1. Texto do António Graça de Abreu (na foto, à esquerda, na apresentação, na Biblioteca-Museu República e Resistência / Espaço Grandella, Memórias Literárias da Guerra Colonial, 2 de Outubro de 2008, do seu
Diário a Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, Guerra e Paz Editores, 2007) (*)
O coronel Vasco Lourenço em caso polémico, quer reacção do Exército
por António Graça de Abreu
“Com as descolonizações, os povos criaram uma memória nacional por oposição aos colonizadores. Criou-se a ideia de que a expansão fora algo infamante, exigindo-se mesmo assunções de culpa. Ora, em meu entender, isso é tão disparatado como a glorificação desses colonizadores.”
Vitorino Magalhães Godinho, em
Jornal de Letras nº 984, de 18 de Junho de 2008, pag. 13
A notícia vem no
Diário de Notícias, há já mais de um ano, a 21 de Junho de 2008, pág. 16, da autoria do jornalista Manuel Carlos Freire. Agora, Novembro de 2009, quando o nosso Manuel Godinho Rebocho edita a sua tese em livro (**), talvez valha a pena recordá-la.
O coronel Vasco Lourenço (***), por quem não tenho especial simpatia, critica a ofensa feita aos oficiais do quadro permanente de “fugir à guerra colonial (1961-1974)”, sobretudo nas terras da Guiné, que surge aparentemente fundamentada na tese de doutoramento, “aprovada com distinção”, defendida pelo sargento-mor pára-quedista Manuel Godinho Rebocho, na Universidade de Évora e agora, Novembro de 2009, publicada em livro.
O Manuel Rebocho é um dos nossos, ainda há uns bons tempos atrás o tivemos no blogue a explicar que os restos mortais, as ossadas dos três pára-quedistas mortos e enterrados em Guidage, provavelmente ficariam na Guiné e jamais regressariam a Portugal, à Pátria, boa ou má, onde nasceram. Felizmente tal não veio a acontecer. O Manuel Rebocho também explicou, creio que muito bem, que o tenente-coronel pára-quedista Araújo e Sá era “um grande comandante” de homens, um militar que honrou as tropas pára-quedistas.
No nosso blogue, temos tido alguns defensores da tese da derrota militar na Guiné, da incapacidade das nossas tropas, não só os oficiais do QP, mas também os oficiais milicianos, sargentos e soldados, “sem meios”, vítimas do “colapso militar”,
“irremediavelmente batidos”, incapazes de responder à “supremacia militar” dos guerrilheiros do PAIGC.
Ora, segundo a tese de Manuel Rebocho, se os oficiais do exército do QP “fugiam à guerra colonial (1961-1974)”, imagine-se o que sucedeu na Guiné nos anos 1973/74, com os oficiais do QP a “fugir” e “os oficiais milicianos e os sargentos do QP a aguentar”. Em tão estranha situação, que não conheci, era inevitável a derrota militar.
Ou será que, como diz o coronel Vasco Lourenço, presidente da Associação 25 de Abril e antigo combatente na Guiné, o sargento Manuel Rebocho “deturpa (de forma malévola) o que então se passou na Guiné”? São palavras do Vasco Lourenço.
Vamos ao texto publicado a 21 de Junho de 2008 no
Diário de Notícias.
“A tese de doutoramento aprovada com distinção (2005) na Universidade de Évora, acusando a generalidade dos oficias do quadro permanente (QP) do Exército de fugir à guerra colonial (1961-1974), está a gerar uma onda de indignação em diversos círculos castrenses. Dois factos ocorridos este mês tiraram a tese da penumbra: no passado dia 4, o tribunal de Évora absolveu o presidente da Associação 25 de Abril (Vasco Lourenço) num processo movido pelo autor da tese Manuel Godinho Rebocho (sargento-mor pára-quedista na reforma) por causa de críticas feitas pelo coronel Vasco Lourenço. A 10 de Junho, o coronel Morais da Silva terminou a análise da tese, concluindo que, pelos “erros e conclusões sem fundamento bastante, não dignifica a Universidade de Évora.”
Na origem da polémica está a tese de doutoramento sobre a “A Formação das Elites Militares em Portugal de 1900 a 1975”. O autor sustenta que os oficiais do quadro permanente fugiram da guerra, a qual se aguentou devido aos oficiais milicianos e aos sargentos do quadro permanente.[1]
Entre outras afirmações polémicas, diz:
“Porque os oficiais dos anos 60 fugiram da guerra, não reuniram as características das elites. (…) Em função disso, o Exército desmoronou-se; a cadeia de comando partiu-se; o Exército venceu-se a si próprio, a Academia Militar falhou na selecção e na formação psicológica das futuras elites militares, as quais não desempenharam as suas funções aos valores próprios e exigíveis a um Exército.” (pág 488).Vasco Lourenço, referido directamente na tese, insurgiu-se quando Manuel Rebocho o convida para a defesa da tese (19 de Setembro de 2005):
“Não me ouviu, deturpa o que então se passou na Guiné, e convida-me?”, contou ontem ao Diário de Notícias o presidente da Associação 25 de Abril. Além de escrever ao autor, Vasco Lourenço transmitiu também o seu protesto à Universidade de Évora e ao júri[2], observando que “talvez não tivesse sido ouvido previamente por o doutorando (Manuel Godinho Rebocho) ter noção da malévola deturpação do que se passou na Guiné.”Manuel Rebocho que o DN não conseguiu contactar, considerou-se ofendido e apresentou queixa em tribunal contra Vasco Lourenço, que foi absolvido, O presidente da Associação 25 de Abril vai agora pedir ao Exército e à Academia Militar que condena “por uma tese destas, sem suporte científico, seja aprovada.”
Este ponto surge como pilar central da crítica do coronel Morais da Silva cujo passado militar o fez sentir-se “enlameado” com a tese, que leu para “desmontar” os argumentos do autor. “Caracterizar um universo de centenas de capitães do QP (…) a partir do desempenho de dois elementos desse universo, mostra que o autor nada conhece da teoria da amostragem e, portanto, as conclusões a que chegou não têm a menor validade científica”, escreveu aquele oficial.Este o artigo do
Diário Notícias. O jornalista conclui lembrando que “Vasco Lourenço foi o comandante das forças que anularam a sublevação do 25 de Novembro, iniciada pelas tropas pára-quedistas e em que Manuel Rebocho participou”.
Repito, o que é que isto tem hoje a ver connosco, estarei a misturar alhos com bugalhos?
Vamos apenas para recordar que Vitorino Magalhães Godinho que cito no início deste texto, o coronel Vasco Lourenço, e já agora eu próprio, não são gente da direita nostálgica de qualquer passado colonialista.No que a mim diz respeito, - e porque de direitista a esquerdista, já me colaram éne rótulos -, está tudo no meu
Diário da Guiné, 1972/74, inclusive a referência ao meu processo na PIDE/DGS, com a cota dos documentos sobre mim elaborados pela PIDE, a partir de 1967. Quem quiser pode ir à Torre do Tombo consultá-los.
O que é que me tem levado a alinhar tantas páginas, às vezes um tanto magoadas, no blogue?
(i) O gosto pela verdade histórica;
(ii) O respeito imenso pelos meus camaradas de armas, meus irmãos na Guiné, agora também pelos oficiais do quadro permanente que conheci em Teixeira Pinto, em Mansoa, em Cufar, não propriamente no ar condicionado de Bissau, com quem convivi muito de perto durante 22 meses;
(iii) O respeito também pelo “inimigo”, os guerrilheiros do PAIGC.Aprendi a respeitar o rigor da informação e a seriedade na análise histórica. Cometo naturalmente alguns erros, já escrevi, e não estou a ser original ao afirmar que cada homem é um mundo. Mas procuro olhar e entender a História (e estamos a falar da História Contemporânea de Portugal e da História da Guiné–Bissau), a nossa História, a partir de “uma investigação séria e rigorosa, como uma construção científica capaz de nos ajudar a compreender quem fomos e quem somos”. Estou outra vez a citar Vitorino Magalhães Godinho
Um abraço a todos os tertulianos, a todos os camaradas e amigos.
António Graça de Abreu
11 de Novembro de 2009
Ano do Búfalo
António
2. Comentário de L.G.:
"Sério, sereno, justo mas não justiceiro, tomando partido pela
busca da verdade e do rigor historiográfico, sem deixar de ser caloroso e fraterno" - é um elogio que eu gostaria de poder fazer a todos os que escrevem no nosso blogue. Eu sei que há divergências de leitura, análise e interpretação, entre nós, no que diz respeito à guerra colonial e ao seu contexto histórico - nos planos estratégico, político, militar, social, económico e cultural... Não quero nem posso escamotear essas diferenças... Nem sempre é fácil sermos "calorosos e fraternos" quando não concordamos... Mas podemos ser "sérios, serenos e justos" na crítica...
Este contributo do António (que, tal como eu, ainda não leu o livro) é também um convite para olharmos, de vez, para o nosso passado, sem falsos saudosismos nem miserabilismos, mas também com frontalidade, verdade, orgulho... E sobretudo continuarmos a 'fazer pontes' com os outros povos (às vezes, parece que continuamos a 'fazer a guerra'... Ora o PAIGC foi, objectivamente, o 'nosso IN', no passado; mas
war is over, a guerra acabou)...
No própximo dia 17, na ADFA, em Lisboa, o nosso camarada Manuel Rebocho vai apresentar o seu livro e nós vamos lá estar para o ouvir, a ele e aos seus convidados, com a mesma abertura de espírito com que estamos, estivemos e estaremos em eventos semelhantes (por exemplo, na apresentação do livro do Coutinho e Lima sobre a retirada de Guileje em 22 de Maio de 1973). São dois camaradas nossos, membros da nossa Tabanca Grande, que divergem na apreciação de muitas coisas, directa ou indirectamente relacionadas com a guerra colonial da Guiné.
O Manuel Rebocho é hoje doutorado em sociologia dos conflitos, por uma universidade pública portuguesa, a Universidade de Évora, e a sua tese, agora em livro, deve ser conhecida e lida, antes de alguém vir para a praça pública utilizá-la como se fora uma G3.
Não ignoro que o tema (as elites militares e a guerra colonial) é, em si, polémico, como o são, aliás, todos os temas de história contemporânea: não temos ainda a distância efectiva e afectiva para julgar o "nosso tempo"...
Eu ainda não conheço a tese (não está acessível, 'on line') nem ainda comprei nem li o livro. Não tenho por hábito e formação usar a G3 para impôr os meus pontos de vista. Na nossa Tabanca Grande a G3 é hoje, de resto, uma peça de museu. Quem a trouxer, se há quem ainda ande com ela, deve deixá-la lá fora. (Obviamente, isto é uma metáfora).
Todos os pontos de vista, devidamente fundamentados, sobre o livro do Manuel Rebocho - incluindo os aspectos mais académicos, teórico-metodológicos, de investigação científica - serão bem vindos e terão lugar no nosso espaço, que é livre, plural e aberto. Mas, desde já devo dizê-lo, não aceito que se diabolize ninguém. Controvérsias, sim, duscussão livre, franca e aberta, sim. Se possível, serena, calorosa e até fraterna, melhor ainda. Mas transformar o nosso blogue numa tribuna panfletária, não. Decididamente não.
[Revisão / fixação do texto / bold a cores / título: L.G:]________________
Notas do A.G.A.:
[1] Será que Manuel Godinho Rebocho se esqueceu dos furriéis milicianos e dos nossos cabos e soldados?
[2] O júri era constituído pelo prof.
Adriano Moreira, Joaquim Serrão (será o prof. Joaquim Veríssimo Serrão, antigo presidente da Academia Portuguesa da História. Se é, não posso acreditar!), Maria José Stock, antiga presidente do Instituto Camões, e que vai apresentar agora o livro do Manuel Rebocho, Maria Colaço Baltazar e o professor da Academia Militar coronel Nuno Mira Vaz, autor de um interessante livro
Guiné 1968 a 1973, soldados uma vez, soldados sempre, Lisboa, Tribuna da História, 2003.
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Notas de L.G.:
(*) Vd. poste de 7 de Outubro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3276: Memórias literárias da guerra colonial (3): O poder na ponta das espingardas, segundo A. Graça de Abreu (Luís Graça)(**) Vd. postes de:
10 de Novembro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5243: Controvérsias (52): Elites militares, estratégia e... tropas especiais (L. Graça / A. Mendes / M. Rebocho / S. Nogueira)29 de Outubro de 2009 >
Guiné 63/74 - P5180: Agenda Cultural (39): “Elites Militares e a Guerra de África”, de Manuel Rebocho: 17 de Novembro, às 18h00, sede da ADFA - LisboaSobre o Manuel Rebocho, vd. postes dele ou sobre ele:
27 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)14 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P877: Nós, os que não fazemos parte da história oficial desta guerra (Manuel Rebocho)28 de Junho de 2006 >
Guiné 63/74 - P919: Vamos trasladar os restos mortais dos nossos camaradas, enterrados em Guidage, em Maio de 1973 (Manuel Rebocho)21 de Setembro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1099: O cemitério militar de Guidaje (Manuel Rebocho, paraquedista)4 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1150: Carta a Pedro Lauret: A actuação do NRP Orion na evacuação das NT e da população de Guileje, em 1973 (Manuel Rebocho)5 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1151: Resposta ao Manuel Rebocho: O papel do Orion na batalha de Guileje/Gadamael (Pedro Lauret)17 de Outubro de 2006 >
Guiné 63/74 - P1187: Guidaje: soldado paraquedista Lourenço... deixado para trás (Manuel Rebocho)
22 de Janeiro de 2007 >
Guiné 63/74 - P1453: Ninguém fica para trás: uma nobre missão do nosso camarada ex-paraquedista Manuel Rebocho27 de Julho de 2008 >
Guiné 63/74 - P3095: Tabanca Grande (81): Manuel Peredo, Fur Mil Pára-quedista, CCP122/BCP 12 (Guiné, 1972/74)28 de Dezembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3674: Em busca de... (59): Ex-combatentes do BCAÇ 4616/73 (Manuel Rebocho)16 de Julho de 2009 >
Guiné 63/74 - P4694: Meu pai, meu velho, meu camarada (6): Ex-Cap Pára João Costa Cordeiro, CCP 123/ BCP 12 (Pedro M. P. Cordeiro / Manuel Rebocho)(***) Sobre Vasco Lourenço:
Vasco Lourenço (à esquerda, em foto da capa do livro Vasco Lourenço do Interior da Revolução, entrevista de Maria Manuela Cruzeiro, Lisboa, Âncora, 2009):
" Nasceu em Castelo Branco em 1942. Ingressou na Academia Militar em 1960. Pertenceu à Arma de Infantaria. Combateu na Guerra Colonial, tendo cumprido uma comissão militar na Guiné de 1969 a 71. No dia 25 de Abril de 1974 era capitão nos Açores. Membro activo do Movimento dos Capitães, pertenceu à Comissão política do MFA. Nesta condição foi nomeado para o Conselho de Estado (24 de Julho de 74), passando mais tarde a integrar a estrutura informal do Conselho dos Vinte e a partir de 14 de Março de 75 tornou-se membro do Conselho da Revolução, funções que manteve até à extinção (1982). Passou à Reserva no posto de tenente-coronel a 20 de Abril de 88. Pertence desde a sua fundação aos corpos gerentes da Associação 25 de Abril" (Fonte:
Centro de Documentação 25 de Abril, da Universidade de Coimbra).