehicle, like many other Soviet designs, has been exported extensively and is in use in at least 38 countries. It was intended to replace the earlier BRDM-1, compared to which it had improved amphibious capabilities and better armament. (...)

18 de julho de 2016 às 14:59
_____________

Notas do editor

(*) Vd. poste de 5 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24200: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (34): Visita ao "Museu Militar da Luta de Libertação Nacional", na fortaleza da Amura


(***) Vd. postes de: 

16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16309: Controvérsias (131): Blindados do PAIGC ? Quem os viu de ver e não de ouvir ?... (António Martins de Matos, ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref)


(***) Vd. poste de 16 de julho de 2016 > Guiné 63/74 - P16309: Controvérsias (131): Blindados do PAIGC ? Quem os viu de ver e não de ouvir ?... (António Martins de Matos, ex-tenente pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74, hoje ten gen pilav ref)

(****) Vd. poste de 20 de  janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9375: Excertos do Diário do António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74) (5): ): "Uma novidade, os guerrilheiros utilizaram viaturas blindadas na flagelação a Bedanda [, em 31 de março de 1974]"...

(Comentário de António Rodrigues:).

Caros camaradas: 
Estava colocado em Bedanda aquando do ataque com viaturas blindadas, onde era alferes miliciano.

As viaturas com que fomos atacados eram as BTR 152 (soviéticas), equipadas com metralhadoras.

A sua quase entrada no perímetro deveu-se ao facto de elas terem atacado a partir da zona onde se situavam as tabancas da população civil e isso impedir que quer as "Bazookas" quer os canhões sem recuo não poderem ripostar.

Abraços, António Rodrigues | 25 de novembro de 2012 às 17:25

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Guiné 61/74 - P24204: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIII: Na 1ª CCmds Africanos em 1970: de Fá Mandinga a Bajocunda, Pirada e Senegal, respondendo ao terror do PAIGC


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > CIM Fá Mandinga > 1ª CCmds Africanos > 1970 > Recrutas do curso de Comandos. Soldados Quintino Gomes (morto em combate, em 1973), o 1º da esquerda,  e Abdulai Djaló Cula, o último, à direita. Foto de Amadu Djaló, reproduzida na pág. na 158.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > CIM Fá Mandinga > 1ª CCmds Africanos > 1970 > Grupo de 26: d
a esquerda para a direita: 



(i) o 1º, Abdulai Djaló Cula (A); furriel José Mendonça (o nosso 1º morto, mina A/P, Ponta do Inglês, Xime) (B); José Vieira (morto em Cumbamori), Op Amestista Real, 19/5/1973) (C);  ao meio de boina o 2º sargento Carolino Barbosa (fuzilado pelo PAIGC) (D) e furriéis Júlio César Sá Nogueira (D) e Mário Teixeira (E) (ambos à direita, fuzilados em Conakry, grupo do Tenente Januário,  na sequência da Op Mar Verde, novembro de 1970). 

(ii) De joelhos, Laurindo Ribeiro (G), Mamo Djana (H) (morto em emboscada na estrada entre Pirada e Bajocunda), o 3º homem, soldado Nicolau Cabral (I) (morto em Bajocunda), entre outros que não consigo identificar. Foto do autor, reproduzida na pág. 159. 

[Edição e legenda complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2023]



Guiné >Zona leste > Região de Gabu > Vista aérea de Bajocunda. Foto cedida por 
Amílcar Ventura, ex-Furriel Mil. Mec., Bajocunda, 1973/74, e reproduzida na pág. 161.


1. C
ontinuação da publicação das memórias do Amadu Djaló (Bafatá, 1940-Lisboa, 2015), a partir do manuscrito, digital,  do seu livro 
"Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada) (*).

O seu editor literário, ou "copydesk", o seu camarada e amigo Virgínio Briote,  facultou-nos uma cópia digital; o Amadu, membro da Tabanca Grande, desde 2010, tem cerca de nove dezenas de referências no nosso blogue.


[Floto à direita > O autor, em Bafatá, sua terra natal, por volta de meados de 1966. (Foto reproduzida no livro, na pág. 149) ]

Síntese das partes anteriores:

(i) o autor, nascido em Bafatá, de pais oriundos da Guiné Conacri,  começou a recruta, como voluntário, em 4 de janeiro de 1962, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(ii) esteve depois no CICA/BAC, em Bissau, onde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas;

(iii) passou por Bedanda, 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), e depois Farim, 1ª CCAÇ (futura CCAÇ 3), como sold cond auto;

(iv) regressou entretanto à CCS/QG, e alistou-se no Gr Cmds "Os Fantasmas", comandado pelo alf mil 'cmd' Maurício Saraiva, de outubro de 1964 a maio de 1965;

(v) em junho de 1965, fez a escola de cabos em Bissau, foi promovido a 1º cabo condutor, em 2 de janeiro de 1966;

(vi) voltou aos Comandos do CTIG, integrando-se desta vez no Gr Cmds "Os Centuriões", do alf mil 'cmd' Luís Rainha e do 1º cabo 'cmd' Júlio Costa Abreu (que vive atualmente em Amesterdão);

(vii)  depois da última saída do Grupo, Op Virgínia, 24/25 de abril de 1966, na fronteira do Senegal, Amadu foi transferido, a seu pedido,  por razões familitares, para Bafatá, sua terra natal, para o BCAV 757; 

(viii) ficou em Bafatá até final de 1969, altura em que foi selecionado para integrar a 1ª CCmds Africanos, que será comandada pelo seu amigo João Bacar Djaló; 

(ix) depois da formação da companhia (que terminou em meados de 1970), o Amadu Djaló, com 30 anos, integra uma das unidades de elite do CTIG; a 1ª CCmds Africanos, em julho, vai para a região de Gabu, Bajocunda e Pirada, fazendo incursões no Senegal.

 

Capa do livro do Amadu Bailo Djaló, "Guineense, Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.  


Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um    luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIII:  
 
 
Na 1º CCmds Africanos em 1970: de Fá Mandinga a Bajocunda, Pirada e Senegal, respondendo ao terror do PAIGC (8pp. 158-165) 


Em fevereiro [1] de 1970 estávamos em Fá Mandinga. Depois de três dias a preparar o terreno, começámos o curso. Na primeira parte houve vários feridos, foram eliminados vários, a maior parte por falta de capacidade física.

 Finalmente arrancámos para a parte da formação dos grupos, a que se seguiu o treino operacional.

Aqui já tivemos dois mortos, o furriel José Mendonça e o soldado Nicolau Cabral. O furriel[2] pisou uma mina anti-pessoal e ficou cortado em dois. Os membros inferiores nunca apareceram.

Numa das primeiras saídas, entre 25 e 26 de Junho de 1970, numa emboscada em Sare Aliu, junto à linha da fronteira na área de Bajocunda, o soldado Nicolau[3] foi satisfazer as necessidades e não avisou ninguém. Era uma noite escura e quando regressava para junto do grupo perdeu a orientação e entrou pelo outro lado da emboscada. Ninguém o reconheceu, nem deu tempo para fazer perguntas.

Num desses dias, em Dinga Bantaguel, o nosso grupo, comandado pelo alferes Tomás Camará, viu um rapaz a caminhar na nossa direcção, debaixo de um sol ardente, acompanhado de vários cães. Nós estávamos dispersos, com alguns sentados à sombra de uma árvore grande, a manjanja, que dava boa sombra.

Costuma ser junto a estas árvores que, na Guiné, o pessoal da tabanca se junta na hora de mais calor. Todos os dias, os homens grandes da tabanca encontram-se ali[4] e, por vezes, mandam vir o almoço e comem todos juntos.

Mal o rapaz, de cerca de vinte anos, chegou, o comandante do grupo começou a interrogá-lo. Eu estava sentado, um pouco afastado, mas a ouvir a conversa. Quando o rapaz se estava despedir, o Tomás Camará disse-lhe para passar a noite connosco, que amanhã íamos para Bajocunda em viaturas[5], mas o rapaz respondeu que não podia. Então, o Tomás disse-lhe que podia ir à vida dele. Nessa altura, levantei-me e disse para trazerem uma corda. Chamei o rapaz.
 
− Olha, anda cá.

Mandei-o encostar-se a um pequeno mangueiro e amarrei-o com a corda.

− Ficas aqui, amarrado, durante a noite. Se formos atacados,  és morto. Ou então, dizes a verdade toda. Se ninguém nos atacar, desamarramos-te e ninguém te faz mal. E, de manhã, podes ir para o Senegal, ou então vais connosco para Bajocunda, se quiseres.

Ele disse que ia dizer a verdade. Que tinha vindo com a guerrilha até à fronteira e que eles o mandaram vir cá saber em que tabanca a tropa estava, para terem informações correctas. Mandei desamarrá-lo.

Ficámos à espera, mas já tínhamos a certeza que iríamos ter visitas essa noite, só não sabíamos qual seria o resultado, mas ataque não ia faltar.

Por volta da 01h00 da madrugada, o Tomás Camará estava a falar em voz alta e um grupo do PAIGC progrediu até de onde vinha a voz, com a intenção de nos atacar. Eu, que era o 2º comandante do grupo e que tinha a responsabilidade de montar a segurança, montei 4 postos: na saída para Bajocunda, na saída para Canquelifá, na saída para a fronteira e na saída para a fonte. A 5ª equipa ficou ao pé do comandante.

O pessoal do PAIGC que vinha da fronteira, entrou na tabanca e orientados pela voz alta do nosso comandante,começaram a progredir nessa direcção. Um soldado nosso viu um homem para aí a cinco metros e disparou uma rajada. Eu e o Tomás corremos para a frente, mas a guerra acabou depressa. Ficou o corpo no local, ao lado de um RPG 2.

De manhã enterrámo-lo e fomos a Panaghar, uma tabanca no Senegal, recolher dois homens do nosso território, que estavam lá refugiados. Tínhamos ouvido dizer que havia gente da Guiné refugiada naquela tabanca do Senegal. E fomos tentar saber por que é que a população estava toda a fugir para lá. Disseram-nos que o pessoal do PAIGC os tinham ameaçado de que deviam abandonar as tabancas. 

A partir dessa altura deixámos de montar a segurança às tabancas que ficavam na linha de fronteira porque estavam completamente mobilizadas pelo PAIGC. E as tabancas que não tinham aderido ao PAIGC começaram a aparecer queimadas.

Encontrávamo-nos Bajocunda[6] quando chegou uma mensagem urgente para nos deslocarmos a Pirada[7]. Preparámos a coluna e partimos sem demora. Quando lá chegámos encontrámos o comandante Calvão[8] na entrada do aquartelamento, à nossa espera.

Deu ordens para virarmos as viaturas para a pista e para nos reunirmos com ele, que tinha uma missão para nós. O comandante chamou os quadros da companhia, afastámo-nos dos soldados e dispusemo-nos em círculo, com o comandante no meio. Disse que havia necessidade de queimar as tabancas de Sare Bocar, de Sinchã Sore e de Perim, todas dentro do Senegal. Sare Bocar ficava mais próxima de Paunca[9] e nós devíamos começar por aí, onde nas proximidades havia um acampamento do PAIGC e depois marchávamos para Sinchã Sore e Perim.

Na reunião com o comandante ficou assente que se algum dos nossos morresse lá, tirávamos-lhe a arma, o equipamento e farda e deixávamos o corpo. Se houvesse algum ferido grave, procedíamos da mesma forma, deixávamos o moribundo nu. Foi por este motivo que o comandante nos tinha mandado ir com ele para longe do resto do pessoal

Era uma decisão muito dura, mas para a tropa Comando nada podia ser duro e a nossa função era cumprirmos, fosse qual fosse o fardo.

Quando estávamos reunidos na pista com o comandante aproximou-se de nós uma carrinha com um homem branco, chamado Mário Soares[10], ainda com sabão da barba na cara. Este Mário Soares era um comerciante que nos dava informações e havia quem dissesse que também as dava ao PAIGC. Vinha acompanhado por um homem negro, senegalês, que trazia uma informação. Que nessa manhã uma companhia do PAIGC tinha entrado no nosso território e, que nesta altura, devia estar na ponte[11]. 

O capitão João Bacar Jaló pediu logo ao comandante Calvão que autorizasse que a 1ª CCmds patrulhasse a zona até à ponte. Mas o comandante não esteve de acordo, que quem ia tratar do assunto iam ser os homens do batalhão[12].

Enquanto estávamos em reunião com o comandante, ele chamou o capitão da companhia[13] aquartelada em Pirada e deu-lhe instruções para mandar patrulhar até à zona da ponte. Momentos depois, ouvimo-los a regressar, dizendo que tinham patrulhado a estrada até à ponte e que não tinham encontrado nada. Ficámos a olhar uns para os outros, admirados com tanta rapidez.

Quando nos estávamos a preparar para a saída, estava a chegar um grupo da nossa Companhia, comandada pelo tenente Januário, com uma coluna de viaturas civis, carregadas com géneros. Saudámo-nos, mas não houve tempo para muitos cumprimentos. Eles seguiram para Bajocunda e nós para a fronteira com o Senegal. Quando a coluna deles[14] chegou à zona da ponte, caíram numa emboscada no pontão do Maul-Jaubé, no itinerário de Pirada a Tabassi. Estávamos nós ainda junto ao arame farpado, quando ouvimos o tiroteio e os estrondos dos rebentamentos. Sigam aos vossos destinos, foi a ordem que recebemos do batalhão.


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Carta de Pirada (1957) > Escala 1/50 mil  > Posição relativa de Pirada, Tabassi e Bajocunda, e já no Senegal as tabancas de Perim e Sinchã Sari. Pirada estava nas proximidades do marco fromnteiriço 69.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)

 
Pirada ficava a pouco mais de um quilómetro da fronteira com o Senegal. As tabancas de Perim, a nem um quilómetro, Sinchã Sore [gralha ?, na carta de Pirada está grafado o topónimo  Sinchã Sari] a pouco mais de dois da linha da fronteira e Sare Bocar a pouco mais de cinco.

Guinjé > Bissau > 10 de junho de 1967 > O Abdulai Jamanca, então 1º Cabo, a ser condecorado. Foto reproduzida na pág. 161.

Fomos a corta mato, sem qualquer problema e entrámos pela tabanca de Sare Bocar. Era mais ou menos meia-noite quando o Alferes Jamanca bateu à porta de uma casa. Saiu um homem.

   Onde é a casa do chefe da tabanca?  − perguntou o alferes.

O homem apontou para uma casa e o Jamanca disse para vir connosco. Acordado o chefe da tabanca, cumprimentaram-se e o João Bacar Jaló, o comandante da nossa companhia, disse ao Jamanca para ele dizer ao chefe da tabanca que dissesse à população que retirasse todos os seus haveres, porque a tabanca ia ser incendiada.

Três ou quatro homens da tabanca acordaram e juntaram-se ao chefe da tabanca. Este, depois de ouvir o Jamanca, perguntou:

− Mas de onde vocês vieram?

− Guiné Portuguesa  − respondeu o João Bacar.

O chefe da tabanca, que só via africanos à sua volta, pensou que éramos do PAIGC.

− Mas vocês estão enganados. Isto aqui é Senegal!

− Nós somos obrigados a queimar as vossas tabancas porque o PAIGC sai daqui e vai ao nosso território queimar as nossas tabancas e depois volta para aqui respondeu o Jamanca.

Depressa os residentes da tabanca começaram a retirar as suas coisas, enquanto os soldados começavam a chegar fogo às casas.

Quando o primeiro soldado ateou o lume, um morador, surpreendido, gritou:

− Mas é verdade, isto não é brincadeira!

A certa altura, a situação parecia ter tomado conta dos soldados que, entusiasmados, pareciam não querer sair dali. O alferes Justo conseguiu pôr ordem, avisando-os que se algum deles ficasse ferido havia ordem para lhe tirar a arma, equipamento e farda e deixá-lo no local. 

Acalmaram rapidamente e seguimos para a Sinchã Sore, onde a acção se repetiu, praticamente da mesma forma. E quando o dia[15] já estava a nascer chegámos a Perim e a única diferença foi ser já de dia. Estas duas tabancas eram de menor dimensão e arderam quase na totalidade. Depois retirámos, sem incidentes na direcção de Pirada, utilizando o carreiro.

A partir desta data, confirmou-se mais tarde, as nossas tabancas na zona da fronteira deixaram de ser queimadas pelo PAIGC e nós passámos a proceder da mesma forma, também deixámos de importunar as tabancas do Senegal.

Quando entrámos em Pirada, o comandante Calvão estava à nossa espera. Depois de ouvir as nossas notícias, meteu-se numa avioneta e foi fazer um voo de reconhecimento para ver os resultados. Só a primeira tabanca, a de Sare Bocar não tinha ardido completamente, mas mais de metade tinha ficado em cinzas.

Nesta altura soubemos o resultado da emboscada ao nosso grupo que, no dia anterior, escoltava viaturas civis. Tinha tido dois mortos, um cabo miliciano[16] e um soldado[17]. O cabo miliciano tinha acabado a escola de rádio telegrafista e tinha sido colocado na 1ª CCmds Africanos. Nem se chegou a apresentar ao comandante da companhia, morreu no caminho. Na emboscada morreram ainda dois civis, um condutor chamado Fernandes[18], residente em Bafatá,  e um ajudante[19]. Depois destas notícias, regressámos a Bajocunda, onde a nossa companhia estava sedeada.

Corremos aquela área toda, todos os dias um grupo nosso saía para a mata das zona da fronteira.

(Continua)

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Notas do autor ou do editor:

[1] Nota do editor: em 11 Fevereiro 1970.

[2] Nota do editor: em 18 Junho de 1970

[3] Nota do editor: Soldado Nicolau Tomás Cabral.

[4] A este local, onde se concentra a população, os Mandingas chamam bantaba e os Fulas Banta.

[5] Nota do editor: da CArt 2438, comandada pelo Cap Art Veiga Vaz e a pouco mais de um mês do termo da respectiva comissão; em Bajocunda estava instalado, desde 27 Junho 1970, o COT1 (Comando Operacional Transitório 1), comandado pelo Major Inf Nuno Valdez dos Santos, então recém-criado “com a finalidade de fazer face a uma intensificação da actividade inimiga sobre a região de Pirada/Bajocunda (...) e ficando na dependência do Comandante do Agrupamento 2957”, sediado em Bafatá sob o comando do Coronel Art Neves Cardoso.

[6] Nota do editor: em 04 Julho de 1970

[7] Nota do editor: desde 17 Março 1970, sede da CCaç 2571.

[8] Comandante Alpoim Calvão.

[9] Nota do editor: desde 23 Junho 1970, guarnecida com 3 pelotões da CCaç 2658 e 3 pelotões “Fulas” da CArt 11/CTIG.

[10] Nota do editor: Mário Rodrigues Soares instalou-se na Guiné em 1948 e montou no posto fronteiriço de Pirada um estabelecimento comercial ligado à “Casa Gouveia”. Em Setembro de 1974, em risco de ser fuzilado pelo PAIGC, conseguiu escapar e chegar a Lisboa, onde ficou detido 45 dias em Caxias. Morreu em Abril de 1995.

[11] Nota do editor: sobre o rio Mael-Jaubé, quase paralelo à fronteira desde Pirada a Oribodé, para leste.

[12] Nota do editor: BArt 2857.

[13] Nota do editor: CCaç 2571.

[14] Nota do editor: da CArt 2438, instalada em Bajocunda

[15] Nota do editor: 5 Julho de 1970.

[16] Nota do editor: Cabo Mil Julião Albano Cabral.

[17] Nota do editor: Soldado José Augusto Maru Djaná.

[18] Nota do editor: Rufino Gomes Fernandes.

[19] Nota do editor: Mamadu Bobo Jaló, residente em Nova Lamego.

[Seleção / Revisão e fixação de texto / Subtítulo / Negritos: LG]

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Nota do editor:

domingo, 22 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P24005: Facebook...ando (71): Brincando, em Bajocunda, já no final da guerra, com uma pista elétrica de carros de corrida, um brinquedo então na moda na metrópole (Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323, Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74)

Guiné > Região de Gabu > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 >  "Em Bajocunda não era só guerra também nos divertíamos de vez em quando em 73/74"... Foto do álbum do Amílcar Ventura.

Foto (e legenda): © Amilcar Ventura (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1.  O Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves, membro da nossa Tabanca Grande desde 9 de maio de 2009 (*), publicou a foto acima na nossa página do Facebook (Tabanca Grande Luís Graça), no passado dia 20. (**)

A foto chamou-me a atenção, não tanto pela legenda ("Em Bajocunda, na Guiné Bissau, não era só guerra também nos divertíamo-nos de vez em quando em 73/74"), quando sobretudo pela "cena retratada": dois militares (um deles, pode ser o próprio Amílcar Ventura)  "brincam" numa pista elétrica de corridas, daquelas que estavam então na moda, na metrópole, e que hoje pertencem à pré-história dos nossos brinquedos, sendo vendidas a preço de saldo no OLX ou na Feira da Ladra... Outros dois militares acompanham as "peripécias" da corrida... A pista não podia ser grande (talvez 10 metros, com duas faixas e dois carros) e só se podia usar quando havia luz elétrica, à noite... O local só pode ser um dos quartos dos furrieis...

Não era vulgar encontrar-se este "brinquedo", no meu tempo (1969/71), nos nossos quartéis... Nessa época, a maior diversão, à noite, eram os jogos de cartas (e nomeadamente a "lerpa" ou o "king"). Ou a "botelada", em campo pelado, ao fim da tarde... 

Fica aqui o "achado"... Obrigado ao Amílcar por desencantar esta imagem do seu álbum, que também fala muito do nosso quotidiano...
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Notas do editor:

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19286: FAP (113): Os pilotos do Lobo Mau (helicanhão), José Duarte Príncipe e Raul Coelho, foram quem identificou e sinalizou a ambulância russa do PAIGC, entre Copá e a fronteira do Senegal, quando estavam a dar proteção ao grupo do Marcelino da Mata, "Os Vingadores", em fevereiro de 1974 (Miguel Pessoa)


Guiné > Região de GTabu > Setor L3 >  Nova Lamego >  1974 > ; Ambulância do PAIGC, de fabrico soviético, capturada pelas NT em fevereiro de 1974. (*)

Foto (e legenda): © António Santos (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu >  Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 > O fur mil mec auto Amílcar Ventura em ambulância capturada ao PAIGC [, entre Copá e a fronteira, em fevereiro de 1974, pelo Grupo do Marcelino da Mata e o Astérix, nome de guerra do cap paquedista Valente dos Santos, da CCP 122 / BCP 12,  BA 12, Bissalanca, 1972/74. Fotos do álbum de Amílcar Ventura, ex-fur mil mec auto, 1ª CCAV / BCAV 8323 (Pirada, Bajocunda, Copá, 1973/74), natural de (e residente em) Silves. (**)

Foto (e legenda): © Amilcar Ventura (2009). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego >  CCS/BART 6523 (1973/74) >  O ex-1º cabo enf Alfredo Dinis, já falecido, junto à ambulância capturada ao PAIGC.

Foto do álbum do José Saúde, ex-fur mil op esp / ranger, CCS do BART 6523 (Nova Lamego, 1973/74), residente em Beja. (***)

Foto (e legenda): © José Saúde  (2018). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Gabu > Bajocunda > 1.ª CCAV/BCAV 8323, 1973/74 >  Mais uma foto da ambulância capturada ao PAIGC, de matrícula FF554CN.  Foto do álbum do camarada António Rodrigues, um dos bravos de Copá, ex-soldado condutor auto, da 1ª CCAV do BCAV 8323 (Bajocunda e Copá, 1973/74) (****)

Foto (e legenda): © António Rodrigues  (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Miguel Pessoa,  com data de hoje, 17h36:

Caros editores

Li no blogue o texto do José Saúde sobre a famosa ambulância “sacada” ao PAIGC e trazida pelo Marcelino da Mata para o nosso território (Poste 19283) (***).

Sabendo de uma versão mais apurada do acontecido, resolvi contactar o José Duarte Príncipe, o piloto do helicanhão que esteve envolvido directamente neste episódio e, porque não quero falar por interposta pessoa, pedi-lhe um comentário ao que ali foi escrito.

Aqui fica a sua resposta. Para que conste.

Abraço.
Miguel Pessoa

José Duarte Príncipe.
Foto: cortesia da sua  página do Facebook
2. Mensagem do José Duarte Principe, hoje piloto da aviação comercial, ref, ex-alf mil pil, AL III, Bissalanca, BA 12, 1972/74,  recebida e retransmitida pelo Miguel Pessoa:

Caro Miguel Pessoa:

Em resposta ao teu mail,  fui fazer uma visita ao blog que me enviaste e constatei que a história está incompleta (***).

De facto, o Marcelino participou com os seus "muchachos" no transporte e escolta à ambulância, inicialmente até Piche e depois até Bissau. (Esta segunda hipótese é apenas um palpite da minha parte, porque eu e o Raul Coelho estávamos em destacamento em Nova Lamego e aí permanecemos, não acompanhando portanto o seu trajecto até ao destino final.)

Efectivamente, a descoberta foi feita por mim e pelo primeiro cabo Cardoso, cuja destreza no canhão era sobejamente conhecida .

O avistamento do veículo aconteceu durante uma acção de apoio de fogo e reconhecimento da área em que o Marcelino estava a operar na picada entre Bajocunda e Daifa,  no pressuposto de existir armamento abandonado pelo PAIGC no trajecto entre as duas povoações .

Foi com alguma dificuldade que conseguimos identificar o veículo, porque estava coberto com um camuflado - o que inicialmente, pela silhueta, nos pareceu um carro de combate parecido ás nossas Panhards.

Depois de algumas manobras á vertical,  pedi ao Cardoso para fazer um tiro, com o intuito de acalmar algum "meliante"  que estivesse por perto e com vontade de nos "abonar".

Para grande surpresa nossa, como o tiro bateu relativamente perto do alvo, levantou-se o referido camuflado,  pondo assim a descoberto a tal silhueta, que mais não era que uma ambulância, por sinal muito parecida com as antigas Comet,  de fabrico inglês.

Depois disto, em contacto com o grupo do Marcelino, foi-lhe dada orientação por mim para o local que curiosamente era em território senegalês, bem encostadinho à fronteira que dividia os dois territórios.

A tarefa de recuperação do veículo não se apresentava fácil, porque a vegetação era densa em direcção á nossa fronteira e era necessário transpô-la o mais rapidamente possível para evitar surpresas ou encontros indesejados.
Marcelino da Mata, alferes graduado, c. 1974.
 Foto: DN - Diário de Notícias,
de 4 de janeiro de 1998 (com a devida vénia)

Para isso, foi necessário munir o grupo com uma motosserra que o Raul Coelho tratou de ir buscar a Nova Lamego, enquanto eu continuei a dar proteção ao grupo, não fosse o diabo tecê-las.

Quando o Raul chegou com o tão desejado equipamento, ficou ele a dar protecção á rapaziada, enquanto eu voltava à "rasquinha" de combustível para Nova Lamego para abastecer e substituir o Raul Coelho que também já estava perto do "bingo" (nos limites de combustível).

O resto foi uma alternância entre os dois na protecção ao Marcelino, que durou até ele conseguir chegar à picada e prosseguir depois duma forma mais rápida com destino a Piche, onde a ambulância permaneceu até ser enviada para Bissau dias depois.

Esta tarefa terá demorado seguramente parte de toda a manhã, entrando pela tarde,  até estarmos todos num estado de esgotamento apreciável.

Curiosamente descobri no Facebook o MMT do Exército que conduziu o veículo ao longo de todo o trajecto. Infelizmente não consigo as fotos que me enviou durante o nosso diálogo, porque ele desistiu de ser facebookiano e eu não guardei a preciosidade que as fotos representavam.

Espero que esta "seca" sirva para te esclarecer dos acontecimentos tal como foram vividos na altura.

Duarte Príncipe.


3. Comentário do editor LG:

Miguel, vem mesmo a propósito, o depoimento do teu amigo e nosso camarada José Duarte Príncipe... Nada como ir à fonte...O José Duarte e o Raul Coelho, pilotos de AL III, e os respetivos 1ºs cabos apontadores de canhão (O Cardoso e outro camarada, de que não sabemos o nome) é que são os heróis desta história, sem com isso queremos tirar o mérito ao grupo do Marcelino da Mata que trouxe o "ronco", a ambulância russa, até pelo menos Nova Lamego.

Eu já tinha ido recuperar um poste do Carlos Fernandes, de há oito anos atrás, em que ele diz ter feito parte do Grupo do Marcelino da Mata, "Os Vingadores", na qualidade de guarda-costas do cap pára Valente dos Santos ...e ter participado nesta operação (Op Gato Zangado)... O mérito da descoberto é do piloto do helicanhão, parece não haver dúvidas... E imagino que terá sido preciso muito sangue frio, persistência, coragem e perícia por parte dos pilotos... voando tão baixo.(*****).

Agradece muito, da minha parte, ao José Duarte Príncipe. Acabo de publicar a sua versão, preciosa, neste poste da série FAP... E já agora fica aqui o convite para ele (e o Raul Coelho) se juntarem aos bravos da Guiné, de terra, ar e mar, e dar-nos a honra, aos vivos e aos mortos, de sentarem à sombra do nosso poilão... (*******)

PS1 - O Carlos Fernandes, nosso grã-tabanqueiro, alega ter sido eliminado dos páras (CCP 122) pela "Aeronáutica Militar" (sic) em novembro de 1973... Não diz porquê... Passou para o exército e depois foi guarda-costas do Asterix (o Valente dos Santos)... Sabes algo mais sobre este camarada Carlos Fernandes, ex-1º cabo pára, também da CCP 122 / BCP 12, que andou por lá entre finais de 1971 e agosto de 1974 ?...  Vd. aqui entrevista sua ao DN, Diário de Notícias, de 4 de janeiro de 1998. Nâo tenho há muito notícias dele.

PS2 - Em complemento, o Miguel Pessoa diz.me que o Duarte Príncipe e o Cardoso formavam a equipa do Lobo Mau (Helicanhão). O Raul Coelho também pilotava na altura um Helicanhão, AL-III.  Devia também um apontador. Não era habitual haver uma parelha de helicanhões numa operação.  Mas nesta operação (Op Gato Zangado) talvez se justificasse. Quanto ao Carlos Fernandes, o MIguel não tem ideia dele.
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(**)  17 de janeiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14156: Casos: a verdade sobre... (3): Jaime Mota (1940-1974), combatente do PAIGC, natural da ilha de Santo Antão, Cabo Verde, morto em 7 de janeiro de 1974, em Canquelifá por forças da CCAÇ 21 - Parte III (Luís Graça / José Vicente Lopes / José Manuel Matos Dinis)

(***) Vd. poste de 12 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19283: Memórias de Gabú (José Saúde) (73): Ambulância apanhada ao PAIGC (José Saúde)

(****) Vd. poste de 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14214: Memórias de Copá (5): Janeiro e Fevereiro de 1974. (António Rodrigues)

(*****) Vd. poste de 21 de outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7150: Tabanca Grande (249): Carlos Fernandes, ex-1º Cabo Pára (CCP 122, 1971/74) e ex-elemento do Grupo Os Vingadores, do Alf Grad Marcelino da Mata

(...) Luis Graça, o que de momento me leva a enviar estas palavras é para falar a respeito da notícia sobre a Ambulância, que foi capturada entre Copá e a Fronteira [com o Senegal]. Eu estive nessa operação, eu e o capitão Asterix (que não era o António Ramos, mas sim o Valente dos Santos).

Nessa altura, ou seja entre fins de 1973 a agosto de 74, quem fez parte do COE , foram o Major Veiga da Fonseca, do Exército, já falecido, e o Capitão Pára Valente dos Santos de quem junto uma foto de grupo, onde estou eu e o Valente dos Santos (...) . Foi tirada em Bula a quando da entrega das Boinas Vermelhas. Foi o nosso grupo o primeiro a usar tal cor de boina.

Hoje a Boina, que o Marcelino usa nesta foto , que também junto (...) , fui eu que lha ofereci, antes de ter vindo viver para a Madeira. Dei-lhe o crachá bem como os emblemas do grupo, os Vingadores.

Pois nessa operação, que teve por nome Gato-Zangado, em Fevereiro de 74, saímos de Bajocunda, andámos toda a noite... A operação consitia em armadilhar as linhas de água, com as "Bailarinas" e as "Viúvas Negras", pelo Alferes Tarro, do Exército. Eu fiquei encarregue de lhe fazer a segurança, a esse Alferes.

Já tinhamos colocado algumas armadilhas na zonas de água e estavamos no nosso descanso, quando aparecem dois sujeitos da população do PAIGC, com uns baldes, para irem buscar água, dentro do território deles. Aí começa a caça ao inimigo. Houve uma troca de tiros e, na perseguição, encontrámos caixotes de Armamento, granadas de RPG, bem como Armas.

Foi pedido apoio aéreo, na retirada do material, e foi numa das voltas do héli-canhão, que se deu com algo escuro, que de cima não deu para ver o que seria. Foi com base na informação do piloto do héli, que deparámos com uma viatura tipo Ambulância que se encontrava tapada, camuflada com árvores cortadas, com o sistema de ligação estragado. Foi o Marcelino que conseguiu colocá-la a trabalhar, depois de pedir combustível a Bajocunda, que era o quartel mais perto. Depois a Ambulância foi levada até Massacunda, local onde estava uma coluna de mantimentos para Copá e Bajocunda.(...)


(******) Último poste da série > 24 de outubro de 2018 > Guiné 61/74 - P19133: FAP (112): Há aviões... e aviões, há o Cessna 152 e o Dornier, DO 27 (E. Esteves de Oliveira)