O navio a vapor "João Belo" que transportou, em junho de 1941, o pessoal do 1.º batalhão expedicionário do RI II (Ilha do Sal, 1941/43)
Cabo Verde >Ilha do Sal > 1942 > O Feliciano Delfim Santos (1922-1989), 1.º cabo, 1.ª Companhia, 1.º Batalhão, RI 11, à direita, com outro 1.º cabo, de que se desconhece a identidade.
Fotos (e legendas): © Augusto Silva Santos (2012). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem da nossa leitora Albertina Gomes, médica, a viver e a trabalhar na Noruega:
Data: 19 de janeiro de 2017 às 08:39
Assunto: Procuro dados ou família do ex-1°cabo n° 300 /1° Bat Exp do RI 11, Cabo Verde em 1941-1944
Sr. Luís Graça,
Com muito respeito venho por este meio contactar o senhor após ter lido o seu blog onde relata sobre o seu amigo e pai que foi um ex-expedicionário a Cabo Verde na II Guerra Mundial.
O assunto me interessa bastante assim como ao meu pai que ė filho de um ex-expedicionário a
Cabo Verde na mesma altura que o seu pai permaneceu nesse arquipélago.
Vou me apresentar: Albertina da Conceição Gomes, médica patologista, residente em Noruega, filha de Armindo Maria Gomes.
Estou à procura de algum dado que me leve a conhecer mais a história ou família do meu avô paterno. As únicas informações que o meu pai, com 74 anos, tem do pai dele são estas:
(i) Armindo da Luz Ferreira, ex- 1° cabo n° 300,
companhia 11 [?], no período 1941-1944 (1943?)
(ii) foi colocado na Ilha do Sal (na altura tinha 21 ou 22 anos);
(iii) meses antes do regresso a Portugal, esteve na Ilha de Santo Antão com a minha avó e o meu pai, na altura meu pai tinha 16 ou 18 meses.
Foi o pai dele que lhe pôs o nome de Armindo e que em casa devia ser chamado por Salvador (em honra do irmão mais velho do meu avô).
Numa das viagens que o meu pai fez a São Tomé, conheceu um médico que foi grande amigo e ex-companheiro de serviço em Cabo Verde. Segundo esse amigo, o meu avô se chamava ou chama Armindo da Cruz Ferreira. Quando o meu pai viajou a Portugal, na tentativa de conhecer o pai, não encontraram nenhum registo com esse nome de Armindo da Cruz Ferreira.
Agradeceria se pudesse ajudar-me em encontrar alguma pista do meu avô ou família.
Saudações,
Albertina Gomes.
2. Resposta do editor:
Cara amiga e doutora Albertina Gomes: as minhas melhores saudações, e votos de que consiga as informações que procura, incluindo o contacto da família do seu avô, aqui em Portugal e em Cabo Verde. Da nossa parte, ficamos muito sensibilizados pela sua mensagem. Vamos ver em que é pudemos ajudar.
Temos um camarada nosso, membro deste blogue, Augusto Silva Santos, cujo pai, Feliciano Delfim dos Santos, era também 1º cabo e pertencia ao 1º batalhão do Regimento de Infantaria nº 11 [, RI 11, de Setúbal, ] que esteve na Ilha do Sal, com passagem pelas ilhas de Santiago e Santo Antão, entre 1941 e 1943. Veja aqui, se é que não viu já. o nosso poste P9674 (*).
Vou pô-la em contacto com o meu camarada
Augusto Silva Santos, ele poderá ter mais informação do que aquela que publicou no poste P9674. Infelizmente, o pai do Augusto, já morreu, em 1989. (Nasceu em 1922, deveria pois ser da mesma idade do seu avô Armindo, e seguramente que se conheciam, e muito provavelmente até pertenciam à mesma companhia, 1 ª; em princípio, um batalhão tem 4 companhias, de cerca de 150/160 homens cada uma: a companhia do seu avó deve ser a 1ª e não a 11ª, que em princípio não existiria). O percurso do Feliciano Delfim deve ter sido o mesmo: ambos eram 1ºs cabos, embora pudessem não ter a mesma especialidade.
Vejamos, sumariamente, o que diz o meu camarada a respeito da vida na tropa do pai dele:
(i) nasceu em 1922, em Lisboa;
(ii) terminou a recruta em julho de 1940, no RI 11, Setúbal;
(iii) frequentou posteriormente a escola de cabos;
(iv) foi 1º cabo, com a especialidade de Observador Telemetrista;
(v) foi mobilizado para fazer parte do 1º Batalhão Expedicionário do RI 11 (Setúbal) / 1ª Companhia, com destino à então colónia de
Cabo Verde, durante o período da 2ª guerra mundial;
(v) em meados de junho de 1941, já com mais de um ano de tropa, embarcou no navio a vapor "João Belo", tendo desembarcado na cidade da Praia, ilha de Santiago, a 23 do mesmo mês;
(vi) o Batalhão viria a ser colocado na ilha do Sal, a mais inóspita de todas as ilhas do arquipélago, "onde já não chovia há 5 anos, não havia árvores, água potável, fruta, e legumes frescos";
(vii) transitou também por outras ilhas (Santo Antão e S. Vicente), onde a água potável para consumo diário era igualmente racionada (não chegando a um cantil) e, para banhos, só havia água salgada;
(viii) dos cerca de mil homens que inicialmente compunham as forças do RI 11 (1º batalhão mais a companhia de comando regimental), no final só viriam oficialmente a regressar à metrópole, incorporados no mesmo, cerca de 500: morreram na missão perto de 20 militares (todos eles por doença), e os restantes foram regressando antecipadamente por baixa médica, na sequência das mais diversas doenças (escorbuto, tifo, paludismo, anemia, disenteria, tuberculose, doenças venéreas, etc.);
(ix) regressou à Metrópole no início de dezembro de 1943, e a passagem à disponibilidade (, ou seja, à vida civil) foi no final do mesmo mês, ao fim de uma comissão de serviço de 30 meses (dois anos e meio: junho de 1941 / dezembro de 1943).
Cara Albertina, entre estas duas datas (junho de 1941 e dezembro de 1943), nasceu o seu pai, que esteve com o seu avô e a sua avó na ilha de Santo Antão, "meses antes do regresso a Portugal"; se o seu pai tinha 16/18 meses, o seu avô deve ter conhecido a sua avó no ano de 1942, e muito provavelmente na ilha do Sal (onde o 1º batalhão expedicionário do RI 11 passou a maior parte do tempo, se não mesmo a totalidade).
A sua avó será da ilha de Santo Antão, o seu avô deve ser do sul de Portugal, talvez Alentejo, ou até de Lisboa (como o Feliciano Delfim), tendo sido mobilizado pelo RI 11, de Setúbal.
Deixe-me ser sincero consigo: a probabilidade de o seu avô ainda estar vivo é pequena, tendo em conta o ano do seu nascimento e a esperança média de vida da sua geração, embora eu ainda conheça alguns, raros, homens desse tempo... O meu pai, nascido em 1920 e também mobilizado nessa época para o Mindelo, por exemplo, morreu aos 92 anos, mas ainda tem um camarada vivo, com cerca de 97 anos, com quem costumavam ir aos convívios anuais do pessoal expedicionário do RI 5, nas Caldas da Rainha.
Também o Feliciano Delfim Santos "na sua passagem por aquelas terras, chegou a viver maritalmente com uma local, de seu nome Maria Helena Almeida, de quem viria a ter um filho chamado Fernando Almeida Santos" (...). Ambos faleceram prematuramente por doença, muito provavelmente na sequência da seca e da fome que assolaram tragicamente as ilhas naquela época. (*)
O pai do meu amigo e camarada Augusto Silva Santos morreu, precocemente, aos 66 anos, reformado como civil da Marinha de Guerra portuguesa.
Quanto ao meu pai,
Luís Henriques (1920-2012), também ele era 1º cabo, tendo estado como expedicionário, nesta época, em Cabo Verde, no Mindelo, ilha de São Vicente, mas pertencia a outra unidade, o 1º batalhão do RI 5, Caldas da Rainha. Portanto, não é uma boa pista para chegar ao paradeiro do seu avô Armindo. A maior parte das forças expedicionárias, mobilizadas para Cabo Verde, na II Guerra Mundial, concentravam-se no Mindelo.
Outro camarada nosso que poderá ajudar a dra. Albertina Gomes é o
Adriano Miranda Lima, natural de Mindelo, São Vicente, coronel de infantaria na reforma, residente em Tomar, que tem escrito no nosso blogue e noutros blogues sobre este período e as tropas expedicionárias portuguesas. Vou pô-la também em contacto com este camarada e com o nosso colaborador permanente, José Martins, que tem informação preciosa sobre os nossos mortos desta época (**) bem como sobre o dispositivo militar em Cabo Verde (***).
Para já, tudo indica que o seu avô tenha regressado vivo a Portugal. Para localizar a família, era importante saber a terra ou região da sua naturalidade.
Segundo
o trabalho de pesquisa do nosso camarada José Martins, o número total de expedicionários metropolitanos em Cabo Verde, durante a II Guerra Mundial, era superior a 6300, mais de metade dos quais (cerca de 53%) estavam concentrados numa só ilha, a ilha de São Vicente, dado o seu interesse estratégico (porto atlântico ligando a Europa com a América Latina, a par dos cabos submarinos, na baía do Mindelo). O resto distribuía-se pela ilha do Sal (35,3%) e pela ilha de Santo Antão (11,8%). No Sal, o RI 11 tinha mais de 1100 homens (1 batalhão mais comando e serviços). Os batalhões do RI 5, RI 7 e RI 15 (uma parte) estavam em São Vicente (e outra parte do batalhão do RI 15 em Santo Antão).
O seu avô paterno, Armando da Luz Ferreira (ou Cruz Ferreira...) deve ter passado a maior parte do tempo na então inóspita ilha do Sal.
É tudo o que, por enquanto, lhe podemos "oferecer". Vamos responder-lhe por email, para lhe dar os contactos acima referidos. Disponha deste blogue para levar a cabo (e dar conta de) as suas diligências na pesquisa da sua história familiar (****).
Boa saúde, bom trabalho. (LG)
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