sábado, 18 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24862: Os nossos seres, saberes e lazeres (601): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (129): O Convento dos Capuchos (ou da Cortiça) que começou por ser o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Agosto de 2023:

Queridos amigos,
Antes de entrar no Convento da Cortiça procurei ler ao pormenor o plano de restauros e intervenções de que este magnífico espaço é alvo. O convento viveu um período de abandono que permitiu o vandalismo e alguma pilhagem, a despeito da rusticidade do espaço. A empresa responsável, digo-o com admiração, cuida primorosamente do convento e anexos, há mesmo voluntários a trabalhar nas hortas; desapareceram imagens, a inclemência do tempo e da natureza vão exigir mais restauros, mas não se pode percorrer este lugar sem sentir que houve aqui uma espiritualidade que atraiu homens a uma vida de despojamento e entrega a Deus, orando e subsistindo, seguramente contemplando com êxtase as belezas da serra, construíndo habilidosamente uma harmonia de materiais em que a cortiça, o madeirame e as pedreiras convergiram num diálogo que é impossível não maravilhar quem por aqui passa.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (129):
O Convento dos Capuchos (ou da Cortiça) que começou por ser o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra (2)


Mário Beja Santos

Aqui se conclui a visita ao Convento da Cortiça, promessa concretizada de D. Álvaro de Castro para homenagear a simplicidade cristã, o despojamento, num contexto de ordem freirática e na linha dos ideais de S. Bento, reza e trabalha, vive alheado das vaidades do mundo. O local escolhido para implantar este convento quinhentista é quase um achado, já vimos o uso apurado da pedra em diálogo com a cortiça, seguimos da entrada para a igreja e percorremos até aos dormitórios, mostram-se agora imagens desta austeridade de vida, percorre-se espaços da organização conventual, caso da cozinha e refeitório, a enfermaria, o forno e o celeiro.

Há décadas que este espaço me impressiona, de tal modo que um dia, no mercado de Santa Clara, em plena Feira da Ladra, na loja do meu amigo Eduardo Martinho, um vendedor exigente de livros e de arte, encontrei este quadro a óleo que mostra um dos aspetos mais cativantes daquela vida conventual. Na ausência de um claustro, que seguramente a Ordem não prescrevia, temos belos pontos de ligação à volta de uma fonte. O óleo veio assinado, assinatura não identificada, é de alguém que seguramente cultivava o uso da espátula e das camadas grossas, torcendo e retorcendo para que tudo ficasse bem claro. Quando abro a porta de casa, é sempre um prazer olhar para cima e cumprimentar esta singeleza conventual da serra de Sintra.

Pormenores dos dormitórios, na segunda imagem não terei dificuldade em reconhecer que há um assento para contemplar a paisagem e especulo se o outro cubículo não seria um pobre guarda-roupa dos poucos trastes que os frades possuíam.
As imagens acima têm a ver com a cozinha e o refeitório, áreas funcionais bem demarcadas: o fogão, sob a grande chaminé, e o lavadouro, sob a janela que abre para o Claustro. No dia 3 de maio, dia de Santa Cruz, havia peregrinos que acorriam ao convento, traziam donativos que chegavam a incluir carne, que os frades comiam apenas duas vezes por ano: no Natal e na Páscoa, para cumprirem o ritual cristão. No refeitório, os frades comiam sentados no chão, com o prato sobre os joelhos. Mais tarde, o cardeal D. Henrique ofereceu-lhes uma pedra, mandada arrancar da serra propositadamente para este efeito. Vê-se inicialmente a sala do refeitório, seguem-se imagens com aspetos da cozinha e não resisti a registar o belo teto em cortiça das instalações.
Passei a correr pela Sala do Capítulo, local de reunião da comunidade e também espaço de confissão. Havia ali um nicho com a imagem de Nossa Senhora das Dores. O que mais me chamou a atenção foi esta pia-fonte, seguramente quando estiver bem restaurada maravilhará o mais indiferente dos visitantes.
Estamos agora no Átrio das Enfermarias, quando adoeciam, os frades beneficiavam de maior conforto. Nas enfermarias usavam camas, havia uma botica onde se guardavam medicamentos e roupas de cama e também onde dormia o frade responsável pelos enfermos. Junto a esta, existe um pequeno braseiro para aquecer águas, chás medicinais e queimar ervas aromáticas. Neste espaço havia a cela de penitência, para recolhimento e meditação, era escura, aqui apenas era necessário a luz interior para fazer esplender a fé.
Pormenor de um corredor com luz para o exterior
Cela do doente
Mais um pormenor de quarto de enfermaria com a natureza ao fundo
Pormenor de janela com a serra de Sintra à espreita
Claustro do Convento da Cortiça já intervencionado na nova etapa de restauros, fechei os olhos para recordar o quadro que guardo em casa que usa uma técnica expressionista que não deslustra o que estou a ver, antes de descer para as hortas e dar por finda esta inesquecível visita.
Pormenor da azulejaria da capela
Teto do celeiro
Antigo Forno
Caminho na mata da cerca do convento, sigo agora para as hortas e desejo a todos os futuros visitantes do Convento da Cortiça que aufiram da mesma alegria que eu aqui tive.
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Nota do editor

Último poste da série de 11 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24841: Os nossos seres, saberes e lazeres (600): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (128): O Convento dos Capuchos (ou da Cortiça) que começou por ser o Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24861: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (5): Banho Geotermal, Reikjavik, Islândia (António Graça de Abreu)


Foto nº 27


Foto nº 28


Foto nº 29


Foto nº 30

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição e lendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1. Mais textos e fotos enviados pelo nosso amigo e camarada António Graça de Abreu ( ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74), referentes a mais um cruzeiro que efetuou, com a esposa, em agosto passado, desta vez à Gronelândia e à Islândia.


Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (5):  Banho Geotermal, Reikjavik, Islândia

por António Graça de Abreu (*)


Banho Geotermal, Reikjavik, Islândia

Mergulha-se a pessoa numa grande piscina ou laguna (aqui, à inglesa, chamam-
lhe Sky Lagoon), com chão de pedra polida e paredes de lava endurecida, gasta pelos séculos. (Fotos nº27 e 29)

A pessoa tem à sua espera água geotermal quente, a 35 graus, que viajou canalizada descendo montes desde os subúrbios da capital islandesa. A pessoa embala-se nas águas medicinais, flutua, envaidece-se, contemplando, em frente, o espelho frio do mar. (Foto nºs 28 e 30)

Nove graus de temperatura exterior e a pessoa parece usufruir de delícias tropicais, imagina estar numa enorme piscina de um bom hotel nas Caraíbas. Meia hora
de imersão e o lastro, a ganga do bulício dos últimos dias biando nas águas, sendo
levada pela brisa. Tempo de sair do quentinho e passar à carícia dos chuveiros com água muito fria.

A epiderme da pessoa amofina-se, deseja a temperatura tépida da sauna, Um
espaço aberto logo ali, com entrada pela porta ao lado. Ah, que bom, o calor outra vez,na sauna com vista pela infindável janela envidraçada e quase em cima do frio do mar!

Depois, a pessoa sobe umas escadas e passa para o espaço da gruta de lava negra, com espelhos por todo o lado, onde tem à disposição tigelas de porcelana cheias de uma espécie de sílica, sal termal para barrar todo o corpo, de alto a baixo, como se de manteiga ou de creme se tratasse. A pessoa cobre-se generosamente com estes cristais vulcânicos, miraculosos, uma especialidade islandesa capaz de revigorar coxos de nascença e de dar saúde a moribundos. Encharcada na sílica perfumada, a pessoa entra então nos espaços do calor húmido, uma espécie de banho turco à moda da Islândia.

Mais meia hora sentada, envolta em vapor, a humidade bem quente ajudando a pessoa a suar gloriosamente. Está quase terminado o tratamento. É altura da pessoa procurar o calor de mais uns tantos chuveiros para passar o corpo por água e tirar o sal, a sílica medicinal que ainda tem agarrada ao corpo. Completada a tarefa, a pessoa sai cá para fora e entra de novo na grande piscina, ou lagoon, para o relaxamento final, a conclusão de tão cuidadoso e esmerado tratamento. Mais meia hora com umas tantas braçadas na lagoon, ou para se estender, em sossego, dentro de água, de papo para o ar.

A pessoa pode aproveitar agora para contemplar o mar, os horizontes próximos
de Reikjavik.

Por fim, o portuga das mil aventuras, rejuvenescido, regressa tranquilo aos
afazeres do dia, a pele fina e macia, o coração leve como uma pena.

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Guiné 61/74 - P24860: (In)citações (259): Depois da "mina A/P" que me atirou, em 29/10/2023, para um leito de hospital, com o fémur partido, estou de regresso à vida, à luta, a escrita, enquanto a a recuperação prossegue (José Saúde, Beja)


Beja > Hospital distrital > Outubro de 2023  > O Zé Saúde no "estaleiro!... E a agradecer aos amigos e camaradas que se têm interessado pelo seu estado de saúde... Ele, um "ranger", de rija têmpera, está de volta à vida, à luta, à escrita...

Foto (e legenda): © José Saúde (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego / Gabu, 1973/74), natural da Aldeia Nova de São Bento , Serpa; a viver en Beja; jornalista e escritor; tem página no Facebook):

Data - quarta, 8/11/2023, 17:30

Assunto - Recortes do meu acidente

Camaradas,

Eis o franco e imprescindível ânimo deste antigo combatente por terras vermelhas da Guiné, cotejando, por isso, que um impedimento casual jamais derrubará este vosso velho camarada. Partirei um dia para um outro lugar, mas até lá vou passando por entre ventos e tempestades e não abicando de princípios legados pelos meus antepassados.

Aliás, o percurso da minha vida até ao dia 27 de julho de 2006, data esta encaixada com a visita do meu AVC, um mal que veio para ficar, instalando-se “envergonhadamente” neste já débil corpinho, um corpinho que tinha sido até aí pautado por um viver isento de “malazengas”, sendo que no presente foi o rebentar de uma “granada antipessoal” que me atirou para o leito hospitalar.

Neste profícuo caminhar ao cimo do planeta chamado Terra, e sempre com a missão no exercer o equilíbrio físico que a vida obviamente nos impõe, aconteceu que fui apanhado numa “emboscada” que me levou ao caminhar sobre uma ténue linha, mas onde ânsia do momento supera o nosso evidente acreditar.

Aqui vos deixo camaradas um texto que oportunamente subscrevi, tendo dele recebido centenas de profícuas opiniões.

Uf, que horror…

E o inesperado, um acontecimento sempre distante dos nossos pensamentos, aconteceu! Domingo, 29 de outubro de 2023, cerca das 11h30, dirigia-me a um encontro/convívio com amigos, porém, ao descer do carro cai e desde logo me apercebi que o impacto com a velha pedra lusitana me teria provocado irreparáveis danos.

Mesmo assim, a minha força física e mental, levou-me a pedir auxílio, sendo então socorrido por um amigo que me transportou para o interior do carro, seguindo-se a condução, não obstante as dores sentidas, para junto à residência, onde habito, casa própria do meu genro, Paulo Paixão e da minha filha Rita Saúde, sucedendo o meu pedido de socorro para o 112. Aí, e sem me poder mexer, acompanhou-me o meu cunhado, Joaquim Lança.

Depois telefonei à minha filha Marta e as preocupações logo se fizeram sentir, ouviu-se o sinal de alerta. Veio a ida para o hospital, o internamento e a operação ao fémur. Tive alta na passada sexta-feira, encontro-me em convalescença e aguardam-me dias de uma certeza recuperação.

Camaradas, a recuperação prossegue.
José Saúde
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Nota do editor:

Último poste da série > 20 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24570: (In)citações (258): Reflexão extemporânea entre dois copos (Adão Cruz, ex-Alf Mil Médico da CCAÇ 1547 / BCAÇ 1887, Canquelifá e Bigene, 1966/68)

Guiné 61/74 - P24859: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (30): Inaugurada exposição (portuguesa) sobre Amílcar Cabral, no Palácio Presidencial em Bissau, em 16/11/2023


Guiné-Bissau > Bissau > Palácio Presidencial > 16 de novembro de 2023 

Exposição dedicada à história e legados de Amílcar Cabral > Da esquerda para a direta, o investigador Vitor Barros, o primeiro ministro, o presidente da repúblicae   ministro dos negócios estrangeiros de Portugal.


Foto (e legenda): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem (e foto) quer nos foi enviada ao fim da tarde, 19:37, do passado dia 16, o Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue; autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau"):

A legenda que acompanha a foto é lacónica mas bem humorada: 

"Visita à exposição sobre Amilcar Cabral... no palácio do Spinola".



2. Reprodução, com a devida vénia, de notícia publicada no sítio da Instituto de História Contemporânea (IHC), da FCT/UNL


EXPOSIÇÃO SOBRE AMÍLCAR CABRAL CHEGA À GUINÉ-BISSAU

Nov 17, 2023 | Notícias

A exposição dedicada à história e legados de Amílcar Cabral, que esteve patente em Lisboa entre Março e Junho deste ano, com curadoria científica de José Neves e Leonor Pires Martins, foi ontem inaugurada no Palácio Presidencial em Bissau.

Desta feita, o investigador Victor Barros foi o cicerone da visita inaugural, que contou com presença dos Presidentes da República e dos Primeiros-Ministros da Guiné-Bissau e de Portugal.

Em comunicado de imprensa, a Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau realçou que “as peças integrantes da exposição constituem uma oportunidade para homenagear Amílcar Cabral, uma destacada e multifacetada figura do século XX, enquanto líder político e engenheiro agrónomo e activista cultural, tendo contribuído decisivamente para a independência da República da Guiné-Bissau e da República de Cabo Verde e para a restauração do regime democrático em Portugal.”

Tal como em Lisboa, a iniciativa foi da Comissão Executiva da Estrutura de Missão para as Comemorações dos 50 Anos do 25 de Abril, contando agora também com o apoio do Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, I.P., da Embaixada de Portugal em Bissau e das Autoridades Guineenses.

O projeto de arquitectura foi, novamente, da autoria de Miguel Fevereiro & Ricardo Santos Arquitetos; o design de Vera Tavares.
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Nota do editor:

Último poste da série > 16 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24855: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (29): A Av Amílcar Cabral, no coração do "novo" Bissau Velho, palco das comemorações dos 50 anos da independência do país

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24858: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (20): O calão do Bairro Alto em finais do séc. XIX, algum do qual chegou à nossa caserna...


Capa do livro de Alberto Pimentel (1904), "A triste canção do sul", 
Ilustração: Júlio Leite, 1904.


1.  Ainda a propósito do Bairro Alto, mesmo que já não seja do nosso tempo (estamos a falar de há mais de 100 anos) (*), achámos que pode interessar a alguns leitores, que gostam do fado e da sua história, a reprodução de alguns excertos do livro de Alberto Pimentel (1848 -1925) (curiosamente um homem do Norte, nascido no Porto), que escreveu, em 1904,  "A Triste Canção do Sul". ("Triste", seguramente por contraposição às alegres canções folclóricas do Minho e de Entre Douro e Minho;  acrescente-se que o Alberto Pimentel foi um escritor, jornalista e romancista,  com alguma notoriedade no seu tempo, mas hoje praticamente esquecido,  que escreveu quase tudo sobre quase tudo, incluindo uma primeira biografia de Camilo Castelo Branco, de quem ele se considerava, de resto, se considerava  amigo, admirador e discípulo.)

Tenho uma cópia de "A Triste Canção do Sul", muito desconjuntada, comprada há mais de 50 anos num alfarrabista do Bairro Alto. O livro, que já é do domínio público (isto é, livre de direitos de autor, o Alberto Pimentel já morreu há mais de 70 anos) está felizmente digitalizado pela nossa Biblioteca Nacional  (veja-se cópia em formato pdf aqui.). 

Há um edição mais recente, em papel,  da Dom Quixote, 1989. Da edição de 1904, e sem revisão da ortografia em vigor na época, tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos.

É interessante verificar como algum do calão do "faia do Bairro Alto" dos finais do século XIX chegou até aos nossos dias, e era utilizado por nós na tropa e na guerra; por exemplo: estampa (bofetada), briol (vinho), pinha (cabeça), cebola (relógio),  raspar (fugir), batota (jogo), larica (fome), naifa (faca), butes (pés, bota),  piela (bebedeira), afinfar (bater em), paínço,  milho, graveto (dinheiro). etc. (**).


Cap III - Os assumptos do Fado  (pp. 77, 89-93)

(...) O calão é a linguagem habitual do fadista. Parece un dialecto, sem o ser rigorosamente. Muito pittoresco, não se limita apenas a alterar phoneticamente as palavras como a gíria infantil; além de lhes alterar o som, altera-lhes também  a forma, e muitas vezes lhes desloca a significação, levando-a para outros objectos, n'um sentido tropologico, fundado na relação de semelhança. 

 Assim, a garrafa preta da taberna é viuva; os copos são filhos da viuva: uma viuva e dois filhos quer dizer — uma garrafa e dois copos. Mas se o copo é maior que o da decilitração habitual, chama-se sino grande

 O cigarro é soldado de calça branca; a navalha, sardinha; a faca, sarda; o apito, rouxinol; a quantia que o rufião recebe da amante, queijada; o dinheiro, painço; o café com leite, mulato; a agua com café, meio-caiado; Deus, juiz do Bairro Alto; as pernas, juntas; a barriga, folle das migas; as notas de banco, filhozes; enfiar uma guitarra pela cabeça d'outra pessoa é fazer uma gravata; a bofetada é estampa; a meia-porta dos bordeis do Bairro Alto, avental de madeira, etc. (...)

 Nas outras linguas encontra-se um vocabulário correspondente ao calão dos nossos fadistas: os hespanhoes chamam lhe germania e chamavam lhe antigamente gerigonza; os francezes jargon e argot; os italianos gergo e lingua furbesca; os inglezes cant, etc. (...)

Calão vem de caló, nome que os ciganos dão a si mesmos. (...).

A giria portugueza, isto é, a linguagem especial usada pelas classes vis a fim de que as outras classes sociaes a não entendam, é muito antiga: já no século XVI Jorge Ferreira de Vasconcellos se refere aos que fallavam germania

No século XVII D. Francisco Manuel de Mello empregou alguns termos de giria na Feira dos anexins , que é, como se sabe, uma galante collecção de equívocos e jogos de palavra. 

No século XVIII, o padre Bluteau organizou uma lista d'aquelles termos, que incluiu no seu Vocabulário, e que foi copiada em parte no Compendio de orthographia de Frei Luiz de Monte Garmelo. (...)

No século XIX (...), os Ciganos de Portugal, por Adolpho Coelho (***), abrangendo um importante estudo sobre o calão, e o diccionario de giria ultimamente publicado pelo sr. Alberto Bessa constituem copiosas fontes para o vocabulário do calão portuguez. 

Adolpho Coelho traz o seguinte Fado composto em calão, reproduzido por Alberto Bessa:

Ao fadista chamam faia, 
 Ao agiota intrujão; 
 Ao corcovado golfinho, 
 Ao valente bogalhão. 

Entre o povo portuguez 
Ha calões tão revesados, 
Que deixam muitos pintados 
Por mais de cento e uma vez. 
 Lá vão alguns — trinta e trez 
 (Não sei se n'elles dou raia): 
 A' prata chamam-lhe laia, 
 A's nossas cabeças pinhas
Aos porcos chamam sardinhas
Ao fadista chamam faia

A's nossas mãos chamam batas
Ao génio chamam ralé
A' esperança chamam filé
A's bruxarias bagatas; 
A's velhas chamam cascatas
Ao poupado sovelão
Um gabinardo ao gabão; 
Ao caldo chamam-lhe rola
A um relógio cebola,
Ao agiota intrujão

Ao fugir chamam raspar
Chamam á casa mosqueiro
Ao ébrio chamam-lhe archeiro
Ao comprehender toscar
Ao roubo chamam cortar
A' guitarra pianinho, 
Ao chapéu escovadinho
Ao jogo chamam batota
A uma sardinha aranhota
Ao corcovado golfinho
 
A' fome chamam peneira
Também lhe chamam larica
Chamam á cara botica
A' aguardente piteira
Chamam bico á bebedeira, 
A uma mentira palão
E também é de calão 
Chamar-se ao vinho briol;  
Ao nosso bucho paiol
Ao valente bogalhão
 
In: Alberto Pimentel - A triste canção do sul: subsídios para a história do fado. Lisboa: Livraria Central de Gomes de Carvalho, editot, 1904, pp. 89-93 
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 11 de novembro de 2023 > Guiné 61/74 - P24840: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (19): O Bairro Alto... de finais do séc. XIX, mal afamado durante muitas décadas, e hoje gentrificado...


(***) Os ciganos de Portugal : com um estudo sobre o calão / F. Adolfo Coelho. - Lisboa : Imp. Nacional, 1892. - [8], 302, [1] p.; 26 cm. Obra também do domínio público, digitalizado pela Biblioteca Nacional (ver aqui cópia em formato pdf).

Guiné 61/74 - P24857: Lembrete (45): Convite para o lançamento do novo livro do nosso camarada José Teixeira, "O Universo Que Habita Em Nós", a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro de 2023, pelas 16h30 horas, no Centro Cultural de Leça do Balio, sito no Largo do Mosteiro de Leça do Balio

C O N V I T E

Mensagem do autor:

Cada um de nós ao nascer, transporta dentro de si um Universo a construir – a sua vida. Com o desenrolar do tempo e com a ajuda ou desajuda de quem nos rodeia – Mãe, pai, avós, mestres, professores, amigos, vizinhos e colegas do café e tantos outros agentes educativos – vamos desenvolvendo as nossas capacidades, formando o nosso carácter, estabelecendo a nossa forma de ser e estar na vida, ou seja, construído o nosso Universo pessoal.

As histórias que vos ofereço neste livro, ajudam cada um(a), a compreender este fenómeno maravilhoso da vida, como escreve o Prof. Júlio Machado Vaz, com candura, transparência e doçura.

Com um abraço de amizade
José Teixeira


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Notas do editor:

Vd. poste de 4 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24823: Agenda cultural (844): Convite para o lançamento do novo livro do nosso camarada José Teixeira, "O Universo Que Habita Em Nós", prefaciado pelo Prof. Júlio Machado Vaz, a levar a efeito no próximo dia 18 de Novembro de 2018, pelas 16h30 horas, no Centro Cultural de Leça do Balio, sito no Largo do Mosteiro de Leça do Balio, com apresentação a cargo do Prof Luís Graça

Último poste da série de 10 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23969: Lembrete (44): Lançamento do livro "ANTIGOS COMBATENTES, Humilhados e Abandonados", por José Maria Monteiro, dia 14 de Janeiro de 2023, pelas 12,00 horas, no Manuela Borges Eventos, Rua Principal Fonte do Feto, 2835, Santo António da Charneca - Barreiro

Guiné 61/74 - P24856: Notas de leitura (1634): Um dos patrimónios mais valiosos da cultura africana: Como exemplo, um olhar sobre os contos mandingas (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Maio de 2022:

Queridos amigos,
A tradição oral africana é um dos patrimónios culturais mais valiosos deste Continente, tão escasso de documentos escritos, de património edificado, de registos linguísticos, entre outros. Um pouco por toda a parte há a preocupação de se estudar este tesouro, dos mais diferentes ângulos. Tanto no período colonial como após a Independência esta tradição oral tem vindo a ser analisada, basta folhear o Boletim Cultural da Guiné Portuguesa ou depois da Independência ler os trabalhos de Fernanda Montenegro. Foi uma surpresa encontrar esta dissertação de mestrado na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa, a mestranda teve o cuidado de utilizar uma das mais completas antologias existentes, os "Contos Mandingas", de Manuel Belchior, precedendo os seus comentários de pertinentes considerações sobre o valor da tradição oral e como ela carece de estudos, continuamente.

Um abraço do
Mário



Um dos patrimónios mais valiosos da cultura africana:
Como exemplo, um olhar sobre os contos mandingas (1)


Mário Beja Santos

A matéria de análise da tradição oral africana leva-nos a uma fonte histórica suculenta, uma seiva de autenticidade, ocorre-nos prontamente os Griots, os músicos que exaltam heróis e que elevam a sua narrativa dedilhada pelos corredores obscuros do labirinto do tempo. Há uns anos atrás, adquiri um livro sobre a tradição oral com maior incidência no mundo africano, a UNESCO apoiara a criação de um Centro Regional de Documentação para a Tradição Oral, sediado em Niamey, a capital do Níger, aí se reuniram especialistas que entrevistaram Griots, contadores e cantores, letrados muçulmanos e padres, patriarcas e chefes de família, entre outros. Sinteticamente, e em torno de uma consideração consensual, as tradições orais são uma parte essencial do património cultural africano. E fez-se uma apreciação de respetiva tipologia. Quanto à forma, as tradições apresentam-se sob três formas essenciais: prosa, prosa ritmada, prosa cantada ou não, manifestando-se através de uma forma livre ou estereotipada. Estas tradições orais abarcam todos os géneros de expressão literária: história (genealogia, crónica, narrativa histórica), poemas épicos, líricos, pastorais, contos, fábulas, adivinhas, teatro, não faltando as abordagens religiosas e iniciáticas; para além dos conteúdos históricos, as tradições abarcam temas populares ou eruditos. Outro aspeto que esta obra sobre a tradição oral releva são as relações interdisciplinares: a linguística, a etnologia, a arqueologia, a musicologia. Falamos de uma obra que data de 1972 e que envolveu um conjunto de países, dois deles têm fronteiras com a Guiné-Bissau (Senegal e Guiné-Conacri). A descoberta de um livro sobre análise de contos, forneceu munição para falarmos um pouco das tradições orais de uma das etnias mais populosas da Guiné, os Mandingas.

Trata-se de uma dissertação de Mestrado em Literaturas Brasileira e Africana de Expressão Portuguesa apresentada à Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, em 1998, por Hannelore Felizitas Nadolnÿ da Silva, exatamente com o título “Um Olhar Sobre os Contos Mandingas”. A Hannelore diz ter vivido na Guiné-Bissau entre 1959 a 1965 e para o escopo do seu trabalho retirou um conjunto de histórias da 1.ª edição de “Contos Mandingas”, de Manuel Belchior. Antes de se debruçar sobre a análise dos contos tece comentários de índole teórica sobre este património. A oratura abarca a literatura oral, a literatura oral tradicional e a literatura folclórica. Observa que a literatura oral é anónima, a obra escapa ao seu criador para se tornar num bem comum, depende sempre da personalidade do contador, cada intérprete imprime a sua marca, tudo vai da vivacidade e imaginação do Griot (contador ou narrador, e muitas vezes com a capacidade de musicar, é o que se passa com os tocadores de korá). Designa por a palabra a memória viva de África. É nas sociedades orais que a função da memória está mais desenvolvida, a palavra testemunha tudo, é um retrato, a coesão da sociedade assenta sob o valor e o respeito da palavra. O universo visível é concebido e sentido como um signo.

Dado que na sociedade tradicional africana as atividades humanas têm frequentemente um caráter sagrado ou oculto, são particularmente estas que se constituem como vetor da transmissão oral de conhecimento e tradições.

Nas sociedades tradicionais crê-se que os atos mais importantes da vida quotidiana já foram realizados num tempo primordial, operados por deuses ou heróis, de modo que os homens nada mais fazem do que repetir esse comportamento enquanto arquétipo e modelo. A literatura oral nasce em sociedades onde o trabalho humano não é fragmentário, ou seja, onde não há uma separação radical entre o trabalho quotidiano e a criação artística. A função do narrador é de procurar transmitir um melhor conhecimento e adaptação aos fenómenos da vida e espaço, unificando-os, relacionando-os, numa linguagem simples com larga margem de variações, obedecendo a uma coesão de fundo.

Feitos estes comentários, a autora refere a problemática do conto africano, apresenta alguns dados históricos sobre os Mandingas e disseca a estrutura do conto. Diz-nos que geralmente os brancos tendem a talhar os africanos à medida do seu logos grego e da ratio romana, ou seja, à sua imagem e semelhança. Os povos africanos elaboram no tempo e no espaço as suas visões do Homem e do mundo; criaram os seus valores, hierarquizaram-nos de acordo com a sua filosofia, tanto no domínio do sagrado como no profano. O conto está sempre integrado nos diferentes aspetos da vida social; assegura as múltiplas funções de memorização, de código ético, de expressão estética. Os contos tecem-se não para convencer estranhos, mas para construírem o depósito de uma crença.

Dá-nos seguidamente um histórico sobre os Mandingas, a partir do Império de Mandé, recorda o que os primeiros autores da literatura de viagens sobre eles escreveram: Valentim Fernandes, Duarte Pacheco Pereira, André Álvares de Almada (século XVI), André Gonelha e Francisco de Lemos Coelho (século XVIII). Iniciando a sua proposta de análise, fala-nos na classificação feita pelos Mandingas sobre esta importante vertente da tradição oral: histórias verdadeiras (mas que incluem mitos, lendas históricas e contos exemplares ou edificantes) e contos mentirosos (os humorísticos e fábulas de animais). Segundo o inventário da autora, os temas dos contos são: religiosos, didáticos, iniciáticos, históricos, humorísticos e fábulas de animais. E insiste que a palabra tem um poder incomensurável, constituem um suporte cultural iniciático, na medida em que exprime o património tradicional e tece uma linha de continuidade entre gerações passadas e presentes. E temos como ponto de partida um conto religioso intitulado “Por que razão Deus não tem filhos?”. Moisés depois de alguns encontros com Alá no Monte Sinai, disse ao Criador: “Senhor, oiço a Tua voz, mas não Te vejo, e arde em mim a curiosidade de conhecer o Teu rosto, a Tua forma, o Teu aspeto, de conhecer, enfim, qualquer coisa de Ti. Deixa que o Teu servo Te veja, Senhor!” Deus respondeu-lhe que aquele pedido era impossível de satisfazer, Moisés insistia, queria saber se Ele era branco ou preto, homem ou mulher, a resposta veio breve, não era homem nem mulher nem branco nem preto e não tinha filhos.

Moisés estava confuso, mesmo dececionado. Então Alá deu ao Moisés três ovos e mandou a Moisés que regressasse para junto do seu povo e que mais tarde lhe daria a explicação daquilo que tanto o surpreendera. Moisés regressou à sua gente, um dos filhos quis brincar com um dos ovos, este partiu-se, tanto chorou que acabou por receber o segundo, e depois o terceiro, ambos se partiram. Quando Moisés voltou ao Monte Sinai e perguntado sobre o destino que dera aos ovos, lamentou-se, todos tinham sido partidos pelo mais novos dos seus filhos. “Ora aí tens, Moisés, admiraste-te por Eu não ter filhos e agora já te posso explicar a razão de não os ter. Se tu consentiste aos teus filhos que partissem os ovos que te dei, bem poderia aconteceu que Eu deixasse aos meus, se os tivesse, que partissem a abóboda do Céu. Não, Moisés, não tenho filhos à maneira dos homens, mas são meus filhos todos os seres que Eu criei”.

(continua)

Capa do livro Contos Mandingas, por Manuel Belchior
Mestre Braima Galissá, o Korá e a narrativa mandinga
Imagens de Griots, expoentes da narrativa oral africana
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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24847: Notas de leitura (1633): “A Guerra Que a História Quer Esquecer”, por Elidérico Viegas; Arandis Editora, Outubro de 2023 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24855: Bom dia desde Bissau (Patrício Ribeiro) (29): A Av Amílcar Cabral, no coração do "novo" Bissau Velho, palco das comemorações dos 50 anos da independência do país

Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) >  Ao fundo, a tribuna com as entidades oficiais em frente da qual irão desfilar os militares guineenses; por detrás da tribuna, o edifício da UDIB. Presentes o presidente da República Portuguesa, e do presidente do Governo Português.

Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) >  Em primeiro plano, elementos da população que se váo juntando nos passeios... Ao fundo, a Praça dos Heróis da Pátria e o Palácio Presidencial.


Foto nº 3 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) > A população de Bissau junta-se aos milhares oara assistir às cerimónias
 

Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) > Parada militar a subir a Av. Amilcar Cabral, para desfilarem junto à tribuna oficial...  


Foto nº 5 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) > Desfile militar, junto ao edifício dos Correios (que é do tempo colonial)... A parada começou por descer a avenida, seguindo para a marinha, dando a volta junto ao porto do Pidjiguiti e subindo depois  a avenida Av. Amilcar Cabral

Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) > Desfile militar, ao fundo o antigo hotel Portugal, da família Parente


Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) Parada militar junto à Casa Esteves  > Comandos (I)


Foto nº 7A > Guiné-Bissau > Bissau > Av Amílcar Cabral > 16 de novembro de 2023 > 50 anos da independência (em 24 de setembro de 1973) Parada militar junto à Casa Esteves  > Comandos (II)

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem (e fotos) quer nos foi enviada esta manhã, às 10h29, pelo Patrício Ribeiro (nosso correspondente em Bissau, colaborador permanente da Tabanca Grande para as questões do ambiente, economia e geografia da Guiné-Bissau, onde vive desde 1984, e onde é empresário, fundador e diretor técnico da Impar Lda; tem mais de 130 referências no blogue; autor da série, entre outras, "Bom dia desde Bssau") (*)
 
Luís,

Vão iniciar-se agora as cerimónias dos 50 anos de Independência da Guiné-Bissau, são 10h, estão 28 graus de temperatura, ás 14h vão estar 35.

Abraço
Patricio Ribeiro

Guiné 61/74 - P24854: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (17): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés



"A MINHA IDA À GUERRA"

17 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO II - ACTIVIDADES NO TO DA GUINÉ

OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO", DE 26 DE MAIO A 08 DE JUNHO DE 1970 NA REGIÃO DO MORÉS

João Moreira


Formatura do 4.º Grupo de Combate
Furrieis Silva, Moreira e Pereira


JUNHO DE 1970

INCLUINDO A OPERAÇÃO "JAGUAR VERMELHO", DE 26 DE MAIO A 08 DE JUNHO DE 1970 NA REGIÃO DO MORÉS

O MEU COMENTÁRIO AO DIA 01 DE JUNHO DE 1970

OPERAÇÃO JAGUAR VERMELHO

1970/JUNHO/01

Em CANFANDA emboscamos os 3 grupos de combate ao longo do trilho, conforme o plano estabelecido.
Às 10H30 ouviu-se um helicóptero que pelo rádio chamou "leão?" que era o nosso nome de código, e identificou-se como "leão 1" dizendo que ia pousar.
Com todos os acontecimentos anteriores eu não sabia qual era o nosso nome de código.
Perguntei ao "transmissões" quem era o "leão 1" e ele também não sabia.
Mandei-o dizer para não pousar, porque íamos montar segurança.
Resposta imediata do helicóptero: "Vou pousar. Não preciso de segurança".

Entretanto aparece o alferes Pimentel com 1 secção e pediu-me outra secção para montar segurança ao heli que trazia o general Spínola.
Quando chegamos ao local, para montar segurança, já o heli tinha pousado.
Do heli saiu o general Spínola, um brigadeiro (penso que era o 2.º Comandante das Forças Armadas, o capitão Almeida Bruno (ajudante de campo do general Spínola) e um alferes (penso que era o piloto do heli - Jorge Félix?).
O general Spínola perguntou para que era aquele pessoal que ia connosco.
Como o alferes Pimentel disse que era para montar segurança, mandou-os regressar ao local da emboscada, dizendo que ele não precisava de segurança.

Quis saber como tinham acontecido as coisas e qual era o moral do pessoal da Companhia, após o ataque que sofremos na véspera.
Deu-nos notícias do estado do capitão Moura Borges.
Disse que antes de vir para a Operação, que continuava a decorrer, tinha ido ao Hospital Militar ver e informar-se sobre o estado do capitão Moura Borges.
Informou-nos que já tinha sido operado e que tinha corrido bem.
Iria ser transferido para o Hospital Militar de Lisboa, para a recuperação ser mais rápida, porque o clima húmido da Guiné não era favorável a esta situação.

Durante a conversa com o general Spínola, o brigadeiro veio ter comigo para saber onde estava instalada a nossa Companhia.
Apontei-lhe o local e disse-lhe que era ali o trilho indicado para a Companhia fazer a emboscada.
Para meu espanto, o brigadeiro mandou-me buscar o pessoal da Companhia, para o nosso general passar revista.
FELIZMENTE PARA MIM, o capitão Almeida Bruno assistiu à conversa/ordem que o brigadeiro me deu.
Achei um grande disparate, mas cumpri a ordem do brigadeiro - QUEM ERA O FURRIEL "PERIQUITO" QUE NÃO CUMPRIA A ORDEM RECEBIDA DUM BRIGADEIRO?
Contrariado, fui buscar o pessoal da companhia e dirigi-me para junto do heli, onde estava a decorrer o nosso encontro.
Quando chegamos junto do heli, o general Spínola perguntou-me quem me mandou ir buscar os soldados.
Apeteceu-me dizer que tinha sido o brigadeiro - o que era verdade - mas ao mesmo tempo pensei na gravidade de um furriel "periquito" estar a acusar um brigadeiro. E AQUI VALEU-ME A AJUDA DO CAPITÃO ALMEIDA BRUNO.

Contornou parte do círculo que formávamos e colocou-se virado para mim a apontar para o brigadeiro. Fez isto várias vezes, mas eu continuava a ter medo das consequências. Bastava o brigadeiro dizer que não me deu essa ordem e eu é que ficava como mentiroso.
O capitão Almeida Bruno, viu o meu "desespero", contornou novamente parte do círculo e quando passou por trás de mim, bateu-me nas costas e disse: "DIZ QUE FOI O BRIGADEIRO" Com este "apoio", decidi e respondi ao general Spínola:
"MEU COMANDANTE, FOI O NOSSO BRIGADEIRO QUE ME DEU ORDEM PARA LEVANTAR A EMBOSCADA E TRAZER O PESSOAL PARA AQUI, PARA O MEU COMANDANTE PASSAR REVISTA".
Resposta do general Spínola: "O NOSSO BRIGADEIRO AQUI NÃO MANDA NADA. VOLTA A INSTALAR O PESSOAL NO TRILHO, E EU É QUE VOU LÁ VISITÁ-LO, PARA NÃO ARRISCAR A SEGURANÇA DELES".

DESTA JÁ ME SAFEI, PENSEI EU.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24836: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (16): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo II - Actividades no TO da Guiné - Operação "Jaguar Vermelho", de 26 de Maio a 8 de Junho de 1970 na região do Morés