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sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Guiné 61/74 - P25012: Notas de leitura (1653): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Dezembro de 2023:

Queridos amigos,
Este texto permite uma grande angular sobre o período de 1966/1967, finalmente Schulz dispõe de meios aéreos julgados suficientemente eficazes para travar a guerrilha, dá-se uma reorganização da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné, o comando unificado é entregue ao coronel Abecasis, os meios aéreos trouxeram muito mais segurança à atividade operacional, abonam os diferentes testemunhos; acontece, porém, que a atividade da guerrilha intensificou-se, houve reorganização do PAIGC e das FARP e em igual período a atividade da insurgência não só se intensificou como alargou o seu espaço de ação. Há também testemunhos de que o helicanhão deixou inicialmente a atividade da guerrilha atemorizada, foi forçada a adaptações táticas.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (5)


Mário Beja Santos

Deste segundo volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados na sua aquisição: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/.

Capítulo 1: Um Comando “Desconfortável”

Recapitulando a matéria deste primeiro capítulo, os autores recordaram as grandes dificuldades sentidas em encontrar diferentes tipos de aeronaves à altura das necessidades do território e da natureza da guerrilha guineense. Entendeu o Comando-Chefe, nos finais de 1966, que as principais dificuldades estavam supridas, o Fiat e o Alouette III, também adaptado a helicanhão, iriam fazer recuar a guerrilha. É neste contexto que se dá a remodelação no comando da Zona Aérea da Guiné, fundem-se os Comandos desta e da Base Aérea 12, com o estabelecimento do Centro Conjunto do Apoio Aéreo, é este o final do capítulo I.

Entre as primeiras ações do Coronel Abecasis como Comandante da Zona Aérea e da Base Aérea 12, criou-se o Centro Conjunto de Apoio Aéreo como autoridade de controlo orientada para operações aéreas táticas e operações de apoio às forças de superfície, ficou localizada em Bissalanca e tinha o indicativo de Marte, o Deus grego da guerra. Este Centro Conjunto foi responsável por priorizar as solicitações de apoio aéreo, atribuindo às aeronaves o cumprimento de solicitações que aprovava, gerindo também as conexões de comunicação indispensáveis. Esta organização foi essencial para planear, programar e potenciar com responsabilidade os meios aéreos, conclui o historiador da FAP Luís Alves de Fraga. Criou-se em Nova Lamego a secção conjunta de apoio aéreo para agilizar operações no setor Leste. Ao ligar-se o Centro Conjunto e as forças apoiadas, a aeronaves como DO-27 passaram a ser utilizadas como postos de comando volante, sobrevoando as áreas de operações e fornecendo uma visão tática às forças em intervenção na superfície, e fazendo de elo de comunicação entre as unidades terrestre e os meios de apoio aéreo. 115 aeronaves utilizavam rádio no PCV, ajustando as frequências e assim facilitando a rapidez no apoio aéreo. Apesar das incompatibilidades entre os recursos terrestres e os aéreos quanto a equipamentos de rádio, as forças portuguesas conseguiram um nível satisfatório de comunicações táticas mediante arranjos, garantindo apoio de fogo, reabastecimento de emergência ou evacuação de feridos em tempos que podiam chegar a 20 minutos. O Coronel Abecasis também orientou a criação de um Centro de Campanha de Exploração Fotográfica, sediado na Base Aérea 12, no outono de 1966.

Apesar da variedade de equipamento fotográfico utilizado durante as missões de reconhecimento – câmaras portáteis transportadas a bordo de aeronaves leves. O Centro de Campanha de Exploração Fotográfica desenvolveu uma “capacidade notável” para interpretar imagens pontuais, analisar fotografias e organizar conjuntos de imagens detalhadas dos objetivos visados para as operações. No final de 1966, a FAP tinha instalado uma frota de 50 aeronaves na Base Aérea, complementada por vários campos auxiliares, apoiada por uma estrutura de comando e controlo mais eficiente. O contingente da FAP na Guiné parecia capaz de poder intervir em todas as funções operacionais relevantes, dispunha da sua própria “infantaria”, os paraquedistas. A capacidade de desempenho da Zona Aérea ganhara muito com o G.21 e o Alouette III. Tudo parecia, depois de quatro anos de intensa luta de guerrilhas, que as Forças Armadas estavam em condições de contrariar a insurgência na Guiné.


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Capítulo 2: Eles não conseguiram parar a nossa luta

“Os criminosos colonialistas utilizaram aviões a jato, helicópteros modernos, bombas de fragmentação, bombas napalm e de fósforo, [mas] não conseguiram travar a nossa luta. No entanto, conseguiram aumentar ainda mais o ódio do nosso povo ao domínio colonial português.” (Amílcar Cabral, 2 de janeiro de 1968)

O PAIGC, tal como o seu inimigo português, estava a viver um período de crescimento e reorganização. Em 1966, o movimento nacionalista evoluiu para uma insurgência generalizada que ameaçava de forma credível o controlo sobre grande parte do território, se bem que mantivesse a estrutura militar adotada no Congresso de Cassacá, 1964, estrutura que incorporava o Exército Popular, a Guerrilha Popular e a Milícia Popular. O seu conjunto compunha as FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Em novembro de 1966, houve restruturação do PAIGC e das FARP, estabeleceu-se um Conselho de Guerra no nível mais alto do partido, afastou-se a milícia da cadeia de comandos das FARP. Através do Conselho de Guerra, as FARP dirigiam o Exército Popular e a Guerrilha nos níveis de Frente, Região e Setor, enquanto as Milícias passaram a ficar subordinadas ao Bureau Político, através de uma hierarquia geográfica semelhante. O Bureau Político manteve a supervisão das FARP através de comissários que exerciam uma autoridade operacional através de um arranjo de vice-comando.

A componente militar regular do PAIGC, o Exército Popular, tinha um efetivo aproximado de 3000 combatentes a tempo cheio, operando dentro da Guiné Portuguesa ou ocupando santuários transfronteiriços para formação, recuperação ou reabastecimento. Eram forças organizadas em grupos de 22 a 24 pessoas, geralmente combinadas e empregadas como bigrupos, com o dobro desse tamanho. Quando reforçados por exigência de equipamento pesado ou atividade de pessoas especializado, os bigrupos podiam chegar a 66 combatentes. As unidades irregulares da Guerrilha Popular tinham um efetivo superior a 6000 combatentes adicionados ao quadro miltiar do PAIGC, tinham funções de mão de obra, com funções defensivas, mas disponíveis para reforçar as operações de grande dimensão. No total, as Forças Armadas Portuguesas na Guiné enfrentavam até 1000 oponentes armados, excluindo as milícias, que cada ano que passava estavam mais bem treinadas e equipadas.

No plano militar do PAIGC para 1966-67, o secretário-geral e líder-estratega, Amílcar Cabral, anunciou que estas forças iriam “intensificar, desenvolver e estender a luta por todo o país” para “forçar o inimigo a lutar em toda a parte.” Com o objetivo de espalhar a rebelião, o PAIGC estabeleceu três Inter-Regiões (Norte, Sul e Leste) divididas em 13 regiões e 32 zonas ou setores. Cada Inter-Região tinha, pelo menos, um bigrupo do Exército Popular e 250 guerrilheiros, com unidades adicionais atribuídas a nível regional ou de “Frente”. A cada setor foi atribuído artilharia (canhão sem recuo e morteiros), sapadores e/ou metralhadores antiaéreas de acordo com as condições táticas ou o planeamento operacional.

As intenções estratégicas de Cabral tornaram-se rapidamente evidentes para os comandantes portugueses. As principais áreas de preocupação para as forças militares portuguesas incluíam o Oio, zona do noroeste da Guiné, a região central de Xime-Xitole, o litoral sul e as três “áreas de base” centrais do PAIGC no Morés, Injassane e Cafal. Havia também a preocupação com a capacidade do PAIGC em infiltrar pessoal e material através de corredores, facilidade essa que permitiu aos rebeldes lançar operações de “grande intensificação da ação militar”, isto no final da primavera e do verão de 1966, procurando interromper linhas de comunicações e flagelando as forças portuguesas no Oeste e no Sul, particularmente. No Sul da Guiné, na Península de Quitafine, tinham aumentado as defesas antiaéreas, o que dificultavam os esforços da Zona Aérea para proteger os postos avançados sitiados, o que levou a que o chefe de Estado-Maior do exército expressasse a sua preocupação de que houvesse guarnições que corressem o risco de serem tomadas pelo PAIGC. O número médio mensal das atividades do PAIGC quase triplicou, chegando a 293 flagelações e outros atos hostis em maio de 1966.

O ritmo acelerado da insurgência refletiu-se num aumento de baixas – cresceram de 258 mortos e feridos em 1963 para 1226 em 1966.
Um T-6 Harvard francês usado na guerra da Argélia e, mais tarde, vendido a Portugal (EALA/ECPAD)
Um Alouette III com um canhão Matra MG151 instalado na porta lateral do Alouette III (Coleção Costa Neves)
Outra perspetiva do canhão (Coleção Serrano Rosa)
Os Alouette III em linha, na Base Aérea 12 (Coleção Alberto Cruz)
Os Fiat (os “Tigres”) estavam integrados na Esquadra 121 conjuntamente com os T-6 e os Do-27 (Coleção Alberto Cruz)
Organograma da Zona Aérea de Cabo Verde e Guiné (novembro de 1966)
Forças do Exército Popular em patrulhamento (Reg Lancaster/Express Hulton Archive/Getty Images)
Milícia popular em vigilância num posto avançado rebelde, perto de Cacine (UPI)
Amílcar Cabral, o carismático Secretário-Geral do PAIGC (Ben Martin/Getty Images)

(continua)

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Notas do editor

Poste anterior de 22 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24987: Notas de leitura (1651): O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume II: Perto do abismo até ao impasse (1966-1972), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2023 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 25 DE DEZEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P25000: Notas de leitura (1652): Notas do diário de um franciscano no pós-Independência da Guiné-Bissau (1) (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24306: Antologia (89): Cabo Verde, "refém de uma história contada" (Expresso das Ilhas, 27 de janeiro de 2022)

Expresso das Ilhas,  Praia. Cabo Verde > 27 jan 2022 16:52   


País refém de uma história contada

A propósito das controvérsias que sempre aparecem na chamada Semana da República entre os dias 13 e 20 de Janeiro, o Presidente da República, José Maria Neves, disse que “não temos cumprido uma grande promessa da democracia que é a educação para a cidadania”.

 Acrescenta ainda que “quem quer ser cidadão tem de procurar conhecer a história, sobretudo, a contemporânea do seu país”. A falha detectada pelo PR tem pelo menos duas causas mais visíveis.

A primeira é que o Estado não se esforça o suficiente para passar para as pessoas, para a sociedade e em particular para as novas gerações os princípios e valores universais a começar pelo respeito pela dignidade humana e o direito à liberdade, que estão plasmados na Constituição de 1992, nem a importância do pluralismo, do princípio da separação de poderes e da independência dos tribunais no funcionamento pleno da democracia. 

Em consequência, fica por desenvolver adequadamente a vontade de participação, autonomia de pensamento e acção, auto-responsabilidade e o espírito de pertença à comunidade que se espera de cidadãos plenos. 

Pelo contrário, põe-se demasiado ênfase em alegados actos libertadores e heróicos de indivíduos e grupos, revoltas e ressentimentos do passado e manifestações de um paternalismo “salvítico” que deixa todos gratos e dependentes do Estado e na condição de cidadãos menores.

A outra causa tem a ver com a disputa permanente no país entre a “história contada” e a “história vivida”, entre factos e mitos, entre a procura da verdade e as tentativas de mascarar a realidade fazendo apelo a sentimentos, a lealdades antigas e a demonização do outro. 

De facto, a única história que realmente se é permitido conhecer não é a que aconteceu nas ilhas, mas a que supostamente teria passado nas matas da Guiné e em Conakry. 

Uma história perpassada por narrativas carregadas de heroísmo, de generosidade e de boas intenções que depois com as independências e o poder conquistado não se viu correspondência com a realidade dos regimes implantados tanto na Guiné como em Cabo Verde. 

Os seus protagonistas surpreenderam toda a gente com a perda da liberdade, a arrogância de “melhores filhos” no exercício do poder e a visão curta de quem sempre que foi dado a escolher entre desenvolvimento das pessoas e do país e o seu regime político ditatorial invariavelmente optava pela manutenção do poder

A outra história, aquela vivida nas ilhas e que foi da ditadura, de oportunidades perdidas e de vidas amarfanhadas pela falta de liberdade, pela inibição de iniciativa individual e pela sujeição a ideologias simplistas e ultrapassadas, essa durou quinze anos, mas é como se não tivesse acontecido.

É uma história praticamente ignorada pelas instituições, pelas escolas, pela comunicação social pública e até pelos estudiosos e académicos. 

Só se estudam acontecimentos até à independência e depois da chamada abertura política em Fevereiro de 1990. São os momentos em que os “heróis” entram em cena, num caso para dar ao povo a independência e noutro para, em mais um acto de generosidade, oferecer liberdade e democracia. 

No meio fica um hiato que ninguém quer transpor com receio de ferir as susceptibilidades dos auto-indigitados “Comandantes” (ver decreto-lei nº 8/75 e decreto nº 18/80) que ocuparam os lugares-chave do poder durante a ditadura. 

Mesmo assim, nunca estão satisfeitos e todos os anos pelo 5 de Julho e pelo 20 de Janeiro repetem que a história da luta não é estudada suficientemente nas escolas e que os ensinamentos da Cabral não estão a ser seguidos. É uma pressão que vai continuar mesmo que hipoteticamente um número de pessoas próximo, dos 100% se submetesse à narrativa heróica, declarando “estar em paz com a história”.

Com esse tipo de pressão, feita com o beneplácito do Estado e das suas instituições, dificilmente vai-se ter o cidadão pleno que o PR diz que precisa conhecer a história contemporânea do seu país. 

Não se ajuda, porém, nesse conhecimento quando se procura transpor o hiato dos quinze anos, durante os quais a aplicação dos ensinamentos de Cabral pela organização por ele criado, o PAIGC, e por dirigentes por ele formados resultou em sucessivas tragédias na Guiné-Bissau e em um Cabo Verde sem liberdade e economicamente estagnado, e se propõe elegê-lo “como o símbolo maior dessa luta pela liberdade e dignidade da pessoa humana e pela igualdade”. 

Pedro Pires tem mais razão ao apresentá-lo como personalidade que “deu tudo o que tinha a favor da libertação do país”. E é libertação porque liberdade e dignidade individual, que certamente não é reconhecida quando em vez de pessoas se veem massas populares e se define a pertença à comunidade política com base em concepções do tipo o povo é quem está com o partido, são princípios e valores que só seriam conquistados 15 anos depois pelos homens e mulheres das ilhas.

Pelas reacções de diferentes personalidades durante a chamada Semana da República vê-se claramente que mais de trinta anos depois da instalação da democracia a “história contada” ainda se sobrepõe à “história vivida” mesmo quando colide frontalmente com os princípios e valores constitucionais. Instrumental nisso tudo tem sido precisamente as instituições do Estado e particularmente os órgãos de soberania. 

Resistências várias impediram durante 17 anos que o 13 de Janeiro, Dia da Liberdade e da Democracia, fosse comemorado pela Assembleia Nacional, a casa da pluralismo e a sede do contraditório na democracia. Agora já há quem queira comemorar o 20 de Janeiro com uma sessão especial da Assembleia Nacional quando se sabe pela experiência de outras democracias que comemorações da independência, da república e da memória, porque momentos de unidade e exaltação nacional, normalmente são presididas pelo presidente da república. A guerrilha continua como que para demonstrar o quanto a iniciativa da semana da república é um fiasco na tentativa de reconciliação à volta das datas históricas.

Nos últimos dias a colisão de narrativas históricas com a Constituição centrou-se sobre o que devem ser as comemorações do Dia das Forças Armadas (FA). O Governo na pessoa da Ministra da Defesa, em linha com os ditames da Constituição de 1992, realçou a função constitucional das forças armadas de assegurar a defesa nacional, a sua subordinação ao poder civil, o seu serviço à nação e o seu apartidarismo e neutralidade política. Os “comandantes” vieram à liça reivindicar a reposição da história das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP) e o papel que teriam tido na sua origem.

O problema é que as FARP que sempre foram concebidas como braço armado do partido, como está explícito no texto da proclamação da Independência e confirmado pela voz autorizada de Aristides Pereira em 1985 ao dizer que “a acção política e ideológica constitui uma componente essencial no trabalho das forças de defesa” e ter-se referido ao facto de as FARP, serem integradas, não por militares, mas por militantes armados”, deixaram de existir com a entrada em vigor da Constituição a 25 de Setembro de 1992 dando lugar às FA. Não faz, portanto, qualquer sentido referir-se a papéis ou missões passadas que conflituam directamente com as funções constitucionais actuais.

Mesmo na questão do Dia das Forças Armadas nota-se a conveniência e o desejo de auto glorificação. Até 1987 o dia das FARP comemorava-se a 16 de Novembro em referência à origem das forças em 1964 na sequência do Congresso de Cassacá, assim como é ainda comemorado pelas FARP na Guiné-Bissau. O objectivo então era identificarem-se com a luta na Guiné. 

Em 1988, oito anos depois do golpe na Guiné e com o poder seguro em Cabo Verde acharam que podiam fazer das suas pessoas a referência do braço armado do partido. Com um simples decreto (decreto nº 5/88) criaram um novo Dia das FARP (15 de Janeiro de 1987). Agora acham que as FA não podem ter outra referência mais consentânea com a sua função actual. É mesmo patético.

É evidente que o país não deve continuar refém de uma narrativa que glorifica pessoas responsáveis por um regime ditatorial, que promove o culto de personalidade em plena democracia e que pode causar instabilidade institucional pelos seus persistentes conflitos com os princípios e valores constitucionalmente estabelecidos. 

Os titulares dos órgãos de soberania devem lembrar-se todos do seu juramento de respeitar e cumprir a Constituição da República. Estar ao serviço do povo e não de quais outros interesses é a via certa para a construção de uma vida de liberdade, paz e prosperidade para todos.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1051 de 19 de Janeiro de 2022.

(Reproduzido aqui com a devida vénia. Revisão / fixação de texto / negritos, exlusivamente para publicação neste blogue: LG)
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Nota do editor:

Último poste da série > 
18 de janeiro de 2023 > Guiné 61/74 - P23991: Antologia (88): estereótipos coloniais: os balantas de Bambadinca, vistos pelas NT (BCAÇ 2852 e BART 2917)

sábado, 3 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16794: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte I (José Teixeira)




Sítio das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo, Guiné-Bissau, onde vem inserido o poste "O fim da dominação colonial", com uma entrevista, concedida em 2001, pelo cor Arafam Mané (1945-2004), sobre o histórico ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963.



O inicio da Guerra Colonial no CTIG, contada pelo outro lado:  entrevista,  de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam Mané (1945-2004) -Parte I  (José Teixeira)



1. Enquadramento 

por José Teixeira



[Foto à esquerda: José Teixeira, em 2013, com o régulo de Medjo: 

(i) é nosso grã-tabanqueiro da primeira hora; 

(ii) tem mais de 300 referências no nosso blogue; 
(iii) foi 1.º cabo aux enf,  CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada, 1968/70; 

(iv) está reformado como gerente bancário;  (v) vive em São Mamede de Infesta, Matosinhos; 

 (vi) é dirigente no movimento nacional escuteiro, onde é conhecido por "esquilo sorridente"; 

(vii) é um dos fundadores e 'régulos' da Tabanca de Matosinhos e continua a ser um dos nossos grã-tabanqueiros mais solidários e inquietos;

 (viii) foi talvez dos poucos de nós que, graças ao seu papel de enfermeiro (e também por mérito pessoal, pela sua generosidade, coragem, inteligência emocional, sensibilidade sociocultural,, empatia  e demais qualidades humanas), conseguiu saltar a 'barreira da espécie': ele, "tuga" e cristão, foi aceite e amado pela população fula e muçulmana, e ainda hoje tem verdadeiros amigos, fulas, lá Guiné-Bissau profunda, onde  é amado, mimado, adorado quando lá volta (e já lá voltou não sei quantas vezes) ]


Todos nós, os que passamos pela guerra, temos vindo com o tempo, a tentar passar aos vindouros as situações vivenciadas no ambiente agressivo da guerra. É o nosso ponto de vista. Com mais ou menos romantismo; com mais ou menos realismo, vamos escrevendo o que a nossa memória registou. É comum ouvirmos camaradas nossos contar testemunhos de situações que vivemos em conjunto e encontrarmos diferenças nas versões dos acontecimentos, ou pormenores que desconhecíamos. Foram vividas em comum, mas analisadas por outro ponto de vista. Alguém, com outra base académica ou cultural, ou até com outra visão politica e militar da situação. O local e ângulo de onde se está a vivenciar o acontecimento, afetam a informação registada na memória. A memópria humana é seletiva.

Neste caso concreto, estamos a tomar conhecimento de um testemunho de alguém que vivenciou o ataque a Tite. Foi o seu comandante, mas do outro lado da barricada, logo, o relato dos acontecimentos que viveu e a visão global do ataque são à partida diferentes (e tão "respeitáveis", omo os nossos relatos). São estes conjuntos de pontos de vista, diferentes entre si, e muitas vezes contraditórios, dos acontecimentos que vão permitir escrever a História.

José Teixeira, Tabanca de São Martinho do Porto,
11/8/2011. Foto de LG.
É comum afirmar-se que a guerra colonial na ex-província da Guiné teve o seu inicio com um ataque a Tite na célebre noite de 22 para 23 de janeiro de 1963, Aliás, o próprio Amílcar Cabral afirmou-o uns dias depois.

Na realidade, este ataque, pela sua dimensão e resultados, com mortos e feridos de ambas as partes em contenda, assinala simbolicamente a abertura das hostilidades.
E, no entanto, foi um acontecimento fortuito, desorganizado, sem comando definido e sobretudo à revelia dos órgãos do PAICG. 
Assim o afirmou, em 2001, o coordenador do ataque,  o então coronel Arafam Mané. 

Segundo ele, a guerrilha, à data, já era um facto no Norte, no Centro Sul e Sul desde 1961. Tite já terá sido atacada em 1962. As regiões do Tombali e Quínara estavam a fervilhar numa luta surda entre as forças portuguesas e o PAIGC, com muitas mortes (assassínios) na população, da responsabilidade de ambos os intervenientes. Esases primeiros tempos foram de terror e contarterror, subversão e contraversão... Uma época muito mal conhecida (e pior estudada)...

Revivo com saudade o meu amigo Samba, de Mampatá Foreá, infelizmente já falecido há muitos anos. Sargento da milícia, imã da comunidade muçulmana local (Fula). Homem culto, excelente cozinheiro,  que deixou Bissau para regressar à sua terra, o Regulado Foreá, e defender o seu povo. Muitos serões passámos em amena conversa, onde a religião e o drama da Guiné eram assunto.

Recordo, apesar da poeira do tempo, uma conversa sobre a forma como o inimigo procurava conquistar aderentes à força, no início da luta. Eles, dizia-me, o PAIGCV, entravam, armados, pelas tabancas dentro, e tentavam convencer o chefe da tabanca a entregar os jovens para as forças da guerrilha. Se não o fizesse,  era morto ali mesmo, e os homens válidos eram convidados a segui-los ou em caso de resistência eram forçados, com muitas mortes pelo meio.

Não foi por acaso que o Amílcar Cabral convocou o Congresso em Cassacá, em 1964. Um dos objetivos deste Congresso, foi acabar com as barbaridades,  as arbitrariedades eos abusos de poder, praticadas por alguns chefes de guerrilha, sem qualquer preparação política, de modo a que o povo voltasse a ganhar a confiança no Partido, nos seus dirigentes e no destino da luta de libertação nacional.

Muitos anos mais tarde, em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje, tive oportunidade de conhecer e conversar com um ex-combatente das FARP da Guiné-Bissau que me tinha atacado várias vezes em Mampatá e na estrada de Gandembel, em 1968. É dele esta frase, que recordo com emoção:

“Guerra é guerra, meu 'ermon', quando passa não deixa saudades, mas, muitas amizades, neste mundo perdido. Os antigos inimigos se procuram, para saldar as contas com um abraço sentido.” Dizia-me ele: "Desculpa. Eu fui apanhado na minha tabanca, tinha quinze anos."

Mas não pensemos que as autoridades portuguesas ofereciam mel e pão aos guineenses para os conquistar para a sua causa. Os factos narrados nesse Simpósip, por vitimas guineenses, que fugiram para o mato, creio que por medo (alguns) e posteriormente integraram a guerrilha, são de fazer arrepiar o mais “durão”. Era o tempo do “chapa ou fogo” na versão mais agressiva do temido e odiado capitão Curto por parte dos guineenses afetos ao PAIGC (*).. E, nas minhas idas à Guiné-Bissau, tenho conversado com ex-combatentes do PAIGC, onde relembram os tempos de terror imposto pelos "tugas" nas tabancas do interior, que os levou a fugirem para o mato e entrarem na luta.

Mas voltemos ao ataque a Tite para rever os acontecimentos através de relatos insuspeitos de terceiros e presenciais.

".... Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte do Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..."

In, Carta de 7-07-1981 do ten cor  Manuel José Morgado, enviada ao director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades ".

Resumo da Actividade do BCaç. nº 237/BCaç. nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965 [Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM


O historiador José de Matos fala em quinze a vinte elementos do PAIGC, que mantem o quartel sob fogo intenso, durante cerca de meia hora, provocando um morto e dois feridos às nossas tropas e deixando três mortos no terreno.(vd. poste  P15795).

O nosso investigador de serviço ao blogue, o incansável José Martins, convidado pelo Luís Graça a investigar o ataque a Tite, concluiu:

“Arafan Mané (, nome de guerra, 'Ndajamba'), militante do PAIGC, destacado Combatente da Liberdade da Pátria, é considerado o 'responsável' pelo inicio das hostilidades na Guiné, ao ter disparado a primeira rajada de metralhadora e comandado a ofensiva. Teria menos de 20 anos. Veio a falecer em 2004, em Espanha, de doença". (P10990)

Estranhamente pouco ou nada se escreveu oficialmente sobre este acontecimento tão marcante, (seria?) para o desenvolvimento da guerra na Guiné.

Há o testemunho do Gabriel Moura, (vidé P 3294; P 3298 e P 3308 de 11/11/2008; 12/10/2008 e 13/10/2008 respetivamente). Foi este soldado português de Gondomar que estava de sentinela ao quartel de Tite, naquela fatídica noite, que entrou no Blogue pela mão do Carlos Silva, (seu conterrâneo e amigo) já depois do seu falecimento para contar a história que vivenciou. Foi o primeiro militar português, quando se encontrava de guarda ao aquartelamento, a responder ao fogo da força que atacou as instalações de Tite. Na reação ao fogo de que foi alvo, consumiu todas as munições de que dispunha, provavelmente três carregadores, assim como utilizou as duas granadas que lhe estavam distribuídas para o serviço. Faleceu em 2004, dois anos após ter editado as suas impressões sobre o acontecimento, e por coincidência no mesmo ano da morte de Arafan Mané.

Temos agora a oportunidade de tomar conhecimento do testemunho do Arafam Mané, ou seja, a versão de quem comandava o outro lado da barricada, numa entrevista publicada em 2001 no jornal O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Reproduzida em 2015 no sítio das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, por iniciativa do major  Ussumane Conaté,. diretor da publicação.



2. Arafam 'N' djamba' Mané (1945-2004)
(segundo nota biográfica redigida pelo major Ussumane Conaté, diretor de O Defensor; adaptação de JT])

[Foto à esquerda, Arafam Mané, cortesia de O Defensor]


O comandante Arafam 'N’djamba'  Mané nasceu no dia 29 de setembro de 1945, em Bissau, sendo filho de Lassana Mané e de Nhalin Cassama. Faleceu, de doença de evolução prolongada,  no dia 4 de setembro 2004,  num hospital de Madrid,  onde estava internado, [A data de nascimento pode não ser precisa, os guineenses nessa época não tinham registo civil].

Arafam Mané entrou cedo para o PAIGC, tendo chegado a Conacri, capital da República de Guiné em 1961, onde se foi juntar a Amilcar Cabral e outros militantes do PAIGC que tinham deixado Bissau para, a partir dali, organziar e dirigir a luta de guerrilha.

Após a proclamação unilateral da independência do país em 24 de setembro de 1973, o coronel Arafam 'N´djamba'  Mané ocupou vários cargos  entre as quais os  de chefe de Casa Civil da Presidência da República, director geral da farmácia Farmedie, governador (sucessivamente) das regiões de Gabú e Bafata, ministro da Defesa Nacional,  ministro dos Combatentes da Liberdade da Pátria.

Foi também deputado  durante vários mandatos legislativos, membro do Comité Central, membro do Bureau Politico do PAIGC e também membro do Conselho de Estado durante o mandato presidencial de Koumba Yala. (Notas de Ussumane Conaté,  coronel, diretor de O Defensor)

[Mais elementos sobre Arafam ou Arafan Mané: vd.  poste P2190 de Virgilio Briote]

Esta entrevista, de que se reproduz uam primeira parte, hioje neste poste,  foi concedida em 2001 ao jornal O Defensor  "no quadro da recolha de depoimentos dos Combatentes da Liberdade da Pátria sobre os acontecimentos históricos que marcaram a luta armada de libertação nacional para a independência total da Guiné-Bissau do jugo colonial".

É um documento de interesse para todos nós, pelo que tomamos a liberdade de o reproduzir e divulgar, no nosso blogue, com a devida vénia.  São raros os testemunhos de históricos dirigentes e comandantes do PAIGC, como o Arafam Mané.  Muitos deles morreram, levando consigo irremediavelmente para a tumba as suas memórias.  Nunca escreveram ou deram uma entrevista em vida.


3. Sinopse da entrevista (parte I) 


O Arafam Mané assumiu, com 18 anos, o comando da operação. Começa por confessar que o grupo,  vindo de Conacri,  não tinha experiência militar e estava muito mal armado - tinham apenas, três armas e uma pistola.  Ao grupo juntaram-se civis,  de várias tabancas locais, num total de cerca de 150 pessoas, munidos de catanas, paus, pedras e algumas armas de fogo, suponho que mausers (?) e canhangulos.

A iniciativa partiu do grupo sem que tenha sido dada qualquer ordem superior. Ele mesmo afirma ao entrevistador: “Garanto-lhe que ninguém nos tinha dito nem ordenado atacar o inimigo no quartel de Tite”. E explica o "contexto":  "A operação foi realizada com raiva porque, em 1962, fomos corridos pelos 'tugas'. Este episódio aconteceu, depois de termos efetuado uma sabotagem, cortando as linhas telefónicas e os cabos elétricos daquela zona sul do país. Foi a partir das ações de sabotagem, que a administração colonial e suas forças de defesa e segurança souberam da nossa presença na área."

Muito interessante a ideia (romântica?) de se fazer acompanhar de um “djidiu” de kora (músico tradicional) para cantar, animar e elogiar os camaradas, enquanto combatiam no interior da unidade. Só que o “djidiu” deu ás de “vila diogo” e o combate ficou sem música, que não fosse a das espingardas e os gritos de dor.

Afirma que só tiveram um morto, creio que o seu guarda-costas, Wagna Na Bomba, o que contradiz a informação recolhida no nosso blogue, que fala em 8 mortes. Dado que grande parte dos atacantes eram da população local, talvez se esteja a referir apenas aos elementos do grupo vindo de Conacri e os outros mortos tenham sido dos elementos civis, locais

Refere que o  Quemo Mané [, um homem temperamental  e violento, associado a cenas de terroer, pós-independência, segundo o testemunho do nosso Cherno Baldé] foi encarregado de tentar eliminar o major Fabião.

Suponho que ele se queria referir ao major Pina, comandante da unidade sediada em Tite. [Nessa altura, era o BCAÇ 237, chegado à Guiné em 18/7/1961; esteve em Tite até ao fim da comissão, em 19/10/1963; teve dois cmdts: major inf [José] António Tavares de Pina; e depois o nosso conhecido ten cor Hélio Augusto Esteves Felgas, que será mais tarde o cmdt do Comando de Agrupamentio nº 2957, Baftá, 1968/70.]

Aconselho a leitura do testemunho do Gabriel Moura / Carlos Silva para se entender o conteúdo da entrevista que se segue e apurar as contradições. (Sinopse de JT).



Primeira página de O Defensor, órgão das FARP - Forças Armadas Revolucionárias do Povo. Edição nº 22, dezembro de 2015, 16 pp.,   disponível aqui em formato pdf. O jornal, fundado em 1994, e de periodicidade mensal, tem como  diretor o major Ussumane Conaté.


4. Entrevista com o coronel Arafam Mané - Parte I

Com a devida vénia ao jornal O Defensor, ao seu diretor, major Ussuame Canoté, e ao sítio das FARP. Revisão e fixação de texto: José Teixeira.



O Defensor – O coronel fez parte do comando que em janeiro de 1963 orquestrou o ataque 

contra o aquartelamento fortificado de Tite, em Quínara, no sul do país. 

O que é levou o vosso comando, mal-armado e inexperiente, 
a atacar esse quartel colonial?



Coronel Arafam Mané - O ataque contra o aquartelamento de Tite foi realizado com poucas experiências militares, pois o efetivo que participou nele, era constituído por um grupo de camaradas do partido vindo de Conakry, [a que se juntaram elementos das] populações locais , munidas de algumas armas de fogo, catanas, paus e pedras. 

O ataque que surpreendeu as tropas do exército colonial, [que era]  muito temido pela sua barbaridade contra os autóctones, foi de facto executado sem um comando designado. Foi um ato de coragem e patriotismo que, desde a época dos nossos antepassados, sempre caracterizou a resistência dos guineenses contra qualquer tipo de dominação.

Em termos de armamentos, tínhamos apenas quatro (4) armas, uma pistola (1). Entreguei aos camaradas uma pistola e a arma que eu tinha, e fiquei com uma pistola automática com a qual disparei o primeiro tiro {[para o]  ar para assinalar ]a]os companheiros o início do ataque quando estávamos no interior do quartel fortificado de Tite. Com esse disparo, os camaradas entraram em ação,  utilizando todos os meios de combate que possuíam. O estrondo das armas,  misturado com as vozes de comando dos guerrilheiros que procuravam orientar melhor os companheiros para evitar perdas humanas, acordou as tropas coloniais e despertou a atenção dos sentinelas.

A operação foi realizada com raiva porque,  em 1962, fomos corridos pelos "tugas". Este episódio aconteceu, depois de termos efetuado uma sabotagem,  cortando as linhas telefónicas e os cabos elétricos daquela zona sul do país. Foi a partir das ações de sabotagem, que a administração colonial e suas forças de defesa e segurança souberam da nossa presença na área.

[Em] 1963 repetimos a mesma operação de corte de linhas telefónicas e cabos elétricos. Estas práticas que eram prejudiciais para a comunicação e o funcionamento das instituições públicas e militares, irritaram os colonialistas que começaram a pressionar as populações com ameaças e torturas para obterem informações sobre os que eles chamavam “terroristas”. No âmbito da repressão foram alargadas as redes da PIDE-DGS (Polícia colonial).

O Defensor  – Na altura, a guerrilha já tinha criado 'barracas' 
a partir das quais coordenava as ações militares 
contra os interesses coloniais?

Coronel ADM - Na altura ainda não tinha constituído 'barracas' [acampamentos temporários]. Às vezes alguns camaradas nossos saiam do Sul, iam até Bissau cumprir missões do partido e regressar sem serem descobertos pelas autoridades portuguesas, a PIDE e os seus agentes. Para além de Bissau, cidade capital, mais controlada, os guerrilheiros também se infiltravam nas tabancas,  partilhando refeições e outros alimentos com as populações sem que ninguém desse  conta ou soubesse quem eram.

Mas não pense que tínhamos homens prontos para efetuar trabalhos de reconhecimento e outras missões arriscadas. Não. Às vezes era eu, o meu guarda-costas e meu adjunto, camarada Fernando Badinca, entre outros.

Foi assim que,  em 1962, nos instalámos na tabanca de Cantongo a 3 km de Nova Sintra, a partir de onde nos movimentávamos até as aldeias de Flac-An, Flac Mindé, Flac-Mim, Flora, Bunaussa... Às vezes atravessávamos o rio, íamos a Bolama e daí íamos para a tabanca de Uato para entabular contactos com a população, com o régulo Oliveira Sanca, contactar Jaime Sampa, Lai Canté e outros camaradas. [Eram]  estes que nos enviavam jornais e outros objetos de que precisávamos.

Tínhamos também contactos com o camarada Rafael Barbosa, Aristides Pereira,  inclusive o senhor Eustáquio que, ultimamente, depois da independência teve problemas [de saúde mental]. Foi assim que se iniciou a luta armada de libertação nacional.

O Defensor  – Qual é a estratégia adotada pela guerrilha 
quando se sentiu ameaçada pela movimentação 
da força militar colonial na zona?


Coronel ADM - Alguns tempos depois fomos obrigados a abandonar esses locais, devido as ações do inimigo que, em termos de material bélico, nos superava na altura. Este é o primeiro fator. 

O segundo fator é que abandonamos a zona para salvaguardar as nossas populações, alvos de torturas quando os "tugas"  descobriam que a tabanca manteve contactos connosco ou albergava os nossos camaradas.

Entretanto, quando nos retiramos de lá, fomo[-nos]  instalar na tabanca de Calunca a partir da qual conseguimos ocupar todas as tabancas da fronteira com a Guiné Conakry. Logo depois da ocupação daquelas tabancas,  mandamos o camarada Malam Sanhá, para Conacri, para contactar os membros da Direção Superior do Partido e dar-lhes informações sobre a nova situação.

A chegada de Malam Sanhá a Conacri coincidiu com a chegada das primeiras armas provenientes do reino de Marrocos. Eram cerca de quatro a cinco armas de marca “Patchanga” [metralhadora ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm] que,  quando chegaram,  foram distribuídas entre nós,  antes de voltarmos para o mato.



Guiné > 1964 > PAIGC > Cassacá > I Congresso.do PAIGC, Quinta, 13 de fevereiro de 1964 - Segunda, 17 de fevereiro de 1964, Da esquerda para a direita, Abdulai Barry, Arafam Mané, Amílcar Cabral, Domingos Ramos e Lai Sek durante o I Congresso.do PAIGC, em Cassacá,

Foto (e legenda): Portal Casa Comum / Fundação Mário Soares, Consult em 28 de junho de 2016. Disponível em http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=05224.000.056 (Reprodução parcial, com a devdia vénia)


O Defensor –A chegada das primeiras armas do reino de Marrocos 
às mãos da guerrilha, foi acompanhada de uma ordem superior 
para atacar o quartel colonial de Tite?


Coronel ADM – Garanto-lhe que ninguém nos tinha dito nem ordenado atacar o inimigo no quartel de Tite. Amílcar Cabral não nos tinha dito nem ordenado atacar o fortificado quartel com três ou quatro armas. Amílcar Cabral recomendou apenas que voltássemos para o mato,  visto que estávamos armados. Mas, no entretanto, para assustar os colonialistas e também para libertar os nossos companheiros, encarcerados na prisão, decidimos assaltar o quartel de Tite.

Eu me encontrava baseado em Nova Sintra enquanto Malam Sanhá estava na área de Cantona (Fulacunda), onde já se sentia sufocado,  devido a falta de matas densas para se esconder melhor. Esta realidade que representava um potencial risco para ele e seus homens, obrigou[-o] a abandonar o local e juntar-se a nós,  em Nova Sintra.

Recordo que Malam Sanhá chegou a Nova Sintra, precisamente na altura em que nós já estávamos em plena preparação da operação de assalto ao quartel de Tite. Aproveitamos logo a oportunidade para apresentar-lhe a nossa ideia de assaltar as instalações militares de Tite e ele concordou.

Portanto, uma vez a ideia acertada, procedeu-se a distribuição de tarefas claras e concretas a cumprir por cada um de nós. Assim, o camarada Malam Sanhá,  que já tinha sido militar no exército colonial português, foi designado para destruir a caserna dos soldados, enquanto o camarada Quemo Mané tinha como missão eliminar fisicamente o major Fabião, comandante da força colonial em Tite. Quemo Mané, que era grande caçador, tinha essa missão porque conhecia muito bem a residência do major, a quem ia sempre vender carne de caça.

O camarada Dauda Bangura tinha como missão rebentar as portas da prisão, [fazendo  explodir uma mina. Ele tinha feito um treino militar na República Popular da China por isso tinha alguns conhecimentos sobre as minas.

Eu fui encostar-me [a uma] das esquinas da caserna que devia ser atacada pelo camarada Malan Sanhá. Foi a partir dali que disparei a pistola, o primeiro tiro que deu início ao histórico ataque da guerrilha contra o quartel fortificado de Tite. 

Neste ataque, levámos connosco um “djidiu” de kora (músico tradicional) para cantar, animar e elogiar os camaradas, enquanto combatiam no interior da unidade. Mas este camarada,  com a intensidade do fogo e a tentativa de resposta do inimigo, não desempenhou o seu papel e acabou por desaparecer,  abandonando os instrumentos musicais.

Eu, a partir da posição que ocupava,  gritava com força ao camarada Dauda Bangura,  dizendo-lhe “Dauda! Mina, mina, coloque a mina no sítio indicado e faça-a explodir”. Eu gritava tanto, porque não tínhamos experiência de guerra. Talvez foi por essa razão que não sentíamos o perigo que pairava sobre nós assim como as consequências que poderiam advir.

(continua)

Introdução, seleção, notas, revisão e fixação de texto:  Zé Teixeira

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Nota do editor:

(*) Vd. poste de 18 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (97): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10677: Caderno de notas de um mais velho (Antº Rosinha) (25): Os dirigentes do PAIGC não usavam caixa nem cornetim nos quartéis das FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo)








Guiné-Bissau >  Bissau >  Forte da Amura, Panteão Nacional > 7 de março de 2008 > Uma força da PM - Polícia Militar presta continência, enquanto  e ouve o "Toque de silêncio"... Homenagem a Amílcar Cabral e aos outros heróis da Pátria. Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008.


Fotos e vídeo (''40): Luís Graça (2008). Alojado no You  Tube > Nhabijoes



1. Mensagem do nosso camarada e amigo António Rosinha [, foto à direita, Pombal, 2007]:


Data: 14 de Novembro de 2012 11:37

Assunto: Os dirigentes do PAIGC não usavam caixa nem cornetim nos quarteis das FARP ( Forças Armadas Revolucionárias do Povo)


Se for publicável,  talvez seja bom em horas mortas.

FARP e PAIGC não são devidamente distinguidos e separados neste BLOG, nem faz grande diferença que assim seja.

Faria diferença sim, mas para os guineenses se estes não conseguissem separar uma coisa da outra.

Mas para o bem ou para o mal, os guineenses nunca conseguiram separar o PAIGC das Forças Armadas Revolucionárias do Povo [, FARP,], durante muitos anos. (Hoje não sei como será o ponto de vista do povo).

Nos primeiros anos da Independência, os militares das FARP em Bissau, não usavam cornetas ou cornetins nem marchavam ao toque de caixa nos respectivos quartéis. Hoje não sei.

Mas quando Amílcar fundou o PAIGC e foi também co-fundador do MPLA, copiaram os métodos castristas e guevaristas e aí não havia cornetas nem cornetins.

Mas no regime de Luís Cabral pós independência, houve pelo menos uma tentativa de criar esse hábito, ou seja , Luís Cabral chegou a promover o ensino de corneteiros e tamborileiros .

Ouvia-se durante vários dias ensaios de corneta e cornetim, e toques de caixa, dentro da fortaleza da Amura e constava que teriam ido sargentos ou outros militares de Portugal para treinar guineenses.

Pelo  menos os diversos toques desde o recolher, formar, refeições, bandeira, etc. de infantaria,  eu ainda me recordei do meu tempo de tropa passados 20 anos.

Mas isso não chegou a funcionar, não  se chegou a marchar ao toque de caixa, nem a formar ao toque de corneta, ou seja à voz de um único comandante.

Psicologicamente, penso que sem um corneteiro dificilmente haverá um exército disciplinado em tempo de paz, um corneteiro representa a voz de um comandante sobre toda uma unidade.

Conheci e visitei por motivos profissionais aquilo que foi o quartel da artilharia do tempo colonial, e que penso que continuava como sendo dessa arma, com o exército das FARP.

Embora parecesse mais um bairro (tabanca),  devido haver mulheres e filhos dos militares a viver lá dentro, tinha sentinela na porta de armas, casernas numeradas e gabinetes dos comandantes e também se viam circulando militares soviéticos, tinha verdadeiro aspecto de quartel à antiga.

Mas não havia aquele aspecto convencional de um exército, no dia a dia, como sendo ouvir vozes de comando, toques para as diversas formaturas, etc.

Nunca cheguei a saber se o presidente Luís Cabral tinha algum posto na hierarquia militar, ou se era ou foi militar,  tanto na luta como após a independência, assim como Amilcar, ainda não entendi se teve hierarquicamente algum posto.

Mas com posto militar ou não, ele Presidente da República,  se só em 1980 pensou na corneta (Ordem, disciplina nos quartéis),  já foi tarde.

Mas, pode parecer que falo uma baboseira,  como dizem os brasileiros, mas não posso deixar de transmitir uma impressão que jamais  me sai da cabeça e já lá vão...1980-2012=31 anos: se Luís  Cabral tem conseguido impor o toque de recolher, alvorada, e marcha ao toque de caixa, embora possa ser simbólico apenas, mas era um símbolo de ordem e disciplina,  os militares das FARC não teriam tanto tempo para matutar em  "bolsas" étnicas, facciosas e rebeldias que já vinham embrionárias do tempo da luta, e eram conhecidas até por estrangeiros.

E, como os militares durante vários anos mantinham uma atitude e um aspecto, mais de revolucionários do que um exército regular, mesmo os próprios comandantes que se exibiam em viaturas em grandes velocidades, "olha lá vai o Gazela", olha lá vai o Manel Saturnino"  por exemplo, tinham comportamentos de rebeldia,  era impossível para Luís Cabral e governo, pôr um exército em formatura ao som de um corneteiro, em 1980, quando se deu o golpe de 14 de Novembro.

Se o PAIGC e as FARP de Amilcar Cabral deixaram  criar facções  de várias ordens, e não as controlou, no caso por exemplo do assassinato de próprio Amílcar, já no MPLA e as FAPLA de que Amílcar foi co-fundador, as facções como Chipenda, Nito Alves…foram controladas e dominadas e parece que hoje já não existem.

Foi ainda em vida de Agostinho Neto que essas facções foram dominadas. Será que Amílcar Cabral não teve os devidos cuidados com o PAIGC e as FARC, ao contrário dos cuidados que Agostinho Neto teve com o MPLA e as FAPLA?

Claro que entre nós,  tugas, estas coisas que aqui trago, pouco nos dizem respeito, mas só as trago aqui, porque para mim, muitos dos dirigentes dos MPLA e do PAIGC, foram na maioria tão portugueses como nós, tugas, , alguns até a recruta fizeram comigo ou são do meu ano, no meu ou  noutros quartéis, e para mim estavam certos nas suas ideias, mas  no momento errado e com processos  errados, suicidas e criminosos.

Com resultados maus para todos os lados, até para eles próprios.

Claro que isto faz parte da " minha guerra", não quer dizer que não haja a guerra de jornalistas, mirones,  ideólogos e até de africanos que são os que menos testemunham.                                                                                                                                                 

Cumprimentos

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Guiné 63/74 - P3284: PAIGC - Instrução, táctica e logística (17): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: A formação do soldado das FARP (A. Marques Lopes)

Guiné > PAIGC > s/d > Retrato de Amílcar Cabral, acompanhado por Constantino Teixeira. Fotografia de Bruna Polimeni.[05361.000.009] · Documentos Amílcar Cabral (19/23).

Recorde-se que a fotojornalista italiana Bruna Polimeni é a autora de algumas das fotos mais famosas de Amílcar Cabral, do PAIGC e da luta de libertação da Guiné-Bissau e de Cabo Verde. Recebeu em 2006 o Prémio Amílcar Cabral.

Guiné > PAIGC > Amílcar Cabral e outros companheiros, a bordo de uma canoa, a caminho do I Congresso do PAIGC, Cassacá, 1964. Fotografia de Luís Cabral.[05359.000.020] · Documentos Amílcar Cabral (12/23) . Amílcar Cabral foi o grande ideólogo do PAIGC e, infelizmente, não teve substituto ao seu nível intelectual.


Fotos: © Fundação Mário Soares (2008) / Guiledje · Simpósio Internacional · Bissau, Guiné-Bissau · 1 a 7 de Março de 2008. (Com a devida vénia...)

Continuação da publicação do Supintrep, nº 32, de Junho de 1971, documento classificado na época como reservado, de que nos foi enviada uma cópia, através de mais de um dúzia de mails, entre Setembro e Outubro de 2007, pelo nosso amigo e camarada A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma.

Marques Lopes foi Alf Mil na CART 1690 (
Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969.

Em Barro, na região do Cacheu, junto à fronteira com o Senegal, o A. Marques LOpes comandou um Grupo de Combate da CCAÇ 3, constituído essencialmente por balantas. Eram os famosos Jagudis (vd. foto à esquerda; o nosso camarada é o terceiro de pé, na segunda fila, a contar da esquerda).

Foto: ©
A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.

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PAIGC: Instrução, táctica e logística (17) > PROGRAMA PARA A PREPARAÇÃO DO SOLDADO DAS FARP

(Reprodução de documento, interno, do PAIGC)

POLÍTICA

I PARTE – 8 horas



1.º) – Noções breves de Geografia, História e Economia da Guiné e Cabo Verde. O PAIGC e a história da luta.

- A exploração do nosso Povo pelos colonialistas portugueses. A opressão. Como se fazem a exploração e a opressão. A exploração e a opressão do nosso Povo não são do interesse do povo português. Distinção entre o povo português e colonialismo português. [negrito e itálico meus - A. Marques Lopes]

2.º) – A condenação do colonialismo e dos crimes dos colonialistas portugueses por todos os povos do mundo. O direito do nosso Povo à Liberdade e ao Progresso. O que é o Progresso.

3.º) – Necessidade de luta para a libertação das nossas terras, condição da construção do Progresso. Lugar dos jovens nessa luta.

4.º) – A unidade do Povo como condição da conquista da Independência, da defesa da Independência conquistada e da construção do Progresso. A importância da Defesa da Unidade do Povo. Condenação do racismo e do tribalismo. Unidade do Povo na Guiné, unidade do Povo em Cabo Verde e unidade do Povo da Guiné e de Cabo Verde.

5.º) – Necessidade da preparação do Povo para a luta. Necessidade da mobilização. Necessidade de organização e de direcção.

6.º) – O PAIGC, partido do Povo da Guiné e de Cabo Verde. História breve do Partido e da luta. No Partido estão os melhores filhos do nosso Povo. Porque é que o Partido é a ESPERANÇA do Povo. O dever de defender o Partido. Os inimigos do Partido são inimigos do Povo. O dever de respeitar o Hino, a Bandeira, o Emblema e os dirigentes do Partido.

7.º) – Hoje, o nosso Partido tem milhares de membros. O amor do Povo ao Partido é a sua força principal. O Partido é o representante legítimo do nosso Povo. A direcção do Partido é a direcção legítima do nosso Povo.

8.º) – A direcção do Partido. O Comité Central. Quem escolhe o Comité Central. O Congresso como reunião dos representantes legítimos do Povo. Os membros do Comité Central como os filhos mais dedicados do Povo. Quem é o Presidente do Comité Central do Partido. Quem é o Secretário Geral do Partido.

9.º) – Qual deve ser o comportamento do militante para com os seus camaradas. O que são a crítica e a autocrítica. Distinção entre a crítica positiva e a crítica negativa. Distinção entre a competição fraternal e a concorrência.

10.º) – O que é um responsável do Partido. Qualidades que se exigem a um responsável.

II PARTE – 10 horas

11.º) – PROGRAMA DO PARTIDO

a) A felicidade do Povo como objectivo do Partido. A liberdade como condição da felicidade do Povo. A INDEPENDÊNCIA.

b) A necessidade de defender permanentemente a independência depois de conquistada. A proibição das bases militares.

c) Necessidade de impedir que o poder seja tomado por indivíduos que vão exercê-lo no seu interesse, explorando o Povo. Inimigos internos. A Justiça e Progresso para todos.
(...)

f) Respeito do direito à vida, à integridade física e à liberdade dos povos (Direitos do Homem). Liberdade de domicílio, de religião e de trabalho. Necessidade da liberdade no casamento.

g) Como devem ser respeitados os estrangeiros que respeitam o Povo e as Leis.

h) A instrução do Povo como condição do Progresso. A necessidade da alfabetização das massas. A necessidade da escolarização e todas as crianças em idade escolar. A necessidade da formação de quadros. Ensino primário obrigatório e gratuito. Necessidade de criação de escolas primárias, escolas técnicas, liceus e universidades. Necessidade do desenvolvimento da educação física e dos desportos. O que o Partido já está a fazer no domínio do ensino: alfabetização, criação de escolas e bolsas de estudo para futuros quadros.

i) Necessidade de todo o povo trabalhar com entusiasmo para a construção do Progresso das nossas terras. Condenação dos vadios. Os parasitas são inimigos do Progresso e do Povo. O respeito que merece o homem trabalhador. O amor ao trabalho. Heróis do trabalho.

j) Necessidade de destruir todos os vestígios da exploração colonialista e imperialista, para que o fruto do trabalho do Povo seja para o Povo. Ideia da independência económica e do neocolonialismo.

l) Bens que devem ser propriedade do Estado e porquê. As vantagens da cooperação e a propriedade cooperativa. Necessidade de acabar com a propriedade privada que não sirva o interesse do desenvolvimento económico das nossas terras. A propriedade pessoal.

m) Necessidade do desenvolvimento da agricultura. A modernização da agricultura. Os inconvenientes da monocultura da mancarra na Guiné e da monocultura do milho em Cabo Verde. A necessidade da reforma agrária em Cabo Verde.

n) Necessidade do desenvolvimento da indústria e do artesanato.

o) O que o Partido tem feito no domínio da produção agrícola e do comércio.

p) Organização da assistência social para os que involuntariamente precisarem de ajuda, em caso de desemprego, invalidez ou doença.

q) Necessidade de uma defesa nacional eficaz. Organização da Defesa Nacional a partir das Forças Armadas combatentes da luta de libertação nacional. Necessidade de apoiar a Defesa Nacional do Povo. Necessidade de disciplina das Forças Armadas. A fidelidade e a submissão das Forças Armadas à direcção política.

r) Unidade Africana. Razões. Condições.

s) Necessidade de colaboração fraternal com os outros povos. Explicação dos princípios em que deve basear-se essa colaboração: respeito da soberania nacional, respeito da integridade territorial, não agressão, não intervenção nos assuntos internos, igualdade e reciprocidade de vantagens, coexistência pacífica.

III PARTE – O NOSSO PARTIDO E A NOSSA LUTA NO MUNDO – 2 horas

14.º) – O nosso Partido no mundo. Os povos e governos que ajudam a nossa luta. A ajuda de África. Os países vizinhos. Os países socialistas ajudam os que lutam pela libertação nacional. A ajuda dos países socialistas ao nosso Partido. Organizações anticolonialistas do mundo. Sua existência e países que ajudam os colonialistas portugueses.

13.º) – Os governos aliados de Portugal. Portugal não pode fazer a guerra sem a sua ajuda. A OTAN [ou NATO].


IV PARTE – O JURAMENTO DO COMBATENTE. EXPLICAÇÃO

Explicação do juramento do combatente das FARP.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. últimop poste desta série > 1 de Outubro de 2008 > Guiné 63/74 - P3258: PAIGC: Instrução, táctica e logística (16): Supintrep, nº 32, Junho de 1971: Itinerários de abastecimento (A. Marques Lopes)

domingo, 15 de junho de 2008

Guiné 63/74 - P2948: Simpósio Internacional de Guileje: Comunicação de Manuel dos Santos, 'Manecas', um dos últimos históricos do PAIGC


Vídeo (4' 18''): © Luís Graça (2008). Direitos reservados. Vídeo alojados em: You Tube >Nhabijoes

Guiné-Bissau > Bissau > Hotel Palace > Simpósio Internacional de Guileje (1 a 7 de Março de 2008) > Painel 1 > Guiledje e a Guerra Colonial/Guerra de Libertação > Dia 4 de Março > Moderador: João José Monteiro (Universidade Colinas de Boé) > Excerto da comunicação de Manuel Santos (guineense, ex-comandante militar do PAIGC) (*): "Amílcar Cabral e a componente militar do PAIGC: achegas para a compreensão dos meandros estratégicos e tácticos da guerra de libertação nacional".

Sinopse: Neste microfilme, Manuel dos Santos começa por referir a difíceis condições em que arrancou a luta pela independência, liderada por Amílcar Cabral e o PAIGC: um país de 600 mil habitantes, com um território plano, sem montanhas, recortadado por inúmeros cursos de água, sem vias de comunicação terrestre, com uma multiplicidade de etnias, com uma população 99% analfabeta, sem consciência nacionalista, não permitia predizer o sucesso que a luta de guerrilha rapidamente alcançou a partir de 1963... Mais, diz taxativamente que "nenhuma guerra revolucionária foi iniciada em condições tão difíceis"...

Evoca a seguir o início da preparação da luta, com a instalação em Conacri do secretariado do PAIGC, em 1960, e o envio para a China, para formação política e militar, de uma primeira leva de jovens quadros dirigentes (entre eles, o 'Nino' Vieira). A luta armada começa no início de 1963, conduzind0 rapidamente à libertação de 15% do território (segundo a própria imprensa portuguesa, de 1964 - creio que o autor cita o jornal República, que não era propriamente um orgão de comunicaçãop social afecto ao regime de Salazar, pelo contrário estava ligado a alguns fracções da oposição).

Depois da mobilização dos indispensáveis recursos humanos, técnicos e fianceiros (o dinheiro, as armas e as munições vieram de fora; os homens foram recrutados, em condições difíceis, no interior...), o PAIGC é confrontado com os primeiros sucessos no campo militar, no sul e a na zona leste, ultrapassando as expectativas e as próprias estruturas organizativas do PAIGC, cujos dirigentes se viram desautorizados, nalguns casos e em certas zopnas, por pequenos senhores da guerra, transformados em déspotas, actuando por sua conta e risco, e que foram autores de abusos e até de "crimes abomináveis" contra a população sob o seu controlo...

O PAIGC vê-se assim obrigado a organizar o seu primeiro Congresso, em Fevereiro de 1964, em Cassacá, no sul, na região de Tombali. É aqui se definem as estruturas político-militares e a administração civil, subordinando-se os militares aos políticos. É também nesta altura que se criam as FARP (Forças Armadas Revolucionárias do Povo). Os abusos e crimes são severamente julgados e punidos. Manuel dos Santos não o diz, mas terá havido julgamentos revolucionários e fuzilamentos em Cassacá...

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Nota de L.G.:

(*) Nota biográfica: Manuel dos Santos (Manecas), nasceu em 1942 em Cabo Verde. Recebeu formação militar em Cuba e na URSS. Foi o primeiro a aprender a manobrar os poderosos mísseis Strella, a arma que tantos problemas trouxe às NT. Um dos primeiros disparos ocorreu em 25 de Março de 1973 e resultou no abate do Fiat G91. A partir dessa data, a guerra nunca mais foi a mesma. A aviação deixou de bombardear a guerrilha com tanta regularidade e as evacuações passaram a ser mais difíceis. Depois da Independência foi ministro da Informação, dos Transportes e do Equipamento Social.

Fonte: Guiné, Ir e voltar - Tantas vidas, blogue de Virgínio Briote > 03/02/08 > PAIGC: Alguns dos protagonistas conhecidos > Manuel dos Santos

Vd. também poste de 14 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2939: No 25 de Abril eu estava em... (1): Guidage (João Dias da Silva, CCAÇ 4150, 1973/74)

(...) "1 de Julho de 1974 – Encontro na zona da bolanha de Nenecó (junto da fronteira com o Senegal, a norte de Bigene) entre PAIGC e COP3.
"EM 011000JUL74, CMDT CE 199/E/70 QUECUTA MANÉ E SEUS COMISSÁRIOS POLÍTICOS DUKE DJASSY E MANUEL DOS SANTOS (MANECAS) ACOMPANHADOS DE ELEMENTOS ARMADOS DO PAIGC ENCONTRARAM-SE COM O CMDT, OFICIAIS E SARGENTOS DO COP3, NA REG. DA BOLANHA DE NENECÓ, ONDE FORAM DEFINIDOS NOS SEGUINTES TERMOS A SUA LINHA DE CONDUTA": (...)

terça-feira, 22 de abril de 2008

Guiné 63/74 - P2787: Ninguém Fica para Trás: Grande Reportagem SIC/Visão (5): Guidaje cercada por mil homens do PAIGC ? (A. Marques Lopes)

Guiné > PAIGC> 1971 > Na organização militar, a Frente (correspondente à organização civil Inter-Região) estava dividida em Regiões, por sua vez divididas em Sectores; cada um destes escalões era dotado de um comando militar próprio com forças próprias.

No caso da Frente São Domingos / Sambuiá, onde actuava o 3º Corpo do Exército, havia duas Regiões: o sector de São Domingos actuava contra as nossas forças em São Domingos, Susana e Ingoré; e o sector de Sambuiá encarregava-se de Barro, Bigene, Guidaje, Farim...

Imagem ©
A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados



1. Esclarecimento do nosso assessor militar para as questões de instrução, táctica e logística do PAIGC, o coronel DFA reformado, A. Marques Lopes, tertuliano de gema e da primeira geração:

Não me admiro que estivessem 1.000 homens na altura do cerco de Guidage (1). O 3.º Corpo do Exército foi um dos grupos. Mas havia mais na zona. O Supintrep 31, de 13 de Fevereiro de 1971, dá nota de um deles, o da Frente S. Domingos/Sambuiá (vd. imagens acima e a seguir).

Guiné > PAIGC > 1971 > O PAIGC tinha o território dividido nas seguintes frentes: Frente São Domingos / Sambuiá; Frente Bafatá-Gabu (Norte); Frente Canchungo-Biambe; Frente Morés-Nhacra; Frente Quínara; Frente Xitole-Bafatá; Frente Bafatá-Gabu (Sul); Frente Catió; Frente BUba-Quitafine... Neste mapa também se indicam as principais regiões... Fonte: Supintrep, nº 31, 13 de Fevereiro de 1971.

Imagem: ©
A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados

Na avaliação do potencial humano das FARP [- Forças Armadas Revolucionárias do Povo], o Supintrep 31 parte da seguinte base numérica:

BIGRUPO - 44
BIGRUPO REFORÇADO - 70
GRUPO DE ARTILHARIA - 50
GRUPO DE MORTEIROS 82 - 23
GRUPO DE CANHÕES S/R - 23
GRUPO DE FOGUETÕES 122 - 16
PELOTÃO DE ANTI-AÉREAS - 16
GRUPO DE MORTEIROS 120 - 40
GRUPO DE COMANDOS - 50
GRUPO ESP. DE BAZOOKAS - 20

Na organização militar, a FRENTE (correspondente à organização civil INTER-REGIÃO) é dividida em REGIÕES, por sua vez divididas em SECTORES; cada um destes escalões é dotado de um comando militar próprio com forças próprias.

É, pois, natural que se tivessem juntado alguns Sectores da Frente S. Domingos / Sambuiá e da Frente Bafatá/ Gabu(Norte) e mais os das bases de apoio no Senegal. O total daquela base de cálculo soma 352. Tirando o pelotão de anti-aéreas (levaram os Strella...) dá 336.

Devem ter ido a Guidage vários bigrupos e vários grupos de morteiros 82, de canhões sem-recuo, de foguetões, de morteiros 120... Penso eu de que.

A. Marques Lopes

2. Extractos do artigo do João Afonso, ex-Fur Mil, do 3.º Grupo de Combate da CCAV 3420 (1971/73), que foi comandado pelo Cap Salgueiro Maia:

(...) "Em Maio de 1973, Guidage e Guilege constituíram a prova mais dura a que as Forças Armadas Portuguesas foram sujeitas nos três Teatros de Operações (Angola, Moçambique e Guiné). Para aliviar a pressão sobre Guidage, preparou-se um ataque à base inimiga de Kumbamory, situada a 4/6 km da linha de fronteira do Senegal, tendo em vista desarticular o IN e, se possível, destruir a Base, provocando o maior numero possível de baixas.

"No início de Maio de 1973 a Guarnição de Guidage era constituída pela CCAÇ 19 e pelo Pelotão de Artilharia 24, equipado com Obuses 10,5 e estava sob o Comando do COP3 com sede em Bigene. Do lado Português, Guidage em termos de efectivos teria cerca de 200 homens, na maioria recrutados na Província que, com os seus familiares, viviam numa pequena aldeia junto ao Quartel.

"Do lado PAIGC estimava-se que o número de elementos se situava entre os 650 e os 700 homens, comandados por Francisco Mendes (Chico Te) e pelo Comissário Político Manuel Santos [, Manecas, de nome de guerra].

"As Forças do PAIGC tinham uma das suas bases em Kumbamory podendo fazer reabastecimentos por viatura a partir de Zinguichor, Yeran ou Kolda, permitindo assim manter o cerco a Guidage por largo período de tempo. O PAIGC mantinha na Zona as seguintes forças:

- Corpo de Exército com 4 Bigrupos de Infantaria e uma Bateria também de infantaria;
- Corpo de Exército com 5 Bigrupos de Infantaria e um grupo de Foguetes com 4 rampas de lançamento;
- 3 Bigrupos de Infantaria, um grupo de Reconhecimento e uma bateria de Artilharia deslocada da Zona Leste;
- Um Pelotão de Morteiros 120 mm;
- Um Grupo Especial de Sapadores.

"O isolamento de Guidage iniciou-se com o abate de um avião T6, duas DO-27 e um Fiat G91 e o cerco terrestre acentuou-se em 8 de Maio quando uma coluna que partiu de Farim, escoltada por forças do Batalhão de Caçadores 4512, accionou uma mina e foi emboscada sofrendo 12 feridos" (...) (2).
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Notas dos editores:

(1) Vds. poste de 22 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2785: Ninguém Fica Para Trás: Grande Reportagem SIC/VIsão (3): Sabemos ao menos quem foram e onde estão ? (Luís Graça)

(2) 3 de Fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - CDXCVI: Salgueiro Maia e os seus bravos da CCAV 3420 (Guidage, Maio/Junho de 1973) (José Afonso)