Pesquisar neste blogue

Mostrar mensagens com a etiqueta BCAÇ 238. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta BCAÇ 238. Mostrar todas as mensagens

domingo, 2 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27376: Humor de caserna (219): Heróis de quatro patas que bem mereciam uma cruz de guerra: Bambadica, 1963, o Lobo e a sua matilha de cães rafeiros (Alberto Nascimento, ex-sold cond auto, CCAÇ 83, 1961/63)




Cartoon: adaptação e edição por Chat Português (GPT-5 Thinking mini). Disponível em https://gptonline.ai/. Ideia original: LG sob imagem original de João Sacoto  / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > CCAÇ 12 > Meados de 1969 > Um periquito em Bambadinca, ao tempo do BCAÇ 2852 (1968/70),   o editor deste blogue, quando noutra incarnação foi Fur Mil Armas Pesadas Inf, pertencente à subunidade de intervenção CÇAÇ 2590 / CCAÇ 12... Nas suas costas, a grande bolanha de Bambadinca... (Bambadinca ficava num morro, 30 e tal metros acima do mar, tendo a Norte o rio Geba e a Sul a bolanha.)

Um anos depois, já após a chegada do BART 2917, os cães vadios enxameavam a parada do aquartelamento e tornavam-se um pesadelo, à noite, não deixando ninguém dormir... (Dentro do aquartelamento, ou do perímetro de arame farpado ficavam ainda as instalações civis: posto administrativo, escola primária, missão católica capela, reservatório de água, etc.)

Foi na sequência dessa situação que se decidiu preparar e executar a Op A Noite das Facas Longas, de que resultou talvez a maior mortandade em canídeos de toda a guerra da Guiné... Como tantas outras ações das NT, esta não ficará certamente para a História, mas já aqui foi evocada e sumariamente contada (*).

Foto (e legenda): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


    

O boxer Toby, um cão
que foi um bravo
combatente,
mais do que mascote.

Foto do João Sacôto.
1. Os cães também fazem parte da nossa "pequena história", ou das nossas "pequenas histórias" que pouco ou nada irão interessar à História com H grande. 

Temos pelo menos dez referências a este descritor. Até tivemos "cães de guerra". CCAÇ 763, "Os Lassas" (Cufar, 1965/67) teve "cães de guerra". Tinha uma secção cinotécnica. Mas a sua utilização, eficaz e eficiente, naquela guerra e naquele terreno, deparou-se com vários obstáculos. E a experiência foi abandonada. O maior inimigo do cão de guerra ainda era, afinal, o macaco- cão. Quando se encontravam no mato, não havia quem os segurasse.

Mas dalemos de outros cães que, à partida, não foram treinados para operações de guerra. E que mesmo assim participaram na guerra. 

Se há uma cão que merecia uma cruz de guerra, era o Toby, ferido em combate, bravo e leal companheiro do nosso João Sacôto e do seus camaradas da CCAÇ 617 (Catió, 1964/66) (**).

Cães que foram, mais prosaicamente, mascotes iu animais de companhia certamente os houve, na Guiné, ao longo da nossa guerra, um pouco por toda a parte. 

De um lado e do outro. O IN também os tinha, nas "barracas"  e tabancas", com a missão de o alertar da chegada das NT, no mato. 

Alguns dos nossos cães, infelizmente, como o Boby e o Chicas, que viveram connosco em Bambadinca, acabaram por ser vitimas do "fogo amigo" (*).

 Mas falando de cães que conviveram connosco, temos  de lembrar aqui, mais uma vez, nem que seja em registo  humorístico (***), o Lobo (também um Boxer)   e a sua matilha de cães rafeiros que no início  oficial da guerra, no 1º trimestre de 1963,  terão abortado  um ataque do IN a Bambadinca, ao tempo 
do Alberto  Nascimento, ex-sold cond auto, CCAÇ 84 (Bambadinca, 1961/63).
 

O Lobo e a sua matilha de cães rafeiros

por Alberto Nascimento


Alguém apareceu um dia no quartel, com dois cachorros recém desmamados, que foram imediatamente adotados e batizados com os nomes de Gorco, ele, e Djiu, ela.

Adaptaram-se facilmente ao hotel e, quando começaram a vadiar pelas imediações, devem ter feito grande publicidade porque passado pouco tempo veio outro e mais outro e mais uns quantos, até perto da dezena de rafeiros que, agora bem nutridos, não mostravam vontade nenhuma de voltar à antiga vida de privações e maus tratos.

Mais tarde, o tenente Castro, comandante do destacamento, juntou à matilha um boxer, o Lobo que, pelo seu pedigree, foi aceite como comandante da tropa canina, que passou a segui-lo para todo o lado.

Embora alguns dos rafeiros se desenfiassem durante algumas horas de dia, a hora das refeições e a pernoita eram sagradas e, após a última refeição, esparramavam-se num espaço entre as duas construções que constituíam o quartel, formando uma roda de cães no meio da qual, não sei se por estratégia, se acomodava o Lobo.

Uma noite, estava eu num posto guarda a trocar umas palavras com o sargento Leote Mendes, quando o Lobo se levantou subitamente e saiu a grande velocidade, seguido com grande algazarra pelo resto da matilha. 

Atravessaram a estrada e durante algum tempo continuámos a ouvir um barulho infernal, sem conseguirmos compreender o que se estava a passar, até que os latidos cessaram e pudemos vislumbrar o regresso da matilha.

Ficámos preocupados a pensar que a reacção dos cães se devia à passagem de algum viajante, já que era hábito quando a distância a percorrer era grande, fazerem os percursos de noite a pé enquanto mastigavam noz de cola e mais preocupados ficámos quando vimos que o Lobo trazia na boca um cantil de plástico cheio de leite. 

Deduzimos e desejámos que alguém tivesse tido a ideia de desviar a atenção dos cães, das suas canelas para o cantil de leite, largando-o enquanto fugia.

Depois da operação de Samba Silate (****), alguns prisioneiros disseram que nessa noite o quartel estava já cercado e seria atacado, não fora o alarme dado pelos cães, o que os levou a pensar que factor surpresa já não surtiria efeito.

Felizmente para nós, enganaram-se. Não sei que armas traziam mas a nossa surpresa ia com certeza ser grande. Nunca se soube com certeza absoluta, eu pelo menos não soube, com que apoios esta operação contava do exterior e do interior do quartel, mas um dia depois, um cabo indígena de Bafatá que reforçava o nosso destacamento, desertou.

Depois deste episódio, que recordamos sempre nos nossos encontros anuais, a matilha começou a desaparecer. 

Uns nunca mais voltaram ao quartel, outros voltaram doentes, acabando por morrer por envenenamento e nós passámos a redobrar a nossa atenção aos sistemas de vigilância e defesa, que dependiam mais de nós que do equipamento que possuíamos, na altura limitado às G3, granadas e uma metralhadora fixa num ponto estratégico.

Todos os camaradas que estavam na altura em Bambadinca sabem, julgo eu, o que ficaram a dever àqueles animais que, por acção indirecta, acabaram por ser as únicas vítimas, pelo seu natural instinto de guardiães e defensores de um território, que também era seu.


Alberto Nascimento

 
(Revisão / fixação de texto, títiulo: LG)

2. Ficha deunidade: CCAÇ 84

Companhia de Caçadores nº 84
Identificação:  CCaç 84
Unidade Mob: RI 1 - Amadora
Crndt: Cap Inf Manuel da Cunha Sardinha | Cap Mil Inf Jorge Saraiva Parracho
Divisa: -
Partida: Embarque em 06Abr61 e 09Abr61; desembarque em 06Abr61 e 09Abr61 | Regresso: Embarque em 12Abr63

Síntese da Actividade Operacional

Foi colocada em Bissau, onde manteve a sua sede durante toda a comissão, inicialmente na dependência directa do CTIG e depois integrada no BCaç 236.

A partir de 24Ag061, destacou efectivos da ordem de pelotão e secção para várias localidades, nomeadamente para Teixeira Pinto, Farim, Mansabá e Bambadinca, em missão de soberania e segurança das populações, onde foram atribuídos aos batalhões responsáveis pelos sectores respectivos.

A partir de 15Fev62, embora mantendo o comando em Bissau, os pelotões foram todos atribuídos a outros batalhões, instalando-se em Empada, em reforço do BCaç 237 em Piche e Nova Lamego, com secções destacadas em Buruntuma, Pirada e Nova Lamego, em reforço do BCaç 238 e continuando um pelotão estacado em Bambadinca, em reforço do BCaç 238.

Em 01Abr63, a subunidade foi toda reagrupada em Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte:  Fonte: Excerto de Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 7.º volume: Fichas das Unidades. Tomo II: Guiné. Lisboa: 2002, pág, 305.

(***) 30 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27365: Humor de caserna (218): Análise interpretativa da história de Fernandino Vigário, "O jovem alferes graduado capelão, cheio de sangue na guelra, que queria ensinar o padre nosso ao...Vigário"


(...) " a CCAÇ 84, três meses depois de aterrar no aeroporto de Bissalanca, foi literalmente fragmentada e enviada para os mais diversos pontos do território, tendo o meu pelotão tido como último destacamento, entre Novembro de 1962 e 7 ou 8 de Abril de 1963, Bambadinca, sob o Comando de Bafatá.

"O primeiro destacamento, ainda em Julho de 1961, foi para Farim, após os primeiros e ainda pouco violentos ataques a Bigene e Guidaje. Seguiu-se o destacamento de Nova Lamego, conforme é dito no seu blogue (P 1292 - Contributos) onde o pelotão foi dividido por Buruntuma, Piche e Canquelifá.

"Só estou a mencionar o 1º pelotão da Companhia, porque à grande maioria dos camaradas dos outros pelotões só voltei a ver nos dias que antecederam o embarque para a Metrópole.

"Como a memória se perde no tempo por indocumentação, ou porque a essa memória se teve medo de atribuir qualquer importância (existiam e ainda existem muitos complexos sobre a guerra colonial), resolvi dar o meu contributo para esclarecer uma dúvida colocada no seu blogue, sobre quem teria participado nos massacres de Samba Silate e Poindom, no início de 63.

"Sem conseguir precisar o mês, um dia soubemos que a PIDE estava em Bambadinca para deter o padre António Grillo, italiano da Ordem Franciscana, acusado - não sabíamos se por denúncia, se por investigação - de colaborar, proteger, e fornecer alimentos a elementos do PAIGC, a partir de Samba Silate" (...).

quarta-feira, 20 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)



Foto 1: Pirada, Maio de 1945. Fonte: Casa Comum, Fundação Mário Soares.

Citação: (s.d.), "Visita oficial do Governador Sarmento Rodrigues à Guiné - inauguração de um monumento a [Manuel Maria] Sarmento Rodrigues [1899-1979], Pirada. Maio de 1945.", Fundação Mário Soares / INEP-CEGP-MGP, 
Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_10635 (Autor desconhecido), com a devida vénia.


Foto 2: Vista aérea de Pirada em Agosto de 1972. Foto de António Martins de Matos – P20867, com a devida vénia.


Mapa da Zona Leste, com a indicação de algumas localidades onde estavam estacionadas as unidades de quadrícula atribuídas ao Comando do BCAÇ 238 (1961/63).




Jorge Araújo, ex-fur mil op esp / ranger, CART 3494 / BART 3873
 (Xime e Mansambo, 1972/1974); professor de eduxção física, 
docente do ensino superiro; nosso coeditor, autor da série "(D)o outro kado do combate"; régulo da Tabanca dos Emiratos,



GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE:
O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963:   
 EM BUSCA DAS "PEÇAS" DO PUZZLE 

1.   - INTRODUÇÃO

A publicação das últimas narrativas relacionadas com o comerciante Mário Soares, de Pirada, suscitaram-me um particular interesse, neste tempo de confinamento prolongado, devido à pandemia de COVID-19.. Encontrei em todas elas "assunto", mais do que suficiente, para aprofundar todas as dúvidas e interrogações emergentes em cada uma delas, particularmente a partir das "pontas" ou dos "pontos" que o camarada Luís Graça deixou em aberto.

Desde logo o P20927 abriu o caminho sobre o caso do "ataque a Pirada em 28/5/1965". No P20867, síntese do P4879: «Gavetas da Memória», série de episódios da autoria de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paunca, 1964/66, a questão principal era: "Pirada, naquela época, resumia-se a uma rua de terra batida que tinha a meio uma espécie de praceta, com um pequenino monumento [?] e tudo". 

Que monumento seria esse? Pois é o que se indica na foto 1, inaugurado em Maio de 1945. Finalmente, o P20927, o último desta série até á data, coloca-nos em frente de uma nova "picada", agora em direcção ao "ataque a Pirada em 15 de Julho de 1963" de que resultou (está escrito) a morte de 1 soldado europeu" (?).

É sobre esta "peça" da história que trata este fragmento.  

2.   - SUBSÍDIO HISTÓRICO MILITAR DA ZONA LESTE, COM DESTAQUE PARA PIRADA

Ao Batalhão de Caçadores 238 [BCAÇ 238], mobilizado pelo BC 8, de Elvas, foi-lhe atribuída a responsabilidade da Zona Leste, com fronteira com o Senegal e a Guiné-Conacri, e para oriente da linha Cambajú-Xime-Rio Corubal, após a sua chegada a Bissau, em 06 de Julho de 1961, 5.ª feira, sob o Comando reduzido do Major Inf José Augusto de Sá Cardoso.

Em 19Jul61, esta Unidade assumiu a responsabilidade da referida zona de acção, com sede em Bafatá, comandando e coordenando a actividade das companhias estacionadas em Nova Lamego (CCAÇ 90) e Bafatá (CCAÇ 84) e pelotões de reforço, cujos efectivos se encontravam disseminados por Contuboel, Piche e sucessivamente, a partir de 16Ago61, por Pirada [3.ª CCaç (RL) e 1 Sec/CCAÇ 84], Buruntuma [2 Sec/CCAÇ 84], Canhamina, Sare Bacar, Paunca, Bajocunda, Canquelifá, Enxalé, Bambadinca e Saltinho.

2.1   - INÍCIO DAS ACTIVIDADES SUBVERSIVAS NA REGIÃO DE PIRADA

Segundo a literatura Oficial, em particular o livro do Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974); Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 6.º Volume; Aspectos da Actividade Operacional; "as actividades subversivas, atribuídas ao PAIGC, tiveram início no final de Junho com diversas sabotagens na região de Pirada-Sonaco".

3.   - O ATAQUE A PIRADA EM 15 DE JULHO DE 1963 - DOCUMENTOS ANALISADOS

Ainda que não tenha obtido registos de prova, quanto ao modo como decorreu o ataque a Pirada e suas consequências, mesmo que ele tenha sido executado, é possível garantir que não produziu quaisquer baixas nas NT, quer sejam de origem africana ou europeia.
Para melhor análise e interpretação do seu valor factual, damos conta abaixo, por ordem cronológica, dos diferentes conteúdos reportados à correspondência trocada entre remetentes e destinatários, conforme se indica no quadro.



3.1   - PIRADA, 09 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NOME DE GUERRA DE NORBERTO ALVES]

Pirada, 9 de Julho de 1963 (3.ª feira) – (tradução do francês)
Caro camarada Yaya Koté.

Gostava que esta carta chegue pelo menos a tempo, encontrando-o com saúde, assim como os outros camaradas. O objectivo da carta é informar que dois dos nossos guerrilheiros abandonaram a luta por falta de resistência necessária aos desempenhos físicos e morais da luta, de acordo com os seus próprios testemunhos. Eles vão-lhe contar tudo minuciosamente. Por outro lado, fizemos uma boa viagem e começámos hoje os actos de sabotagem, para depois iniciarmos a luta armada. Esta será em breve!

Com os meus melhores cumprimentos, termino com muita amizade por ti. Saúde. Kanfrandi Ká - Norberto Alves.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36861

3.2   - PIRADA, 10 DE JULHO DE 1963; ASSINAM: AREOLINO CRUZ E KANFRANDI KÁ

Pirada, 10 / Julho de 1963 (4.ª feira)

Caro [Pedro] Pires.

Saúde em primeiro lugar e acima de tudo. Nós vamos indo bem graças a Deus. O portador desta carta é um camarada que se encontra doente talvez por causa da frieza. Ele costuma ter dores na região lombar (?). É preciso tratá-lo bem para que ele possa voltar depressa porque é um elemento precioso para a nossa zona e é adjunto do nosso responsável. Ontem quando voltámos da sabotagem que fomos fazer em Pirada ele foi atacado fortemente por tal doença que só muito dificilmente pôde marchar em braços. Fomos obrigados a sair do mato essa noite e entregá-lo numa tabanca vizinha pois que chovia torrencialmente e ele não podia de modo nenhum estar exposto à intempérie.

Tentámos fazer explodir a ponte do rio Bidigor, entre Pirada e Bafatá, metemos na acção 700 g de plástico mas da explosão só resultou um buraco na dita ponte. É uma ponte bastante resistente. Cortámos os fios telefónicos numa distância de quase 300 metros. Na região de Pirada é difícil de trabalhar, pois que não foi mobilizada; nela só há um responsável (?) mas ele tem medo de contactar connosco e até de nos alimentar. Passamos dias seguidos sem comer e por isso dois fulas que vieram connosco recusaram a continuar. Precisamos de dinheiro para a alimentação, precisamos de explosivos TNT e balas de calibre 7,75.

Após a sabotagem os fulas da região [3.ª CCAÇ] mobilizaram-se e entraram para o mato à nossa procura. O Borges pode melhor contar-te a situação. Diz ao senhor Bebiano que o Kouko já chegou e foi cá recebido com grande entusiasmo. A escassez de explosivos deixa-nos uma falta terrível.

P.S. - Espero que não te esqueças de me enviar as botas de lona e as calças americanas. O responsável quer também 1 par de calças. Para mim manda-me o cobertor do Caetano que ele não vem agora.

Sempre esperando, Areolino Cruz e Kanfrandi Ká (Norberto Alves)  



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36865.

3.3   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo) – (tradução do francês)

Caro irmão e companheiro de luta Yaya Koté.

Neste momento decisivo da história de nosso povo, onde surgem dificuldades de todos os lados, a acção de cada um de nós é essencial para o triunfo, pois os nossos companheiros já derramaram o seu sangue.

Na última carta que lhe enviei, destaquei as dificuldades que nos cercam, mas até agora não nos conseguimos livrar delas ou, pelo contrário, estão aumentando dia-a-dia. Para isso, é necessário partir sem demora para Dakar para entrar em contacto com a Direcção, expondo concretamente a nossa situação a fim de estudarmos juntos e decidirmos como nos livrar desse impasse. Irmão deve deixar tudo para cumprir esta missão, que é tão importante, caso contrário tudo estará condenado ao fracasso.

Em anexo está uma carta em português para ser entregue à Direcção. Ela transmite tudo o que precisamos aqui e ainda a nossa situação concreta.

Devemos adverti-los de que, para atender às necessidades urgentes no campo de equipamentos, já enviei 40 jovens a Koundara para receber os equipamentos para a região. O seu irmão para sempre - Chico Té [Francisco Mendes]



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36869.

3.4   - PIRADA (?), 14 DE JULHO DE 1963; ASSINA: CHICO TÉ [NOME DE GUERRA DE FRANCISCO MENDES]

Pirada (?) 14 / 7 / 63 (Domingo)

Ao Secretariado-geral – Bureau de Dakar

Boa saúde. Nós por cá estamos todos bons apesar de estarmos rodeados de dificuldades que tentamos transpor para o triunfo urgente da nossa causa.

Essas dificuldades são as seguintes: devido à grande pressão em que se encontra o povo desta região, a fome coloca-se em primeiro lugar, porque sem alimentação um combatente não pode pegar em armas para fazer combate. Encontramos nesta situação desastrosa. Desde que entrámos no país sentimos falta de alimentação o que obrigou à deserção de vários camaradas fulas. A fome é tão maior que não podemos fazer nenhum combate e resolvemos unicamente defender a nossa pessoa contra os ataques dos colonialistas e dos régulos fulas. Na fronteira a cotização rareia devido à situação económica dos militantes.

A outra dificuldade é a falta de munições que no princípio não era suficiente porque para cada metra só havia munições para os carregadores.

Os medicamentos que alistei na presença do camarada Bebiano e que ele prometeu que desde que chegasse a Dakar faria todo o possível para que cheguem às nossas mãos, tal não aconteceu. A decisão dele era simplesmente para se desembaraçar de nós. Há camaradas que saiem por falta de comprimidos para febre ou outra crise parecida.

O Yaya Koté exporá tudo quanto nos é preciso aqui pois a fome não me deixa prolongar a carta. Até breve. Chico Té.

Para responder às necessidades da luta já enviei 40 jovens para Koundara com o fim de receber material para a Região porque estamos num momento difícil para nós. O camarada Koté explicará tudo. Chico Té. 



  
Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36873.

3.5   - PIRADA, 15 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Comunicado

Na madrugada do dia 15 de Julho de 1963, 2.ª feira, um grupo de guerrilheiros do nosso Partido, comandados pelo camarada Kanfrandi Ká, atacou por força o quartel de Pirada. Do ataque resultou da parte inimiga um morto. Não puderam os guerrilheiros apoderar-se da arma do inimigo morto por aquele se encontrar nas traseiras do quartel que é rodeado de arame farpado. Kanfrandi Ká (Norberto Alves)



Citação: (1963), "Comunicado [Região 4]", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40527.

3.6   - PIRADA, 17 DE JULHO DE 1963; ASSINA: AREOLINDO CRUZ

Pirada, 17 / 7 / 63 (4.ª feira)
Caro [Pedro] Pires~

Saúde é o que te desejo. Nós vamos indo menos mal. Há dias escrevi-te uma carta tendo por portador um camarada doente, o Borges.

Já não vale a pena enviares as minhas correspondências pois que elas podem extraviar-se. Terei alguma carta do Fernando? Não estará ele já em África?

Na madrugada de 15 deste mês [Julho], 2.ª feira, fizemos um ataque ao quartel de Pirada e incendiamos a casa de um tipo da Pide. Morreu 1 soldado europeu. Os soldados têm agora medo de sair à noite e mesmo depois das 6 da tarde. Formaremos de agora em diante um só grupo comandado pelo Chico Té [Francisco Mendes] com aproximadamente 22 homens. Com saudações imensas, Areolind
o Cruz-

Cumprimentos ao Paulo, Caetano, José Araújo, e Bebiano. Quando o Borges tiver de voltar, dá-lhe o que tiveres para mim. Obrigado.



Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36881.

3.7   - PAUNCA, 20 DE JULHO DE 1963; ASSINA: KANFRANDI KÁ [NORBERTO ALVES]

Paunca, 20 / 7 / 63 (sábado)

Camarada Yaya Koté

Desejo-te saúde e felicidades em companhia de todos.

Comunico-te que o Chico Té [Francisco Mendes] está mal, 10 dias sem comer e não sabemos o paradeiro dele, chegou cá o Umaro, onde ele informou o estado dele. Ele teve que vir à frente, porque ele confessou que não podia resistir, e alguns dos camaradas fugiram. Comunico-te que dos meus camaradas alguns desistiram e alguns doentes.

Tive que vir colaborar com o Domingos, que é para trabalhar melhor, é único plano.
Comunico-vos que de facto o camarada Pulo desistiu da luta, onde que ele disse que não podia aguentar a maçada do mato, fui informado mesmo pelos militantes do Domingos e alguns responsáveis. Dos meus camaradas são 3 doentes e dois que desistiram. Vocês que arranjem dinheiro para nós de alimentação e para mandar ao Chico Té e mandar uma pessoa à sua procura.

Manda dinheiro urgente, estamos mal, não temos apoio do povo principalmente em Pirada, passamos 5 dias sem comer.

Tive que procurar o camarada Domingos, o Demba [será o criado do Mário Soares, P20904?) e o Cruz, foram para Açadung (?) porque eles estão doentes.

Comunico-te que o camarada Umaro chegou fraco. Veja se arranja um montiador [caçador] que conheça bem o mato para ir à procura do Chico Té, porque ele não pode ficar a padecer dentro do mato.

Diga ao Bebiano que nós aqui estamos no meio de dois inimigos: Colonialistas e fulas. Estamos com faltas de munições e da alimentação. À noite quando fizemos emboscada para Colonialistas, de dia os fulas também fizeram as suas emboscadas contra nós. Manda procurar o Chico no mato na área de Contuboel na Tabanca Sama.

Sou, Canfrandim Cá.




Citação: (1963), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_36885, co m a devida vénia.

► Em resumo:

1.    Em função da análise documental, não é possível confirmar a execução do ataque ao quartel de Pirada, no dia 15 de Julho de 1963 [informação de Kanfrandi Ká (Norberto Alves), simultaneamente autor do comunicado e comandante do ataque].

2.    Quanto ao incêndio provocado na casa de um elemento da PIDE, em Pirada, na sequência do ataque indicado no ponto anterior, e referido por Areolindo Cruz na carta enviada a Pedro Pires dois dias depois, também não foi possível confirmar. Não se entende, porém, como é que o comandante da missão se tenha "esquecido" de o mencionar no seu comunicado.

3.    Há "peças" que não encaixam neste "puzzle".

► Fontes consultadas:

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.

Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge Araújo.
04MAI2020
___________

domingo, 5 de março de 2017

Guiné 61/74 - P17106: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (24): o alferes "periquito" que escoltei até Buruntuma num domingo de agosto de 1964 e que nesse mesmo dia atravessou a fronteira e desapareceu... (Alcídio Marinho, ex-fur mil, CCAÇ 412, Bafatá, 1963/65)


Guiné > Região de Gabu > Buruntuma > c. 1961/62 > Reunião de homens grandes para aplicação da justiça tribal. O cavalo era já raro na Guiné, devido à peste equina africana rndémica... Foto de Jorge Ferreira, com a devida vénia, vd. sítio do fotógrafo Jorge da Silva Ferreira e o seu  livro  "Buruntuma: algum, dia serás grande!... Guine, Gabu, 1961-63  (Lisboa, Programa Fim do Império, Liga dos Combatentes, 2016, p. 87).


1. Comentário de Alcídio [José Gonçalves] Marinho, ex-fur mil inf, CCAÇ 412 (Bafatá, 1963/65), ao poste P17104(*)


Fui duas vezes a Buruntuma.

A primeira vez foi com o nosso 3º pelotão na 1º ou 2ª semana de maio, cerca de um mês depois de chegarmos á Guiné (Bafatá). A área de Buruntuma ainda pertencia ao BCAÇ 238, comandado pelo sr. coronel Sá Cardoso.

A outra vez foi assim:

Era um domingo de agosto/1964, estava em Bafatá, pois no destacamento de Cantacunda tinha apanhado um ataque de paludismo, que levou à minha evacuação.

Cerca das 9 horas da manhã, o oficial de dia da 412, foi chamado ao Comandante do Batalhão 506, sr. tenente-coronel Liiz Nascimento de Matos. Informação do comando:
− Vai chegar uma Dornier com um sr. oficial, que é urgente fazer chegar a Nova Lamego, e depois a Buruntuma. Precisa-se duma escolta simples, basta um jeep, com um vosso oficial e dois soldados.

O oficial de dia, disse que não havia nenhum oficial disponível a não ser ele próprio. Resposta do sr. teneent-coronel:
− Então mande um sargento.

O alferes Baltazar chegou ao nosso quartel e toca a chamar-me:
- Marinho, manda preparar um jeep com respectivos condutor e operador rádio, mais dois soldados. Depois vais para a pista de aviação,  pois vai chegar um alferes "periquito" e vais levá-lo a Nova Lamego e depois a Buruntuma.

Requisitei um jeep, os militares necessários e ala para a pista de aviação, esperar o maçarico. Cerca das onze horas chegou o maçarico que cumprimentei e logo vi que o alferes era muito pouco comunicativo e taciturno. Vinha à civil, com uma malinha pequena.

Expliquei para onde íamos e como.  Não perguntou nada, nem disse nada. Nós olhamos uns para os outros, admirados e muito desconfiados. Lá seguimos para Nova Lamego. Aí chegados, o Alferes foi apresentar-se ao oficial dia  do BCAÇ 512.

Seguimos de seguida para Buruntuma. Chegamos, mesmo na hora do almoço. O destacamento era ao nível de pelotão. Fomos convidados para almoçar pelo furriel que substituía o alferes, agora chegado.
Conversa puxa conversa e lá ficamos cerca de três horas.

Entretanto, alguns militares do pelotão, deslocaram-se para o campo de futebol, para jogar. Nós, os da CCAÇ 412 também fomos ver o jogo. Decorria o jogo e alguns de nós,  furrieis,  trocavámos impressões do sr. alferes.

De repente, alguém começa berrar muito alto:
− Olha, o alferes vai para a fronteira!

A malta toda começa a gritar para chamar o alferes, que transporta a sua malinha. Ao ouvir os berros da malta, ele apressa o passo na estrada que segue para a fronteira. E desaparece.

Um furriel com alguns militares, foram de jipão, perseguir o alferes, mas dele já não havia
vestígios.

Então parti para Nova Lamego, onde comuniquei ao oficial de dia, os factos ocorridos. Claro que ele não acreditava, mas,  recebida a informação Rádio, comunicou ao sr. ten-cor Figueiredo Cardoso. Que ficou espantado.

O qlferes que no mesmo dia chega e parte. Mais tarde ouviram-o na Rádio Argel. Entretanto, dizia-se que ele em Bissau, havia afirmado que não ficaria muito tempo na Guiné. (**)

Alcidio Marinho

CCAC  412
____________