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quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23594: Historiografia da presença portuguesa em África (332): Região de Tombali, "chão balanta"? [Cherno Baldé, n. circa 1960 / Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)]


Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J. P. Garcia de Carvalho (1949) (Desenho de A. Teixeira da Mota) (*)


I. Os militares portugueses que estiveram na Guiné, no período da guerra colonial / guerra do ultramar (1961 / 74), a começar pelos oficiais (quer do QP quer milicianos),  tinham muito poucos conhecimentos etnográficos e historiográficos sobre o território (a não ser alguns estudiosos como o oficial da Marinha, A. Teixeira da Mota e, claro, os agentes da administração colonial... e os missionários). 

Não admira, por isso, que haja por vezes, nos nossos escritos, informações erróneas ou menos precisas como, por exemplo, dizer que a região de Tombali é (ou era, naquele tempo)  "chão balanta". (**)

(...) "A população de Bedanda é hoje predominantemente fula, quando a região foi sempre,
ao longo dos anos, chão balanta.(...) (In:"Panteras à Solta", de Manuel Andrezo, ed. autor, s/l, 2010, pág. 76)

É verdade que os balantas, nos anos 60, estavam em maioria, demograficammete falando e constituíam, só por si, o grosso da guerrilha.  Mas a sua presença na região não tinha mais do que 40 e tal anos... Vários grupos étnicos foram passando por aqui ao longo dos séculos, a começar pelos nalus... 

A este respeito, vamos reproduzir dois pontos de vista, guineenses, o do Cherno Baldé (assessor do nosso blogue para as questões etno-linguísticas) e o do nosso saudoso amigo engº agrónomo Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014), cofundador e líder histórico da ONGD AD - Acção para o Desenvolvimento, com sede em Bissau.


(i) Cherno Baldé (n. circa 1960, em Fajonquito, economista, vivendo em Bissau), comentário ao poste P23590 (**):

(...) Alguns esclarecimentos que se impõem sobre a situação da área de Bedanda, conforme descrita no presente Poste:

1. (...) "Sabe-se que populações balantas emigraram, nos anos 20/30, para a região de Tombali e ali desenvolveram a cultura do arroz. No sul, os balantas (mas também biafadas, mandingas, nalus, sossos...) são aliciados pelo PAIGC. A economia da região fica totalmente desarticulada. Bedanda, em pleno chão balanta, é agora ocupada maioritariamente por fulas fugidos do Cantanhez e doutras partes."

Efectivamente, como descrito no incio deste parágrafo, os Balantas no sul não estão no seu práprio "chao", são imigrantes que vieram do Norte onde está situado o seu chão, mais ou menos na região situado entre os rios Geba e Cacheu ou Farim. 

Bedanda, assim como toda a Peninsula de Cubucaré (maior parte da região de Tombali, que vai de Guileje até Cabedu na foz do rio Cumbijã), é chão Nalu, mas que estava sob domínio Fula desde a segunda metade do Século XIX. 

Por isso os régulos assim como os Chefes de Tabancas são da etnia Fula sem surpresas porque estão em terras conquistadas a ferro e fogo quando a presença portuguesa na zona se limitava a alguns presidios e feitoras, nomeadamente Bolama e, mais tarde, Buba, para contrariar ao avanço do exército do estado fula de Futa-Djalon. 

Foram os portugueses que promoveram e encorajaram o regresso de Nalus e Biafadas às suas terras de origem donde tinham sido expulsos pelos novos conquistadores vindos das montanhas de Boé e de Futa-Djalon, estando praticamente acantonados em algumas ilhas e zonas de tarrafo nos rios e na costa maritima. E, ironia do destino, serão estes (Biafadas e Nalus) os primeiros a se levantar contra a presença militar portuguesa no ataque ao quartel de Tite em 23 de janeiro de 1963.

2. (...) "O capitão não aceitava que a população sob o controlo das suas tropas vivesse pior do que a população controlada pelos guerrilheiros. Do lado deles não havia falta de arroz, mancarra, mandioca e óleo. Do lado da tropa tinham apenas cana, tabaco e panos que os comerciantes traziam de Bissau, e o arroz que compravam às mulheres dos guerrilheiros." (...)

Evidentemente que sim, era o estado normal das coisas antes do eclodir da guerra em 1963. Para aquelas populações, o mais importante era a sua subsistência social e económica dentro dos limites e condições materiais que lhes permitiam sobreviver e não a guerra, num circuito comercial multissecular de trabalho e de troca de produtos que consideravam normalissimo, não fora as alterações repentinas, surgidas do conflito em presença e da vinda, cada vez mais numerosa de forças expedicionarias destinadas a impulsionar a contraguerrilha. 

E, na opinião de muitos analistas, teria sido esta a fase em que, de facto, os portugueses perderam a guerra, ao perderem a possibilidade do controlo da população, designadamente Balanta que, incompreendidos e maltratados acabaram por vacilar para o lado dos "terroristas" com os quais, à partida, não partilhavam os seus ideais politícos e nem tinham quase nada em comum, sendo a maioria de origem urbana e pertencentes a outras etnias do país e dos países vizinhos.

Estes relatos e bravatas de "heróis de Ponta Cabral" são muito tipicos dos primeiros anos do conflito quando a guerra ainda parecia quase "uma brincadeira de mau gosto de um punhado de pretinhos do Ultramar". (...)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje  (1-7 de março de 2008)> Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, na altura com 87 anos e entretanto já falecido em 21 de janeiro de 2011, em Cadique, capital do seu reino. O rei dos nalus considerava o Pepito como "filho adoptivo". (***)

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservad
os. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


(ii) Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), engº agrónomo, cofundador e director da AD - Acção para o Desenvolvimento. Excertos do poste P3070 (**)

(...) O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez. (...)

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso (...). Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração (...).

(...) Parece (...) indiscutível que os Nalus eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

(...) Com a Convenção Franco-Portuguesa de 1886, procede-se a uma nova delimitação das possessões  do rei dos  Nalus: a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.(...)

(...) Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalus contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalus começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalus para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalus que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalus.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
  • Regulado de Guiledje: tabanca de Cafunaque (8 pessoas)
  • Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
  • Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, Artur Agusto Silva, recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3009 Nalus.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez. (...)

Em 1946 havia 1295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes. (...) 

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalus que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se, tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbijã, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. 

Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

(...) Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos. (...)

Se, nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973), a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico. (...) (****)

[ Selecção / revisão / fixação de texto/ negritos: LG ]
___________

Notas do editor:



quarta-feira, 18 de abril de 2018

Guiné 61/74 - P18533: (D)outro lado do combate (27): A mobilidade das populações por efeito da guerra: o caso de Quitafine, com 41 tabancas que foram riscadas do mapa (ou cuja população foi deslocada), segundo relatório de cabo-verdiano, comissário político, José Araújo (1933-1992), casado com a Amélia Araújo, a nossa "Maria Turra" (Jorge Araújo)


Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira" [dois cérebros da guerra, sendo o primeiro, cabo-verdiano, com formação universitária portuguesa], CasaComum.org, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/ visualizador?pasta=11025.008.026 (2018-4-13) [ Fonte:  Fundação Mário Soares > Casa Comum >Arquivo Amilcar Cabral...com a devida vénia]



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger, CART 3494  
(Xime-Mansambo, 1972/1974).


Mensagem do nosso editor, Jorge Araújo, com data de 13 do corrente:

Caro Luís, boa tarde.

Perdi a cabeça... numa 6.ª feira, treze.

Fiz mais um texto... deixando para trás outros mais antigos... é a vida!

No final do documento coloquei mais três fotos para, caso entendas escolher alguma, ou todas, as poderes utilizar.

Até breve. Bom fim-de-semana.


Ab. Jorge Araújo.

GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE > A FISIONOMIA HUMANA NO SECTOR DE QUITAFINE [FRENTE SUL] APRESENTADA POR JOSÉ ARAÚJO À DIRECÇÃO DO PAIGC EM RELATÓRIO DATADO DE 16OUT1971: A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES POR EFEITO DA GUERRA 


1.  INTRODUÇÃO



Porque tudo na vida é processo e projecto, conceitos que se reformulam na dialética "ordem / desordem" para dar lugar a uma nova "ordem", apresento hoje no fórum mais um tema novo, se a memória e a investigação não me atraiçoam, este relacionado com a "mobilidade das populações da Guiné, do nosso tempo, por efeito da guerra". (*)

É que, de facto, o comportamento psicossocial das populações no início do conflito ficou marcado, ou foi influenciado, inexoravelmente, pela sucessão de acontecimentos, que deram lugar a uma inevitável "desordem" social e étnica, alguns ainda antes do 23 de janeiro de 1963, com o ataque ao quartel de Tite, localizado na região de Quínara, e que depois se alargaram cumulativamente a todo o território.

A oportunidade desta apresentação, a meu ver, enquadra-se nas imagens que o nosso camarada tertuliano, o ex-alf mil inf Luís Mourato Oliveira,  tem vindo a partilhar neste espaço colectivo que é a «Tabanca Grande», e que estiveram guardadas durante mais de quatro décadas no seu baú de memórias. (**)

Por isso é justo e oportuno agradecer-lhe essa disponibilidade e atenção, ele que ficou também na história da guerra por ter sido, em função dos acontecimentos do "25 de Abril", o último cmdt do Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, 1973/74) antes da proclamação da independência da Guiné, declarada em 23 de Setembro de 1974.

Por outro lado, as últimas imagens postadas nos P18504 e P18517, tendo por pano de fundo a delegação do PAIGC que visitou Missirá em julho de 1974 no âmbito dos acordos de cessar-fogo, e com as quais se fecharia o ciclo temporal deste conflito armado, que uns chama(ra)m «guerra do ultramar», outros "guerra de África", outros "guerra colonial"  e outros  ainda  «guerra de libertação», conforme a sua posição no cosmo, continuam a suscitar novas reflexões, sinal que se mantêm bem vivas, em cada um de nós, algumas das memórias gravadas ao longo das múltiplas vivências desses tempos ultramarinos, independentemente do lugar, época e contexto.

Porque nos postes acima se referem as imagens de alguns dos actos finais ocorridos na mata do interior do território (Missirá, sector L1, região de Bafatá. zona leste, "chão fula"...), proponho voltar ao início do conflito, apresentando um pedaço da "geografia social e étnica" dessa época, em particular da região da Frente Sul [, segundo o dispositivo do PAIGC], especificamente do Sector de Quitafine, por onde tenho "circulado" nos últimos tempos (entenda-se, em termos de investigado), de modo a fazer-se a ponte temporal de mais de uma década.

Em função do exposto, é difícil não concordar que a mobilidade das populações, por efeito da guerra, foi uma realidade, obrigando-as a tomar opções concretas no imediato, cujas decisões só tinham três hipóteses principais: a primeira, ficando sob o controlo da "ordem instalada" (a administração portuguesa); a segunda, transitando para além das fronteiras (exterior); e a última, aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista.

Para a elaboração deste trabalho socorri-me, uma vez mais, de um documento existente nos arquivos de Amílcar Cabral (1924-1973), disponível na Casa Comum – Fundação Mário Soares, intitulado «Relatório sobre o Sector de Kitáfine», assinado por José Araújo, Comissário Político e Produção para a Frente Sul, datado de 16 de Outubro de 1971, com trinta e nove páginas (sitio: hdl.handle.net/11002/fms_dc_40058).





Folha de rosto e introdução do relatório do José Araújo, "O Sector de Kétafinme" (sic), datilografado, 39 páginas, datado de 16 de outubro de 1971, e feito na base de Kandiafara (Guiné-Conacri). Fomte: Fundação Mário Soares > Casa Comum > Arquivo Amílcar Cabral (com a devida vénia...)


Quanto ao perfil de José Araújo, de seu nome completo José Eduardo de Figueiredo Araújo (1933-1992), à data do relatório, ele era também membro do Conselho Superior da Luta e do Comité Executivo da Luta. 

À laia de resenha biográfica, acrescente-se que este dirigente do PAIGC nasceu em 1933 na cidade da Praia, ilha de Santiago, em Cabo Verde, foi aí que fez os seus estudos primários. Em 1942, com apenas 9 anos, seguiu com a família para Angola, uma vez que o seu pai era funcionário da Fazenda (Finanças). Com uma bolsa de estudos atribuída pelos Correios de Angola, José Araújo desloca-se para Lisboa com o objectivo de realizar os seus estudos universitários na Faculdade de Direito de Lisboa, onde, em 1961, concluiu a sua licenciatura em Direito. 

Porém, no ano anterior tinha-se tornado militante do MPLA na clandestinidade, depois de ter-se envolvido numa intensa actividade associativa universitária. Em 1961 faz parte do grupo de africanos,  universitários, que decidem fugir para França. Seguiu-se depois o Gana. Após ter militado no MPLA, associa-se ao PAIGC, vindo a instalar-se em Conacri, com a sua família, dois anos depois, em 1963.

Com a independência da Guiné-Bissau, as suas novas funções políticas foram desenvolvidas como ministro do Secretariado. Entre 1975 e 1980, foi ministro sem pasta. Após essa data transferiu-se para Cabo Verde, onde desempenhou as mais elevadas responsabilidades políticas no novo contexto, em particular o cargo de ministro da Educação. Viria a falecer na sua terra natal, exactamente dezanove anos depois do assassinato de Amílcar Cabral, em 20 de Janeiro de 1992 (Fonte: adapt. de pascal.iseg.utl.pt/~cesa/images/files/ diaspora2016_texto4.pdf).

À data da sua morte era casado com Amélia Araújo, a locutora da "Rádio Libertação", conhecida entre nós como "Maria Turra"  (vidé P15434).


2. A MOBILIDADE DAS POPULAÇÕES NO SECTOR DE QUITAFINE POR EFEITO DA GUERRA – 41 TABANCAS DESAPARECIDAS


A propósito do conteúdo do "relatório" elaborado por José Araújo, este refere que ele tem por base a sua missão ao Sector de Quitafine [, Kétafine, sic, como vem grafado no relatório], realizada entre 14 de setembro e 8 de outubro de 1971. Aí teve a oportunidade de contactar com todos os responsáveis desse sector, incluindo a visita a duas bases do Exército (em Comissorã e em Cabonelo), ao Hospital (em Campo, ou Campum, no relatório) e ao Posto Civil (em Cassacá), local histórico para o PAIGC, pois foi aí que realizou o seu 1.º Congresso, que decorreu entre 13 e 16 de fevereiro de 1964.

Acrescenta que o Sector de Quitafine foi dos primeiros em que se fez a mobilização e se instalou a luta armada. Foi aí, no mato de Campo, que, dizem os pioneiros, nasceu a primeira "barraca" [acampamento] do partido no Sul, ainda antes da guerra.



Guiné > Região de Tombali > Carta de Cacine (1960) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Cassacá, a 15 km a sul de Cacine, região também como conhecida como Quitafine (falta-nos  a carta de Cassumba, com a ponta sul de Quitafine, que não está "on line"... Ver também carta de Cacoca.)

Fonte: Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018)

"A situação criada à aviação inimiga [NT] com a instalação de antiaéreas em Quitafine e as pesadas derrotas que sofreu na sua tentativa de recuperação dessas armas, talvez expliquem a sanha com que se dedicou à destruição de tudo quanto via mexer em Quitafine, nos anos 68 e 69. A partir de 69 (fins), Quitafine começou a "arrefecer". […]

"É preciso ter-se em conta este passado para se compreender muito da actual fisionomia de Quitafine e os seus problemas. Quitafine, que era das áreas mais povoadas do Sul, só tem hoje [1971] 12 tabancas, organizadas em 9 comités. Repare-se que aquilo a que hoje se chama Tabancas e a que se dão nomes antigos, pouco tem a ver com as antigas tabancas. As populações, que conservaram os nomes das suas antigas tabancas, estão dispersas nos tarrafos e num ou noutro mato mais favorável. 

Além disso, grande parte (se não a maioria) da população das tabancas antigas ainda "presentes" dispersou-se pelas tabancas fronteiriças da República da Guiné, quando não foi juntar-se aos tugas. Penso também que alguns erros cometidos no trabalho político inicial devem explicar a actual fisionomia humana de Quitafine" (op. cit., pp 2/3).


No Relatório estão identificados os nomes de quarenta e uma Tabancas que deixaram de existir na região de Quitafine, e que serão referidas abaixo.

A organização da sua apresentação contém alterações em relação à original. Como metodologia seleccionada, optámos pela ordenação alfabética para melhor localização da ordem estabelecida. Quanto ao conteúdo textual, existem algumas (pequenas) correcções, particularmente no que concerne à construção semântica e unificação da descrição, mas que não alteram o sentido apresentado.

Eis, então, os nomes da Tabancas desaparecidas por efeito da guerra no Sector de Quitafine (n=41)

● BANERE –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CAMABANGA e SATENIA, na República da Guiné. O chefe – Mamassalu – encontra-se na segunda destas tabancas.

● BIRCAMA –> Tabanca de Beafadas. Foram todos para os tugas.

● CABOBAR –> Tabanca de Nalús, pequena. Uma morança só. Toda a gente retirou-se para GÃ BIT FONE, CARAQUE e BISSAMAIA, na República da Guiné.

● CABOXANQUE –> Tabanca de Fulas. Foram todos para a República da Guiné, tendo-se instalado em várias tabancas, em especial na de CUN-HA e CAMABANGA. [Não confundir eventualmente com Caboxanque, no Cantanhez, na oputra margem do Rio Cacine]

● CABOXANQUEZINHO –> Tabanca de Fulas e Tandas. Os tandas espalharam-se na República da Guiné, longe da fronteira. Os Fulas foram para os tugas, à excepção de duas pessoas (Beila  Baldé e a irmã), que foram para CALAFIMETE, na República da Guiné.

● CABOMA –> Tabanca de Sossos. Só duas pessoas foram para os tugas. O resto juntou-se à população de CAMISSORÃ.

● CABONEPO –> Tabanca de Sossos e Beafadas. Havia também um cabo-verdiano de nome Leão Gabriel. O caboverdiano foi para Dacar (ao que parece). O resto foi para CARATCHE, GAFARANDE e CABACO, na República da Guiné. Só ficou um Homem Grande, de nome Idrissa Keita, que se instalou no mato, em CASSACÁ.

● CACAFAL –> Tabanca de Nalús. Toda a gente foi para os tugas, à excepção do camarada Ansumane Djassi, do Exército, que está em FULA MORI.

CACOCA –> Tabanca de Sosso, Nalús, Bagas, Fulas e Lândumas. Só se retirou uma família (Canforseco Keita), que está em CAPOQUENE. O resto ficou com os tugas.

● CADUCÓ –> Tabanca essencialmente de Nalús. Foram para a fronteira, tendo-se instalado em CAN-HOR, uma parte, e a outra em CATCHIQUE.

● CAIANQUE –> Tabanca de Nalús. Refugiaram-se em CAMAÇO e CATCHIQUE, na República da Guiné,

● CAIÂNTICO –> Tabanca de Beafadas. Foi gente para os tugas e o resto para HAMDALAYE e CABUM-ANE, na República da Guiné.

● CALAQUE –> Tabanca de Sossos, Fulas, Manjacos e Lândumas. À excepção de duas moranças de Manjacos, toda a gente retirou-se para tabancas fronteiriças da República da Guiné. As duas moranças de Manjacos instalaram-se no mato de CALAQUE.

● CAMBAQUE –> Tabanca de Nalús. A maioria da população foi para os tugas. Alguns elementos foram para CASSAMA e CARAQUE, na República da Guiné. 

● CAMBEQUE –> Tabanca de Nalús. Retirou para BAKILONTON E IAMAN, na República da Guiné. Alguns foram depois daí para os tugas.

● CAMBRAZ –> Tabanca de Mandingas. Toda a população juntou-se aos tugas.

CAMECONDE –> Tabanca de Nalús. Só retiraram duas famílias (Almani Keita e Braima XCamaré), que estão em CASSANSSANE, na República da Guiné. O resto ficou com os tugas.

● CAMISSORÃ –> Tabanca de Sossos, Nalús, Mandingas, Beafadas e Fulas. Os Fulas foram todos para a República da Guiné. Houve também gente de outras tribos que se refugiou. Ficou pouca gente, que se refugiou nos tarrafos de CAMPUM [ou Campo], e que tem o seu comité.

● CAMPEANE –> Tabanca de Nalús e Sossos, essencialmente. Refugiaram-se igualmente em CAIETCHE e CATCHIQUE.

● CAMPEREMO –> Tabanca de Nalús e Beafadas. Uma morança de beafadas está em Hamdalaye. Uma outra (Mamadu Dabo) está para os lados de CANELAS. Duas famílias estão em CARATCHE (Ansumane Dabo e Tomás Dabo). O resto foi para os tugas.

● CAMPO –> Tabanca de Fulas. Retiraram-se para CASSEMAQUE, BAGADAYE, e outras, na República da Guiné.

● CANDEMPANE –> Tabanca de Nalús. Só ficou o camarada Ansumane Dabo, que é actualmente instrutor das FAL no sector. O resto foi para os tugas.

● CANFEFE –> Tabanca de Sossos e Nalús. Retiraram-se todos para tabancas da República da Guiné.

● CANTEDE –> Tabanca de Nalús. Toda a população juntou-se aos tugas.

● CANTOMBOM –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CARIMPIM –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● CASSENTEM –> Tabanca de Nalús e Balantas. Os Nalús foram para CALAFIMET e CAMAÇO, na República da Guiné. Os Balantas mantiveram-se no interior, tendo-se instalado nos tarrafos de TAFORE e CASSEBETCHE.

● CASSOME –> Tabanca de Nalús. Instalaram-se em CARAQUE, na República da Guiné.

● CATONAIE –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● CATRIFO –> Tabanca de Nalus. Toda a população foi para os tugas, à excepção da família Ali Keita, que retirou-se para MAMADIA, na República da Guiné.

● CATUNAIE –> Tabanca de Nalús. Ficou uma família (Abdu Camará) nos tarrafos de CASSEBETCHE. O resto refugiou-se em CASSEMAQUE, na República da Guiné.

● CATUNGO –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, à excepção de uma mulher, Mama Camará que está em CARATCHE, na República da Guiné.

● CAULACA –> Tabanca de Sossos e Nalús. Dessa tabanca, que se tinha retirado para a fronteira com a República da Guiné, toda a gente voltou para dentro. Estão instalados nos matos de CASSACÁ.

● CUGUMA –> Tabanca de Nalús. Foram todos para CACINE.

● CUNFA –> Tabanca de Nalús. Toda a tabanca foi para os tugas, à excepção de uma família (Amadu Dabo), que retirou-se para IAMANE, na República da Guiné.

● DÉBIA –> Tabanca de Nalús. Alguns elementos refugiaram-se em TANENE e IAMANE, outros foram para os tugas.

● MANSABATÚ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas, só tendo ficado uma pessoa – um camarada, o enfermeiro do bigrupo em missão na área, de nome Mamadu Keita, mais conhecido por Tam Atna. [Este bigrupo tinha como Cmdt Cinur N'Tchir, natural de Cafine, onde nasceu em 1943. Actuava na Frente «Buba – Quitafine»[

SANCONHÁ –> Tabanca de Beafadas. Foram poucos para os tugas, os outros estão para os lados de SANSALÉ, na República da Guiné.

● TADI –> Tabanca de Nalús. Toda a população refugiou-se em CARATCHE.

● TARCURÉ –> Tabanca de Nalús. Foram todos para os tugas.

● TUBANDI –> Tabanca de Djacancas [um subgrupo da etnia Mandinga]. Retirou para CAPOQUENE e N'DJAILÁ, na República da Guiné.

Será que alguém ouviu falar ou esteve em alguma destas tabancas? [Há referências no nosso blogue a algumas destas tabancas, não fiz unma pesquisa exaustiva.]

Aguardo. Obrigado pela atenção.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
13ABR2018.



Citação: (s.d.), "Tabanca no interior da Guiné, ao fundo distinguem-se mulheres cozinhando", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_ dc_43022 (2018-4-13) (com a devida vénia).



Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC numa tabanca", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43109 (2018-4-13) (com a devida vénia).

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 12 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18517: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (27): Visita de uma delegação do PAIGC a Missirá, em julho de 1974, no âmbito dos acordos de cessar-fogo - Parte II: Dando uma oportunidade à paz, depois de oito anos de guerra: os últimos dias dos bravos do pelotão

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Guiné 63/74 - P3070: Antropologia (6): O povoamento humano da zona do Cantanhez: apontamentos (Carlos Schwarz, Pepito)



Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Iemberem > Simpósio Internacional de Guileje > Visita ao sul > Dois homens grandes da Guiné, o Engº Agrónomo Carlos Schwarz (Pepito, para os amigos), fundador e director executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento e o Aladje Salifo Camará, régulo de Cadique Nalu e Lautchandé, antigo Combatente da Liberdade da Pátria, o rei dos nalus, hoje com 87 anos (*).

Foto: © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.




Distribuição das povoações do Cantanhez, segundo J.P.Garcia de Carvalho (Desenho de A.Teixeira da Mota)






PROJECTO ECOGUINÉ > Notas breves sobre o povoamento humano da zona de Cantanhez (versão preliminar) (**)


Texto (e infografia) : © Carlos Schwarz (2008). Todos os direitos reservados.


Bissau, Julho de 2008



Ao Aladje Salifo Camará
Régulo do Reino Nalú de Cadique,
que me adoptou como seu filho




À memória de meu pai,
Artur Augusto da Silva,
que me ensinou a compreender
e a amar a cultura dos Homens Grandes
a Guiné-Bissau



Advertência

O reduzido número de fontes escritas torna muito difícil conhecer com detalhe a história do povoamento humano de toda a zona de Cantanhez.

Recorremos a alguns documentos a que tivemos acesso, entre os quais se destacam, como sempre, os dados fidedignos coligidos por René Pélissier na sua História da Guiné (1841-1936), sendo ele próprio a reconhecer a pouca documentação existente referente ao período colonial:

“… o continente, ao sul do Rio Grande de Buba, é amplamente ignorado pelos europeus. Terras pouco amenas ao marinheiro, porque couraçadas por imensos bancos de Iodo, a sua topografia é praticamente desconhecida na época e consideram-na habitada pelos Nalús, quando o seu povoamento é muito mais complexo.”

Socorremo-nos por isso do trabalho efectuado por J.P. Garcia de Carvalho, em 1946, Nota sobre a distribuição e história dos povos da área do Posto de Bedanda, que procura sintetizar a distribuição e história de alguns dos povos do actual Cubucaré.

Os estudos realizados por Artur Augusto Silva, nomeadamente Arte Nalú em 1955 e Apontamentos sobre as populações oeste-africanas segundo os autores portugueses dos séculos XVI e XVII, permitiram compreender melhor a história da chegada dos Nalús a Cantanhez.

Igualmente o documento Tawoulia ou Tawel, Famille regnante du pays Nalou au Rio Nunez, Perfecture de Boke de 1820 a 1952, da autoria de Elhadj Sankoumba Camará ilumina muito sobre a história do povo Nalú na sua zona de concentração inicial, em Boké, actual Guiné-Conakry.

Na ausência de outras fontes, recorremos a entrevistas aos mais velhos, Homens Grandes, portadores e transmissores da História oral de geração em geração, o que permite a eventualidade de que algumas das informações não poderem ser consideradas absolutamente fidedignas, sendo bem possível que a sua transmissão possa ter sido erodida nalguns casos ou mistificada noutros, fruto de conjunturas de momento e de rivalidades étnicas.

De valor incalculável foram as informações fornecidas por Abubacar Serra, Director do Programa Integrado de Cubucaré, especialmente sobre a distribuição actual das principais etnias em todo o território de Cantanhez.

Este pequeno trabalho é o contributo de alguém que, não sendo historiador mas simples agrónomo, apenas pretende que as informações agora divulgadas permitam compreender melhor as dinâmicas de desenvolvimento económico, as revindicações territoriais em tempos em que os regulados voltam a emergir como elementos incontornáveis, ou mesmo determinantes, para a gestão do espaço e território do Parque Nacional de Cantanhez.


1. O Período Pré-colonial

Teve-se muita dificuldade em obter informações seguras referentes a este período, pelo que nos socorremos da história transmitida oralmente pelos mais velhos.

Os Nalús e os Bagas terão povoado a região do Futa Djalon na actual Guiné-Conakry por volta do século VIII, aos quais mais tarde, no século XI, se vieram juntar os Jalonkés. No século XII esta região integrou o império do Ghana e do Mali.

Nessa altura crê-se que a zona de Cantanhez era um território muito pouco habitado, tendo provavelmente a chegada dos Nalús ocorrido no século XV, vindos da Guiné-Conakry, pressionados pelos Tilibós, chefiados por Samodoi que pretendia conquistar todo o território até ao oceano.

Os Nalús, chefiados por Manga Tauliá, decidiu partir para a região de Bafatá, actual Guiné-Bissau, onde criou a tabanca de Bigine, aguardando que todos os Nalús fugidos do Futa Djalon lá chegassem. É então discutido e decidido o rumo a tomar e o local final de destino, o qual é toda a região compreendida entre os rios Tombali e Boké.

Em função das sub-divisões dos Nalús, sobretudo de ordem linguística, embora todas submetidas ao mesmo chefe, acabam por se concentrar em cinco zonas:

- uma parte entre os Rios Tombali e Cumbidjan (actual sector de Catió), onde foram encontrar os Beafadas estabelecidos em Cubisseco, Buba e Fulacunda. Estes pretenderam submeter os Nalús o que levou estes últimos a refugiarem-se na Ilha de Como;

- outros, entre os Rios Cumbidjan e Cacine (actual sector de Cubucaré), primeiramente chefiados por Manga Iura, descendente de Manga Tauliá, e depois por Saiandi que lhe sucedera;

- outra, no actual sector de Quitafine;

- uma parte, na tabanca de Cacine;

- e outra, entre os Rios Cacine e Boké.

2. Período Colonial


No século XV, os portugueses, com as caravelas de Nuno Tristão, foram os primeiros europeus a percorrer a costa da Guiné e a entrar em contacto com as populações locais, instalando feitorias e praticando o comércio de especiarias, óleo de palma, ouro, marfim e mais tarde o tráfico de escravos. Cerca de quarenta anos depois, chegam os franceses que, ultrapassando os portugueses, estenderam a sua zona de influência desde a costa atlântica até ao Futa Djalon e à Alta Guiné-Conakry.

A primeira referência à presença dos Nalús, no final do século XV, na região sul da actual Guiné-Bissau, encontra-se no Esmeraldo de Duarte Pacheco. Mais tarde, em 1669 e 1684, os geógrafos-roteirista portugueses Álvares de Almada no seu Tratado Breve dos Rios da Guiné do Cabo Verde, e Francisco de Lemos Coelho nas suas memórias sobre a Guiné, pronunciam-se de forma mais desenvolvida sobre a vida dos Nalús.

Nas Duas Descrições Seiscentistas da Guiné, Lemos Coelho assinala: “Toda a mais terra que fica daqui da boca deste rio (Rio Grande de Buba) até à boca do rio de Nuno, que pela costa são mais de trinta léguas, tudo são Nalús”.


2.1. NALÚS, os donos do Chão

O primeiro chefe do Reino Nalu foi Boya Salifo que reinou durante 3 anos, de 1837 a 1840, ano da sua morte (Foto à direita).


Parece pois indiscutível que os Nalús eram o povo que habitava esta zona, em especial os sectores de Cubucaré e Quitafine, e em alguns pontos isolados do Cubisseco, quando aportaram os primeiros portugueses a esta costa de África.

Normalmente a habitarem as zonas ribeirinhas pelo maior acesso ao palmar e à extracção do óleo e vinho de palma, praticavam sobretudo um sistema de produção de sequeiro, baseado na fruticultura e na produção de culturas alimentares de sequeiro. Só muitos séculos depois é que, por volta dos anos 1920, com a chegada dos Balantas a esta zona é que começam a praticar um sistema de produção misto: de bolanha e de sequeiro.

Segundo Camará (2), a principal tentativa para a criação de um Reino Nalú, remonta aos anos de 1780, na tabanca de Caniop, zona de Boké, na que é hoje a Guiné-Conakry. Tudo começa com o casamento entre Tokhoye e Boya do qual nascem 4 filhos varões, por esta ordem: Salifo, Lamine, Youra e Carimo.

Nesta altura todas as tabancas Nalús funcionavam de forma autónoma, não havendo nenhuma autoridade superior que as unisse.


Com a morte do pai Tokhoye, em 1837, Boya Salifo, o primogénito, assume a liderança de um processo com vista à união de todos os Nalús à volta de uma só autoridade, representada por ele. Para isso contou com o apoio dos outros 3 irmãos que se desdobraram em visitas e contactos a todas as tabancas habitadas por Nalús, especialmente em duas zonas: na baixa do Rio Nuno e entre os rios de Cacine e Tombali. O processo é coroado de sucesso, tendo o Reino dos Nalús tido 4 chefes durante toda a sua existência:

O primeiro foi Boya Salifo que reinou durante 3 anos, de 1837 a 1840, ano da sua morte.

A ele sucedeu-lhe Boya Lamine que chefiou os nalús durante 17 anos, de 1840 a 1857, igualmente ano da sua morte (Foto à esquerda).


Segue-se-lhe, Boya Youra Tawel, o qual reina durante 28 anos, entre 1857 e 1885, tendo dividido o Reino Nalú em quatro províncias: Socoboli, Tonkima, Caniop e Cacine. Em 1860, com as etnias Landumas e Mikiforés a desentenderam-se, Youra começa a conquista de novos territórios para preservar a segurança das suas fronteiras contra as intenções expansionistas do chefe do Futa. Em 1863 dispunha de um grande território e reino. Nomeia então chefes para cada província. Para Cacine foi designado Saiondi, filho de Boya Salifo.

Com a morte deste último, em 1857, o primeiro filho de Salifo Boya, Diná Salifo, assume a chefia para um reinado de cinco anos que termina com a sua prisão pela França e respectiva deportação para Saint Louis, no Senegal, onde acaba por falecer em 1897 (Foto à esquerda).

A sua prisão prende-se com o seu completo desacordo com a França, decorrente da elaboração da Convenção Franco-Portuguesa de 1886, em que se procede a uma nova delimitação das suas respectivas possessões, na qual a França cedia a Portugal a zona de Cacine por troca com a Casamança.

O Reino Nalú ficava assim sem uma parte significativa do seu território, Cacine. Dá-se o desmoronamento do Reino Nalú e as principais tabancas tornam-se de novo autónomas. A França necessitou de 37 anos (1890 a 1927) para desarticular completamente o Reino Nalú, que levou 70 anos (1820-1890) a ser construído.

Por volta de 1860 dá-se a invasão Fula que vêm de Boké na Guiné-Conakry e do Boé no Futa Djalon que apertam os Nalús contra o mar e os obrigam a refugiarem-se nas ilhas de Melo e de Como, certos da dificuldade dos Fulas em se confrontarem com a água.

De forma inesperadamente rápida os Nalús começam voluntariamente a converter-se ao islamismo e consequentemente a abandonarem a escultura, muito semelhante à dos Bagas da Guiné-Conakry, de rara beleza e simbologia.

Trinta anos depois (1890) dá-se a chegada dos Sossos, vindos de Boffa na actual Guiné-Conakry, os quais se aliam aos Nalús para se oporem ao expansionismo Fula.

É por volta de 1896 que grande parte dos Nalús que habitavam as ilhas passam ao continente e, chefiados por Cube, antigo escravo e depois batulai do régulo Fula do Forreá, fundam inicialmente a tabanca de Cabedú e sucessivamente as de Calaque, Cafal, Cauntchinque e por último, em 1926, Cadique.

Mais recentemente, por volta dos anos 1920, verifica-se a chegada massiva dos Balantas, vindos da zona de Mansoa, os quais, numa fase inicial, não são recebidos muito cordialmente pelos Nalús.

Segundo Garcia de Carvalho, na altura Chefe de Posto Administrativo de Bedanda, em 1946, os Nalús, em número de 910 almas estavam repartidos por três territórios englobando 19 tabancas:
- Regulado de Guiledje: tabanca de Cafun’aque (8 pessoas)
- Território de Cantanhez: tabancas de Catomboi (5), Camecote (15), Camarempo (15), Sogoboli (25), Catchmaba Nalú (30) e Caiquene (25)
- Território de Cabedu: tabancas de Cafine (60), Calaque (50), Cafal (100), Fonte Iamusa (20), Cai (10), Cassintcha (40), Catombakri (40), Cabedú (200), Catesse (50), Catifine (50), Cabante (20) e Ilhéu de Melo (40).

Por outro lado, A.A.Silva , recorrendo ao Censo de 1960 que apresenta números credores de confiança, assinala a existência em toda a zona, e não exclusivamente na antiga Bedanda, 3.009 Nalús.

Com o início da luta de libertação nacional desencadeada em 1963, os Nalús acabam por aderir na sua quase totalidade ao movimento pela independência da Guiné-Bissau, vivendo e sendo protagonistas exemplares na construção das primeiras zonas libertadas, em Cantanhez.


2.2. FULAS, os islamizadores

A tradição oral narra que alguns caçadores Fulas terão chegado acidentalmente ao país dos Nalús. Mais tarde um grupo de Fulas cativos, oriundos da parte francesa do Boé e chefiados por Turá-Iá, imigraram para esta zona atraídos pelos seus bons solos e fundado primeiramente a tabanca a que puseram o nome de Guiledje, para logo de seguida criarem a tabanca de Salancaur de Fulas. Rapidamente dominaram toda a região mantendo os Nalús confinados às Ilhas de Melo e de Como, sabendo estes que se fossem apanhados seriam imediatamente feitos escravos e enviados para o Forreá.

A segunda avalanche de imigração Fula para o Chão dos Nalús, dá-se com os Fulas-Pretos. Em 1891 verifica-se uma forte desavença entre os Fulas do Foreá e os Fulas-Pretos, o que leva a que um novo grande contingente de Futa-Fulas, chefiados por Suleimane Djaló, Bacar Dambuia, Bela Coulibali e Mutaro Galissa, se deslocassem para Cantanhez e fundassem a tabanca de Iemberém, logo seguida da de Madina.

Com a morte de Turá-Iá em 1918, foi nomeado régulo de Guiledje, Alfa Mamadú Seilú, a quem as autoridades coloniais doaram o território deste regulado, como paga pela sua colaboração com Abdul Indjai, na chamada guerra de pacificação da colónia. De referir que esta compensação se deveu ao facto de ele ter recusado receber o dinheiro que o Governo lhe oferecia.

Em poucos anos este regulado desenvolveu-se, tendo sido criadas as tabancas de Medjo, Bomane, Um-Siré, tandá, Banco-Bunge, Banhege, fazendo ele valer o seu poder ao chefe de Cantanhez, Suleimane Djaló, que a ele se submeteu voluntariamente. Estendeu a sua autoridade a Quebo e ao território de Cabedú. Acaba por morrer em Mansoa quando organizava em 1921 uma revolta contra os portugueses.

Sucedeu-lhe o seu filho Amadú Uri, deposto três anos depois, tendo herdado a chefia do regulado o seu irmão Mamadú Seilú que morre cinco anos depois. Como quem o devia substituir, Mamadú Saliu, ainda era uma criança, ninguém foi nomeado régulo, tendo cada tabanca designado o seu chefe.

Em 1937, Adjibo, padrasto do herdeiro legítimo, é nomeado régulo, depois de uma forte divergência entre os dois, acabando por ser deposto menos de um ano depois por ser considerado pela população como um usurpador. Só 4 anos depois, em 1941, é que Mamadú Saliu acaba por ser nomeado régulo, transferindo a sede para Salancaur.

Em 1946 havia 1.295 Futa-Fulas em todo o sector de Cubucaré, o que representava 0 segundo grupo com maior número de habitantes.


2.3. BALANTAS, os últimos a chegar

Nos anos 1920, os Balantas, fruto dos massacres perpetrados em Nhacra e Mansoa por Teixeira Pinto, na chamada guerra de pacificação, e pelos trabalhos forçados a que eram sujeitos na construção de estradas, decidem imigrar para o sul, primeiramente para o Cubisseco e depois para Tombali.

Inicialmente o seu relacionamento não foi bom com os Nalús que não os receberam bem. Mais tarde a situação modificou-se tendo estes aprendido as técnicas de orizicultura de bolanha salgada e passado a praticá-las. Instalaram-se nas zonas ribeirinhas, ao longo do rio Cumbidjan, praticando um sistema de produção de bolanha, em que o arroz de bolanha salgada era o elemento quase exclusivo do sistema. Rapidamente passaram a ser a etnia mais numerosa, tendo sido registados 7.165 habitantes em 1946, em 29 tabancas do sector de Cubucaré.

2.4. SOSSOS, os donos da língua

Chefiados por Lourenço Davy, um número muito reduzido de Sossos terão chegado a Cantanhez vindos de Boké, por volta de 1891, criando a tabanca de Camecote, muito perto da de Iemberém.

Especialmente ligados ao comércio, impõem a sua língua como o crioulo de Cantanhez. Embora em 1946 apenas com 490 habitantes concentrados em 4 tabancas, acabam por determinar que a língua sossa seja falada por todas as outras etnias como instrumento financeiro de comercialização dos produtos.


2.5. TANDAS, de Iemberém

Relatos orais dão os Tandas como originários de Kindou, na região de Tambacunda, Senegal oriental, de onde se terão deslocado inicialmente para Badjar, região de Koundura, actual Guiné-Conakry, à procura de bons solos para a prática da agricultura. Mais tarde foram para Kakalidi, zona de Boké, onde começaram a negociar com os Nalús a concessão de terras, tendo-lhes sido atribuído uma área onde fundaram a sua primeira tabanca na Guiné-Conakry: Madina.

Na actual Guiné-Bissau, Gassimo Camará criou a primeira tabanca que foi designada de Lamoi, na área de Quitafine. Seguiu-se Cambraz, fundada por Danim Marena, igualmente em Quitafine. Já em Cubucaré, Adulai Cumpon criou Bomani, a que se seguiu Madina, na área de Guiledje, por Umarú Nangacum. Caboxanque Tanda, em Quitafine é fundada por Umarú Galissa.

Acabam finalmente por chegar a Iemberém, em 1930, através de um grupo de seis pessoas, constituído por Umarú Camará, Pedjedibi Camará (pai de Umarú), Issufo Galissa, Mutaro Galissa, Mamadú Nhabali e Alfa Galissa. Por último, Umarú Galissa funda a tabanca de Cambeque, na linda mata com o mesmo nome.

De todas estas tabancas apenas existem actualmente quatro: três em Cubucaré (Iemberém, Cambeque e Cambraz) e uma em Quitafine (Caboxanque Tanda).

No seu seio os Tandas têm seis sub-grupos: Aiendja, Aban, Abangar, Assóssó, Aiés, Abucul e Adjar.


3. Período Pós-Independência

Se nos primeiros 15 anos do pós-independência (1973) a situação das migrações para a região de Cantanhez não sofreu mudanças significativas, já nos últimos 15 anos se vem registando uma tendência para um acentuado crescimento demográfico.

O aumento do número de população tem sido feito à custa da vinda dos povos do leste, especialmente de Fulas do Gabú, à procura de novas áreas de cultivo e fugindo à clara diminuição a queda pluviométrica e dos solos de baixa fertilidade, consequência do uso prolongado de sistemas de produção baseados na cultura da mancarra e do algodão, fortemente penalizadoras da riqueza nutritiva destes solos.

Os eixos rodoviários Mampata-Guiledje e Guiledje-Faro Sadjuma são os que mais têm registado o aumento do número de novas tabancas e o uso de sistemas de cultura baseados na desmatação extensiva.

Paralelamente, nos últimos 5 anos têm-se intensificado igualmente o estabelecimento, por vezes temporário, por vezes permanente, de “nanias” vindos do outro lado da fronteira da Guiné-Conakry.

Aproveitando os brandos costumes guineenses na aplicação da Lei Florestal em vigor, deslocam-se para as áreas junto à linha da fronteira Balana-Bendugo onde praticam uma cultura itinerante de migração, desmatando enormes áreas florestais para, na maior parte dos casos, a abandonar nos anos seguintes, ocupando outras, novas e mais férteis. A cultura nómada destes povos faz com que a floresta não tenha nenhum significado especial, preferindo viver em zonas abertas e desmatadas.

Qualquer destes sistemas, dos fulas do Gabú ou dos Nanias da Guiné-Conakry, está a causar perdas consideráveis no património genético vegetal e animal, em particular nos dois grandes corredores de animais selvagens de Balana e Bendugo.


4. Os Regulados de Cubucaré


Existem actualmente quatro regulados em todo o sector.

- Regulado de Cabedú, tendo sido empossado em 2008 o novo régulo Bubu Camará, por morte em Fevereiro deste ano do anterior Aliu Turé.

- Regulado de Cadique, sendo régulo Aladje Salifo Camará

- Regulado de Medjo, sendo régulo Umarú Djaló

- Regulado de Iemberém, sendo régulo Adriano Sulai Djaló


Carlos Schwarz [, Pepito,]
Julho de 2008


Bibliografia

(1) Anginot Ethiène, 1988. Approche de la diversité des systèmes agraires du secteur de Bedanda, Région de Tombali, Guinée-Bissau: Zonage utilitaire pour la recherche et le développement. Bissau, Ministério do Desenvolvimento Rural e Pescas, DEPA.

(2) Elhadj Sankoumba Camará, 1999. Tawoulia ou Tawel, Famille regnante du pays Nalou au Rio Nunez, Perfecture de Boke de 1820 a 1952. Conakry.

(3) Garcia de Carvalho, J.P. 1946. Nota sobre a distribuição e história dos povos da área do Posto de Bedanda. Bissau, Boletim Cultural da Guiné-Portuguesa, nº 14.1949

(4) Pélissier René, História da Guiné: Portugueses e Africanos na Senegâmbia (1841-1936). Lisboa: Editorial Estampa. 1997

(5) Silva, Artur Augusto, 1959. Apontamentos sobre as populações oeste-africanas segundo os autores portugueses dos séculos XVI e XVII. Bissau, Separata do nº 55 do Ano XIV do Boletim Cultural da Guiné Portuguesa

(6) Silva, Artur Augusto, 1956. Arte Nalú. Bissau,
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Anexo 1

Tabancas Nalús em 1945


A. Regulado de Guiledje

• Cafunaque 8 pessoas

B. Território de Cantanhez

• Catomboi 5
• Camecote 15
• Camarempo 15
• Sogoboli 25
• Catchmaba Nalú 30
• Caiquene 25

C. Território de Cabedu

• Cafine 60
• Calaque 50
• Cafal 100
• Fonte Iamusa 20
• Cai 10
• Cassintcha 40
• Catombakri 40
• Cabedu 200
• Catesse 50
• Catifine 50
• Cabante 20
• Ilhéu de Melo 40

Total Nalús 910


Anexo 2

Nomes dos filhos de nalús islamizados por nascimento


FILHOS FILHAS

Primeiro > Salifo
Segundo > Lamine
Terceiro > Youra
Quarto > Carimo


Nomes dos filhos de nalús não-islamizados por nascimento


FILHOS / FILHAS

Primeiro > Titcho / Boya
Segundo> Toho / Tcha
Terceiro > Samani / Kenan
Quarto > Bakeni / Finia
Quinto > Tia (filha)
Sexto > Botia (filha)

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Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2714: Antropologia (5): A Canção do Cherno Rachide, em tradução de Manuel Belchior (Torcato Mendonça)

(**) 24 de Abril de 2008 > sGuiné 63/4 - P2793: Uma semana inolvidável na pátria de Cabral (29/2 a 7/3/2008) (Luís Graça) (15): Salvemos o Cantanhez (I)

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Guné 63/74 - P324: Antologia (31): Socioantropologia dos povos da Guiné (1971) (Sousa de Castro)

Guiné > Xime > 1972: O Sousa de Castro no seu posto de trabalho, operando o Rádio AN-GRC 9.

"O AN-GRC 9 foi o rádio com que trabalhei durante toda a comissão na Guiné em grafia... Não é para me gabar, mas eu achava-me um craque nesta matéria, trabalhar em código morse era comigo, ou não tivesse na minha caderneta a menção de TE (telegrafista especial)" (1)

© Sousa de Castro (2005)

Texto seleccionado sobre o "aspecto humano" da Guiné e enviado pelo Sousa de Castro (ex-1º cabo de transmissões, CART 3494 / BART 3873, Xime e Mansambo, Sector L1, Zona Leste, 1972/74).

Deixem-me dizer-vos que eu tenho um especial carinho pelo Castro: é o sócio-fundador desta tertúlia (2)... Sinto que às vezes não lhe dou a devida atenção! Castro, desculpa lá qualquer coisinha! L.G.

Alguns dados curiosos retirados da monografia da Guiné editados em 1971 pelo Estado-Maior do Exército com o título MISSÃO NA GUINÉ . Composto e impresso nas Oficinas Gráficas da SPEME. Sousa de Castro

O Rádio AN-GRC-9. Foto gentilmente disponibilizada pelo nosso camarada Afonso M. F. Sousa, que vive actualmente em Maceda, Ovar, ex-Furriel Miliciano de Transmissões da CART 2412; esteve na região do Cacheu (Bigene, Binta, Guidage e Barro), entre Agosto de 1968 e Maio de 1970.


ASPECTO HUMANO

População

A população da Guiné era, segundo o censo de 1960, de 544.184 habitantes o que representava um aumento de 33.407 habitantes em relação ao censo de 1950. É característica na Província a diversidade étnica dos seus habitantes (3).

Não falando já dos não autóctones – brancos, mestiços, cabo-verdianos e libaneses, na sua grande maioria – num total aproximado de 15.000, a população autóctone (nativa) guineense apresenta uma grande variedade de tipos, correspondentes a diferentes grupos étnicos (tribos), entre as quais as principais são:

- Balantas (quantitativo referido a 1962 – 150 000).

Habitam entre os rios Geba e Cacheu, com uma ramificação importante na região de Catió-Bedanda, no Sul da Província.

Dotados de boa condição física, são trabalhadores, valentes, enérgicos, com grande força de vontade e viva inteligência.

Bons agricultores, vão buscar à terra, principalmente às regiões alagadas («bolanhas»), os meios de subsistência de que necessitam. Alimentam-se de arroz, azeite de palma, milho e mandioca; apreciam muito a carne, o peixe e os mariscos.

O gado bovino que possuem destinam-no às cerimónias de sacrifício dos ritos que acompanham os funerais («choros»).

Guiné > Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968> Militares, de origem balanta, pertecentes à CCAÇ 3.

© A. Marques Lopes (2005)

Condenam o celibato. Extremamente supersticiosos, acreditam na transfiguração da alma, atribuindo à feitiçaria todas as suas desgraças.

Praticam o roubo, em especial de gado, com a consciência de um acto não criminoso, mas sim revelador da perícia própria da tribo. São animistas.

- Fulas (Fulas-Forros e Fulas-Pretos) (120 000).

Povoam o Nordeste da Guiné, a região do Gabu, Bafatá e Forreá.

Os primeiros fulas a entrar na Província foram os fulas-forros, que subjugaram e escravizaram grande número de mandingas, a quem designaram por fulas-pretos.
De um modo geral, são hospitaleiros, considerando mesmo a hospitalidade como um dever sagrado.

Apesar da influência que o islamismo tem entre eles, praticam também o animismo.
Dedicam-se ao cultivo do arroz, sem grande entusiasmo, milho e amendoim e à pesca, à linha ou por envenenamento das águas.

Do gado que criam, considerando como um sinal de prestígio apenas aproveitam o leite para sua alimentação.

- Futa-Fulas (10 000).

Povoam grande parte da região do Boé.

Nos futa-fulas, originários do Futa Djalon, donde lhes veio o nome, não existe unidade de tipo, apresentando as mais diversas características, e, normalmente, a face marcada pr dupla incisão vertical que faz lembrar o n.º 11.

Consideram-se, em tudo, superiores aos restantes fulas.

De elevada estatura, argutos e inteligentes, dedicam-se à agricultura, à criação de gado e ao comércio ambulante. Alimentam-se de arroz, de «fundo» (tipo de cereal semelhante à alpista) e de toda a variedade de frutos. Comem carne, com excepção da do porco, e não bebem vinho por a sua religião (o islamismo) o não permitir.

São polígamos, embora predominem os casamentos com uma só mulher. São islamizados.

- Manjacos (65 000).

Habitam a região compreendida entre o rio Cacheu e a ria de Mansoa e as ilhas de Jeta e de Pecixe.

Um balanta (Kumba Alà) e um papel (Nino Vieira, recentemente regressado do exílio e logo a seguir eleito Presidente da República).

Foto: Blogue Africanidades, do nosso amigo © Jorge Neto (2005)

São curiosos, astutos, dedicados, hospitaleiros, com perfeita compreensão dos princípios morais e de justiça, preocupando-se em adquirir hábitos civilizados.
Têm certa tendência para o comércio e aptidão para as tarefas marítimas.

Dedicam-se ao cultivo do arroz, exploração de palmares, pesca e extracção do sal.

São animistas.

- Mandingas (60 000).

Habitam na região de Farim, Óio, Bafatá e Gabú.

São sóbrios, inteligentes, observadores, aguerridos, alegres e comunicativos.

Com preceitos morais que os colocam acima das outras tribos, admitem o regime de castas (nobres, ferreiros – com uma importância muito especial -, ourives, sapateiros, etc.). As profissões passam obrigatoriamente de pais para filhos e os casamentos só se realizam entre membros de famílias de nobres, ferreiros, ourives, sapateiros, etc.

Dedicam-se à cultura do milho, mas comercialmente o produto mais importante é a mancarra.

O islamismo não fez desaparecer entre eles as práticas animistas.

- Papéis (40 000).

Povoam a ilha de Bissau.

São aguerridos, enérgicos, decididos, desconfiados e nadas expansivos. Tal como os manjacos, têm certa aptidão para as práticas marítimas. Alimentam-se de arroz, mandioca, batata-doce, milho, «fundo» e peixe seco.

Dedicam-se à agricultura (arroz mancarra, em especial) e ao trabalho de carregador nos centros urbanos. São animistas.

- Beafadas (13 500).

Habitam a região de Quinara. Embora robustos, são indolentes por natureza. Progressivamente islamizados, mantêm-se, ainda, agarrados às práticas animistas.

- Brames (ou Mancanhas) 12 500.

Vivem nos regulados do Có e Bula, na ilha de Bissau, na ilha de Bolama e na região continental fronteira a esta ultima ilha.

Têm grandes afinidades com os mandingas e fulas, de quem descendem por cruzamento.
São inteligentes e assimilam com facilidade os usos e costumes dos europeus.

Consideram como delitos de somenos importância, quando não mesmo louváveis, o falso testemunho, as ofensas corporais, o estupro, a violação e o adultério. Veneram o «Irã».

Dedicam-se, sobretudo, à cultura do milho e da mancarra.

- Bijagós (12 500).

Povoam o arquipélago de Bijagós. São tímidos, belicosos e desconfiados. Vivendo constantemente no mar, são excelentes marinheiros.

Em questões de namoro e de casamento, a escolha é feita pela mulher, que os bijagós têm na conta de um ser superior.

São hábeis artistas na escultura da madeira e dedicam-se à pesca e à extracção do sal.

- Felupes (6000).

Habitam na região de Varela e Susana.

São fortes e ágeis, praticantes entusiastas do exercício físico. Bons atiradores de azagaia e flechas, cujas pontas envenenam, dedicam-se à caça. São animistas.

Consideram falta muito grave a união da mulher felupe com um nativo de tribo diferente (4).

- Baiotes (5500).

Habitam ao norte do rio Cacheu, no extremo ocidental da Província. Têm grandes afinidades com os felupes, pois constituem com eles o grupo étnico dos diolas. A diferençá-los apenas existe um dialecto diferente e a sua distribuição geográfica.

São animistas.

- Nalus (5500).

Habitam as regiões do Tombali e de Cacine.

São pouco robustos e de estatura média. Muito individualistas, recusam-se a manter relações com as tribos vizinhas. Têm um conceito perfeito da justiça. Encontram-se em grande parte islamizados.

- Sossos (2000).

Constituem um ramo dos mandingas. São islamizados e têm grandes afinidades com as populações fronteiriças.

Todos os grupos étnicos da Guiné praticam a poligamia, embora existam em maior percentagem lares monógamos. O maior número de lares monógamos encontra-se nos Felupes, Cassangas e Futa-Fulas, que atingem uma percentagem superior a 70%. As menores percentagens de lares monógamos encontram-se entre os Beafadas e os Mandingas.

A poligamia praticada incide na bigamia. São insignificantes as percentagens de lares com mais de 4 esposas.

Entre as tribos guineenses existem para cima de 20 línguas e dialectos diferentes.
Introduzido pelos primeiros colonos e aceite facilmente pelos nativos, fala-se também o crioulo, que não é mais que uma mistura de palavras portuguesas (algumas muito antigas) e palavras das línguas e dialectos locais.

O crioulo permite aos nativos entenderem-se entre si.

O povoamento da Guiné é muito irregular, verificando-se serem regiões do litoral e as regiões vizinhas de Farim e Bafatá (os dois principais centros de comunicação da Província) as mais habitadas, e as do Boé e do sueste do Óio as menos habitadas.
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Notas de L.G.

(1) Vd post de 2 de Julho de 2005 > Guiné 69/71 - XCIV: Um alfa bravo para os nossos Op TRMS (1)

(2) Vd. post de 20 de Abril de 2005 > Guiné 69/71 - V: Convívio de antigos camaradas de armas de Bambadinca. Eis um excerto do que então escrevi:

"Sei que o BART 2917 [Bambadinca, 1970/72] e as respectivas companhias de quadrícula[Xime, Mansambo e Xitole] foram rendidas em Janeiro de 1972. Ainda ontem recebi um e-mail de um camarada dessa época (que obviamente não conheci, já que regressei a casa em Março de 1971). Trata-se do Xime [e depois em Mansambo]. O meu Batalhão estava em Bambadinca, BART 3873 (CCS), com a CART 3494 no Xime, a CART 3493 em Mansambo e a CART 3492 no Xitole.

"No meu tempo o Xime continuava muito complicado. Como descreve no seu blogue, nas estórias de um tuga, continuamos com esta terra na cabeça, nunca mais nos sai e eu continuo buscando algo sobre aquele tempo passado relacionado com a guerra. Tenho reenviado a sua estória para colegas que estiveram na Guiné e é uma forma de dizermos que estamos vivos. Bem haja. Cumprimentos, Sousa de Castro".

"O Sousa de Castro e todos os periquitos que estiveram em Bambadinca, Xime, Mansambo ou Xitole, entre Janeiro de 1972 e Abril de 1974, serão bem vindos à nossa [CCAÇ 12 e BCAÇ 2852] festa, no dia 11 de Junho, em Faro, na Ria Formosa. Eles terão muito para nos contar: afinal, andámos todos pelos sítios, picadas, rios e bolanhas do Sector L1 da Zona Leste, desde 1968 a 1974... E quer queiramos quer não, aquela terra marcou-nos a todos, a ferro e fogo, no corpo e na alma"...

(3) Vd. Guinée-Bissau.net > le site officiel des amoureux de la Guinée-Bissau e, em especial, a página dedicada aos seus grupos étnicos (em francês) .

(4) Sobre os felupes e os balantas, ver a opinião (qaulificada) do nosso camarada Carlos Fortunato, na sua página sobre a CCAÇ 13 - Os Leões Negros (ele não esconde a sua admiração tanto por uns como por outros, mas noutra ocasião, por e-mail, referiu-me que em provas físicas, na luta corpo-a-corpo, nunca viu um balanta ganhar a um felupe):

"Adversários temíveis, os felupes possuem elevada estatura e grande robustez física. São referidos como praticantes do canibalismo no passado, são coleccionadores de cabeças dos seus inimigos que entregam ao feiticeiro e usam com extraordinária perícia arcos com setas envenenadas.

"Embora se assegure que o canibalismo pertence ao passado, não era essa a opinião das restantes etnias, as quais referem igualmente que estes fazem os seus funerais à meia noite, pendurando caveiras nas copas das árvores, e dançando debaixo delas. O felupe é conhecido como pouco hospitaleiro para com as restantes etnias, pelo que existe da parte destas um misto de animosidade e desconhecimento.

"Os felupes são igualmente grandes lutadores, fazendo da luta a sua paixão. Este desporto tão vulgarizado nesta etnia, prende-o, empolga-o, constituindo o mais desejado espectáculo.

"Este grupo de felupes é famoso pela sua combatividade, a qual não conhece fronteiras, fazendo incursões frequentes no Senegal. As notícias que chegaram depois da independência é que foram todos mortos pelo PAIGC.

"Os balantas são a principal etnia da Guiné, sendo igualmente grandes soldados, trazem consigo uma grande experiência e o conhecimento do terreno, muitos deles foram milícias durante muitos anos, outros foram carregadores, outros ainda lutaram ou lutavam no PAIGC. Possuem contudo um sentimento de lealdade e solidariedade que faz com que assumam uma posição e a mantenham, a palavra traição nunca fez parte do seu vocabulário.

"Os balantas são trabalhadores rurais, que usam enxadas em forma de de remo, são conhecidos pela sua habilidade como ladrões, actividade que faz parte da sua cultura.

"Roubar não é um crime para o balanta, mas uma prova de destreza, que todo o adulto que se preza deve fazer pelo menus uma vez na vida, e se for uma vaca é sem dúvida uma grande proeza.

"O que mais surpreende nestas pessoas, é algumas das suas capacidades, pois possuem sentidos muito desenvolvidos, tais como o cheiro, a visão e o ouvido.

"Penso que foi graças às qualidades e conhecimentos dos balantas que foi possível, conseguirmos fazer o que fizemos, com tão poucas baixas. O inimigo aqui nunca foi menosprezado.

"As capacidades dos balantas permitem-lhes fazer coisas difíceis de acreditar. Um dos casos ocorreu já em Bissorã, quando numa das operações ao Queré, um soldado acordou 2 horas depois da companhia já ter saído para o mato e conseguiu segui-la e encontrá-la, numa noite escura, tendo esta passado por mato cerrado, água, etc".