Foto 5 - Citação: (1963-1973), "Comandante Pedro Pires com dois combatentes do PAIGC", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43495, com a devida vénia. 
 Foto 6 - Citação: (1963-1973), "Guerrilheiros do PAIGC atravessando um rio", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43140, com a devida vénia. 
  
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior; vive em, Almada, está atualmente nos Emiratos Árabes Unidos; tem cerca de 260 registos no nosso blogue.
MEMÓRIAS CRUZADAS 
NAS 'MATAS' DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS EM 1963 
- NUANCES DA MISSÃO DE LOURENÇO GOMES EM OUT'63 -
II (e última) PARTE
Mapa da região do  Óio-Morés (satélite) com infografia da queda do «T-6 matrícula FAP 1694»,  pilotado pelo Cap  Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente, ocorrida em 14 de Outubro de  1963, 2.ª feira.
►  Continuação do P21151 (08.07.20)
No primeiro fragmento deste trabalho – P21151 (*) – procedemos à análise dos  temas inseridos no relatório elaborado pelo dirigente do PAIGC do Bureau de  Dakar, Lourenço Gomes (1922-1999?), natural do Canchungo (Teixeira Pinto), referente  à sua "missão" de contacto com três das bases da região do Óio-Morés  (território da Zona Norte): Morés (base Central), Fajonquito e Maqué, realizada  entre 08 e 18 de Outubro de 1963. 
Com recurso a outras fontes de informação primária, relacionadas com os  mesmos factos, foi possível identificar alguns conflitos factuais entre as  «Memórias Cruzadas», nomeadamente o episódio do acidente (queda) do «T-6 FAP  1697», pilotado pelo Cap Pilav João Cardoso de Carvalho Rebelo Valente,  ocorrida em 14Out1963, naquela região, e que serviu de pretexto para a escolha  do subtítulo.
Agora, nesta segunda (e última) parte, com recurso à mesma metodologia,  utilizamos um outro relatório, que estava apenso ao primeiro do Lourenço Gomes,  elaborado por Pedro [Verona Rodrigues] Pires (1934-), natural de São Filipe,  Ilha do Fogo, Cabo Verde, a partir das informações transmitidas pelo guia -  "estafeta" Biagué Sagne, após a sua chegada a Dakar, depois de ter conduzido dois  desertores da marinha portuguesa até Ziguinchor.
Para além de ser considerado como elemento de confiança dos dirigentes  da estrutura de Dakar, Biagué Sagne ("estafeta de eleição") era quase sempre o escolhido  para as "missões" de ligação entre os dois lados da fronteira Norte  (Senegal/Guiné-Bissau), conforme consta na literatura. 
Conhecedor exímio da  geografia do território e simultaneamente dos itinerários de risco controlado,  face ao contexto das movimentações militares, Biagué era elogiado por ser um  caminhante muito resistente, a fazer lembrar, na época, a "Locomotiva de  Praga", apelido atribuído ao checo Emil Zátopek (1922-2000), o único atleta a  vencer os 5.000 metros, 10.000 metros e maratona numa mesma Olimpíada (J.O. de  1952, em Helsínquia, na Finlândia), e que em 2012, durante as celebrações do  centenário da «IAAF» (International Association of Athletics Federations  – Associação Internacional de Federações de Atletismo), realizadas na  sua sede em Monte Carlo, no Principado do Mónaco, foi imortalizado no "Salão da  Fama do Atletismo".
2.2  - RELATÓRIO (elaborado por Pedro Pires)
► Segundo informações colhidas a partir das  declarações do Biagué.
Dakar, 21 de Outubro de 1963 (data em que assinou o  documento dactilografado)
◙ Bombardeamento do dia 14Out63 (2.ª feira) = 
 Houve 8 feridos entre os quais uma rapariga que ficou com uma perna fracturada.  O Tiago [Aleluia] Lopes feriu-se na cabeça, mas está completamente  restabelecido. O bombardeamento foi muito próximo da base [Central] do Osvaldo  Vieira. Foi perto da tabanca de Morés.
# «MC» ▼ 
Os oito feridos referidos acima, cujos nomes não foram identificados  neste relatório do Pedro Pires, seriam divulgados, quatro meses mais parte, por  Bebiano Cabral d'Almada, no âmbito da sua (nova) visita às bases do Óio –  P21095 (P-I) – a saber:    
Citação:  (1964), "Relatório do Bureau de Dakar sobre  a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné", Fundação  Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41387,  com a devida vénia. 
Por outro lado, e como contraditório à obra de Norberto  Tavares Carvalho – "De campo em campo:  dos estádios de futebol à luta de libertação nacional dos povos da Guiné e de  Cabo Verde"; conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto,  2011, recupero a opinião transmitida pelo Luís Graça, a propósito de duas notas  incluídas no P17123, «(D)o outro lado do combate: Vida e morte de Simão Mendes,  vítima de bombardeamento, pela FAP, da base central do Morés, em 20 de  fevereiro de 1966 (Jorge Araújo)».
▬ Dizia, então, o camarada  Luís Graça:  
(…) "O Bobo Keita não é bom de datas. Antecipou, ao que  parece, a morte do Simão Mendes em 1 ano e três meses…".
De facto, podemos hoje concluir que algumas das datas e  contextos relatados pelo Cmdt Bobo Keita (1939-2009), "nas suas conversas  publicadas em livro" [capa ao lado], estavam desfasadas da realidade, o que se  compreende, face aos muitos "sustos" que, certamente, apanhou durante os anos  em que foi guerrilheiro. 
Exemplos retirados da op. cit. p. 244:
► "(vi) Morreu [Simão Mendes], mais tarde, no intenso  bombardeamento da base de Morés ocorrido no dia 14 de Novembro de 1964". Seria  que estava-se a referir ao bombardeamento de 14 de Outubro de 1963, aquele que  acima é citado, onde aconteceram 8 ou 13 mortes… (mas não a de Simão Mendes)?
► "(vii) Nesse bombardeamento, "os camaradas Juvêncio Gomes e  Tiago Aleluia Lopes foram atingidos por estilhaços", na cabeça (o Tiago Lopes),  nas mãos e parte do rosto (o Juvêncio Gomes). Mais uma vez se infere que a data  aludida por Bobo Keita não confere, mas sim a de 14 de Outubro de 1963, onde o  Tiago Lopes e o Juvêncio Gomes foram, de facto, feridos, o primeiro recuperou  na base, do ferimento na cabeça, e o segundo foi evacuado para o Hospital de  Ziguinchor, por ter sido atingido com "estilhaços na cara e no pescoço, e com  fractura do braço esquerdo e ferimentos no pé", conforme consta na descrição  supra. 
◙ Barco = 
[Durante a evacuação dos oito  feridos], os portugueses surpreenderam os camaradas quando atravessavam o rio  [Cacheu] numa cambança, cambança por onde passaram com o Rendeiro e o Timóteo  [em 18 de Setembro de 1963], e apreenderam o barco que viera de Conacri há  pouco tempo. 
Os soldados fizeram fogo sobre os nossos e tiveram que abandonar o  barco. Não houve feridos.
◙ Base = 
O Osvaldo Vieira vai mudar de base.
◙ Soldados portugueses = 
Estão detidos em Ziguinchor.  Foram conduzidos por um guia [Biagué Sagne] que foi encarregado desse serviço  pelo Zain Lopes [Rafael Barbosa]. Precisamos de ver esse problema dos  refugiados no Senegal mais profundamente. Espero as vossas instruções nesse  sentido. Não podemos ter confiança absoluta em ninguém e julgo que é necessário  separar o Lar [Ziguinchor] do Bureau [Dakar].
◙ Julião [Lopes] = 
Este camarada continua em  Ziguinchor [ferido por um dos seus três camaradas por ele assassinados em  Encheia] porque não está completamente restabelecido. O Paulo Santi [que havia  sido ferido, também, pelo Julião Lopes, no mesmo episódio de Encheia] já  entrou.
◙ Chico Té [Francisco Mendes] e o Constantino Teixeira  = 
Devem vir a Dakar para seguirem para Conacri [a fim de reunirem com  Amílcar Cabral].
# «MC» ▼ 
A reunião teve lugar a 27 de Outubro de 1963, domingo,  encontro que contou apenas com a presença do Secretário-Geral e de Chico Té  [Francisco Mendes], na qualidade de responsável político. 
Durante a sessão de  trabalho foi apresentado e analisado o novo "plano de acção militar" para as  zonas da Região do Óio (Central) e Gabú (Interior Norte). As "missões" a levar  à prática incluíam: 
● (i) – meios de  reconhecimento; 
● (ii) – criação da base em  Geba; 
● (iii) – controlo da ligação  fluvial e terreste; 
● (iv) – receber mais gente  do Yaya [Koté]; 
● (v) – intensificar as  acções de sabotagem; 
● (vi) – liquidação dos  Régulos (?).
Para a supervisão deste  "plano de acção militar", foram indigitados trinta responsáveis (Comndantes),  distribuídos pelas diferentes bases existentes nessas zonas.
De seguida apresentam-se os  pontos mais relevantes dessa reunião, indicados acima.
◙ Oportunistas = 
Teriam estado na Gâmbia onde  teriam encontrado o Cônsul e mesmo teriam ido a Bissau os oportunistas da  clique do Benjamim Bull. Devem ter feito parte desse grupo: Bull, Domingos  Araújo e Madjo. 
Teriam mesmo falado com o Rafael Barbosa, em Bissau, segundo as  informações de Quebá Mané. "Foram ver o Governador e este pediu-lhes para  contactarem o Rafael…". O Domingos Araújo esteve ausente cerca de 23 dias.  Teria ido a Bissau via Gâmbia.
◙ Carta = 
Os camaradas interceptaram uma  carta do Cônsul que era dirigida a Domingos Araújo e uma outra a Ernestina para  o Cônsul. As cartas estão com o Lourenço Gomes.
◙ Malas de Correio = 
Os camaradas  interceptaram uma camioneta do Lulula e apoderaram-se da mala do correio.
◙ Timóteo e Rendeiro = 
O Rodrigo Rendeiro  seguiu para Bissau. O Timóteo Pinto continua em Dakar, pelo menos, estava cá há  cinco dias. Estou a ver se consigo descobrir o paradeiro dele. O Osvaldo Vieira  e os camaradas do interior já estão informados da fuga deles. 
# «MC» ▼ 
Sobre as "Histórias do Rodrigo Rendeiro e Timóteo  Pinto" sugere-se a consulta das narrativas a seguir mencionadas:
▬ P17920: "A odisseia do  português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de 3 a 26 de  Setembro de 1963, de Porto Gole, … até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar)".  
▬ P17926: "Continuação da odisseia  do Rodrigo Rendeiro que acabou por regressar a Bissau, com um salvo-conduto do  consulado da Suíça em Dacar, que o levou até à Gâmbia…". 
▬ P17929: "O Rodrigo Rendeiro,  depois de regressar a Bissau, terá fornecido preciosas informações à FAP,  permitindo a localização (e bombardeamento) das bases do PAIGC em Morés e Dando…".
◙ Oportunistas = 
Teriam estado na Gâmbia há  uns quinze dias [início de Outubro'63], coincidindo com a partida dos dois  traidores [Timóteo e Rendeiro].
◙ Lourenço Gomes = 
Ele foi detido antes de  ontem juntamente com os soldados portugueses [Manuel José Fernandes Vaz e  Fernando Fortes]. Haverá relação entre os panfletos tendenciosos e a atitude do  Governo de Casamansa? Penso que não. Esses panfletos não terão, pelo menos, um  estímulo do Governo do Senegal? Qual a atitude do Partido perante o "tracked" [vigia/controlo  de movimentos] que se refere a Cacine e Casamansa?
◙ Polícia = 
Estive hoje por duas vezes na  "Sûreté" [Segurança), mas o Director e seu Adjunto estavam ausentes.
◙ Medicamentos = 
Peço que levem em  consideração o pedido do Lourenço Gomes.
◙ Peças do motor Kelvin = 
É preciso que  mandem as peças avariadas para poder comprá-las.
Citação:  (1963), "Relatório sobre a visita de Lourenço  Gomes à região de Óio", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar  Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41412,  com a devida vénia. 
► Fontes consultadas:
Ø   CasaComum,  Fundação Mário Soares. Pasta: 07075.147.046. 
Título: Relatório sobre a visita  de Lourenço Gomes à região do Óio. 
Assunto: Relatório assinado por Lourenço  Gomes sobre a sua visita ao interior, região de Óio. Visita aos locais onde  foram abatidos os aviões portugueses; ataque à base de Ambrósio Djassi [Osvaldo  Vieira]. Necessidade de medicamentos no interior. Material de Guerra.Despesas.  Viatura para transporte dos feridos. Envio dos militares portuguesas, Fernandes  Vaz e Fernando Fortes, para a base de Abel Djassi. Em anexo documento assinado  por Pedro Pires, datado de 21 de Outubro de 1963, com as informações colhidas  das declarações de Biagué. 
Data: Quinta, 24 de Outubro de 1963. 
Observações:  Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964.
 Fundo: DAC –  Documentos Amílcar Cabral. 
Tipo Documental: Documentos.
Ø  Outras:  as referidas em cada caso.
Concluído.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.
Com  um forte abraço de amizade e votos de muita saúde.
Jorge  Araújo.
09JUL2020
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Nota do editor: