sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24776: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (4): Qaqortoq, uma pequena vila piscatória de 3 três mil habitantes, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)


Foto nº 26


Foto nº 27


Foto nº 28


Foto nº 29


Foto nº 30


Foto nº 31


Foto nº 32


Qaqortoq, Gronelândia, agosto de 2023


Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2023). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 


Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (4): Qaqortoq, uma pequena vila piscatória de 3 três mil habitantes

por António Graça de Abreu (*)


A vilazinha gronelandesa, com apenas 3.050 habitantes, chama-se Qaqortoq, nome não fácil de memorizar apesar de contar apenas três sílabas (Foto nº 26). Situa-se no extremo sul da Gronelândia, na margem direita de mais um fiorde, a uns seis quilómetros do mar. Como não tem cais de acostagem para grandes navios como o “Poesia”, da MSC, estacionamos o barcalhão a uns dois quilómetros do pequeno porto e tomamos três lanchas, as baleeiras do navio em serviço para a ligação a terra.

Qaqortoq, que em dinamarquês se assume como Julianehab, foi um dos primeiros lugares da Gronelândia a ser povoado por vikings no século X. Depois vieram os esquimós-inuites, os noruegueses e os dinamarqueses. 

Protegido dos ventos, porto de pescadores e caçadores de focas (Fotos nº 29 e 30) desempenhou o seu papel na pequena economia gronelandesa, assumindo-se hoje como o quarto maior aglomerado populacional do país. Vi chegar do mar, onde ainda pululam icebergues, duas ou três traineiras carregadas de salmões, enormes, fresquíssimos. Um caçador de focas, com duas espingardas a tiracolo, regressava também da sua jornada num glaciar próximo. 

Qaqortoq vive muito do negócio de transformação da pele de foca em casacos, luvas, botas, sapatos, algo proibido no Canadá e nos Estados Unidos da América. Não há proibição na Europa e os pobres animais que me dizem não estar em extinção, são por aqui impiedosamente abatidos.

Entretanto, porque Qaqortoq -- um dos lugares menos poluídos do mundo --, se transformou também num destino turístico, uma senhora esquimó, com quem meti conversa, fala-me na chegada de 35 navios de cruzeiro por ano. (Fotos nºs 31 e  e 32).

Não será muita gente, mas o turismo terá algum significado na vida económica da terra que cresce, em presépio, subindo por duas encostas, para norte e para sul, com as casinhas pintadas nas cores fortes comuns a toda a Gronelândia. Duas igrejas protestantes, três ou quatro supermercados bem abastecidos, um hotel com bom aspecto, mas com quartos nada baratos, tudo acima dos 250 euros por noite e o aviso cá fora de que lá dentro não há hi-fi para turistas de passagem.

Um campo de futebol com relvado sintético e informam-me que os qaqortoquianos são bons de bola, já foram campeões da Gronelândia por quatro vezes. Grande futebol se jogará por aqui! (Foto nº 27)

Por cima da vila, encravado entre montanhas de pedra, existe o grande lago Tasersuaq (Foto nº 28) que congela no Inverno e é óptimo para patinagem. Logo ao lado fica a zona onde se faz ski durante parte do ano. Agora as pistas encontram-se cobertas de vegetação, mas a partir de Outubro tudo estará atapetado com neve e gelo.

Caminho junto ao mar. Os pescadores aproveitam a placidez do Verão, com o Atlântico Norte azul e calmo, consertando os barcos, preparando redes e anzóis para novas pescarias. O sossego do dia, onze graus de temperatura, o silêncio avassalador envolvendo tudo.

Na pesquisa da Gronelândia na Net, encontro um poeta Gronelandês que creio ser um dos mais famosos autores do país. Chama-se Aqqaluk Lynge, nasceu em 1947 e tem um
poema que fala em caçar animais. Traduzi do inglês, assim:

Ouvir os mais velhos

Caçadores de gansos, um encontro na terra.
Ele diz: “Hoje é domingo,
ninguém deve dar um tiro.”
Assim falam os mais velhos
e nós ouvimos os mais velhos,
às vezes.

Vem um bando de gansos,
lutando contra o vento.
Ele pega na espingarda e dispara,
um ganso cai,
os outros continuam voando.
Sim, hoje é domingo.

Um bando de perdizes brancas
salta em círculos, à nossa volta,
não fazem nenhum ruído.
“Têm medo”, diz a pessoa mais velha,
“as corujas saíram para caçar,
as perdizes procuram a protecção dos homens,
nós não as caçamos.”
É o que dizem os mais velhos,
e nós ouvimos os mais velhos,
às vezes.


António Graça de Abreu
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António Graça de Abreu:

(i) ex-alf mil, CAOP1, Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74; 

(ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 5/2/2007; 

(iii) tem c. 330 referências no blogue; 

(iv) é escritor, autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); 

(v) no nosso blogue, é autor de diversas séries:

  • Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo;
  • Viagem de volta ao mundo: em plena pandemia de COVID 19, tentando regressar a casa (em coautoria com Constantino Ferreira);
  • Excertos do "meu diário secreto, ainda inédito, escrito na China, entre 1977 e 1983";
  • Notícias (extravagantes) de uma Volta ao Mundo em 100 dias;
  • Excertos do Diário de António Graça de Abreu (CAOP1, Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74)

(Revisão / fixação de texto / negritos, e edição e numeração de fotos, para publicação deste poste no blogue: LG)

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Nota do editor:

Último poste da série > 6 de outubro de  2023 > Guine 61/74 - P24732: Dos calores da Guiné aos frios da Gronelândia (3): Nuuk, a minúscula capital da maior ilha do mundo, agosto de 2023 (António Graça de Abreu)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ainda há colónias no nundo... A Gronelàndia, a Lapónia, territórios franceses de "outre-mer"...E países colonizados, cada vez mais...