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quarta-feira, 20 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)



Foto 1: Pirada, Maio de 1945. Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.

Citação: (s.d.), "Visita oficial do Governador Sarmento Rodrigues à Guiné - inauguração de um monumento a [Manuel Maria] Sarmento Rodrigues [1899-1979], Pirada. Maio de 1945.", Fundação Mário Soares / INEP-CEGP-MGP, 
Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_10635 (Autor desconhecido), com a devida vénia.


Foto 2: Vista aérea de Pirada em Agosto de 1972. Foto de António Martins de Matos – P20867, com a devida vénia.


Mapa da Zona Leste, com a indicação de algumas localidades onde estavam estacionadas as unidades de quadrícula atribuídas ao Comando do BCAÇ 238 (1961/63).




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873
 (Xime e Mansambo, 1972/1974); professor de eduxção física, 
docente do ensino superiro; nosso coeditor, autor da série "(D)o outro kado do combate"; régulo da Tabanca dos Emiratos,



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE:
O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963:   
 EM BUSCA DAS "PEÇAS" DO PUZZLE 

1.   - INTRODUÇÃO

A publicação das últimas narrativas relacionadas com o comerciante Mário Soares, de Pirada, suscitaram-me um particular interesse, neste tempo de confinamento prolongado, devido à pandemia de COVID-19.. Encontrei em todas elas "assunto", mais do que suficiente, para aprofundar todas as dúvidas e interrogações emergentes em cada uma delas, particularmente a partir das "pontas" ou dos "pontos" que o camarada Luís Graça deixou em aberto.

Desde logo o P20927 abriu o caminho sobre o caso do "ataque a Pirada em 28/5/1965". No P20867, síntese do P4879: «Gavetas da Memória», série de episódios da autoria de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66, a questão principal era: "Pirada, naquela época, resumia-se a uma rua de terra batida que tinha a meio uma espécie de praceta, com um pequenino monumento [?] e tudo". 

Que monumento seria esse? Pois é o que se indica na foto 1, inaugurado em Maio de 1945. Finalmente, o P20927, o último desta série até á data, coloca-nos em frente de uma nova "picada", agora em direcção ao "ataque a Pirada em 15 de Julho de 1963" de que resultou (está escrito) a morte de 1 soldado europeu" (?).

É sobre esta "peça" da história que trata este fragmento.  

2.   - SUBSÍDIO HISTÓRICO MILITAR DA ZONA LESTE, COM DESTAQUE PARA PIRADA

Ao Batalhão de Caçadores 238 [BCAÇ 238], mobilizado pelo BC 8, de Elvas, foi-lhe atribuída a responsabilidade da Zona Leste, com fronteira com o Senegal e a Guiné-Conacri, e para oriente da linha Cambajú-Xime-Rio Corubal, após a sua chegada a Bissau, em 06 de Julho de 1961, 5.ª feira, sob o Comando reduzido do Major Inf José Augusto de Sá Cardoso.

Em 19Jul61, esta Unidade assumiu a responsabilidade da referida zona de acção, com sede em Bafatá, comandando e coordenando a actividade das companhias estacionadas em Nova Lamego (CCAÇ 90) e Bafatá (CCAÇ 84) e pelotões de reforço, cujos efectivos se encontravam disseminados por Contuboel, Piche e sucessivamente, a partir de 16Ago61, por Pirada [3.ª CCaç (RL) e 1 Sec/CCAÇ 84], Buruntuma [2 Sec/CCAÇ 84], Canhamina, Sare Bacar, Paunca, Bajocunda, Canquelifá, Enxalé, Bambadinca e Saltinho.

2.1   - INÍCIO DAS ACTIVIDADES SUBVERSIVAS NA REGIÃO DE PIRADA

Segundo a literatura Oficial, em particular o livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974); Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; "as actividades subversivas, atribuídas ao PAIGC, tiveram início no final de Junho com diversas sabotagens na região de Pirada-Sonaco".

3.   - O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963 - DOCUMENTOS ANALISADOS

Ainda que não tenha obtido registos de prova, quanto ao modo como decorreu o ataque a Pirada e suas consequências, mesmo que ele tenha sido executado, é possível garantir que não produziu quaisquer baixas nas NT, quer sejam de origem africana ou europeia.
Para melhor análise e interpretação do seu valor factual, damos conta abaixo, por ordem cronológica, dos diferentes conteúdos reportados à correspondência trocada entre remetentes e destinatários, conforme se indica no quadro.



3.1   - PIRADA, 09 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NOME DE GUERRA DE NORBERTO ALVES]

Pirada, 9 de Julho de 1963 (3.ª feira) – (tradução do francês)
Caro camarada Yaya Koté.

Gostava que esta carta chegue pelo menos a tempo, encontrando-o com saúde, assim como os outros camaradas. O objectivo da carta é informar que dois dos nossos guerrilheiros abandonaram a luta por falta de resistência necessária aos desempenhos físicos e morais da luta, de acordo com os seus próprios testemunhos. Eles vão-lhe contar tudo minuciosamente. Por outro lado, fizemos uma boa viagem e começámos hoje os actos de sabotagem, para depois iniciarmos a luta armada. Esta será em breve!

Com os meus melhores cumprimentos, termino com muita amizade por ti. Saúde. Kanfrandi Ká - Norberto Alves.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36861

3.2   - PIRADA, 10 DE JULHO DE 1963; ASSINAM: AREOLINO CRUZ E KANFRANDI KÁ

Pirada, 10 / Julho de 1963 (4.ª feira)

Caro [Pedro] Pires.

Saúde em primeiro lugar e acima de tudo. Nós vamos indo bem graças a Deus. O portador desta carta é um camarada que se encontra doente talvez por causa da frieza. Ele costuma ter dores na região lombar (?). É preciso tratá-lo bem para que ele possa voltar depressa porque é um elemento precioso para a nossa zona e é adjunto do nosso responsável. Ontem quando voltámos da sabotagem que fomos fazer em Pirada ele foi atacado fortemente por tal doença que só muito dificilmente pôde marchar em braços. Fomos obrigados a sair do mato essa noite e entregá-lo numa tabanca vizinha pois que chovia torrencialmente e ele não podia de modo nenhum estar exposto à intempérie.

Tentámos fazer explodir a ponte do rio Bidigor, entre Pirada e Bafatá, metemos na acção 700 g de plástico mas da explosão só resultou um buraco na dita ponte. É uma ponte bastante resistente. Cortámos os fios telefónicos numa distância de quase 300 metros. Na região de Pirada é difícil de trabalhar, pois que não foi mobilizada; nela só há um responsável (?) mas ele tem medo de contactar connosco e até de nos alimentar. Passamos dias seguidos sem comer e por isso dois fulas que vieram connosco recusaram a continuar. Precisamos de dinheiro para a alimentação, precisamos de explosivos TNT e balas de calibre 7,75.

Após a sabotagem os fulas da região [3.ª CCAÇ] mobilizaram-se e entraram para o mato à nossa procura. O Borges pode melhor contar-te a situação. Diz ao senhor Bebiano que o Kouko já chegou e foi cá recebido com grande entusiasmo. A escassez de explosivos deixa-nos uma falta terrível.

P.S. - Espero que não te esqueças de me enviar as botas de lona e as calças americanas. O responsável quer também 1 par de calças. Para mim manda-me o cobertor do Caetano que ele não vem agora.

Sempre esperando, Areolino Cruz e Kanfrandi Ká (Norberto Alves)  



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36865.

3.3   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo) – (tradução do francês)

Caro irmão e companheiro de luta Yaya Koté.

Neste momento decisivo da história de nosso povo, onde surgem dificuldades de todos os lados, a acção de cada um de nós é essencial para o triunfo, pois os nossos companheiros já derramaram o seu sangue.

Na última carta que lhe enviei, destaquei as dificuldades que nos cercam, mas até agora não nos conseguimos livrar delas ou, pelo contrário, estão aumentando dia-a-dia. Para isso, é necessário partir sem demora para Dakar para entrar em contacto com a Direcção, expondo concretamente a nossa situação a fim de estudarmos juntos e decidirmos como nos livrar desse impasse. Irmão deve deixar tudo para cumprir esta missão, que é tão importante, caso contrário tudo estará condenado ao fracasso.

Em anexo está uma carta em português para ser entregue à Direcção. Ela transmite tudo o que precisamos aqui e ainda a nossa situação concreta.

Devemos adverti-los de que, para atender às necessidades urgentes no campo de equipamentos, já enviei 40 jovens a Koundara para receber os equipamentos para a região. O seu irmão para sempre - Chico Té [Francisco Mendes]



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36869.

3.4   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo)

Ao Secretariado-geral – Bureau de Dakar

Boa saúde. Nós por cá estamos todos bons apesar de estarmos rodeados de dificuldades que tentamos transpor para o triunfo urgente da nossa causa.

Essas dificuldades são as seguintes: devido à grande pressão em que se encontra o povo desta região, a fome coloca-se em primeiro lugar, porque sem alimentação um combatente não pode pegar em armas para fazer combate. Encontramos nesta situação desastrosa. Desde que entrámos no país sentimos falta de alimentação o que obrigou à deserção de vários camaradas fulas. A fome é tão maior que não podemos fazer nenhum combate e resolvemos unicamente defender a nossa pessoa contra os ataques dos colonialistas e dos régulos fulas. Na fronteira a cotização rareia devido à situação económica dos militantes.

A outra dificuldade é a falta de munições que no princípio não era suficiente porque para cada metra só havia munições para os carregadores.

Os medicamentos que alistei na presença do camarada Bebiano e que ele prometeu que desde que chegasse a Dakar faria todo o possível para que cheguem às nossas mãos, tal não aconteceu. A decisão dele era simplesmente para se desembaraçar de nós. Há camaradas que saiem por falta de comprimidos para febre ou outra crise parecida.

O Yaya Koté exporá tudo quanto nos é preciso aqui pois a fome não me deixa prolongar a carta. Até breve. Chico Té.

Para responder às necessidades da luta já enviei 40 jovens para Koundara com o fim de receber material para a Região porque estamos num momento difícil para nós. O camarada Koté explicará tudo. Chico Té. 



  
Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36873.

3.5   - PIRADA, 15 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Comunicado

Na madrugada do dia 15 de Julho de 1963, 2.ª feira, um grupo de guerrilheiros do nosso Partido, comandados pelo camarada Kanfrandi Ká, atacou por força o quartel de Pirada. Do ataque resultou da parte inimiga um morto. Não puderam os guerrilheiros apoderar-se da arma do inimigo morto por aquele se encontrar nas traseiras do quartel que é rodeado de arame farpado. Kanfrandi Ká (Norberto Alves)



Citação: (1963), "Comunicado [Região 4]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40527.

3.6   - PIRADA, 17 DE JULHO DE 1963; ASSINA: AREOLINDO CRUZ

Pirada, 17 / 7 / 63 (4.ª feira)
Caro [Pedro] Pires~

Saúde é o que te desejo. Nós vamos indo menos mal. Há dias escrevi-te uma carta tendo por portador um camarada doente, o Borges.

Já não vale a pena enviares as minhas correspondências pois que elas podem extraviar-se. Terei alguma carta do Fernando? Não estará ele já em África?

Na madrugada de 15 deste mês [Julho], 2.ª feira, fizemos um ataque ao quartel de Pirada e incendiamos a casa de um tipo da Pide. Morreu 1 soldado europeu. Os soldados têm agora medo de sair à noite e mesmo depois das 6 da tarde. Formaremos de agora em diante um só grupo comandado pelo Chico Té [Francisco Mendes] com aproximadamente 22 homens. Com saudações imensas, Areolind
o Cruz-

Cumprimentos ao Paulo, Caetano, José Araújo, e Bebiano. Quando o Borges tiver de voltar, dá-lhe o que tiveres para mim. Obrigado.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36881.

3.7   - PAUNCA, 20 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Paunca, 20 / 7 / 63 (sábado)

Camarada Yaya Koté

Desejo-te saúde e felicidades em companhia de todos.

Comunico-te que o Chico Té [Francisco Mendes] está mal, 10 dias sem comer e não sabemos o paradeiro dele, chegou cá o Umaro, onde ele informou o estado dele. Ele teve que vir à frente, porque ele confessou que não podia resistir, e alguns dos camaradas fugiram. Comunico-te que dos meus camaradas alguns desistiram e alguns doentes.

Tive que vir colaborar com o Domingos, que é para trabalhar melhor, é único plano.
Comunico-vos que de facto o camarada Pulo desistiu da luta, onde que ele disse que não podia aguentar a maçada do mato, fui informado mesmo pelos militantes do Domingos e alguns responsáveis. Dos meus camaradas são 3 doentes e dois que desistiram. Vocês que arranjem dinheiro para nós de alimentação e para mandar ao Chico Té e mandar uma pessoa à sua procura.

Manda dinheiro urgente, estamos mal, não temos apoio do povo principalmente em Pirada, passamos 5 dias sem comer.

Tive que procurar o camarada Domingos, o Demba [será o criado do Mário Soares, P20904?) e o Cruz, foram para Açadung (?) porque eles estão doentes.

Comunico-te que o camarada Umaro chegou fraco. Veja se arranja um montiador [caçador] que conheça bem o mato para ir à procura do Chico Té, porque ele não pode ficar a padecer dentro do mato.

Diga ao Bebiano que nós aqui estamos no meio de dois inimigos: Colonialistas e fulas. Estamos com faltas de munições e da alimentação. À noite quando fizemos emboscada para Colonialistas, de dia os fulas também fizeram as suas emboscadas contra nós. Manda procurar o Chico no mato na área de Contuboel na Tabanca Sama.

Sou, Canfrandim Cá.




Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36885, co m a devida vénia.

► Em resumo:

1.    Em função da análise documental, não é possível confirmar a execução do ataque ao quartel de Pirada, no dia 15 de Julho de 1963 [informação de Kanfrandi Ká (Norberto Alves), simultaneamente autor do comunicado e comandante do ataque].

2.    Quanto ao incêndio provocado na casa de um elemento da PIDE, em Pirada, na sequência do ataque indicado no ponto anterior, e referido por Areolindo Cruz na carta enviada a Pedro Pires dois dias depois, também não foi possível confirmar. Não se entende, porém, como é que o comandante da missão se tenha "esquecido" de o mencionar no seu comunicado.

3.    Há "peças" que não encaixam neste "puzzle".

► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04MAI2020
___________

domingo, 5 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17106: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (24): o alferes "periquito" que escoltei até Buruntuma num domingo de agosto de 1964 e que nesse mesmo dia atravessou a fronteira e desapareceu... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > c. 1961/62 > Reunião de homens grandes para aplicação da justiça tribal. O cavalo era já raro na Guiné, devido à peste equina africana rndémica... Foto de Jorge Ferreira, com a devida vénia, vd. sítio do fotógrafo Jorge da Silva Ferreira e o seu  livro  "Buruntuma: algum, dia serás grande!... Guine, Gabu, 1961-63  (Lisboa, Programa Fim do Império, Liga dos Combatentes, 2016, p. 87).


1. Comentário de Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65), ao poste P17104(*)


Fui duas vezes a Buruntuma.

A primeira vez foi com o nosso 3º pelotão na 1º ou 2ª semana de maio, cerca de um mês depois de chegarmos á Guiné (Bafatá). A área de Buruntuma ainda pertencia ao BCAÇ 238, comandado pelo sr. coronel Sá Cardoso.

A outra vez foi assim:

Era um domingo de agosto/1964, estava em Bafatá, pois no destacamento de Cantacunda tinha apanhado um ataque de paludismo, que levou à minha evacuação.

Cerca das 9 horas da manhã, o oficial de dia da 412, foi chamado ao Comandante do Batalhão 506, sr. tenente-coronel Liiz Nascimento de Matos. Informação do comando:
− Vai chegar uma Dornier com um sr. oficial, que é urgente fazer chegar a Nova Lamego, e depois a Buruntuma. Precisa-se duma escolta simples, basta um jeep, com um vosso oficial e dois soldados.

O oficial de dia, disse que não havia nenhum oficial disponível a não ser ele próprio. Resposta do sr. teneent-coronel:
− Então mande um sargento.

O alferes Baltazar chegou ao nosso quartel e toca a chamar-me:
- Marinho, manda preparar um jeep com respectivos condutor e operador rádio, mais dois soldados. Depois vais para a pista de aviação,  pois vai chegar um alferes "periquito" e vais levá-lo a Nova Lamego e depois a Buruntuma.

Requisitei um jeep, os militares necessários e ala para a pista de aviação, esperar o maçarico. Cerca das onze horas chegou o maçarico que cumprimentei e logo vi que o alferes era muito pouco comunicativo e taciturno. Vinha à civil, com uma malinha pequena.

Expliquei para onde íamos e como.  Não perguntou nada, nem disse nada. Nós olhamos uns para os outros, admirados e muito desconfiados. Lá seguimos para Nova Lamego. Aí chegados, o Alferes foi apresentar-se ao oficial dia  do BCAÇ 512.

Seguimos de seguida para Buruntuma. Chegamos, mesmo na hora do almoço. O destacamento era ao nível de pelotão. Fomos convidados para almoçar pelo furriel que substituía o alferes, agora chegado.
Conversa puxa conversa e lá ficamos cerca de três horas.

Entretanto, alguns militares do pelotão, deslocaram-se para o campo de futebol, para jogar. Nós, os da CCAÇ 412 também fomos ver o jogo. Decorria o jogo e alguns de nós,  furrieis,  trocavámos impressões do sr. alferes.

De repente, alguém começa berrar muito alto:
− Olha, o alferes vai para a fronteira!

A malta toda começa a gritar para chamar o alferes, que transporta a sua malinha. Ao ouvir os berros da malta, ele apressa o passo na estrada que segue para a fronteira. E desaparece.

Um furriel com alguns militares, foram de jipão, perseguir o alferes, mas dele já não havia
vestígios.

Então parti para Nova Lamego, onde comuniquei ao oficial de dia, os factos ocorridos. Claro que ele não acreditava, mas,  recebida a informação Rádio, comunicou ao sr. ten-cor Figueiredo Cardoso. Que ficou espantado.

O qlferes que no mesmo dia chega e parte. Mais tarde ouviram-o na Rádio Argel. Entretanto, dizia-se que ele em Bissau, havia afirmado que não ficaria muito tempo na Guiné. (**)

Alcidio Marinho

CCAC  412
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domingo, 2 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6292: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/ Mai 71) (10): Samba Silate


  1. Mensagem de Arsénio Puim, com data de 30 de Abril último: 

Luis:  Envio um novo trabalho, ao teu critério.
Um abraço.
Arsénio Puim 


RECORDANDO... (10):  SAMBA SILATE (*)


Um dos lugares tristemente célebres da guerra da Guiné, que eu tive oportunidade de visitar nos princípios de 1971, chama-se Samba Silate. Fica a poucos quilómetros de Amedalai, para o lado do Geba, entre Bambadinca e o Xime. Na continuação da tabanca estende-se, até ao rio, uma grande bolanha, tida como das melhores da Guiné. Para lá do Geba, fica Mato Cão e Madina.

Dantes, Samba Silate foi uma grande tabanca balanta e um importante centro de produção de arroz. Mas na altura em que lá estive, era  uma terra desabitada e completamente inculta. Dizia-se que qualquer tentativa dos Fulas para o seu aproveitamento seria gorada pelos Balantas.

Neste chão balanta, o Pe. António Grillo, missionário italiano, desenvolveu uma actividade pastoral florescente, reconhecida por muitas pessoas. Lá estava ainda, a testemunhá-lo,  uma grande cruz de cimento erguida no local, assim como uma campa, também de cimento, perto da cruz, com a inscrição de Mateus Iala, balanta, que havia falecido em 1958, apenas um mês depois de ser baptizado.

Ao rebentar a guerra houve um forte movimento de adesão e apoio, em Samba Silate, à guerrilha. A tropa, porém, acudiu atacando e matando indiscriminadamente. Mancaman, do Xime, de quem já falei anteriormente (**), disse-me que só em Samba Silate  morreram mil pessoas (***), incluindo mulheres e gente muito nova. Os que escaparam, uns foram para o mato, outros para Nhabijães, Enxalé, etc..

Pe. António viu-se implicado nos acontecimentos e, depois de preso, foi expulso, sem qualquer julgamento, para a Itália, donde não voltou mais. Constou que, mais tarde, Spínola autorizou o seu regresso, mas que a PIDE não o permitiu.

Infelizmente, os massacres nesta zona central da Guiné, perpetrados por tropas portuguesas nos começos da guerra, não se cingiram a Samba Silate. Mancaman relata  acções de extermínio também em Bafatá, Mansoa, Bissorã e Bambadinca. «Mais de 10.000 mortos. A Guiné quase ficou sem gente», referiu.

Em relação a Bambadinca, ouvi, muito casualmente, um outro nativo falar de  acções de extermínio praticadas pelas nossas tropas. Sem referir nomes, não deixou, porém, de mencionar a naturalidade e o número militar (ou um número por que era conhecido, não sei bem)  de um soldado que costumava abrir as covas das pessoas antes de as matar.

Com tristeza e espanto, constatei ainda que a palavra que denomina os habitantes naturais da minha região não era benquista em Bambadinca e incutia mesmo um sentimento de horror, pela associação que as pessoas ainda faziam de acções desta natureza a antigos militares identificados como tal.

Perante tudo isto, não posso deixar de perguntar: onde estavam, então, os capelães militares, vinculados ao Exército com uma missão de Igreja? Porventura, não existiriam ainda nessa altura e nessas zonas?

Também sei, e não podemos ignorar, que os guerrilheiros do PAIGC  cometeram igualmente acções de extermínio em situações diversas. Tenho de forma especial em mente, neste momento, as execuções sumárias de combatentes e outros nativos que estiveram nesta guerra ao lado de Portugal, designadamente elementos dos Comandos de Fá, cometidas em Bambadinca (e outras localidades) já depois do regresso das tropas portuguesas.

É triste que Portugal tenha abandonado os seus aliados africanos à sua sorte, a qual seria previsível em face do lado da guerra por que haviam optado e os moldes por vezes desregrados e sanguinários das suas acções armadas, publicamente comentados, para além da conjuntura conturbada e dificilmente controlável que se seguiria.

Intervim uma vez, na qualidade de capelão, relativamente aos Comandos africanos, por causa do lamentável e bem conhecido caso da cabeça dum homem que foi cortada (desconheço as circunstâncias do acto, embora ouvisse mais que uma versão), numa operação que esta Companhia realizou  para os lados de Madina em princípios de Outubro  de 1970. Trazida para Bambadinca e exposta, como um troféu - diga-se, com escândalo da população civil e dos nossos militares - houve um soldado português que fotografou esta cena macabra, unicamente com intuitos comerciais.

As fotos, que circularam no Quartel até ao dia em que foram superiormente mandadas recolher com as respectivas chapas – de facto,  seriam uma exposição inconveniente para a causa portuguesa se chegassem ao exterior - mostravam um homem negro ainda novo, magro, de cabelo curto e crespo, com os olhos semiabertos. Pela boca fora introduzido um lenço que saía num buraco na nuca, o qual, atado nas pontas, servia de alça para o seu transporte na mão. O autor desta acção foi um furriel felupe [, João Uloma, mais tarde graduado em alferes, e também executado em 1975, pelo PAIGC] que – dizia-se - costumava cortar e guardar as cabeças das pessoas que matava em operações militares, por razões de crenças étnicas.

Nesse dia, o referido furriel aumentava a sua colecção de 27 crânios para 28.

Como muitos companheiros militares, e na qualidade de capelão, mostrei de imediato a minha repulsa por esta acção ignóbil. E, bem poucos dias depois, quando aquela Companhia se encontrava na parada de Bambadinca, achei que devia abordar o assunto ao comandante da mesma, lamentando que tais actos pudessem ser praticados num exército que tem obrigação de ser civilizado. O graduado, referindo este ser um costume tradicional da etnia felupe, remeteu-me para a nossa acção durante 400 anos na Guiné.

Em relação aos crimes de guerra, onde quer e quem quer que sejam os seus autores,  estou totalmente de acordo com aqueles que, sem admitir a pena de morte, defendem que no mundo civilizado os homens julgam-se nos Tribunais e, através destes, os criminosos são condenados.

Arsénio Puim


2. Quem era (ou é) o Padre António Grillo ?


António Grillo é um missionário italiano, do PIME (Pontifício Instituto para as Missões Exteriores). Nasceu em 1925, em Acerenza. 

Recorro aqui ao Sítio de Paolo Grappasonni que, em finais de 1988, fez uma visita às missões italianas na Guiné-Bissau e evoca a figura do padre Anmtónio Grillo. Reproduzem-se excertos do texto "Notas de viagem à Guiné-Bissau", com a respectiva tradução em português

  Padre Antonio Grillo, di Acerenza, ha vissuto per diversi anni e con alterne vicende tra i Balanta di Bambadinca. Ha pubblicato un opuscolo nel maggio 1988 dal titolo: “I miei Balantas” dal quale traggo le sue esperienze più significative. 

O Padre Antonio Grillo,  de Acerenza, viveu durante vários anos e em diferentes períodos entre os Balanta de Bambadinca. Publicou um opúsculo em Maio de 1988 intitulada: "Os Meus Balantas" de que retiro algumas das suas experiências mais significativas.

Aveva 26 anni padre Antonio Grillo quando, il 12 settembre 1951, partì dal PIME di Milano insieme a tre missionari su una jeep americana alla volta del Portogallo e della Guinea in Africa.  Faceva parte della seconda spedizione missionaria del PIME in Guinea. Bambadinca è il distretto missionario al quale padre Grillo viene inviato insieme a padre Biasutti il 31 gennaio 1952. Dopo un anno di attesa per avere il visto dal governo portoghese, e dopo un viaggio avventuroso su una jeep e via mare, finalmente possono cominciare. 

Tinha 26 anos quando a, 12 de setembro de 1951, partiu do PIME de Milão, com três missionários num jipe americano,  a caminho de Portugal e depois da Guiné, em África.  Fazia parte da segunda expedição missionário do PIME à Guiné. Bambadinca é a região missionária para a qual o padre Grillo é enviado juntamente com o  padre Biasutti, em 31 de Janeiro de 1952. Depois um ano de espera para obter visto do Governo Português, e depois de uma viagem aventurosa por terra e mar, finalmente podiam começar.

“Purtroppo - scrive padre Grillo - abbiamo dovuto accettare di fissare la nostra residenza a Bambadinca, villaggio dove erano anche le autorità amministrative portoghesi, perché queste volevano tenerci sotto il loro continuo controllo. Già a quei tempi non permettevano facilmente neppure a noi missionari che ci addentrassimo nella foresta per entrare in contatto con le varie tribù. Avremmo preferito un grosso agglomerato abitato dai Balantas come Sambasilate perché questi erano animisti mentre la quasi totalità degli abitanti di Bambadinca era mussulmana”.
In lingua mandinga “Bamba” significa “coccodrillo”, “Dinga” significa “tana”: e veramente negli anni ‘50 il vicino fiume Geba era pieno di coccodrilli. 

"Infelizmente - escreve o padre Grillo - nós tivemos que aceitar estabelecer a nossa residência em Bambadinca, a povoação onde estavam também as autoridades administrativas portuguesas, porque eles queriam manter-nos sob o seu controle constante. Já naquele tempo não nos permitiam com facilidade, mesmo a nós, missionários,  que entrassemos na floresta para contactar  as várias tribos. Teríamos preferido uma grande aglomerado populacional de Balantas como Samba Silate porque estes eram animistas, enquanto quase todos os habitantes de Bambadinca eram muçulmanos. "

Em língua madinga, "Bamba" significa "crocodilo", "Dinga" significa "cova": e na verdade, nos anos 50 o vizinho rio Geba estava cheio de crocodilos.

Il villaggio di Sambasilate nel 1955 contava già 1750 abitanti in maggioranza della etnia Balanta, con pochi Papeis e alcuni musulmani. Sambasilate, che vuol dire “risaia”, fu la prima stazione missionaria del distretto di Bambadinca. Il motivo che spinse soprattutto padre Grillo verso questo villaggio fu proprio il numero dei suoi abitanti che, se convertiti, potevano attirare i villaggi minori
.

A aldeia de Samba Silate, em 1955, já tinha 1750 habitantes, na sua maioria do grupo étnico Balanta, com poucos Papéis e alguns muçulmanos. Samba Silate, que significa "campo de arroz", foi a primeira estação missionária na zona de Bambadinca. O motivo que levou o padre Grillo a optar por esta aldeia, foi apenas o número dos seus habitantes que, se se convertessem, poderiam atrair as outras aldeias mais aldeias. (...)

http://www.webalice.it/paolo.grappasonni/Guinea_Bissau:_appunti_da_un_viaggio.html

2.2. De um outro site, italiano, sobre os 150 anos do PIME (Pierio Gheddo - PIME 1850-2000: 150 Anni dei Missione)  retiro a seguinte informação sobre o conflito do Padre Grilo com as autoridades portugueses, em 1963, bem sobre as crescentes dificuldades dos missionários italianos na sequência da escalada do conflito militar:

(...) Pime in prima linea: l’arresto di padre Grillo (1963)

Il superiore generale p. Augusto Lombardi visita la Guinea (10 dicembre 1959 — 26 febbraio 1960) e richiama i missionari ad impegnarsi ancor più nell’aiutare il popolo guineano, evitando però accuratamente ogni gesto o giudizio politico: l’imperativo è di restare sul posto senza farsi mandare via: proprio ora i missionari stranieri possono giocare un ruolo importante a difesa dell’uomo.


(...) O PIME debaixo de fogo: a prisão do padre Grillo (1963)

O Superior Geral, padre Augusto Lombardi visita a Guiné (10 de Dezembro de 1959-26 fevereiro 1960), e incita os missionários a empenharem-se mais para ajudar o povo da Guiné, mas evitando cuidadosamente qualquer gesto ou opinião política: o imperativo é permanecer no local sem se fazerem expular: os missionários estrangeiros podiam desempenhar um papel importante na defesa do homem.

All’inizio degli anni sessanta la Guinea entra decisamente nel clima di guerra. Prima vittima è il p. Antonio Grillo (22), apostolo dei balanta a Bambadinca, per un’accusa risultata poi del tutto falsa (amico di un capo guerrigliero). 

No início dos anos sessenta, a Guiné entra significativamente em  clima de guerra. A primeira vítima é a padre Antonio Grillo, o apóstolo dos Balantas em Bambadinca, sob a acusação, que se soube mais tarde ser completamente falsa, de ser amigo de um líder da guerrilha.

Arrestato dalla polizia politica portoghese (la Pide) il 23 febbraio 1963, incarcerato prima a Bissau e poi a Lisbona, viene liberato il 4 luglio come atto di omaggio del Portogallo al nuovo Pontefice Paolo VI.

Detido pela polícia política portuguesa (Pide), a 23 fevereiro de 1963, encarcerado primeiro em Bissau e depois em Lisboa, acabou por ser libertado em 4 de julho em homenagem de Portugal, ao novo pontífice, o Papa Paulo VI.

Le missioni del Pime, nelle regioni più periferiche, sono in prima linea. Quella di Suzana è occupata dai militari portoghesi, i missionari debbono ritirarsi per non essere compromessi agli occhi dei locali (visitano i cristiani ogni mese partendo da Bafatà); Catiò è al centro della guerriglia perché vicina alla Guinea- Conakry da cui venivano armi e guerriglieri: i padri non possono più visitare i villaggi senza permesso della polizia e in città sono sottoposti a stretti controlli; Farim rimane isolata per lunghi mesi; le strade sono interrotte e si percorrono solo con i convogli militari; attacchi notturni dei partigiani e ritorsioni dell’esercito con villaggi bruciati, torture, massacri.

As missões do PIME nas regiões mais remotas, estão na primeira linha da frente. A de Suzana é ocupada pelo exército Português, os missionários têm que retirar-se para evitar ficar comprometidos aos olhos da população local (os cristãos passam a ser  visitados todos so meses a partir de Bafatá). Catió, por sua vez, está no centro da guerrilha por causa de sua proximidade com a Guiné-Conacri, de onde vêm as armas e os guerrilheiros: os padres já não podem visitar as aldeias sem a permissão da polícia e na cidade estão sujeitos a controlos rigorosos. Farim, por seu lado, permanece isolada durante longos meses, as estradas estão cortadas e só se pode viajar em colunas militares;  ataques nocturnos dos guerrilheiros e represálias do Exército, com incêndios de aldeias, tortura, massacres.

Il 10 giugno 1963 un nuovo prefetto apostolico: mons. João Ferreira, giovane entusiasta e con bei progetti, ma purtroppo resiste due anni e mezzo al clima della Guinea: ritorna in Portogallo nell’agosto 1965. Il suo successore, mons. Amãndio Neto, è anche lui su una linea moderatamente innovativa: lascia lavorare i missionari, difendendoli sempre dai sospetti dei militari e della polizia politica portoghese. 

Em 10 de junho de 1963 um novo Prefeito Apostólico: Monsenhor  João Ferreira, jovem,  entusiasta e com bons projetos, mas infelizmente resistiu apenas dois anos e meio ao clima da Guiné: Volta a Portugal em Agosto de 1965. O seu sucessor, Mons. Amândio Neto, também está numa linha moderadamente inovadora: deixar trabalhar os missionários, defendendo-os sempre a suspeita dos militares e da Pide. (...)

2.3. Recentemente, no início do ano, o Padre António Griillo  (agora com perto de 85 anos, vd. foto à direita, com a devida vénia ao blogue ) voltou a Bambadinca, com uma delegação da sua diocese de Acerenza para inaugurar uma escola a que foi dado o nosso nome... Voltou a Samba Silate, aos seus balantas. Foi recebido com grande entusiasmo, alegria e espírito ecuménico.

3. Comentário de L.G.:


É doloroso para a nossa memória, mas não podemos ignorar, esquecer, branquear, desculpar o que se terá passado em Samba Silate (e noutros locais do CTIG)... 1961, 1962, 1963... foram anos de chumbo... Não sabemos exactamente qual foi o envolvimento dos militares (****)... A Pide costuma ficar com o odioso (bem como a polícia administrativa local que fazia o "trabalho sujo")... Mas  a tropa e as autoridades administrativas  também não  ficam bem na fotografia...

Não posso quem quero generalizar, prefiro que apareçam relatos,  documentados,  circunstanciais, com datas e factos, sobre violência exercida tanto pelas NT como pelo PAIGC (ou a FLING, em 1961) sob as populações indefesas, ou sob prisioneiros... Em 1969, seis anos depois, os meus soldados da CCAÇ 12 falavam-me destes acontecimentos, com naturalidade... E eles eram insuspeitos, eram fulas, nossos aliados... Samba Silate, Poindon: são dois topónimos da Guiné que ainda hoje não esqueço e que me incomodam...

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Notas de L.G.:


(***) Estes números, baseados na memória oral da população local, têm que ser lidos com reserva... Em 1955, segundo o Padre Grillo, Samba Silate tinha 1750 habitantes, quase todos de etnia balanta.  

Na história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), HU-Cap II, p. 19, pode ler-se o seguinte Samba Silate, e a propósito dos balantas:

"Julgamos que o único modo de conseguir retirar ao controlo IN um substancial número de Balantas será criar condições de segurança nas ricas bolanhas que se encontram abandonadas; de entre todas essas, ressalta a de Samba Silate em virtude de ser uma bolanha rioca e muito grande, econtrar-se completamente deserta, ser a sua população recenseada antes do início do terrorismo superior a 1200 pessoas, saber-se que os seus antigos ocupantes se encontrarem sobre controlo IN, na área de Incala [, será a mesma, a da região de Bedanda ?, se sim, ficava claramente  fora do sector L1...], e desejarem para ali voltar"

Sobre o alegado massacre de Samba Silate, em 1963, só temos o testemunho de Alberto Nascimento (ex-sold condutor auto, CCAÇ 84, que esteve no CTIG entre 6/4/61 e 9/4/63, tendo o seu pelotão estado em Bambadinca justamente na altura em que foi preso o padre Grillo, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, às ordens de Bafatá)., e conversas minhas com alguns soldados da CCAÇ 12, entre eles o Abibo Jau, que seria fuzilado pelo PAIGC em 1975, juntamente com o Cap Comando Graduado Jamanca (e que já reproduzi na I Série do Blogue).

Recorde-se o que o Alberto Nascimento (que era um simples soldado condutor auto) escreveu:

(...) Sem conseguir precisar o mês,  um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca  [,  sabemos agora que foi em 23 de Fevereiro de 1963],  para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana [, ou melhor, missionário do PIME,] acusado - não sabíamos se por denúncia se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate.

Este episódio motivou a intervenção militar do Comando de Bafatá (****) com uma força equipada com as já na altura obsoletas auto-metralhadoras e lança-chamas. Essa força foi reforçada em Bambadinca com grande parte dos efectivos aí destacados [ , um pelotão da CCAÇ 84, pelo mneos,] e seguiu para Samba Silate.

Contar com pormenor o que se passou no decorrer da operação é impossível, já que fui colocado num posto de onde só podia abarcar uma pequena parte da povoação, que ocupava uma área enorme, mas o constante matraquear das auto-metralhadoras e G3 deixavam antever um morticínio.

Quando a meio da tarde o Comando deu por terminada a operação é que fui, pelo caminho, vendo a destruição provocada pelos lança-chamas, auto-metralhadoras e G3. Samba Silate estava, na sua maior parte, destruída. Num largo da povoação estavam concentrados um grande número de prisioneiros, um dos quais, talvez movido pelo desespero e terror, intentou a fuga, tendo sido abatido. Os outros foram divididos entre Bafatá e Bambadinca, de onde poucos ou nenhuns saíram.

Poindom foi o outro alvo de uma operação militar de Bafatá e Bambadinca, com o apoio da força aérea. O avanço militar terrestre fez-se pela bolanha enquanto os aviões despejavam bombas e rockets sobre a povoação e a mata que a antecedia, para anular eventuais grupos de elementos do PAIGC que poderiam impedir o avanço terrestre. Um dos aviões sobrevoava o rio [Corubal], metralhando tudo o que tentasse a travessia.

Quando consideraram que a mata estava "limpa", avançámos para a povoação que estava quase totalmente arrasada, sendo visíveis muitos corpos sob os escombros das palhotas. No interior de uma delas que ficou de pé, encontrámos um grupo de homens aterrorizados: já não me lembro se os fizemos prisioneiros ou deixámos ficar a chorar os mortos. Desta operação guardo bastantes recordações, quase todas na mente, apenas uma física, uma colher de madeira que encontrei no chão. (...)

(****) Unidades que estão em Bafatá na altura dos acontecimentos: de Samba Silate

(i) Talvez a CCAÇ 90... Mobilizada pelo R1 7, partiu para a Guiné em 2774/1961 e regressou a 12/4/1963. Esteve em Bafatá. Comandante Cap Inf Manuel Domingues Duarte Bispo, e Cap Mil Inf João Henriques de Almeida.

(II) Seguramente o BCAÇ 238. Mobilizado pelo BCAL 8, partiu em 28/6/1961 e regressou em 24/7/1963. Esteve em Bafatá. Comandante: Maj Inf José Augutso de Sá Cardoso; Ten Cor Inf Luís do Nascimento Matos.

(iii) Seguramente o EREC 385. Mobilizado pelo RC 8. Partiu a 27/7/1962. Regressou a 23/7/1964. Esteve em Bafatá. Comandante: Cap Cav José Olímpio Cajda da Costa Gomes.