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sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26399: Notas de leitura (1765): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 11 de Dezembro de 2024:

Queridos amigos,
Se pretendermos sintetizar os acontecimentos deste período, é imperioso lançar um olhar sobre a política da I República que é pautada por movimentos revolucionários, uma sucessão de ministérios, enfim, instabilidade, que se repercute com as nomeações para Bolama; a nomeação de Andrade Sequeira é coincidente com o rol de queixas quanto a Teixeira Pinto e Abdul Indjai, sobretudo este é acusado de barbaridades, roubos, raptos e intimidações em série; Andrade Sequeira informa o Ministério de que Teixeira Pinto tinha como braço direito este torcionário; irão suceder-se os governadores, haverá mesmo um inquérito a Andrade Sequeira, cresce a instabilidade nos Bijagós, houvera um grave incidente em Bor, Portugal já está em guerra com a Alemanha, irão não só acentuar-se as dificuldades económicas e financeiras , os negociantes alemães têm os seus bens apresados, vem aí um tempo de grandes dificuldades.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, os acontecimentos posteriores à campanha de Teixeira Pinto (10)

Mário Beja Santos

1915, o ano que é dado como o da pacificação da Guiné continental, conhece a polvorosa em Portugal. O general Pimenta de Castro é encarregado de organizar um Ministério, entretanto redobra a agitação republicana, há um movimento revolucionário que provoca largas centenas de mortos, o presidente Manuel de Arriaga é obrigado a demitir-se; virá João Chagas, que era embaixador em Paris, convidado para formar Governo, mal entra em Portugal sofre um atentado, fica gravemente ferido; em junho, Norton de Matos é o novo ministro das Colónias, irá nomear Andrade Sequeira para governador da Guiné (como o leitor estará recordado a sua primeira nomeação fora recusada pelo Senado).

Chega a Bolama numa altura em que já tinham terminado as operações de Bissau, é no rescaldo destas que se irão viver na Guiné conturbados e complexos tempos. Ao considerar que estavam detidos vários Grumetes sem razão fundada, Andrade Sequeira não via razão para eles serem julgados em tribunal de guerra, e os acusados foram enviados para Bolama, medida que deu contestação; os Grumetes, segundo uma petição que chegou ao governador, dizendo que este queria amnistiar gente que se juntara aos Papéis para atacar os europeus e os seus haveres. O protesto era subscrito também por vários funcionários da colónia; o governador irá demiti-los ou suspendê-los. Mas, entretanto, houve uma chacina de Papéis em Bor, praticada por Abdul Indjai e a sua gente, o régulo de Intim terá sido barbaramente assassinado, bem como membros da sua comitiva. Os comerciantes de Bissau pediam ao governador que tomasse providências para salvar os Papéis que eram barbaramente assassinados por estes auxiliares de Abdul. Em novembro, o governador informa o ministro da situação na província, resultante das operações que tinham sido realizadas em Bissau, sob o comando de Teixeira Pinto. Os comerciantes e residentes em Bissau tinham pedido a manutenção deste capitão e escrito ao ministro nesse sentido.

Andrade Sequeira escreve que “a designação de Grumete é dada na Guiné a todos os indígenas cristãos que são, na sua grande maioria, oriundos da raça Papel. São os Grumetes os indígenas que mais têm assimilado a nossa civilização, e são eles também que exercem todas as artes e ofícios, e ocupam vários empregos públicos. Muitos dedicam-se ao pequeno comércio, e pequena cabotagem, e alguns há que são abastados de proprietários, importantes e acreditados comerciantes”. E o governador informa o ministro que era público e notório, terminada a guerra de Bissau, que os auxiliares de Abdul continuavam a praticar toda a casta de violências, extorsões, roubos, assassinatos, saqueavam tudo. Os Grumetes estavam impedidos de se deslocar a Bissau. E mais informava o governador que iria fazer a ocupação militar do território, dá instruções rigorosas aos auxiliares que só poderiam afastar-se dos postos com ordem do comandante, os Papéis poderiam construir as suas tabancas.

Na mesma carta ao ministro dava-lhe conta do que tinha pretendido fazer na ilha de Bissau em 1914; que os Grumetes, representados pela Liga Guineense, haviam pedido insistentemente que não houvesse guerra, considerava que tinha sido péssimo e desastroso esta guerra de 1915, ainda por cima com uma composição de três oficiais, dos quais um era médico, seis praças europeias e 35 soldados indígenas, apoiados por 2 mil irregulares de Abdul Indjai, considerava que com esta proporção de irregulares era materialmente impossível disciplinar e fazer obedecer os auxiliares. “Foi o Abdul que bateu Bissau e que nós fomos, apenas, os seus modestos auxiliares. O governador lamentava ter sido um francês de nascimento e bandido de profissão a prestar serviços à província ‘por seu próprio interesse’”. E juntava documentos que atestavam as irregularidades e as arbitrariedades que Abdul praticara ao longo do tempo. Nesta mesma carta ao ministro, Andrade Sequeira está ciente das dificuldades em apear Abdul, ele ainda goza de popularidade e escreve: “É indispensável tolerá-lo, mas é forçoso desarmá-lo, restringir-lhe a supremacia e não lhe permitir que, impunemente, pratique toda a série de crimes, barbaridades e vandalismos.”
Seguiria esta política desde que obtivesse a anuência do ministro.

Armando Tavares da Silva cita uma informação do administrador de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, enviada a Andrade Sequeira, em síntese: Abdul era oriundo do Senegal, antigo negociante ambulante, tinha exercido comércio de permuta com os indígenas da Costa de Baixo, tinha sido preso pelo régulo dos Manjacos por abusos cometidos, dele se vingou em 1914; um dia desgostou-se das suas ocupações e armou-se em guerreiro, veio viver para a região de Geba, onde cometeu abusos, coadjuvado pela gente que o acompanhava, o que obrigou o comandante militar de Geba a prendê-lo e depois enviado para S. Tomé, de onde regressou em 1908 amnistiado pelo príncipe Luís Filipe, o governador Muzanty não o queria deixar entrar, cedeu ao pedido do régulo Abdulai do Xime; Abdul esteve ao lado de Oliveira Muzanty na guerra com Badora e Cuor, continuaram os abusos, chegou a apresentar-se em Bafatá com mais de oitenta homens armados; trata-se de um esclarecimento longo, cheio de referências a roubos e humilhações de toda a ordem, Calvet Magalhães confessa mesmo que tinha reprovado a decisão do governador Oliveira Duque para a nomeação de Abdul como régulo do Oio, a carta também refere a escravatura que Abdul exercia sobre os desgraçados que apanhava nas guerras.

Vão seguir-se audições de Teixeira Pinto, inumeradas as acusações e é o próprio Andrade Sequeira que incrimina o capitão; há uma participação judicial sobre Teixeira Pinto e Abdul Indjai, Andrade Sequeira manda abrir inquérito sobre o desaparecimento de um processo que implicava Teixeira Pinto, segue-se nova inquirição, Teixeira Pinto vai respondendo aos quesitos, quem coordena o processo é o vice-almirante Brito Capello que concluirá não haver nenhum facto concreto que determinasse procedimento contra o capitão.

Em 1916, temos novo ministro das Colónia, António José de Almeida, Andrade Sequeira abandona a Guiné, em 10 de março Portugal está em guerra com a Alemanha. Surgem problemas nos Bijagós relacionados com a cobrança de impostos, reconheceu-se a impossibilidade de cobrar imposto. Regressado a Lisboa, Andrade Sequeira pede ao ministro um rigoroso inquérito a fim de se averiguarem vários abusos praticados na colónia e que ele documentara nos seus relatórios. O inquérito é entregue a Manuel Maria Coelho, um oficial que foi o primeiro governador-geral de Angola no regime republicano. O relatório deste é absolutamente demolidor quanto ao comportamento do governador Andrade Sequeira, e conclui mesmo que a obra do capitão Teixeira Pinto na Guiné tinha sido tão fecunda em benefícios para a colónia e em glória para Portugal como nefasta foi a obra do governador Andrade Sequeira.

Iremos ver agora o período de 1917 a 1919 marcada por desacatos em Canhabaque, a governação interina de Manuel Maria Coelho, haverá novo governador interino, Ivo Ferreira, e a segunda presença de Josué de Oliveira Duque à frente dos destinos da Guiné, e, no tropel dos acontecimentos, Sousa Guerra também será nomeado governador da Guiné.


Armando Tavares da Silva
Régulo Mamadu Sissé, colaborador de Teixeira Pinto nas operações de Bissau, fotografia de Domingos Alvão, tirada durante a I Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934
Aldeia Mancanha, 1910
Terra Ardente (1960, documentário realizado por Augusto Fraga, pertence à Cinemateca Portuguesa, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 10 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 13 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26385: Notas de leitura (1764): A colonização portuguesa, um balanço de historiadores em livro editado em finais de 1975 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26373: Notas de leitura (1763): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Achei por bem fazer uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos na Guiné entre 1910 (chegada de Carlos Pereira, 1.º governador da República) até ao fim das operações de Teixeira Pinto, depois dos seus êxitos na ilha de Bissau. É um dos momentos mais controversos da história desta colónia, não aparecem documentos que explicitamente culpabilizem dirigentes da Liga Guineense em termos de agitarem os Grumetes e os Papéis contra a política do governador; o defensor dos acusados, o Dr. Loff de Vasconcelos, irá escrever um opúsculo arrasador, dando Teixeira Pinto como conivente com os crimes e pilhagens praticados pelos irregulares de Abdul Indjai em toda a ilha; como sabemos, governadores irão, a partir da década de 1920, procurar a glorificação do capitão Teixeira Pinto, e há qualquer coisa de escandaloso em não dar voz aos argumentos expostos por Loff de Vasconcelos. E como acontece nestas cenas de comédia à portuguesa, os acusados, resolvido a contento do Governo o problema da ilha de Bissau, foram libertos, embora silenciados pela História. Somos verdadeiramente peritos nestas lavagens, deixamos a verdade a bom recato.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Oficial, até ao virar do século e depois (9)

Mário Beja Santos

Convém proceder a uma recapitulação dos acontecimentos ocorridos entre 1910 e 1913. Carlos Pereira é o 1.º Governador da República, envia um relatório de extrema importância o Ministro da Marinha e Ultramar, surgiu a Liga Guineense que mostra propósitos de fazer propaganda de instrução e promete trabalhar para o progresso e desenvolvimento da Guiné Portuguesa; há desacatos em Cacheu, a organização militar e a Marinha sofreram alterações, foram demolidas as muralhas de Bissau e chega um novo Chefe do Estado-Maior, o Capitão João Teixeira Pinto, depois de observar o terreno lança-se em operações no Oio; a circunscrição de Geba, então qualquer coisa como um sexto do território da Guiné, o administrador Vasco Calvet de Magalhães, que também apoiou as operações de Teixeira Pinto, procede a um conjunto de obras, com destaque para a estrada de Bafatá para Bambadinca; é tempo de concessões, surgiu o entusiasmo pela agricultura, mesmo gente da classe média aboletada em Bissau ou Bolama quer ter a sua propriedade no campo; começam as acusações a um colaborador direito de Teixeira Pinto, Abdul Indjai; segue-se o estranho caso da nomeação de Andrade Sequeira para governador para substituir Carlos Pereira e a sua rejeição pelo Senado; entretanto, Teixeira Pinto é enviado a Cacine, onde houvera sublevação, faz-se acompanhar por centenas de auxiliares de Abdul Indjai; parecendo que ficara pacificado o território da Costa de Baixo, ocorre em fevereiro de 1914 um acontecimento de extrema gravidade, que irá originar novas operações militares. O alferes Manuel Pedro tinha saído de Porto Mansoa com o pelotão de polícia rural do seu comando, foi atacado por Balantas, o alferes morre bem como três cabos. Teixeira Pinto segue para Bissorã e Mansoa, teve que alterar os seus planos, volta à circunscrição de Cacheu a vim de submeter aqueles povos. Conhecedor da morte do alferes Pedro avança em direção a Basserel, é apoiado pela lancha canhoneira Flecha, depois de atravessar uma mata serradíssima, a coluna encontra a paliçada que defendia a tabanca, a coluna foi atacada pelos Manjacos, segue-se um fogo intensíssimo, os Manjacos têm bastantes mortos, e a coluna sofreu também seis mortos.

Tem bastante importância o relatório que Teixeira Pinto enviou a Andrade Sequeira, chama a atenção para a insuficiência das guarnições, estas careciam, todas somadas de 760 soldados. Teixeira Pinto escolhe novos régulos para a Costa de Baixo, e diz ao governador que o problema fulcral era a educação do gentio. Antes de parir, Andrade Sequeira nomeara Abdul Indjai tenente de 2.ª linha. Em maio de 1914, chega novo governador, Josué de Oliveira Duque, que prontamente decide uma operação para castigar os Balantas, de novo o comando da coluna é confiado a Teixeira Pinto. Este tece um plano de seguir para Bula, aí concentraria as forças, passaria até Bissorã e daí para Porto Mansoa; numa segunda fase, pensa passar para a margem esquerda do rio Mansoa e bater todos os Balantas entre este rio e o de Geba, até ao Impernal, ocupando Nhacra onde ficaria estabelecido o posto militar.

Teixeira Pinto para com 600 irregulares, chega a Binar, marcha em direção a Paxe, é, entretanto, atacado, mas o inimigo repelido, destrói depois várias povoações e regressa a Binar. Os rebeldes não desarmam, mas são repelidos pelas forças de Abdul. A força obtém a ajuda de Mancanhas como carregadores. E chegam notícias de que os Balantas estão a fazer uma grande reunião, o que se revela verdade. Teixeira Pinto vai agindo em três frentes, o inimigo vê-se forçado a retirar, irá sofrer muito com o fogo das canhoneiras. Encurtando razões, nos dias seguintes os Balantas atacam, sem êxito. Chegou a hora das negociações. Mas vai começar a segunda fase das operações na margem esquerda do rio Mansoa. Teixeira Pinto regressa a Bolama, havia que tratar da ocupação militar dos territórios batidos, faltava apenas bater a região dos Papéis de Bissau, Teixeira Pinto mantém-se na Guiné até outubro e depois segue para Lisboa, mas logo em novembro é determinado que regressa à Guiné para servir numa nova comissão. Abdul Indjai dá que falar, veio de Lisboa em missão de inspeção extraordinária como inspetor da fazenda das colónias, pede informações ao governador Oliveira Duque e a Teixeira Pinto, este parece tomar partido a favor de Abdul, o governador Josué Duque parte e chega Andrade Sequeira. A missão que viera de Lisboa emitiu o parecer de que o Oio devia ser desanexado e ficar como comando militar independente. Teixeira Pinto vai sempre defendendo Abdul, dizendo que este sofria o ódio do administrador da circunscrição de Cacheu.

Regressado de Lisboa, é preparada a operação na ilha de Bissau. O que se passa antes das operações ainda não está devidamente claro, os dirigentes da Liga Guineense tudo fazem para que não se empregue a força das armas, afirmam que os Grumetes e os Papéis se irão submeter e entregar as armas, apela-se mesmo ao ministro das colónias para evitar a campanha, afirma-se que os habitantes da ilha de Bissau se comprometiam a pagar os impostos que legalmente fossem devidos. Desenvolve-se, entretanto, uma campanha de ameaças e de intrigas entre Abdul e outros chefes de guerra, como Mamadu Sissé. O governador está do lado de Teixeira Pinto, é a favor das operações, alega a falta de cumprimento de todas as promessas feitas, competia ao ministro ordenar a cessão dos preparativos ao mandar executar as operações, o ministro limita-se a deixar ao critério do governador a resolução final. O governador reúne o conselho administrativo da província que unanimemente apoia as operações, assim estas se vão desenrolar, estão amplamente documentadas, é, no entretanto, que se dá a prisão de alegados responsáveis pela resistência dos Grumetes e Papéis, gente que fazia parte da Liga Guineense, Oliveira Duque procede à sua dissolução, responsabiliza-a pelo estado de permanente hostilidade por parte dos indígenas de Bissau.

É aqui que Armando Tavares da Silva abre um parenteses para recordar o movimento de 14 de maio de 1915, um conflito ocorrera entre o Governo e boa parte das Forças Armadas, mas as causas reais residiam na oposição do Exército na entrada de Portugal na guerra. Na madrugada de 19 para 20 de janeiro de 1915, um grupo de oficiais revolta-se reclamando o regresso dos oficiais transferidos às suas unidades de origem. Dirigem-se para a Presidência da República, são travados no caminho, protestam entregando as suas espadas, sendo seguidamente presos. Segue-se o movimento revolucionário de 14 de maio, que se irá estender por todo o país. João Chagas, que era embaixador em Paris, é chamado para formar Governo, mas pouco depois de entrar em Portugal sofre um atentado, ficando gravemente ferido. Peripécias atrás de peripécias, em junho Norton de Matos é ministro das Colónias, nomeia-se novamente Andrade Sequeira para governador da Guiné, toma posse em 25 de agosto de 1915. Vão agora aparecer as acusações contra Teixeira Pinto.


Armando Tavares da Silva
Vista das instalações fabris da Sociedade Comercial Ultramarina, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Navio Alger carregado de madeira, Casa Comum/Fundação Mário Soares
Em Bissorã, festa com dança pela captura de armamento ao PAIG, pela CART 1525, na Operação RUA, no dia 01/02/1967, e no dia 3, nos arredores de Bissorã. Apreensão importante que motivou a deslocação àquela Vila do Governador, General Arnaldo Schulz. Imagem retirada do historial da CART 1525, com a devida vénia

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 3 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 9 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26365 Notas de leitura (1762): "Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação": apresentação do prof Joop de Song, Simpósio Internacional "Amílcar Cabral: Um Património Nacional e Universal", Praia, Cabo Verde, 9 de setembro de 2024

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26342: Notas de leitura (1760): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (8) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Permitam-me que insista neste aspeto: ler o Boletim Official da Província da Guiné nesta época tem extrema utilidade para se entender que a Guiné passou a ter atrativos comerciais, a sua legislação harmoniza-se tendencialmente com a da metrópole,os conteúdos são marcadamente burocrático-administrativos, só episodicamente se plasma no documento oficial que há conflitos interétnicos, que o Oio/Morés continua inexpugnável, etc. Chega Carlos Pereira, ele irá confessar ao ministro que encontrou a administração num caos e que a causa republicana tinha na Guiné um peso modestíssimo. Escreve isto um mês depois de lá chegar, em novembro de 1911. O seu tempo de governação, inevitavelmente, conheceu hostilidades entre indígenas, uma epidemia de febre amarela, vai aparecer o Capitão Teixeira Pinto nomeado como chefe do Estado-Maior, empreenderá uma campanha no Oio com sucesso, foi criada a Liga Guineense, que muito dará que falar por se ter oposto às tropelias e roubos praticados pela trupe de Abdul Indjai, sobretudo na Península de Bissau. A muralha de Bissau irá desaparecer, Teixeira Pinto terá sucesso no Oio e será condecorado. A colonização da Guiné parece avançar, Carlos Pereira virá a ser substituído por José António de Andrade Sequeira, que não aquecerá o lugar. Nesta altura já há inúmeras queixas contra Abdul Indjai.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século e depois (8)

Mário Beja Santos

Carlos Pereira, o 1.º governador do regime republicano, toma posse a 23 de outubro e a 17 de novembro envia o seu primeiro ofício confidencial sobre a situação administrativa e política da província ao ministro da Marinha e das Colónias.

É um relatório bem desassombrado, diz ter encontrado a administração da província num verdadeiro caos, está a procurar obstar a abusos e ilegalidades, tem como objetivo o saneamento moral e todos os problemas vitais da economia. Diz ter encontrado muito poucos republicanos e muitos vira-casacas. Falando do problema orçamental da Guiné, classifica-o como ingovernável, o orçamento fora organizado no estertor da monarquia, promete apresentar soluções positivas e práticas para a província. Visita depois Bissau, ouve as queixas dos republicanos, e mais tarde viaja para Cacheu e Farim. É logo confrontado no regresso a Bolama com um processo levantado pelas autoridades judiciais contra o ex-governador Oliveira Muzanty, queixa apresentada por Graça Falcão, homem que Carlos Pereira classifica “sem escrúpulos e sem moral”. Em fevereiro de 1911, têm lugar episódios de hostilidade entre os indígenas, os Baiotes tinham atacado os Mancanhas junto do posto fiscal de S. Domingos, o novo governador não quis envolver-se em campanhas militares.

Havia um problema crónico de mão de obra para S. Tomé que passava por pedidos insistentes à Guiné. Carlos Pereira logo apurou que era enorme a relutância dos naturais da Guiné em se expatriar, quer evitar perturbações e descontentamentos, não deu seguimento aos pedidos de Lisboa.

Entretanto, a Guiné é abalada por uma grave epidemia de febre amarela, virão médicos de Cabo Verde, a Guiné só será considerada limpa em agosto, mas a epidemia voltou no final do ano, permanecerá até 12 de janeiro. Em julho de 1911, o governador aprova os estatutos da Liga Guineense, foi criada numa assembleia de nativos da Guiné e entre as suas finalidades tem a de fazer propaganda da instrução de estabelecer escolas em toda a província, e de trabalhar na medida das suas forças para o progresso e desenvolvimento da Guiné. Nesse mesmo ano iriam realizar-se eleições para a Câmara dos Deputados e Conselho Colonial, nos quais a Guiné tinha um representante. O nome mais estimado vindo de Lisboa era o de António da Silva Gouveia. Algo Carlos Pereira terá feito para lhe assegurar a eleição, pois foi enviada ao ministro uma exposição apresentando várias queixas contra Carlos Pereira, exposição apresentada por 92 nativos da Guiné, incluindo na exposição havia a queixa da transferência do capitão médico Francisco Regalla, chefe do serviço de saúde, era o único médico na capital, não se entendia a sua transferência para fora da capital. A queixa será arquivada em janeiro de 1912.

Em setembro de 1911, um violento temporal meteu ao fundo em Bissau a canhoneira Flecha, morreram quatro praças de marinhagem e dez indígenas, o comandante, José Francisco Monteiro, acabou por ser salvo exausto de forças. O tenente Monteiro conseguiu um verdadeiro milagre de pôr a Flecha a flutuar. Nos inícios de 1912, aquando da cobrança do imposto de palhota, deram-se vários desacatos da circunscrição de Cacheu, os indígenas da povoação de Jobel envolveram-se em tiroteio com a canhoneira Zagaia e o vapor Capitania. O Residente de Cacheu, contrariando a opinião geral dos habitantes, atacou Jobel e foi forçado a retirar-se, abandonando cinco mortos, mas incendiaram cem casas. Em meados de fevereiro, os Balantas de Binhone tinham assassinado um comerciante francês. O governador reconheceu a necessidade de ir pessoalmente à região. Há tiroteio, o governador regressa a Bissau e organiza uma forte coluna de Grumetes, retorna-se a Binhone que é destruída e queimada.

Aproveitando esta onda de resultados, o governador decidiu seguir para Cacheu para pôr na ordem os Felupes que tinham atacado a Zagaia, obrigando-os a fugir.

Mas os desacatos prosseguiram na região Felupe, voltam a ser batidos e incendiadas as povoações. A paz provisória será estabelecida em finais de maio. É durante a governação de Carlos Pereira que teve lugar a demolição da muralha de Bissau do lado confinante com a antiga povoação dos Grumetes, ligando o baluarte da Balança ao fortim de Pidjiquiti. A demolição desta muralha, que tinha três metros de altura, veio a originar alguns protestos no comércio e receio da população por temerem o ataque dos Papéis. A demolição decorreu sem qualquer incidente.

Em setembro de 1912, chega um novo Chefe do Estado-maior à Guiné, o capitão João Teixeira Pinto, que traz aura do serviço prestado em Angola. Vai dedicar-se ao estudo da ocupação e pacificação da província; cedo conclui que este processo se deveria iniciar pela ocupação das regiões de Mansoa e Oio, isto devido aos efeitos sob a economia da província e até prestígio das forças militares. Conversa com o chefe de guerra Abdul Injai e fica com a convicção que os subordinados era gente arrojada que poderia empregar como auxiliares. O administrado de Geba, Vasco Calvet de Magalhães, pôs-se à disposição de Teixeira Pinto para o acompanhar com toda a gente que pudesse levantar da região. Fica acordado com o governador em que se estabelecesse um posto em Porto Mansoa, elemento-chave para fazer o cerco à região do Oio. Teixeira Pinto disfarça-se de inspetor da Casa Soller e atravessa o Oio de Mansoa a Farim e de Farim a Mansoa, observando toda a região. Conclui então que, sendo o ataque pelo lado de Farim impossível, ele só podia ser feito pelo lado de Geba-Gussará ou Mansoa-Bissorã. Como se ia estabelecer um posto em Mansoa, e ao norte de Morés todas as tabancas eram Soninqués, opta por este percurso. Mas estava gravemente doente, teve de se recolhera Bolama.

Carlos Pereira apercebeu-se que os Grumetes não queriam fazer parte da coluna que seria comandada por João Teixeira Pinto, a Liga Guineense também não mostrou disponibilidade. Teixeira Pinto aproveitou os irregulares de Abdul Indjai e pediu apoio ao administrador de Geba. Os ataques ao Oio começam no dia 1 de abril, haverá episódios de hostilidade até maio, sentir-se-ão muitas dificuldades: Ao chegar ao território do Oio os carregadores fugiram, caiu uma chuvada torrencial, atacou-se a tabanca de Cambaiu, ficou destruída, entrou-se no Morés, gente de Mansabá apresentou-se a pedir paz, procedeu-se à construção do posto em Porto Mansoa, prendem-se rebeldes, estava feita a submissão dos Balantas do Oio, Teixeira Pinto contou não só com o apoio de Vasco Calvet Magalhães como da lancha-canhoneira Flecha. Carlos Pereira saldou o acontecimento, foi criado o comando militar de Bissorã, Carlos Pereira pede a concessão a Teixeira Pinto da medalha de ouro de valor militar, ele será galardoado com a medalha de ouro da classe de serviços distintos pelos atos heroicos praticados como comandantes das forças que operaram nas regiões de Mansoa e Oio. Adiante, dar-se-á a exoneração de Carlos Pereira, virão seguidamente dois governadores que se irão suceder em tropel, José António de Andrade Sequeira e José de Oliveira Duque.


Armando Tavares da Silva
Governador Carlos de Almeida Pereira (o primeiro governador da República), 1910-1913
Demolição das muralhas de Bissau, em 1913

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 27 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26319: Notas de leitura (1758): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 30 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26327: Notas de leitura (1759): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (3) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26319: Notas de leitura (1758): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
Tanta turbulência na História da Guiné neste período que precede o 5 de outubro de 1910. O quebra-cabeças da ocupação continua a ser a reorganização militar, não se querem indígenas na terra, mas sim de S. Tomé e Angola e até de Moçambique, ninguém se mostra disponível para corresponder ao pedido, o encarregado do Governo anda de candeias às avessas com o Chefe de Estado-maior, os Balantas andam insubmissos em Goli, insubmissa está toda a região do Oio, é nisto que chega um capitão de Infantaria para governar, Francelino Pimentel, escreverá um importante relatório ao ministro da Marinha onde deixa bem claro a porção de focos de hostilidade permanente, há régulos que se tinham revoltado que pedem perdão, os de Bissau pedem perdão, os do Oio pedem perdão, no entanto há situações de grande tensão na circunscrição de Cacine, Francelino Pimentel ainda consegue recrutar 144 indígenas, chega o 5 de outubro, o governador demite-se, depois disso a favor da nova ordem, depois demite-se e embarca para Lisboa, nesse mesmo mês de outubro chega o governador Carlos Pereira, o tal que manda derrubar as muralhas à volta de Bissau. Estamos agora na Guiné da I República.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (7)

Mário Beja Santos

Oliveira Muzanty revelou-se um governador dinâmico em campanhas e expedições, como é evidente com resultados espúrios. Reaparece na Guiné no início de 1909, a sua ação foi alvo de importantes críticas, acusaram-no de não ter conseguido resolver os principais problemas ligados ao Oio e à ilha de Bissau. Chega e regressa prontamente a Lisboa, o encarregado do Governo é o secretário-geral Duarte Guimarães. O Residente de Geba, Belmiro Ernesto Duarte Silva, recebe o do régulo do Cuor, Abdul Injai, o pedido para socorrer os postos Balantas que estavam a ser atacados, e então o Residente pede ajuda ao régulo Abdulai do Xime, terá assim nascido uma desinteligência entre Abdul Injai e o chefe do posto de Bambadinca, à cautela o Residente de Geba determina que não sejam entregues armas e munições a Abdul.

Em Bolama, o secretário-geral Duarte Guimarães e o Chefe de Estado-maior Ilídio Nazaré, andam de candeias às avessas. Os indígenas das povoações de Mansoa atacaram o posto de Goli (provavelmente Porto Gole), mas foram repelidos, nova zanga entre o secretário-geral e o Chefe de Estado-maior, o primeiro nomeou o segundo comandante do posto de Goli. Chegado a este lugar, Nazaré ordena a saída do corpo auxiliar do chefe Abdul e prepara-se um ataque a uma povoação de Balantas, Nhafo, os Balantas não ofereceram resistência. Continuam as desavenças entre as duas autoridades. Ilídio Nazaré virá mais tarde para Lisboa, tinha entregue a Muzanty um plano de reorganização militar da província. Nazaré pretendia não fazer recrutamento de indígenas, anteriormente este recrutamento tinha sido feito à custa de homens de Mutaro Injai e de Abdul Injai. Para Nazaré, uma perfeita e cabal ocupação da província carecia de uma divisão em sete zonas militares, a que corresponderia uma guarnição com um total de 2 mil homens. Mas estava consciente de que tais encargos eram pesados para o tesouro, daí ter proposto para a província uma guarnição de um pelotão misto de Engenharia, uma bateria mista de Artilharia, um pelotão de Cavalaria e quatro companhias de Infantaria, num total de 871 homens. Considerava que o problema do recrutamento indígena se resolveria com gente de Angola. Na província só se poderia contar com Turancas para a cavalaria e alguns Fulas para a infantaria.

Chega, entretanto, o novo governador, o capitão de Infantaria Francelino Pimentel, reajusta o plano de reorganização militar, é curioso o modo como propõe a distribuição das forças que se deveria fazer pelos diversos postos da província: no Xime e Bambadinca, região Fula perfeitamente dominada, os postos não necessitavam de grande força militar, o mesmo acontecendo em Arame e Samogi, respetivamente nas regiões Baiote e Balanta do rio Farim; quanto a Goli e Caraquecunda, os postos deveriam ter guarnição reforçada, era preciso “manter em respeito a gente do chefe Abdul”; Culicunda deveria manter-se ocupada, se bem que com reduzida guarnição; quanto a Bissau, esta precisava de uma forte guarnição “não só para prevenir a eventualidade (pouco provável) de um golpe de mão por parte dos Papéis, como ainda para garantia de segurança do elemento estrangeiro.” Francelino Pimentel escreve para Lisboa que a situação política da província se mantinha pouco satisfatória. Havia grandes falhas no pagamento do imposto palhota. Pedia para a província uma guarnição própria. O ministro do Ultramar responderá em março de 1910 informando Bolama de que as companhias de atiradores e a companhia indígena de Moçambique iriam ser substituídas de duas companhias indígenas de Infantaria, com o efetivo de duas companhias cada, a serem recrutados na Guiné, S. Tomé e Angola. Verificar-se-ão enormes dificuldades no recrutamento de indígenas fora da Guiné.

Um pouco antes da chegada de Francelino Pimentel apresentaram-se em Bolama representantes de todo o Oio pedindo a paz e aceitando todas as condições que o secretário-geral lhes impunha: entrega de todas as armas Snider, construção de três postos à escolha do Governo, multa de 200 vacas e pagamento do imposto a partir de janeiro. Ilídio Nazaré não foi ao Oio para ratificar a condições de paz, o secretário-geral decidiu esperar pelo novo governador.

Ilídio Nazaré irá ser procurado por um representante de régulos que se tinham revoltado, Infali Soncó do Cuor e Boncó Sanhá de Badora, propuseram uma conversa com os grandes e chefes de quase toda as povoações do Oio, procurava-se o reconhecimento de que todos os habitantes do Oio pretendiam a paz. Ilídio Nazaré elaborar um relatório sobre esta digressão através do Oio e relata o teor das conversas havidas com os dois régulos que no passado se tinham revoltado, no fundo eles procuravam o perdão.

Chega Francelino Pimentel à Guiné e aceita perdoar os Papéis, lavrou-se um auto de vassalagem, os régulos de Intim, Bandim e Antula, como representantes do povo da região dos Papéis pediam perdão ao Governo de Sua Majestade, e acatavam certas condições: ficavam obrigados a prestar auxílio ao Governo “quando chamados para castigar povos insubmissos ou rebeldes”, ficando com direito a “metade das presas feitas em gado ou géneros”; não permitiriam que na sua região se praticassem morticínios ou se aplicassem castigos que denodassem barbaridades.

Há ainda a apontar um incidente fronteiriço da circunscrição de Cacine, a delimitação de fronteiras não impediu que continuassem incidentes com indígenas dos territórios franceses. Foi o que aconteceu em Cacine, houve uma incursão de Futa-Fulas que vieram para caçar e cortar borracha no mato. O régulo queixou-se, houve para ali desacatos, demorou a voltar à normalidade. No final de dezembro de 1909 estabeleceu-se um posto militar na região do rio Armada, próximo da povoação Balanta de Bissorã, posto esse que foi atacado no início de janeiro de 1910 pelos Oincas. O novo governador informa o ministro que a criação dos postos militares e a nomeação dos régulos do Cuor e Badora haviam sido feitos contra a vontade do gentio, temia novos ataques dos Oincas, mas havia que ocupar pacificamente as regiões dos Papéis e dos Oincas, e substituir os régulos Abdul e Abdulai “que tão nocivos e prejudiciais têm sido na região de Geba”. Mas havia que aumentar a guarnição, o governador insistia que as forças da província eram insuficientes, insistirá junto do ministro no problema de organização militar, o que escreve merece meditação:
“Por um lado, temos os Papéis, Balantas e Biafadas, aparentemente submissos, por outro a residência de Geba, odiando-se Fulas-Forros e Fulas-Pretos e a região dos Oincas insubmissos; em Cacheu, seis regiões aparentemente submissas, três insubmissas devido a leviandades dos Residentes, por os terem obrigado ao pagamento coercivo do imposto palhota, e os Manjacos – por onde Vossa Excelência pode muito bem calcular que a ocupação pacífica de algumas regiões se tem de fazer inadiavelmente, evitando-se complicações futuras que podem acarretar sérios dissabores.”
E, mais adiante, acrescenta: “O ter-se adiado e esperado que a evolução do tempo se encarregue de resolver importantes assuntos coloniais, bem patente e frisantemente nos tem provado as graves questões diplomáticas que têm advindo, quantos territórios temos perdido, as imposições que temos suportado e as quantias fabulosas que a metrópole se viu obrigada a despender com colunas de operações, quantias que, somadas, dariam para desenvolver e fazer prosperar a maioria das províncias.”

O governador é chamado a Lisboa, no regresso depara-se-lhe um conflito entre o encarregado do Governo e o secretário-geral, consegue recrutar 144 indígenas, pede dinheiro para construir habitação para as famílias deles, o ministro pede para que este problema orçamental fique na província. E assim chegamos ao 5 de outubro de 1910, o governador demite-se, depois diz que não, que é a favor da nova ordem republicana, depois insiste na exoneração, a 21 de outubro entregou o Governo e seguiu para Lisboa. O novo governador, o tenente da Armada Carlos de Almeida Pereira chega a Bolama a 23 de outubro.

Armando Tavares da Silva
Governador Carlos de Almeida Pereira (o primeiro governador da República), 1910-1913
Mapa holandês de 1727, a Guiné seria a Negrolândia
Abdul Injai
Interior da Fortaleza de Cacheu
Governador Francelino Pimentel

(continua)
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Notas do editor

Post anterior de 20 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 23 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26303: Notas de leitura (1757): "Lavar dos Cestos, Liturgia de Vinhas e de Guerra", por José Brás; Chiado Books, 2024 (2) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26294: Notas de leitura (1756): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Novembro de 2024:

Queridos amigos,
É impossível não acompanhar o espírito de determinação que acompanha toda a governação de Oliveira Muzanty, quer sufocar revoltas, conceder perdões, gerar uma atmosfera que garanta a segurança das atividades comerciais, o grande busílis é o imposto palhota, vai de Varela até ao Sul, há protestos, etnias inteiras recusam pagar; o governador sabe que carece de meios para criar postos militares, o ministro limita drasticamente os gastos, só se abrem os cordões à bolsa para a campanha no Cuor, em 1908, nunca se vira na Guiné uma companhia de Macuas, centenas de militares brancos, veio propositadamente de Cabo Verde o fotógrafo José Henriques de Mello que nos deixará imagens interessantíssimas quer da presença destes efetivos, quer imagens do Cuor em chamas; é também neste período que se observa a solidariedade entre Fulas, Abdulai, régulo do Xime, é atacado por Infali e outros régulos Biafadas, os régulos Fulas vêem em seu auxílio, entre eles é figura de muito prestígio na região do Gabu, Monjur. Continuam as peripécias de Graça Falcão, andou a queixar-se em Lisboa de Muzanty, regressa e é-lhe instaurado um processo-crime. Mesmo com toda esta dinâmica das expedições militares, são tempos de expetativa depois do regicídio instalou-se em Lisboa um Governo de acalmação, e persistem as dificuldades financeiras. O novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (6)

Mário Beja Santos

O governador Oliveira Muzanty não pára de organizar expedições, não faltam por toda a Guiné atos de sublevação, insubordinação, recusa de pagar impostos de palhota. A situação mais grave é a que se passa em Geba, em novembro de 1907 o governador põe-se à frente de uma expedição para impedir a propagação da rebelião na circunscrição de Geba, são envolvidas duas lanchas canhoneiras; nestas operações vão aparecer rebeldes bem municiados, o que leva a tomar a decisão governamental de proibir o comércio de pólvora, armas e espoletas em toda a província. Em dezembro, a revolta está sufocada, o governador envia o seu relatório ao ministro, dá-lhe conta da extensão do que fora a recusa de pagamento de imposto, era um movimento em que estavam envolvidos vários régulos, tendo à frente Infali Soncó, régulo do Cuor. O régulo do Xime manifestou-se contrário a esse movimento, o governador mandou distribuir armas e munições, régulos Fulas como Monjur, vieram apoiar Abdulai, o régulo do Xime, quem vinha atacar este régulo recua, Muzanty tem consciência de que precisa de fazer uma grande expedição, exemplar, na margem direita do Geba.

O governador teve que atacar noutra frente, no Quínara, havia que repor em funcionamento a linha telegráfica que tinha sido interrompida pelos indígenas Biafadas. A expedição desembarca em S. João, em frente a Bolama, os Biafadas rompem folgo, o gentio é expulso da população, a coluna avança protegida pela artilharia. Mais à frente, a força é recebida por intenso tiroteio, envolvida por todos os lados, os rebeldes usam espingardas Snider; a força vai incendiando povoações e depois regressa, não se atingira o objetivo de reparar a linha telegráfica.

Entretanto, está em formação a maior expedição que até hoje se vira na Guiné, de Lourenço Marques veio uma companhia de Macuas, do continente 10 oficiais, 12 praças de engenharia, 69 de artilharia, 251 de infantaria, 8 de serviço de saúde, 4 administrativos, material sanitário e de bivaque, munições, viveres, etc. Em março, esta expedição como nunca se vira chega a Bissau. Enquanto se organiza esta força expedicionária, havia problemas em Varela a resolver, para ali avançara gente do destacamento de Cacheu e vão várias embarcações em direção ao porto de Bolor. O destacamento está frente a Varela e começam os disparos da peça de artilharia, a resposta é enérgica, mas depois desaparece a resistência, a povoação foi destruída.

Agora sim, vai começar a expedição na região do Cuor, onde o régulo Infali Soncó tinha estabelecido umas verdadeiras fortificações, era dali que partiam ataques às lanchas que pretendiam navegar no rio. Infali contava com várias alianças, terá de combater sozinho. A expedição parte no fim de março, acampam no Xime. O objetivo da coluna era tomar conta do porto de Sambel Nhantá, atravessava-se Bambadinca para o Cuor e procurava-se acabar com a resistência logo em Ganturé. Possuímos boas imagens desta expedição graças à presença como fotografia militar de José Henriques de Mello. Os apoiantes de Infali ainda resistem em Ganturé, a povoação é assaltada pelo corpo auxiliar de indígenas, secundado por cavaleiros turancas, os apoiantes de Infali fogem; na manhã seguinte toma-se Sambel Nhantá, a expedição avança até Madina, o régulo fugiu para o Oio. Fica em construção um posto militar em Caranquecunda. Todos os régulos à volta deram ordens para satisfazer o pagamento do imposto. A região de Geba deixa de ser teatro de operações. Muzanty volta-se para a ilha de Bissau e depois o Quínara. O ministro em Lisboa insistia que se avançasse para o Oio, o governador considerou prioritário uma campanha na ilha de Bissau, os régulos de Intim e Bandim não tinham cumprido a promessa de vassalagem, será uma expedição de peso: 30 oficiais, 486 praças europeias, 148 praças indígenas, muitas dezenas de auxiliares e centenas de carregadores. A coluna começa por ser atacada, a coluna continua a avançar, a povoação é abandonada, incendeia-se um grande número de povoações de Bandim, mas os rebeldes não desistem de atacar, dão pouca luta. O que se passou na ilha não passou de um castigo exemplar, não houve ocupação, foi um bate e foge, de Lisboa reclama o efetivo continental.

Graça Falcão, um ex-alferes que no passado fora considerado um herói, e depois se tornara comerciante e acusado pelas autoridades de muita vilania, anda por Lisboa a lançar na imprensa uma campanha contra a governação de Muzanty, lembra a toda a gente em Lisboa que é um cavaleiro da Torre e Espada muito maltratado; escreve ao ministro a pedir que seja feita justiça, pede a revogação da portaria que limitou os seus movimentos na Guiné. Muzanty responde com energia, publica uma nova portaria determinando nova expulsão de Graça Falcão, o ministro mandou anular a portaria determinando ao promotor civil da auditoria da Guiné que lhe seja instaurado um processo-crime e aplicado o castigo que for de justiça. É episódio que terá continuação. Muzanty vem a Lisboa, fica encarregado do Governo o secretário-geral Joaquim José Duarte Guimarães. Este dá contas ao Governo de cada uma das circunscrições: na circunscrição de Cacine não havia problemas, tinha-se cobrado o imposto, assim como em Buba; a região do Quínara, ocupada por Biafadas, estava insubmissa; parte da circunscrição de Geba estava quase desabitada depois das últimas operações de Oliveira Muzanty; em Sambel Nhantá encontrava-se Abdul Injai, que o encarregado do Governo apelida de homem terrível, mau elemento, comandante de bandidos; o Oio era habitado por gente trabalhadora mas que não pagavam imposto, o mesmo sucedendo com os Balantas; em Bissau, as questões com os indígenas continuavam sem solução, morrera o régulo de Intim e procurava-se agora forçá-los a pedir a paz. Permanece uma grande desconfiança sobre as atividades de Abdul Injai naquela região do Geba, e é nisto que surgem problemas na região dos Balantas, o secretário-geral vai a Caranquecunda e convida Abdul Injai a atacar os Balantas, este aceita, incendei as tabancas Balantas, mata e rouba, o secretário-geral toma a decisão de estabelecer naquele território um posto militar.

Mudando de cenário, temos as constantes reclamações estrangeiras, os pedidos de indeminização dos proprietários das embarcações e das mercadorias roubadas, o encarregado do Governo nega-lhes provimento. Muzanty volta à Guiné, vai ficar por pouco tempo, a sua ação não tinha conseguido resolver os problemas principais da província, nomeadamente as questões do Oio e de Bissau. Muzanty regressa a Lisboa, Duarte Guimarães é novamente nomeado encarregado do Governo, é um período de atritos entre o secretário-geral, o encarregado do Governo e o Chefe de Estado-maior. Já estamos em 1909, o novo governador chama-se Francelino Pimentel.

Armando Tavares da Silva
Oficiais da bateria de artilharia da Guiné, fotografia de José Henriques de Mello
Embarque de auxiliares num batelão, fotografia de José Henriques de Mello
Colecção Jill Rosemary Dias, 1920
Imagem retirada de Casa Comum/Fundação Mário Soares

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post de 6 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26240: Notas de leitura (1752): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 16 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26272: Notas de leitura (1755): Lavar dos Cestos, José Brás e Chiado Books, 2024 (1) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 6 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26240: Notas de leitura (1752): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
O que este autor nos permite conhecer é que a ocupação é débil, os efetivos militares irrisórios, as rebeliões eclodem aqui e acolá, muitas vezes associadas à recolha do imposto da palhota; a indefinição das fronteiras vai permitindo a intromissão da França e dos seus comerciantes, com todos os inconvenientes de uma presença portuguesa sempre diluída; Abdul Injai, a quem se prometera um regulado no Oio, anda por ali a roubar e matar, é deportado para S. Tomé, regressará e pôr-se-á ao serviço de Oliveira Muzanty nas operações do Cuor, será mesmo nomeado régulo desta região, onde também provocará desgraça; o governador Soveral Martins deixou currículo minguado na Guiné, ao contrário de Muzanty que se lança em operações militares e, como veremos adiante, com resultados seguros; haverá a expulsão de negociantes estrangeiros; há um ministro que decide mandar vadios para a Guiné e propõe a criação de um quadro de polícias para os vigiar, parece um quadro de revista.

Um abraço do
Mário



O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (5)

Mário Beja Santos

Convém recordar que Oliveira Muzanty fizera parte da delegação portuguesa para a delimitação de fronteiras em 1904. Teve a oportunidade de revelar a sua valentia quando alguns régulos se recusaram a colaborar, as tropas francesas reagiram com 50 atiradores senegaleses que intimaram os insubmissos. Oliveira Muzanty foi atacado perto do Cabo Roxo, a coluna de Oliveira Muzanty e do seu colaborador, o tenente Fortes, reagiram com sucesso, e a missão de demarcação de fronteiras continuou.

Estamos agora na governação do capitão Carlos d’Almeida Pessanha, tomou posse em fevereiro de 1905, Lapa Valente, o governador interino, e em diferentes momentos, é posto em causa sobre a sua tomada de posição sobre o regime de concessões de terrenos; Almeida Pessanha não teria as mesmas preocupações que Lapa Valente relativamente a companhias estrangeiras. Escreve para Lisboa dizendo que a Guiné seria por muito tempo um encargo para a metrópole. A Guiné tinha “suficientes elementos próprios de desenvolvimento”, mas era preciso aproveitá-los devidamente; caso contrário “as vizinhas possessões francesas sufocar-nos-ão; é mister, portanto, que, feita a delimitação, saibamos aproveitar o pouco que nos resta da Senegâmbia".

A cobrança de impostos de palhota decorria sem grandes atritos. Alegando razões de saúde, Almeida Pessanha parte para o reino, Lapa Valente, Chefe do Estado-maior, assume novamente o cargo de governador interino. Restabelece-se o comércio no Oio, aparentemente estavam dissipadas as mais graves hostilidades. Ocorrem desacatos na Costa de Baixo, Lapa Valente denuncia a sua impossibilidade de acorrer em ajuda dos comandantes militares. A força militar da província resumia-se ao tempo a 157 oficiais e praças, 23 em Bolama, 24 em Farim, 15 em Bissau, 12 em Geba, 10 em Cacheu, 1 em Buba e 4 em Cacine. O governador interino aproveita para tecer as suas considerações quanto às guerras havidas em Bissau, Oio, Jufunco e Churo, não houvera ocupação das regiões batidas, agravara-se a situação económica da província, era tudo difícil na praça de Bissau e nulo o domínio no Oio, no Jufunco e no Churo. Almeida Pessanha regressa e parte pouco depois. É por este tempo que Abdul Injai obriga a tomar medidas. Era um chefe seruá, tinha servido como auxiliar na campanha do Churo, fora-lhe prometido um regulado no Oio, região que ele atacava por meio de razias, nas suas operações roubava e matava os indígenas. Almeida Pessanha manda-o prender, será enviado para S. Tomé, no início da governação de Oliveira Muzanty. Acontece que por ocasião da visita do príncipe real D. Luiz Filipe àquela província, em junho de 1907, Abdul recebeu do príncipe permissão para regressar à Guiné, irá então auxiliar o mesmo Oliveira Muzanty nas campanhas de Badora e Cuor, vindo a ser por este feito régulo do Cuor.

Temos agora a governação de Oliveira Muzanty, é nomeado em 8 de junho de 1906, tinha terminado havia pouco chefiar a comissão de delimitação de fronteiras, possuía um bom conhecimento da província. O novo governador tinha o propósito de dotar a administração de um caráter mais acentuadamente civil, decide que os seis comandos militares iam ser substituídos por residências, queria uma companhia de atiradores indígenas, o esquadrão de dragões indígenas e a companhia mista de artilharia de montanha foram extintos.

Muzanty começa a preparação das operações militares, requisita, logo no início de 1907, 250 carabinas Kropatcheck e 250 mil cartuchos. Volta a expulsar Graça Falcão, que andava a envenenar os régulos da região de Cacheu. Este turbulento ex-alferes viaja para Lisboa com bilhete de ida e volta. Tendo sido notada hostilidade na receção dos impostos na ilha Formosa, forma-se uma expedição, morre o régulo e o feiticeiro, queimam-se palhotas, pouco depois os habitantes das povoações queimadas apresentam-se pedindo perdão.

Acontecimento maior tinha sido a brutalidade com que o régulo Infali Soncó tratara o comandante militar de Geba, Muzanty escreve para Lisboa dizendo que não tinha possibilidade de tomar medidas por dispor apenas de 30 a 40 praças, não havia uma canhoneira a funcionar, era fundamental dar uma lição a Infali Soncó (régulo do Cuor), pede uma força de 500 praças europeias durante um período máximo de 4 meses e apoio de canhoneiras. Antes de partir para Lisboa elabora um relatório em que critica querer-se substituir uma soberania efetiva fazendo manobras com os variados elementos indígenas. Havia que ser exemplar nas atitudes de insubmissão, os maus-tratos a que fora sujeito o comandante militar de Geba impunham uma lição muito séria.

Em junho de 1907 ocorre um facto insólito, chega à Guiné um grupo de vadios, o ministro recomenda que eles sejam distribuídos pelas várias circunscrições e presídios na proporção que o governador entendesse. O pior é que o ministro quer enviar mais vadios para a Guiné, a oposição em Bolama é total. Em setembro, agrava-se a situação na região do Geba, o régulo de Badora revolta-se e alia-se ao régulo da região do Cuor, cortam a linha telegráfica de Bafatá a Buba. As relações entre o Governo e a Companhia Francesa da África Ocidental e Comércio Africano degradam-se. Enquanto isto se passa, Muzanty trabalha em Lisboa na organização de uma grande expedição à Guiné, é projetada a sua realização de janeiro a maio de 1908, conta-se com uma força expedicionária, duas companhias europeias de infantaria, uma bateria de artilharia e uma companhia da Marinha. Em Lisboa fazem-se contas ao custo da operação, uma campanha prevista em três fases: operações na ilha de Bissau, no Oio, e contra os povos Manjacos da Costa de Baixo, previa-se a maior resistência no Oio. Houvera como que um esquecimento para a importância das operações no Geba, sem perda de tempo, logo que regressar à Guiné, Muzanty prepara uma expedição que liquida qualquer resistência na região do Xime, fica ainda por resolver o problema do régulo do Cuor. É então que se prepara um conjunto de operações na região revoltada de Quínara, haverá muito tiroteio, em Lisboa pede-se a Angola para formar uma companhia indígena para destacar para a Guiné, sem resultado, quem vai fornecer uma companhia indígena será Moçambique. A situação em Lisboa é perturbada pelo regicídio que ocorreu em 1 de fevereiro de 1908. Continuam os preparativos para as operações, as fundamentais serão as da margem direita do rio Geba, é nessa altura que entra em cena José Rodrigues de Mello, veio de Cabo Verde e passará à história como o primeiro fotógrafo militar português, todo o seu trabalho na Guiné está consagrado em livro.


Armando Tavares da Silva
Imagens tiradas pelo primeiro fotógrafo militar português, José Rodrigues de Mello
Régulo de Fulas e seus Ministros
Teatro de Bolama
Costume de europeus estrangeiros. Aperitivo (antes do jantar)

(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 29 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26213: Notas de leitura (1750): O Arquivo Histórico Ultramarino em contraponto ao Boletim Official, até ao virar do século (4) (Mário Beja Santos)

Último post da série de2 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26226: Notas de leitura (1751): A Guiné Que Conhecemos: as histórias sobre unidades do BCAV 2867 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 12 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25635: Historiografia da presença portuguesa em África (427): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (6) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 2 de Janeiro de 2024:

Queridos amigos,
Interrogo-me amiudadas vezes quais as razões de fundo que levam a que a investigação histórica não tenha produzido, nas últimas décadas, uma História da Guiné, suscetível de suprir as lacunas do trabalho de João Barreto, face a revelações decorrentes de investigações em arquivos nacionais, pelo menos. Sente-se à vista desarmada que a Guiné Portuguesa requer uma investigação multinacional, logo o contexto da Senegâmbia e os impérios e reinos que se depararam ao comércio exercido pelos portugueses entre o Cabo Verde e a Serra Leoa, têm sido sobretudo os historiadores senegaleses quem têm produzido mais investigação, com a qual não convivemos; há, por outro lado, uma história comum entre as ilhas de Cabo Verde e estes pontos da Costa Ocidental Africana não só por causa do tráfico humano mas também pela presença comercial cabo-verdiana e as suas migrações para o que é hoje o Senegal e a sua inserção na administração pública portuguesa, do século XIX até à independência. Continuamos confinados à documentação existente no Arquivo Histórico Ultramarino e em bibliotecas de prestígio, como a da Sociedade de Geografia de Lisboa. Parece-me que chegou o tempo de os lugares universitários que se dedicam a estudos africanos encontrarem um entendimento e a formação de equipas a nível nacional e que daí saiam propostas para investigar em articulação com, pelo menos, Cabo Verde, Senegal e Guiné-Conacri. É neste amplo espaço que ganhará, estou seguro, uma maior clarificação sobre a presença portuguesa na região desde meados do século XV até à independência da Guiné-Bissau.

Um abraço do
Mário



João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (6)

Mário Beja Santos

Data de 1938 a História da Guiné, 1418-1918, com prefácio do Coronel Leite Magalhães, antigo Governador da Guiné. Barreto foi médico do quadro e durante 12 anos fez serviço na Guiné, fizeram dele cidadão honorário bolamense. Médico, com interesses na Antropologia e obras publicadas sobre doenças tropicais, como adiante se falará.

Caminha-se para o final do século XIX, depois do desastre de Bolor determinou-se a criação do Governo autónomo da Guiné, naturalmente acompanhada de autonomia administrativa própria de uma província independente, com efetivos militares autónomos e com uma orgânica de serviços públicos. O primeiro governador, Agostinho Coelho, assina tratados relativos à região do Forreá, mas o clima de lutas interétnicas é de enorme gravidade. O aspeto curioso é que as relações entre os portugueses e os Biafadas, até à segunda metade do século XIX, se tinham pautado por tranquilidade e havia bom acolhimento feito a comerciantes portugueses e estrangeiros. A chegada em força dos Fulas trouxe permanentes confrontos, cresce o número de chefes revoltados. As pontas e os lugares de comércio ao longo do Rio Grande de Buba, que eram em grande número, foram desaparecendo, a presença da Força Armada portuguesa era um mero paliativo. Em 1880, iniciou-se a revolta dos Fulas-Pretos contra os senhores do Forreá, estes Fulas-Pretos pediram auxílio a senhores que viviam na Guiné Francesa e também nas margens do rio Geba. Só em 1882, dadas as hostilidades entre os indígenas e Buba é que foi organizada uma coluna que veio a intimidar o régulo Bacar Guidali, este pediu para fazer as pazes, paz de pouca dura; entretanto, começavam as desavenças entre os chefes locais, como escreve Barreto:
“Mamadu Paté, de Bolola, querendo ser régulo do Forreá, declarou guerra a Guidali, com auxílio do chefe Iaiá, de Kadé. Bacar Guidali fugiu para a praça de Buba, diz-se que faleceu envenenado. A defesa do território do falecido régulo foi confiada a seu irmão, Mamadu Paté Coiada. Não podendo, porém, resistir à superioridade numérica dos seus inimigos, Coiada fugiu para o Cantanhez e dali para Bolama, irá estabelecer-se no Gabu. Com a derrota da família Guidali, o régulo Iaiá reforçou a sua soberania no Forreá. No final do ano de 1886, foi assinado em Buba um tratado entre Iaiá, rei do Forreá, Labé, Gabu e Kadé e o nosso governo. Paz temporária.”

O segundo governador foi Pedro Inácio de Gouveia, é um período de sucessivas operações militares: em Jabadá, Nhacra, tabancas da zona de Ziguinchor, entre outras. Criou-se uma alfândega de direção única em Bolama, com delegações em Bissau e Cacheu. O Boletim Oficial passara a ser uma publicação regular a partir de 1880. O terceiro governador, Francisco de Paula Barbosa, foi confrontado com sublevações na região de Geba, com a revolta dos Fulas-Pretos, houve que proceder a campanhas em Geba e Bissau, a hostilidade dos Papéis só terminou em 1892, também tranquilidade de pouca dura.

Barreto descreve a nova organização administrativa da colónia, a nova revolta dos Papéis, em 1894, as primeiras tentativas para a cobrança do imposto de palhota, o regresso da agitação no Forreá, as guerras de Oio e Caió, a chegada de um governador que deixou marca, Júdice Biker, em 1900. E o autor lembra como não foi fácil a delimitação da fronteira luso-francesa, que se prolongou até 1905, e que ficou definitivamente regularizada já nos anos 1930. Outro nome que deixará marca na governação é Oliveira Muzanty, chegado a Bolama em 1906, tempo em que a província foi dividida em um concelho e seis residências: o concelho de Bolama compreendia, além desta ilha, todo o arquipélago de Bijagós e os territórios de Quínara e Cubisseque; as residências eram Cacheu, Farim, Geba, Cacine, Buba e Bissau. Muzanty é confrontado com a sublevação do régulo Biafada do Cuor, com apoio de outros régulos, procurava-se impedir a navegação do Geba e cortar as relações comerciais com Bissau. Esta sublevação levará à constituição de uma força militar como nunca se vira na Guiné, vieram tropas da metrópole e de Moçambique, depois de uma série de combates o régulo Infali Soncó fugiu e o regulado foi oferecido a um colaborador, Abdul Indjai.

Mas houve mais operações militares, Barreto elenca os locais e as forças que repuseram a ordem. Ainda no tempo da monarquia, em 1909, chega novo governador, o Capitão Francelino Pimentel, o seu governo foi pouco acidentado, passou maior parte do tempo em Lisboa, entretanto Portugal mudou de regime. Curiosamente, Francelino Pimentel, nomeado durante a monarquia, logo que teve conhecimento da implantação do regime republicano em Portugal mandou publicar no Boletim Oficial a seguinte proclamação: “Cidadãos! Está proclamada a República em Portugal e seus domínios e vai ser arvorada neste momento solene a Bandeira Nacional, símbolo da Pátria e da conquista das Liberdades Públicas. Saudemos com entusiasmo tão feliz acontecimento e unamo-nos todos pela sua prosperidade. Viva a Pátria! Viva a República! Viva a Liberdade!” Não obstante a estes protestos de fidelidade, o Governo provisório da República nomeou novo governador, Carlos de Almeida Pereira. Será notória a atividade desenvolvida por este, a legislação colonial iria sofrer profundas alterações, isto a despeito de um acontecimento imprevisto ter flagelado a colónia em maio de 1911, uma epidemia de febre amarela. A maior parte dos funcionários públicos abandonou Bolama, só ficaram alguns corajosos e o governador da colónia. A doença foi considerada extinta no mês de julho.

Dá-se a reorganização dos serviços, que Barreto enuncia meticulosamente: nas Obras Públicas, na Agrimensura, nos Correios e Telégrafos, na Instrução Pública, na Agricultura e Pecuária. Época em que se publicou o Regulamente de Circunscrições Civis. A província foi dividida em dois concelhos (Bolama e Bissau) e sete circunscrições administrativas com sedes em Bafatá, Cacheu, Farim, Buba, Cacine e também em Bolama e Bissau.

Mas outros acontecimentos também foram dignos de nota: a demolição da muralha que cercava a vila de Bissau; o contrato com uma empresa britânica para a construção da ponte-cais de Bissau em cimento armado, como escreve Barreto no seu livro editado em 1938, “ainda hoje representa na Guiné a mais importante obra de engenharia e apetrechamento económico”. É nesta governação que o Capitão João Teixeira Pinto iniciou o seu plano de pacificação da colónia, o governador e chefe de Estado-Maior divergiam sobre a escolha de processos para alcançar o objetivo que ambos procuravam.

E chegamos ao derradeiro capítulo desta obra, em finais de dezembro de 1913 era nomeado governador Andrade Sequeira e seguidamente substituído pelo coronel de artilharia Josué de Oliveira Duque, é tempo de conflitos, a Primeira Guerra Mundial teve os seus impactos na Guiné, dão-se as campanhas de Teixeira Pinto, Barreto desenvolve um amplo capítulo sobre as missões religiosas e os serviços públicos, assim chegaremos a 1918, termo da publicação, será esta a matéria do último texto que dedicaremos à primeira e única História da Guiné que foi há poucos anos alvo de uma edição fac-similada, por vontade de um neto de João Barreto, Aires Barreto, com o apoio do historiador Valentino Viegas.

Trata-se da única fotografia que se conhece do médico João Barreto, imagem que me foi amavelmente concedida pelo historiador Valentino Viegas aquando do lançamento o opúsculo que lhe dedicou o seu neto Aires Barreto

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 5 DE JUNHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25606: Historiografia da presença portuguesa em África (426): João Vicente Sant’Ana Barreto, o primeiro historiador da Guiné portuguesa (5) (Mário Beja Santos)