quinta-feira, 2 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21130: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - II (e última) Parte


Foto 4 – Cutia (Região do Óio) - "Ronco" da CART 564 [Out63-Out65]. (Foto do álbum do fur mil Leopoldo Correia, da CART 564), com a devida vénia. In: https://rumoafulacunda.wordpress.com/mansoa/cutia/


Foto 5 – Cutia (Região do Óio) - Estrada principal para Cutia. (Foto do álbum do fur mil Leopoldo Correia, da CART 564, 1963/65), com a devida vénia. In: https://rumoafulacunda.wordpress.com/mansoa/cutia/


Foto 6 – Mansoa (Região do Óio) - Dois elementos da CCAÇ 413 (1963/65), junto à placa toponímica que indicavam algumas das localidades mais próximas para Oeste (Nhacra, a 28 km e Bissau, a 49 km. Para Leste: Enxalé, a 50 km; Bambadinca, a 65 km e Bafatá, a 93 km. – Foto do livro «Nos celeiros da Guiné», de Albano Dias Costa e José Sá-Chaves, com a devida vénia – P3066.



O nosso coeditor Jorge Alves Araújo, ex-Fur Mil Op Esp/Ranger,
CART 3494 (Xime e Mansambo, 1972/1974), professor do ensino superior, indigitado régulo da Tabanca de Almada e da Tabanca dos Emiratos; tem 256 registos no nosso blogue.


MEMÓRIAS CRUZADAS
NAS 'MATAS' DA REGIÃO DO ÓIO-MORÉS EM 1963-1964
- O CASO DE ENCHEIA -

II (e última) PARTE


Mapa da região do Óio, com indicação de alguns dos locais de "memórias cruzadas".
Em todos eles, e em todas as gerações de combatentes, com início em 1963, ocorreram factos marcantes para o resto da vida… (de todas as vidas)… em que alguns não tiveram direito a "viagem" de regresso... Lamentavelmente!

► Continuação do P21095 (21.06.20) (*)

3.   - AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO DOS COMANDANTES DE BASES

Os objectivos da missão realizada por Bebiano Cabral d'Almada, dirigente do Bureau de Dakar, entre 12 de Janeiro e 05 de Fevereiro de 1964, incluía contactos com as estruturas partidárias organizadas em território da República do Senegal, na região de Casamansa, e um melhor conhecimento sobre o desenvolvimento da luta no interior da Guiné, através da visita a algumas das bases existentes na região do Óio-Morés.

No entanto, um outro propósito intrínseco aos objectivos supra, passava pela avaliação do desempenho versus comportamento dos diferentes comandantes das bases visitadas, que o relatório dá conta. A justificação para esse desiderato é explicada pelo autor do documento nos seguintes termos:

"Sem qualquer ideia de crítica ou espírito de maldade, mas na obrigação estrita do cumprimento do dever, cumpre-me deixar aqui escrito, certas informações sobre alguns responsáveis, colhidas nas bases visitadas." (Op. Cit., p. 16)

3.1         - INFORMAÇÕES SOBRE DIVERSOS CAMARADAS

● Camarada Mamadu Indjai – responsável da base de Fajonquito [Óio] e da recente base criada em Maqué [viria a morrer em 1973, na região do Boé, fuzilado pelos seus camaradas, por estar envolvido, em Conacri, na conspiração que levou ao assassinato de Amílcar Cabral (1924-1973)].

Não só na organização dos grupos de rapazes e raparigas existentes nas suas bases, como ainda pela muita coragem que tem sempre demonstrado em constantes combates travados contra os colonialistas portugueses, não parando além disso inactivo na sua base, sempre à procura de entrar em acção, quer em terra, como ainda procurando inutilizar as vedetas inimigas em fiscalização no rio, tendo ainda agora, permanecido durante cinco dias vigiando o rio Cacheu, perto de Iador, para ver se conseguia neutralizar a acção duma vedeta que ultimamente tem rondado aquelas paragens, não tendo infelizmente de satisfazer o seu desejo.

Camarada Leandro Vaz – responsável da base de Dando

Tem uma boa organização na sua base, mas isso não é suficiente, em virtude de não se deslocar da base para procurar entrar em acção contra o inimigo e nem sequer em serviço de rotina de ronda.

Camarada Augusto Pique

Encarregado duma base nova a poucos quilómetros de Dando, sob a responsabilidade do camarada Leandro Vaz, tem demonstrado sempre muita coragem e a melhor vontade no desempenho do seu cargo.

Camarada Paulo Santi I (1º)

Encarregado duma base recentemente formada, sob a responsabilidade do camarada Leandro Vaz e situada entre Mansoa e Dando, tem desempenhado as suas funções a contento do seu responsável.

Camarada Corca Só – responsável da base de Sansabato

Demonstrou a sua coragem no ataque no dia 01 do corrente mês (Fev'64), contra os colonialistas, forças terrestres e aéreas que tentaram atacar a sua base, tendo mesmo defendido corajosamente, somente com seis camaradas na ocasião na base, em virtude dos dois pelotões armados terem saído de ronda, tendo-se valentemente aguentado, dando assim tempo à chegada de reforços saídos da base Central. Merece as melhores referências [morreu em combate, na base Guerra Mendes (Óio-Morés), em 08Out72].

Camarada Inocêncio Kani – responsável da base de Mansodé [, futuro assassino de Amílcar Cabral, em Conacri, em 20 de Janeiro de 1973]

É um incansável e corajoso combatente, tendo ainda há dias, depois de bombardeada a central eléctrica de Farim, assaltado de surpresa uma povoação de fulas, ligados aos colonialistas e dali retirou mais de quarenta cabeças de gado bovino e milho, que servirá para a alimentação das bases.

Camaradas João da Silva e Quintino Robalo – encarregados da base Central, na ausência do camarada Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira)

Durante a minha estadia na base Central, nunca se deslocaram da base para qualquer acção ou simples serviço de ronda, a não ser o camarada Quintino Robalo, quando me acompanhou de visita às bases a cargo dos camaradas Inocêncio Kani e Corca Só.

Camarada Agostinho da Silva "Gazela" – responsável da base de Biambe

Não visitei esta base, não só pela longa distância, como me encontrei com o respectivo responsável na base Central, quando ali fora pedir reforço de material para enfrentar os constantes ataques aéreos e terrestres de tropas colonialistas portuguesas, vindas de Bula, Bissorã, Mansoa e Canchungo. 

Informou-me não ter raparigas na sua base mas que está em vias de as ter dentro em breve, e que a organização da massa se encontra normal. Desse camarada tive a informação que o camarada Marcelino da Mata, é muito cobarde, procurando fugir sempre a qualquer contacto com as tropas inimigas.

Camarada Caetano Semedo – responsável da base de Cubajal (Porto Gole)

Também não visitei esta base, pela sua longa distância, mas fui informado pelos camaradas Maximiano Gama e Irénio Lopes, que por lá passaram, que nessa base existem grande número de raparigas e rapazes bem organizados, apesar também de sofrer constantes ataques terrestres, aéreos e navais. Este camarada, por informações obtidas na base Central tem desempenhado corajosamente as funções do seu cargo, mostrando muito brio e competência.

Camarada Hilário Rodrigues "Lolo"

Segundo informações colhidas na base Central, tem-se desviado de constantes ataques, tanto assim que o camarada Ambrósio Djassi (Osvaldo Vieira) resolveu destacar-lhe em serviço de mobilização e propaganda, o que demonstra não ter o mesmo condições militares. 

Foi depois colocado, como Cmdt da "Zona 3" (Canquelifá - Buruntuma - Piche e Nova Lamego), onde o vamos encontrar em Abril de 1965. Passados cinco meses (Set'65), Amílcar Cabral toma a decisão de o transferir para a Frente Sul, como prisioneiro do Partido, ficando à guarda de "Nino" Vieira, com a seguinte justificação:



Citação: (1965), Sem título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_35336, com a devida vénia.

Camarada António Embaná

Encontra-se na base de Fajonquito a trabalhar com o camarada Mamadu Indjai, tendo este realçado as suas qualidades, dizendo ser o seu braço direito e que tem desempenhado as suas funções com competência e coragem, tendo no seu regresso, deixado o camarada António Embaná, incumbindo pelo camarada Mamadu Indjai, em Iador a escolher um local seguro, para uma nova base que pretendem criar, tendo nesse mesmo dia reunido o camarada Embaná, numerosas pessoas para explicar-lhes a necessidade da criação daquela base, em virtude da povoação estar agora livre do traidor Braima Cutô, que servindo de Pide, vinha extorquindo a população, e que foi pessoalmente preso por ele Embaná e executado na base Central por ordem do camarada Mamadu Djassi.

Camarada Julião Lopes
O parecer sobre o Cmdt Julião Lopes será analisado no contexto do ponto seguinte.

Foto 7 – Citação: (1963-1973), "Reunião de combatentes do PAIGC e população em Morés", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43456, com a devida vénia.

4.   - A SITUAÇÃO MILITAR EM ENCHEIA

4.1 - SUBSÍDIO HISTÓRICO DA COMPANHIA DE ARTILHARIA 564 =
NHACRA - QUINHAMEL - BINAR - TEIXEIRA PINTO - ENCHEIA - MANSOA E CUTIA (1963-1965)

4.1.1 - A MOBILIZAÇÃO PARA O CTIG
Mobilizada pelo Regimento de Artilharia Pesada 2 [RAP 2], de Vila Nova de Gaia, para servir na província ultramarina da Guiné, a Companhia de Artilharia 564 [CART 564] embarcou em Lisboa, no Cais da Rocha, em 08 de Outubro de 1963, 3.ª feira, sob o comando do Cap Mil Art Rodrigo Claro de Albuquerque Menezes de Vasconcelos, seguindo viagem a bordo do N/M «ANA MAFALDA», tendo chegado a Bissau em 14 do mesmo mês, 2.ª feira.

4.1.2 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL

Após a sua chegada ao CTIG, a CART 564 [14Out63-27Out65] rendeu a CART 240 [30Jul61-19Out63, do Cap Art Manuel Fernando Ribeiro da Silva], ficando colocada no sector de Bissau, com Grs Comb destacados em Nhacra e Quinhamel, ficando integrada no dispositivo e manobra do BCAÇ 600 [18Out63-20Ago65, do TCor Inf Manuel Maria Castel Branco Vieira], com vista a garantir a segurança das instalações e das populações da área. 

A partir de 24 de Dezembro de 1963, um Gr Comb foi destacado para Binar e seguidamente para Teixeira Pinto, a fim de reforçar a actividade do BCAÇ 507 [20Jul63-29Abr65, do TCor Inf Hélio Augusto Esteves Felgas], enquanto outro Gr Comb se instalou em Encheia, na zona de acção do BCAÇ 512 [22Jul63-12Ago65, do TCor Inf António Emílio Pereira de Figueiredo Cardoso], a fim de ocupar aquela povoação. 

Em 12Mai64, assumiu a responsabilidade do subsector de Nhacra, então criado, na zona de acção do BCAÇ 600, continuando, no entanto, a manter o pelotão destacado em Encheia até 01Jul64.

Nesta data, por rotação com a CCAÇ 413 [09Abr63-29Abr65, do Cap Inf Júlio Eugénio Augusto Viegas de Almeida Pires], assumiu a responsabilidade do subsector de Mansoa, ficando integrada no dispositivo do BCAÇ 512 e depois do BART 645 [10Mar64-09Fev66, do TCor Art António Braamcamp Sobral], sendo utilizada, cumulativamente, na função de força de intervenção do sector, de 12Set64 a Fev65, actuando nas regiões de Santambato, Cubonge e Mantefa, em 13Abr65, voltou a ter um Gr Comb em Encheia, tendo ainda mantido efectivos em Cutia, por períodos variáveis. 

Em 27Out65, foi substituída no subsector de Mansoa pela CART 644 [10Mar64-27Jan66, do Cap Art Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques (1.º), Cap Art Nuno José Varela Rubim (2.º) e Cap Art José Júlio Galamba de Castro (3.º), tendo seguido para Bissau, a fim de efectuar o embarque de regresso. p 440.

4.1.3 - SÍNTESE DA ACTIVIDADE OPERACIONAL EM ENCHEIA

A chegada de um Gr Comb da CART 564 a Encheia, verificada em 24 de Dezembro de 1963, 3.ª feira, é a resposta do comando militar do Sector C, da responsabilidade do BCAÇ 512 [22Jul63-12Ago65, do TCor Inf António Emílio Pereira de Figueiredo Cardoso], ao crescendo das hostilidades na região do Óio iniciadas no mês de Junho de 1963, a partir da base central do Morés, "santuário" dos guerrilheiros do PAIGC.

Em relação a Encheia, merecem destaque, como fonte de informação privilegiada, as referidas pelo Chefe Administrativo do Posto local, José Cerqueira Leiras, ex-militar da CCAÇ 153 (1961-1963), retiradas do seu livro «Memórias de um esquecido», edição de 2003, já referenciado na Parte I deste trabalho – P21095 –, onde o camarada Beja Santos faz a apreciação crítica da narrativa do autor, a quem agradecemos, e que aproveitamos para citar algumas ocorrências – P16503.

São exemplos: 

"Numa coluna para Bissau [provavelmente em Outubro'63], entre Encheia e Binar há uma emboscada, um camião civil carregado de arroz e mancarra saltou pelos ares com o rebentamento de uma mina".

 Passado algum tempo, regressa a Encheia, "e pela estrada de Bissorã, via Mansoa, depara-se um camião civil a arder. Dez quilómetros à frente, duas árvores atravessadas e mais adiante uma grande vala cortando por completo a estrada". (…) 

Este quadro adverso e de terror, onde diariamente assiste à fuga da população para o mato, leva José Leiras a deslocar-se a Bissorã para falar com o Administrador local e pedir reforços, mas tudo lhe é recusado. "No regresso, escapa por um triz a uma saraivada de balas".

A este conceito de "sorte", juntou-se um outro algum tempo depois, provavelmente em meados de Outubro de 1963, durante um ataque à povoação de Encheia.

O ataque teve como consequências a destruição, pelo fogo, de muitas moranças, o comércio saqueado, todo o gado roubado e pessoas levadas para o mato. O comerciante Francisco Beira Mar é assassinado. José Leiras consegue chegar ao Posto Administrativo e resiste ao fogo dos guerrilheiros, apesar de ferido, pois no jipe onde se fazia transportar foi atingido por várias balas numa perna. José Leiras arranja um voluntário para ir a Bissorã avisar a tropa. Esta levou cinco horas para fazer 24 kms, pois na estrada havia dezenas de árvores atravessadas para além das valas.

Ferido, José Leiras é levado para o hospital (?), nessa altura as cuidadoras são religiosas. São-lhe extraídas as balas e algum tempo depois vai de avioneta até Bissorã. Aí passará a noite de Natal de 1963, e no dia seguinte segue para Encheia, onde vai encontrar o Gr Comb da CART 564.

O responsável por este primeiro ataque a Encheia foi o Cmdt Julião Lopes, vindo da base Central do Morés. Quem o afirma é Bebiano Cabral d'Almada no seu relatório, no ponto reservado às informações sobre diversos camaradas (ponto 3.1 desta narrativa).

=> Diz o relatório (p. 18):

"Por informações colhidas na base Central sobre este camarada [Julião Lopes], soube que num ataque [realizado em Outubro de 1963] do grupo por ele dirigido, em Encheia, contra o Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras] e não contra a tropa colonial, que numa rajada da sua metralhadora matou três camaradas, a saber: Luís Mendes "Mambará", João Balimbote e Joãozinho Amona, ficando ele, Julião, ferido com uma bala de um dos camaradas daqueles que morreram, que o atingiu propositadamente com a intenção de o matar, procurando assim vingar-se por si e seus companheiros, tendo nesta altura também ficado ferido, e ainda pelo camarada Julião Lopes, o camarada Paulo Santi

Depois de arrebentada a porta da residência do Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras], para ser liquidado, o respectivo chefe, o camarada Julião Lopes, impediu os seus companheiros de o fazerem, alegando bastar já o mesmo ter uma perna quebrada [balas nas pernas].

O Cmdt deste ataque, Julião Lopes, foi depois transportado para o Hospital de Ziguinchor, a fim de ser intervencionado, onde se manteve até ao dia 09 de Janeiro de 1964, 5.ª feira, data em que deu início ao seu regresso à base Central do Morés.


4.2 - ANTECEDENTE DESTE ASSASSINATO COLECTIVO

Segundo os factos narrados no ponto anterior, procedemos ao seu aprofundamento realizando nova pesquisa onde encontrámos um registo datado de 25 de Setembro de 1962. Trata-se de uma carta escrita em Zinguinchor, em "linguagem codificada", dirigida a Amílcar Cabral, onde constam alguns nomes dos que foram assassinados pelo Cmdt Julião Lopes, em Encheia, e que seguidamente se transcreve o conteúdo e se reproduz o documento original.

=> Ziguinchor, 25 de Setembro de 1962 (3.ª feira).

Camarada Cabral,

Esta tem por fim pedir-lhe o envio urgente, caso seja possível, de 4 bonecas daquelas que trazem sapatos e roupa sobressalente pois que tenho que ir presentear pessoas da minha estima.

Seria conveniente enviar-me também o mapa e croquis do número 10 [Zona 10? - Bula a Teixeira Pinto] porque faz muita falta na conclusão do trabalho que tenho entre mãos.

Não se esqueça também de algumas caixas de supositórios para levar aos meus doentes bem como os respectivos suportes suplementares.

Cito-lhe o nome de alguns doentes: - Augusto da Costa, William Tubman, Luís Mendes e João.

O amigo Brauner [Braima Camará?] pediu-me um pé suplente para a boneca da sua filha porque só veio com um pé. É das bonecas maiores, conforme ficha de recebimento.

Receba cumprimentos do camarada sempre ao dispor,
Julião Lopes.

Citação: (1962), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_37368, com a devida vénia.
Concluído.
► Fontes consultadas:

Ø  CasaComum, Fundação Mário Soares. Pasta: 07071.123.011. Título: Relatório do Bureau de Dakar sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné. Assunto: Relatório enviado a Amílcar Cabral, Secretário-Geral do PAIGC, por Bebiano Cabral de Almada, Membro do Bureau de Dakar, sobre a viagem à região de Casamansa e às bases do Norte da Guiné Bissau. Data: Sábado, 15 de Fevereiro de 1964. Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios IV 1963-1965. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Documentos.

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 7.º Volume; Fichas das Unidades; Tomo II; Guiné; 1.ª edição, Lisboa (2002).

Ø  Estado-Maior do Exército; Comissão para o Estudo das Campanhas de África (1961-1974). Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África; 8.º Volume; Mortos em Campanha; Tomo II; Guiné; Livro 1; 1.ª edição, Lisboa (2001).

Ø  Outras: as referidas em cada caso.
Termino, agradecendo a atenção dispensada.

Com um forte abraço de amizade e votos de muita saúde… sem ajuntamentos.

Jorge Araújo.
21JUN2020
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 21 de junho de 2020 > Guiné 61/74 - P21095: Memórias cruzadas nas 'matas' da região do Oio-Morés em 1963/64 (Jorge Araújo) - Parte I

11 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Este Julião Lopes será o futuro comandante da Marinha de Guerra da Guiné-Bissau, depois da independência e até ao golpe de Estado de ‘Nino’Vieira, em 14 de novembro de 1980.

Era no final dos anos 50/princípios de 60, um craque da seleção nacional guineense... Passou à clandestinidade, fugiu para Conacri me finais de 1960, com outros futebolistas conhecidos, populares na época, como o Bobo Keita, o Lino Correia, o João de Deus...


29 DE OUTUBRO DE 2011
63/74 - P8961: Notas de leitura (296): De campo em campo: conversas com o comandante Bobo Keita, de Norberto Tavares de Carvalho (Parte IV): Os 'Portuguis Nara' de Boké e de Conacri (Luís Graça)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Vê se sabes mais sobre "artista da bola", o Julião Lopes... que chegou alto na hierarquia do PAIGC e do Estado da Guiné-Bissau... Penso que caiu em desgraça com o golpe de Estado do 'Nino', ainda não apurei ao certo. O Bobo Keita, esse, exilou-se em Cabo Verde.

No Arquivo Amílcar Cabral há uma carta do Braima Camará, assustado, a queixar-se, ao "senhor engenheiro", de prepotências do Julião (ameaças de fuzilamento, etc.) e a pedir a transferência da base do Morés...

A maior parte das referências ao Julião são de 1965, há uma de inícios de 1967... Depois ele ter ido para o "bem-bom" de Conacri...

http://casacomum.org/cc/visualizador?pasta=04611.060.077#!1

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Recorde-se que, na sequência do golpe de Estado de 'Nino' Vieira, em 14 de novembro de 1980, o repórter do semanário "Expresso", Augusto de Carvalho, foi um jornalistas dos que integrou a comitiva internacional a quem foram mostradas, "in loco", as valas comuns no Cumeré, Porto Gole e Mansabá, com os restos mortis dos cerca de 500 opositores do regime do PAIGC, a maior parte ex-militares guineenses que haviam integrado as fileiras do exército português, com destaque para os "comandos africanos".

O "Expresso" (*) fez uma descrição da viagem efectuada, assim publicou um entrevista com um dos homem que participara nos fuzilamentos e que serviu nessa ocasião de guia à comunidade internacional, o tenente Mário Costa Ribeiro.

Este tenente imputou responsabilidades directas nos massacres a alguns oficiais do
Estado-Maior das Forças Armadas Revolucionárias do Povo (FARP), entre os quais Bobo Keita, Lúcio Soares, André Gomes (, que viria a suicidar-se na prisão em finais de dezembro desse ano), Julião Lopes, Abdoulay Bari, Presidente do Supremo Tribunal.

Recorde-se que na sequência desse golpe de Estado, que constituiu a segunda morte de Amílcar Cabral, foram assassinados alguns dirigentes do Partido e do Estado da Guiné-Bissau, caso por exemplo de António Buscardini e Otto Schacht, os responsáveis da segurança de Estado.

(*) Expresso, n.º 422 – 29 de Novembro de 1980

Cherno Baldé disse...

Caros amigos,

Pelos depoimentos dos antigos combatentes da parte portuguesa, ficamos a saber que a vida militar nos teatros da guerra era muito difícil, devido a várias razões.

Todavia, o cenário de terror autêntico apresentado neste texto leva-me a pensar que no mato, a situação dos guerrilheiros e das populações que tiveram o azar de ficar dessa lado, ainda era bem pior.

O primeiro Presidente da Guiné-Bissau, no seu livro "Crónicas da luta de libertação", disse ou deixou de dizer uma coisa importante sobre uma visita que fez a zona Norte, onde era suposto ser ele o coordenador e chefe em representação do partido, dizendo que ainda não era altura de falar sobre tudo o que tinha acontecido durante a luta, em especial na zona Norte.

Não deixa de ser estranho, também, o facto de constatar que fazia-se intercâmbio ou pedidos especiais para se aprovisionar de raparigas (?). Acho que não será difícil adivinhar as reais intenções.

Sobre o Julião Lopes, contam-se histórias incríveis de sangue frio e criminalidades e, uma delas dizia que o homem tinha o hobbie de matar e, na altura a chefiar a marinha da guerra, antes do golpe de 1980, sempre que era acometido da ânsia de o fazer ia as prisões, abarrotadas de prisioneiros (ex-militares do exercito português?) e pedia emprestados alguns, os quais levava para sítios desconhecidos, pedia para abrirem uma vala e os matava a sangue frio. Verdade ou não, difícil de afirmar, mas a narrativa deste texto parece confirmar o facto.

Só o vi uma vez, estava ele a sair do quartel da marinha e os seus olhos pareciam injectados de sangue a contrastar com a pele escura do seu rosto.

Que Deus nos perdoe e nos livre da necessidade de fazer a guerra para nos libertarmos, porque as guerras engendram monstros e almas desgraçadas.Sabemos como começa, mas não sabemos como acaba.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

antonio graça de abreu disse...

Meu caro Cherno

Tens muita coragem ao escrever e descrever estas coisas!
Se é verdade que os colonialistas éramos nós, os portugueses, muitos dos homens do outro lado eram o que estes textos contam, um ror de criminosos primários, não quero adjectivar mais.

Abraço,

António Graça de Abreu

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Em todas as guerras, de um lado e do outro, há "Juliões Lopes"... No nosso caso, temos mais dificuldade em falar deles, ou partilhar, em público, entre pares, histórias que sabemos, ou que guardamos como "segredos que levamos para a cova"...

Não vale a pena dividir o mundo em bons e maus... A nós, aqui, compete-nos apenas contar histórias, e não nos arvoraemos em juízes (nem podemos desempenhar esse papel, deixemos isso para a História... que nos julgará a todos!).

Em todo o caso, e voltando ao ataque de Encheia, comamandado pelo Julião Lopes, em outubro de 1963, gostava que o Jorge Araújo pudessem acrescentar mais, se souber, sobre este "assassianto coletivo"... Um comandante liquida três dos seus homens, a sangue frio, e poupa um "tuga colonialista", ... Qual a motivação, que razões poderão estar por detrás de um ato deste, que não pode ser meramente "gratuito" e "arbitrário"... E o "inspetor" Bebiano Cabral d'Almada escreve isto no relatório que há de chegar ao cohecimento do Amílcar Cabral e não há mais averiguações nem consequências ? O Julião Lopes era um dos "intocáveis" ?

"Por informações colhidas na base Central sobre este camarada [Julião Lopes], soube que num ataque [realizado em Outubro de 1963] do grupo por ele dirigido, em Encheia, contra o Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras] e não contra a tropa colonial, que numa rajada da sua metralhadora matou três camaradas, a saber: Luís Mendes "Mambará", João Balimbote e Joãozinho Amona, ficando ele, Julião, ferido com uma bala de um dos camaradas daqueles que morreram, que o atingiu propositadamente com a intenção de o matar, procurando assim vingar-se por si e seus companheiros, tendo nesta altura também ficado ferido, e ainda pelo camarada Julião Lopes, o camarada Paulo Santi

"Depois de arrebentada a porta da residência do Chefe de Posto [José Cerqueira Leiras], para ser liquidado, o respectivo chefe, o camarada Julião Lopes, impediu os seus companheiros de o fazerem, alegando bastar já o mesmo ter uma perna quebrada [balas nas pernas]."

... Será que os tipos fuzilados eram "agentes infiltrados" ou "traidores", e que há muito estavam "debaixo de olho" do Julião e eram do conhecimento do "senhor engenheiro" ?...

A carta em linguagem codificada, de 25 de setembro de 1962, parece sugerir essa leitura:

(...) "Não se esqueça também de algumas caixas de supositórios para levar aos meus doentes bem como os respectivos suportes suplementares. Cito-lhe o nome de alguns doentes: - Augusto da Costa, William Tubman, Luís Mendes e João." (...)

Em nome da "justiça revolucionária" vale tudo... Sempre foi assim em todas as "revoluções", as nossas e as dos outros...

Cherno Baldé disse...

Caro Antonio G. Abreu,

Coragem temos todos nos que tentamos olhar para a janela da historia e descobrir que nem tudo era a preto e branco. A unica diferença é que alguns o fazem nos dois lados, procurando ser, nao tanto juizes, mas criticos nas diferentes actuaçoes dos dois lados da contenda, enquanto que ha outros que so querem atirar pedras para o outro lado, esquecendo-se que, de facto, a principal causa da Guerra foi a teimosia do regime apodrecido do estado novo de Salazar e Caetano, em nao querer acompanhar os ventos da historia e cumprir as varias resoluçoes das NU no sentido da descolonizaçao.

A hsitoria nao se escreve com "ses", mas acredito que se houvesse boa fé em negociar em tempo util, a Guerra nao seria a opçao preferida dos Guineenses e Caboverdeanos dos diferentes movimentos que surgiram nessa época.

Nesta semana que ora termina, o Rei da Belgica e Neto do rei Leopoldo II, pediu desculpas ao povo de Congo pela dor e sofrimentos infligidos durante a colonizaçao.

- Quanto tempo ainda podemos esperar o mesmo da parte do Governo e Estado Portugues ???


Com um abraço amigo,

Cherno Baldé

Valdemar Silva disse...

Assim não. Não vamos entrar na 'onda', aliás de fraca rebentação.
O que se passou já todos nós sabemos: a revolta dos povos coloniais pelo direito
à autodeterminação e independência e a guerra imposta para o evitar.
Tivemos a guerra de guerrilha na Guiné contra os guerrilheiros do PAIGC que eram tratados por 'turras'. Com o andamento dos anos de guerra, e a credibilidade internacional dos guerrilheiros do PAIGC, passaram a ser considerados o IN nos boletins oficiais como duma força militar se tratasse.
Repito, e não sabendo ao certo se se trata de um 'agora vou chatear', não vamos entrar na 'onda' à la mode, que com o esfregar de mãos dos habituais utilizadores de fliques-flaques oportunistas quase pretendem a bacoquice 'já e em força para a Guiné'.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Também já aqui declarei que sou, pessoalmente, contra o "revisionismo da História" e contra o "politicamente correto"..E claro, contra o "pensamento único". Já me bastou ter vivo 27 anos numa ditadura.

O que precisamos é de mais e melhor investigação historiográfics sobre pontos comuns dos contactos entre nós, a Europa e a África, ou Portugal e a Guiné, por exemplo. A ignorância não é santa e só serve os propósitos de todos os "ismos"...

Quabdo no nosso blogue não houver condições para falarmos franca, aberta e livremente daquilo que nos uniu e daquilo que nos separou no passado (, incuindo a guerra colonial), e se começar as instalar "tribunais do povo" para levarem à praça pública quem não for "politicamente correto, então é melhor fechá-lo...

Acima até da verdade e da justiça, eu prezo a liberdade...

Jorge Araujo disse...

Caros amigos e camaradas,

Não foi por falta de consideração e/ou menor atenção que não dei resposta aos vossos comentários, que obviamente agradeço. Acontece que, como sabem, estou longe de vós, num registo bem diferente daquele que é, neste momento, o observado aí.

Por aqui também se viveram, e ainda se vivem, os efeitos da pandemia, constatando-se, agora, uma saída gradual do confinamento rumo à “normalidade” possível e controlada, visando a segurança de todos e de cada um, com superior acatamento das normas em vigor.

Ontem, porque foi 6.ª feira, que é o primeiro (e principal) dia de descanso semanal nesta região, os compromissos familiares e sociais não me permitiram disponibilizar tempo para a “escrita”, o que perante factos… não há argumentos.

Assim, e em resposta ao camarada Luís, acrescento:

Ainda que tenha mais algumas informações associadas ao Julião Lopes, algumas antes do início do conflito armado e outras já em ambiente de guerrilha, em nenhum dos diferentes contextos sou capaz de identificar os motivos que o levaram a agir daquela forma, eliminando fisicamente, e de uma só vez, três dos seus camaradas do grupo, e mais um que ficou ferido, em Encheia, naquele mês de Outubro de 1963.

O que posso adicionar ao acima exposto, numa perspectiva de senso-comum, é que certamente uma das suas crenças limitantes poderia bem ser a “sede de poder”, ainda que relativa, face à organização onde estava inserido, eliminando aqueles que, no seu pensamento, poderiam pôr em causa a sua liderança, enquanto Cmdt de Grupo.

Sem muitos considerandos ou análises teóricas, onde se incluiriam, naturalmente, os conceitos da psicologia comportamental, essa sua crença (pensamento em que acreditava ser a sua zona de conforto, substituindo a eventual dor por algum prazer) deveria estar associada a comportamentos aprendidos ao longo do seu processo de vida, associados a recompensas ou punições, e que aquele seu ambiente bélico o propícia e potencia… naturalmente.

Como elemento de reforço do acima exposto, chamo a atenção para o precioso contributo que o nosso amigo Cherno Baldé aqui nos deixou, hoje, sobre o ADN do Julião Lopes, dizendo-nos: “que tinha o hobbie de matar” (vidé parágrafo sobre o Julião Lopes).

Para além dos factos já conhecidos, não me é possível acrescentar algo mais concreto, na medida em que desconhecemos, por completo, a “rede dos seus comportamentos cognitivos”, onde interagem estímulos relacionados com factores internos (motivação intrínseca) e factores externos (motivação extrínseca), que são o “combustível” (os motivos) para a acção (o agir) desta sua exagerada crueldade.

Bom fim-de-semana para todo o auditório… e muita saúde.

Abraço,
Jorge Araújo.

Jorge Araujo disse...


Para completar o que acima ficou escrito, acrescento:

De acordo com as instruções militares remetidas por Amílcar Cabral para a Frente Norte, os nomes constantes na lista da «Zona 10» (a tal que é referida na carta de 25-09-62, por Julião Lopes), e que, nesse momento, se encontravam estacionados na base de Sedhiou (Senegal), indicava: em 1.º lugar, o Julião Lopes; em 2.º, o Luís Mendes; em 3.º, o João; … e, em 6.º, o Augusto da Costa (ou “Armando da Costa”).

http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41074

Jorge Araújo.