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quarta-feira, 21 de junho de 2023

Guiné 61/74 - P24421: Historiografia da presença portuguesa em África (373): O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Novembro de 2022:

Queridos amigos,
Nada me fora dado ler nesta visão de articular transportes rodoviários com marítimos, o engenheiro Barahona de Lemos trabalhou na Guiné e a mim deixou-me uma recordação do seu trabalho, as pontes que ligam Bambadinca a Amedalai, que aqui se mostram. Quando o PAIGC flagelou Bambadinca em 28 de maio de 1969, tentou dinamitar um dos pontões, abriu brecha mas continuou ao serviço. Bem me surpreendeu a imagem de Bissalanca no início da década de 1950, neste tempo a TAP ainda não chegava a Bissau, a viagem para o interior da Guiné exigia ir a Paris e daqui apanhar avião para Dacar, e depois de automóvel para o interior da colónia. Foi o trajeto que utilizei no meu romance "Mulher Grande", ela vai casar a Varela exatamente neste tempo e bem se agoniou entre Paris e Dacar. A outra surpresa são as imagens de Bolama anteriores a 1935, nunca tinha visto tais imagens, é para mim gratificante que fiquem no nosso indispensável histórico acervo fotográfico, para uso de quem ama a Guiné, poder olhar para um passado e para um património que ficou derruído.

Um abraço do
Mário



O problema dos transportes na Guiné, um olhar e sugestões de um engenheiro de pontes, princípio da década de 1950

Mário Beja Santos

Consultando a publicação Estudos Coloniais, Revista da Escola Superior Colonial, volume III, 1952, fascículo n.º 3, encontrei um artigo do engenheiro Humberto Luís Barahona de Lemos intitulado "O problema dos transportes na Guiné – Sua importância". Na administração colonial, a década de 1920 corresponde ao período em que houve um intenso debate acerca da questão fundamental de que a ocupação e a exploração de riquezas exigiam infraestruturas rodoviárias e portuárias. Não escapámos à pertinência dessa discussão, embora no caso vertente da Guiné não houve impacto, o orçamento da colónia contemplava expressamente arranjos portuários, na generalidade dos casos de pouca monta e a conservação das estradas de terra batida.

Sarmento Rodrigues é o governador que lança empreendimentos de maior gabarito e o seu continuador, Raimundo Serrão, concluiu diferentes iniciativas e pôs em marcha outras. Encontrei na revista "Ecos da Guiné" imagens como a ponte entre Bambadinca e Xime, que acabou por ter uma importância crucial no decurso da guerra, houve a tentativa de a fazer explodir, em 1968, e então, para sua conservação, criou-se um posto de vigilância que tinha o nome pomposo do destacamento da ponte sobre o rio de Undunduma, o Luís Graça também por lá penou.

O engenheiro Barahona de Lemos andou pela Guiné a fazer o estudo de pontes, agradece o apoio que recebeu do engenheiro Carlos Krus Abecassis, alto funcionário público, espraia-se sobre considerações genéricas, diz que a Guiné portuguesa é do ponto de vista agrícola fértil e rica, fala sobre as suas principais produções, as oleaginosas e entra na questão das comunicações, começa pelos rios navegáveis, observa que há uma navegação a barcos de alto-mar, é o caso do rio Cacheu que é navegável numa extensão aproximável de 160 quilómetros, desde a sua foz até ao porto fluvial de Binta. E adverte-nos que o problema que aqui pretende pôr tem a ver com o estudo do aproveitamento dos transportes fluviais conjugados com uma rede de boas estradas. Fala na existência de 3 mil quilómetros de estradas, quase todas de terra batida, sendo permanente o mau estado dos pavimentos. Considera que a causa mais importante que dificulta a formação de uma mais densa rede de estradas é o facto da Guiné estar retalhada por vias aquáticas que na época das chuvas inunda extensas planícies.

Observando o material flutuante, diz que este, para permitir um bom rendimento, com as consequentes vantagens económicas, exige a utilização de embarcações de calado tão reduzido quanto possível e comenta que as barcas e batelões existentes na Guiné não pertencem a este tipo, são de boca estreita e com grandes exigências de tirante de água. A utilização das jangadas motorizadas ou de ferryboats, estima ele, não só oferece rápida ligação entre as margens como garante as indispensáveis condições de segurança nas travessias. Procura dar-nos um quadro das vias navegáveis principais na Guiné, assim: rio Cacheu, estuário do rio Mansoa, rio Geba, estuário do Rio Grande de Buba ou Bolola, estuário do rio Tombali, estuário do rio Cumbijã, estuário do rio Cacine. Sugere dar-se prioridade às obras no Cacheu, até por motivos de soberania, está-se perto do rio Casamansa e da Senegâmbia francesa. Considera que o volume das dragagens a fazer é até 2 milhões de metros cúbicos e assim, feito este encargo, ficaria o rio Cacheu navegável numa extensão de mais 13 quilómetros.

Falando do estuário do rio Mansoa, parece-lhe de grande interesse a ligação rodoviária de Bissau com o norte da colónia, atravessando o estuário do Mansoa na Ponte de Safim. Quanto ao estuário do Geba, refere que o rio oferece boas condições de navegabilidade entre Bissau e Bambadinca e sugere a retificação do leito do rio entre Bambadinca e Bafatá, observando que o rio Corubal dispõe boas condições de navegação até ao porto de Xitole. Passando para o estuário do Rio Grande de Buba observar que se trata de um grande braço de mar que tem a sua embocadura junto à ilha de Bolama e que tinha sido nas margens deste grande estuário que de início se estabeleceram feitorias e centros comerciais, contudo a região fora abandonada pelas guerras entre etnias e por ser pouco saudável. Passando para o estuário do Cumbijã observa que dos braços do sul da Guiné é o único que tem atualmente importância económica, em virtude de ser a via de acesso ao importante centro arrozeiro de Catió, pois é através deste braço de mar que é transportado o arroz que por via marítima é levado para Bissau e para Bolama, existem, contudo, dificuldades na travessia da barra do estuário, onde afloram recifes perigosos. E escreve: “Quando se fizer o levantamento hidrográfico da barra deste rio, poderão estudar-se as obras a fazer para melhorar o acesso a Catió”.

Escreve seguidamente as vias rodoviárias primárias da Guiné, hei o seu elenco:

- Bissau, Safim, Nhacra, Mansoa, Mansabá, Bafatá, Nova Lamego e Pitche;
- Bissau, Ponta de Safim, João Landim, Bula, Teixeira Pinto, Caió, Cacheu, S. Domingos, Praia Varela;
- S. Domingos, Sedengal, Bigene, Binta, Farim, Mansabá;
- Bula, Bissorã, Mansabá;
- Bissau, Enxudé, Tite, Bolama;
- Bolama, Fulacunda, Bula, Catió;
- Mansoa, Gole, Canturé, Fulacunda (em meu ponto de vista, fora da realidade da época, de Canturé subia-se até Gambiel, daqui até Geba e de Geba até Bafatá).

Vai dando sugestões para a melhoria das estradas, reconhece a necessidade de se vir a utilizar ferryboats ou jangadas metálicas acionadas por motores, para dar continuidade às estradas interrompidas junto dos grandes rios. Refere detalhadamente as melhorias que ele propõe. Logo na estrada entre Bissau e Pitche diz que o Plano de Fomento do Ultramar reserva verba para a ponte que liga as duas margens do Geba, próximo de Bafatá. Observa que a Ponte de Ensalma liga a ilha de Bissau ao continente atravessando o canal do Impernal. Da argumentação usada, fica-se com a quase certeza que Barahona de Lemos projetou a ponte sobre o Geba. Entre Bissau e Varela, a ligação que propõe seria feita pela Ponte de Safim onde a travessia do estuário de Mansoa iria utilizar um ferryboat ligando a João Landim. E daí havia rodoviária que conduziria a Bula, Teixeira Pinto, Caió e Cacheu. Reconhece a necessidade de se fazer a travessia do estuário do rio Cacheu em dois pontos, utilizando jangadas metálicas motorizadas e diz que o percurso referido encurtaria em 70 quilómetros a distância entre Bissau e S. Domingos. Se assim se fizesse, as comunicações de Bissau com a Senegâmbia francesa, por Ziguinchor, ficariam assim gradualmente facilitadas, o que contribuiria para evitar o isolamento e a atrofia económica e social dos territórios a norte do grande estuário do Cacheu. Falando da estrada de S. Domingos, Sedengal, Bigene, Binta, Farim, Mansabá observa que dada a circunstância do Cacheu apresentar no seu leito fundos rochosos, é de pensar na possibilidade de se construir uma ponte na vizinhança de Farim; esta ponte traria a Farim uma possível compensação caso se encarasse a vantagem de se deslocar em definitivo o entreposto marítimo para Binta, e assim seria evitada a realização de trabalhos de correção do Cacheu desde Binta a Farim.

Muito mais escreve neste trabalho, nunca me fora dado ler algo de tão bem articulado sobre a ligação entre os transportes terrestres e marítimos, era uma fase de grande construção, como se disse tudo começara com Sarmento Rodrigues e Raimundo Serrão continuou. Reconheça-se que as propostas de Barahona de Lemos exigiriam um orçamento avultado. Quem leu este trabalho, terá reconhecido o valor e o entusiasmo do autor, mas o decisor político passou adiante.

Estas três imagens foram retiradas da revista Ecos da Guiné, as duas primeiras têm valor sentimental para mim e para o Luís Graça, e seguramente para todos aqueles que faziam o itinerário entre Bambadinca e Xime; quanto à terceira imagem, ela permite avaliar a indigência do campo de aviação em Bissalanca, quem queria chegar à Guiné não aterrava em Bissalanca, o itinerário mais frequentado era ir a Paris e daqui seguir para Dacar, daqui seguia-se de automóvel até Ziguinchor e depois escolhia-se o ponto de chegada. Este era o aeroporto no início da década de 1950.
Quero compartilhar com o leitor a alegria de ter encontrado num documento aparentemente inócuo, datado de 1935, imagens que até hoje não tinha encontrado sobre a capital da Guiné. Espero que estas imagens surpreendam portugueses e guineenses, e fico muito contente porque vejo o nosso histórico arquivo recheado de preciosidades.
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Nota do editor

Último poste da série de 14 DE JUNHO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24398: Historiografia da presença portuguesa em África (372): Revista de História, n.º 13, Janeiro-Março, Ano IV, 1953 - Um texto fundamental para o estudo da História da Guiné: Fontes quatrocentistas para a geografia e economia do Saara e da Guiné (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10739: Memória dos lugares (198): A ponte do Saltinho e o ninho da metralhadora Breda (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53, 1970/72 / Luís Graça, CCAÇ 12, 1969/71)



Guiné > Zona leste > Setor L5 (Galomaro> Saltinho > 1972 > Pel Caç Nat 53 > Vista aérea da ponte e do Rio Corubal no Saltinho, antes da construção do reordenamento de Contabane, na margem esquerda (hoje, Sinchã Sambel).

Foto: © Paulo Santiago (2010). Todos os direitos reservados.[Editada por L.G.]


Fto nº 202 > Ponte do Saltinho... Militares da CCAÇ 12 que acabavam de chegar, em coluna logística, oriunda de Bambadinca... Presumo que a foto de seja do 3º ou 4º trimestre de 1969... Em primeiro plano, à esquerda, de costas, o Humberto Reis com 1º cabo, do seu 2º Gr Comb, o "Alfredo"... Mais à frente, à direita, também de costas, mas assinaldo com um círculo a vermelho, sou eu...Como se vê na foto, não havia na altura nem cavalos de frisa,. nem postos de sentinela, nem ninhos de metralhadora, nos topos da ponte...



Foto  > Arlindo Roda, fir mil da CCAÇ 12, fotigrafado, de no in´cio da ponte, do lado do Saltinho... Em primeiro plano, há duas inscrições que merecem ser descodificadas: dois números,  818, 1646... O primeiro deve um nº de identificação ou de inventário desta obra de arte; o segundo (, pintado à mão),
é mais provavelmente o nº da CART 1646 / BART 1904 (1967/68), que esteve no Xitole e Saltinho.

A lápide, em bronze, evoca a "visita, durante a construção" do então Chefe do Estado Português, general Francisco Higino Craveiro Lopes, acompanhado do Ministro do Ultramar, Capitão de Mar e Guerra Sarmento Rodrigues, em 8 de Maio de 1955. Era Governador Geral da Província Portuguesa da Guiné (tinha deixado de ser colónia em 1951, tal como os outros territórios ultramarinos) o Capitão de Fragata Diogo de Melo e Alvim... Craveiro Lopes nasceu em 1894 e morreu 1964. Foi presidente da República entre 1951 e 1958 (substituído então pelo Almirante Américo Tomás).

Fotos: © Arlindo Teixeira Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Editada por L.G.]



Guiné > Zona Leste > Sector L5 (Galomaro) > Saltinho > 1972 > Vista aérea do Rio Corubal, da ponte Craveiro Lopes , e 4 arcos (, construída em cimento armado e inaugurada em 1955), e do aquartelamento do Saltinho (na margem direita, instalações hoje transformadas em unidade hoteleira)... A montante da ponte, pode-se ver restos da "passagem submersível", em uso até 1955. Nesta foto de 1972 também é evidente a não existência,  nos topos, de quaisquer cavalos de friza ou postos de sentinela ou ninhos de metralhadora. Foto do nosso camarada Álvaro Basto, régulo da Tabanca Pequena (Matosinhos)

Foto: © Álvaro Basto (2007). Todos os direitos reservados.

1. Mensagem do Paulo Santiago, com data de hoje:

Luís

A propósito do teu último comentário no poste P10730, anexo uma foto (está algures no blogue),  onde se vê nada existir na ponte [, a primeira foto acima publciada, neste poste]. Existiam apenas, na foto não se notam, dois cavalos de frisa, um em cada topo. Esta foto foi tirada antes de iniciada a construção do reordenamento na outra margem.

Ao fundo, à direita da ponte, está o abrigo do meu pelotão. Junto do abrigo, à sua esquerda, o ninho da Breda que ficava no enfiamento daquela obra de arte.

Abraço
P. Santiago.


2. Mensagem de L.G., enviada hoje ao Paulo Santigao, com conhecimento ao Humberto Reis e ao Tony Levezinho:

Paulo: Mando-te umas fotos do álbum do meu camarada Arlindo Roda, da CCAÇ 12.. São do Saltinho, e devem ter sido tiradas, as de mais baixa numeração (nº ) em meados de 1970, já no tempo do novo batalhão, o BART 2917... Há malta da CCS que foi connosco, o caso do fur mil enf Coelho (que vive hoje em Beja, e tinha a esposa em Bambadinca).

Não me parece que as fotos, que não trazem legenda, tenham sido todas tiradas na mesma altura... As da numeração mais alta (F1000200 e ss.) , parecm-me mais antigas (3º ou 4º trimestre de 1969)... A maior parte das vezes, as nossas colunas logísticas não iam s ao Saltinho, fazíamos a segurança até ao Xitole, e voltávamos... O Xitole depois encarregava-se de fazer chegar ao Saltinho os abastecimentos...

Eu apareço, de costas, numa ou duas fotos, na ponte (nº 202)... Aparentemente se não veem nem cavalos de frisa nem posto de sentinela nem "ninho" de metralhadora... Terá sido confusão minha ?

Provavelmente já existia o tal abrigo do teu pelotão, à direita, antes do início da ponte, e o tal da ninho da Breda, à esquerda do abrigo, que podia varrer todo o tabuleiro da ponte, em caso de ataque IN pela ponte... Deve ter sido ido que eu vi, na altura, emboar tu ainda estivesses lá...

Devo ter ido ao Saltinho ainda em 1969 (no tempo do BCAÇ 2852), e depois em meados de 1970 (no tempo do BART 2917)... Já não te posso garantir quantas vezes lá fui... Um das minhas idas está documentada, e na altura a ponte estava cheia de ervas, denotando pouco ou nenhum uso ...

Ofereço-te estas belíssimas fotos que vou publicar no blogue...Mando também para o Humberto e para o Tony, pode ser que eles se lembrem de mais pormenores... Fiz um aproveitamento da tua foto aérea da ponte...para veres melhor os pormenores... Tens também uma de 1972, do Álvaro Basto.

Queres fazer algum comentário para eu inserir no poste ?... A ponte não era iluminada à noite... Vocês iam para o lado de lá ? Era seguro ? Donde vinham os ataques ? Alguma vez foste de viatura até Contabane ? Ou mais longe, Mampatá ? Quando é que a estrada ficou interdita ?

O Arménio Estorninho ainda se lembra de ter feito uma "coluna auto de Aldeia Formosa-Saltinho-Aldeia Formosa, com passagem por Contabane, que encontrava-se incendiado e evacuado."... Isto, em agosto de 68, sendo a finalidade da coluna a entrega de "material sobressalente para viaturas auto" no Saltinho. Também nos diz que por volta 1970 a Ccaç.2701 estava aquartelada no Saltinho, sendo o Furriel Mec Auto o José Luís dos Reis.

Também o Zé Brás já comentou aqui que "a estrada Xitole-Aldeia Formosa cheguei a fazê-la sozinho com um condutor em jeep ainda em 67 e sem problemas"...

Em comentário ao mesmo poste, o P10730,  eu expliquei ao Arménio, no meu tempo (junho de 69/março de 1971) a estrada acabava na ponte do Saltinho, se não estou em erro... e que ainda timha "uma vaga ideia de lá no fim haver um ninho de metralhadores, montado para defesa da ponte e do aquartelamento do Saltinho"... Ou teria sido "miragem minha", interrogava-me eu ?

Nessa altura, o percurso até Quebo estava "interdito"... O mesmo aconteceu entre novembro de 1968 e agosto de 1969, em relação ao troço de estrada Mansambo-Xitole... Fomos nós, CCAÇ 12 e outras forças, que o (re)abrimos nessa altura... Foi uma época épica de colunas logísticas de Bambadinca para o Xitole e o Saltinho (que até então só podiam ser abastecidos via Galomaro).


Um abração. Luís
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10734: Memória dos lugares (197): Elvas, património mundial da humanidade - Forte de Nossa Senhora da Graça (ou Forte Lippe) - A barrilada (António José P. da Costa)

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Guiné 63/74 - P10022: Memória dos lugares (186): Ainda sobre a "célebre ponte, em betão, inacabada", na estrada Cachungo-Cacheu, ao km 6 (Jorge Picado)



Guiné> Fortim e Ponte Alferes Nunes entre Teixeira Pinto e Bachile, sobre o Rio Costa (Pelundo). c. 1968/69.  Era uma ponte em madeira. Foto do nosso camarada Albino Silva, ex-Soldado Maqueiro, CCS/BCAÇ 2845 (Teixeira Pinto, Jolmete, Olossato, Bissorã,1968/70). (*)

Foto: © Albino Silva (2007). Todos os direitos reservados.



 Guiné-Bissau > Região do Cacheu > 2012 > A controversa ponte (inacabada, em betão) no lado direito da estrada Canchungo - Bachilé- Cacheu, ao km 6. Foto do eng agr Carlos Schwarz, Pepito.


Guiné-Bissau > Região do Cacheu > 2012 > A 600 metros, ao lado da antiga  ponte (inacabada, em betão), na estrada Canchungo - Bachilé - Cacheu, ao km 6, há uma nova ponte em ferro, construída pelos portugueses.  Foto do eng agr Carlos Schwarz, Pepito. (**)


Fotos: © Carlos Schwarz (Pepito) (2012). Todos os direitos reservados.



A. Mensagem de 21 de março último, enviado pelo Jorge Picado:

Caro Luís

Não ficaria de bem com a minha consciência se não esclarecesse alguns pontos acerca da "célebre Ponte Alferes Nunes em Betão", já que julgo ter sido eu o "pai da criança".

Assim, procurei o mais sinteticamente que me foi possível escrever o que se segue, que confrontarás com aquilo que o Carlos Silva j escreveu.

Abraços
Jorge Picado


1 – Ora bem, ao fim de tantos anos passado, sobre aqueles idos de 1971, sem qualquer apontamento escrito ou foto desses dias que possa precisar os fragmentos que se pescam dessas lembranças, acabamos por andar "às voltas" a tentar concretizar algo, se é que lá chegaremos, em que fui um dos "culpados", ao escrever num comentário ao poste P4350, sobre uma interrogação que o "Chefe da Tabanca" Luís Graça tinha feito sobre a Ponte Alferes Nunes.

Escrevi então em 16 de maio de 2009:


 "Muito sinceramente, eu que lá passei algumas vezes, que andei apeado pelo 'areal' até à célebre e verdadeira Ponte Alferes Nunes, em cimento e de um só arco, 'plantada'  em seco, por baixo da qual não corria uma gota de água…"

2 – O problema reside nas afirmações "verdadeira Ponte Alferes Nunes" e "um só arco".

3 – É pena que não possamos ter testemunhos de ex-camaradas que por lá andaram antes e mesmo no meu tempo ou posteriormente, como por exemplo o soldado (?) condutor do jeep que me transportava nesse dia e foi o responsável por me mostrar o dito cujo "exemplar da ponte" e fornecedor da informação que pelos vistos circularia no meio,  ou seja: "que aquilo tinha sido construído por um tal Alferes Nunes, daí o nome dado aquela passagem do rio, onde depois tinham construído aquela em madeira que se usava. Por a de cimento não servir, os naturais 'gozavam'  com a esperteza dos tugas" (...)

4 – Neste momento há as seguintes referências:

a) a minha, que me deixou espantado, não esqueci e tentei muitos anos depois tirar conclusões;

b) a do meu conterrâneo e condiscípulo, ex-alf eng do BENG de 1967/68 (***), que quando lá foi preparar a montagem de uma ponte metálica, por secções, feita nesse mesmo BENG para substituir a de madeira que tinha sido destruída pelo PAIGC, correria talvez o 2.º semestre de 1967 e viu da estrada aquela a que me referi e que ele também atribuía ao tal Alferes Nunes, por ouvir dizer;

c) um depoimento, que colhi acidentalmente, de um familiar do falecido oficial do Exército, cor Alcides José Sacramento Marques, oriundo de família de Ílhavo, que foi Cmdt da CCaç 74 (desembarque em Bissau em  18 de março de 1961) e também um dos Cmdt da 4.ª CCaç (Africana), que tinha referido … ter sido construída na Guiné uma Ponte, num rio que tinham aterrado e, no final, não terem desaterrado o rio… Claro que refutei a parte relativa ao "aterramento do rio", uma vez que admiti tratar-se da ponte que tinha visto;

d) a indicação do José Câmara, partindo do Fortim da Ponte: "de facto, para quem estava na ponte virado para o Bachile, e a uns metros acrescentados para a direita havia uma ruína daquilo que parecia ter sido uma ponte. Aí o rio era pouco largo e pouco profundo";

e) o testemunho do Paulo Basto, que disse ter visto ainda "essa ponte" em 1993, mas não a ter fotografado. Coloquei agora as aspas, uma vez que não sabemos se o camarada se refere a esta que o Pepito enviou.

5 - Transcrevo algo que escrevi quando ainda não tinha qualquer contacto com antigos camaradas, em fins de 2004 ou princípios de 2005 e apenas possuía como meios auxiliares, fotocópias das folhas da Carta (idênticas às do Blogue) de TEIXEIRA PINTO e PELUNDO e as reminiscências daquele episódio, um dos tais que não esqueci, talvez pela "irrealidade daquele cenário".

 "Antes de mais quero aqui dar conhecimento da 'célebre' Ponte de Alferes Nunes… Saindo de T. Pinto pela estrada para o Cacheu, meia dúzia de km à frente, se tanto, cruzava-se o Rio Costa (Pelundo),  numa ansa deste rio que quase formava um círculo completamente fechado, tal a proximidade das margens. Zona de bolanha, naturalmente, e formando o rio vários meandros, o terreno do lado S – lado de T. Pinto – tinha no entanto aí uma grande mancha de areias, até muito claras, o que não era muito normal por aquelas paragens. Assim, o tal Alf Nunes, já que não dmito ser este nome o de algum oficial da Arma de Engenharia que mandou ou executou os estudos para a construção de tal ponte, deve ter entendido que ficava mais económico e mais fácil construí-la em seco, isto é, no areal entre as tais duas pontas da ansa, em lugar de o fazer em pleno leito do rio. Depois era só unir essas pontas com um novo canal, ao mesmo tempo que se tapava o leito 'velho', eliminando-se a ansa. 


Este meu pensamento é lógico, uma vez que isto foi feito antes de se iniciar a revolta que deu origem à guerra de libertação e, nessa época, o trabalho nativo praticamente não representava quase qualquer custo. Era por assim dizer trabalho "escravo". Os nativos seriam "recrutados" pelo Administrador – de acordo com as regras da época – e
como pagamento receberiam umas malgas de arroz… só que veio a guerra e não pode concluir-se tal tarefa.


Resultado: Deixou-se como herança um "monumento" de cimento na forma duma ponte com um arco, no meio da areia e a poucos metros dum rio e, uma mão cheia de razões que foram logo exploradas pelo PAIGC, para mostrar aos indígenas a falta de inteligência dos "tugas" colonizadores, o que creio ser uma grande injustiça. 

Na época em que isto aconteceu, talvez ainda não fosse usual o procedimento de construção deste tipo de obras como descrevi, e que admito ter sido esse o entendimento do responsável por tal obra. Mas passados poucos anos começou-se a ver no nosso País – possivelmente por já ser muito antigo nos países mais evoluídos – esta maneira de construir pontes. Aterrar zonas do rio para aí trabalhar mais comodamente na construção dessas obras.

Logo nos primeiros dias depois de "aterrar" no CAOP, foi-me mostrado este "monumento".
Fui lá de jeep, andei por aquele areal a pé. Passei por debaixo da ponte, não o fazendo por cima por faltarem uns degraus para se poder subir. Deambulei pelas margens do rio e, quando prossegui para fazer a travessia, recusei-me a fazê-lo em cima do jeep, perante a
estupefacção do respectivo soldado condutor. 
Atravessei o rio, sim, mas percorrendo a ponte existente a pé, desculpando-me que queria admirar o percurso e observar o próprio rio.

6 – Foi portanto partindo daqueles pressupostos que marquei na Carta Militar e, já muito posteriormente em imagem Google, a possível localização dessa ponte.

7 – Fiz deduções e tirei conclusões partindo de premissas, em parte, não correctas, já que agora se sabe quem foi o Alferes Nunes – militar morto naquela zona nas Campanhas de Pacificação de Teixeira Pinto – portanto não tendo nada a ver com a construção da dita ponte em betão e a "obra", que estamos procurando identificar, foi construída antes
(quantos anos?) do início da Guerra e muito provavelmente pelos respectivos Serviços Provinciais de então. (****)

Abraços

Jorge Picado 


_______________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de março de 2010 > Guiné 63/74 - P6029: Memória dos lugares (76): Prestei o meu serviço na Guiné (Albino Silva)

(...) Prestei meu Serviço na Guiné, desde Maio de 1968 a Abril de 1970, e pertenci ao BCaç 2845, sediado em Teixeira Pinto. Pertenci à CCS, Armados para a Paz. (...). Considero bastante positivo o meu desempenho como Soldado Maqueiro (...). Passados treze meses de Guiné comecei a alinhar com os Sapadores da Companhia, na guarda à Ponte Alferes Nunes,  entre Teixeira Pinto e o Bachile, sobre o Rio Costa. Havia no lado esquerdo da Ponte um Fortim com 6 metros de altura, com cobertura com chapas zincadas onduladas, como se aquilo protegesse alguma coisa em caso de ataque.
A Ponte, de madeira, tinha sido reconstruída porque a primeira, também em madeira, tinha sido destruída. Nesse serviço nunca tive qualquer receio porque também estávamos bem armados e nunca tinha havido nada de anormal. Sei que após o Batalhão deixar a Guiné, algum tempo depois, a Ponte foi reconstruída novamente, desta feita em ferro, como aliás já a vi em fotos de outros camaradas. Entre a Ponte Alferes Nunes e o Bachile participei em picagens de estrada com um Pelotão da CCaç 2313, quando se faziam escoltas de reabastecimento ao Bachile, onde estava um Pelotão da Companhia 2368 do meu Batalhão. (...)


(**) Vd. poste e comentários diversos (António J. P. Costa, Carlos Silva, José Câmara, Jorge Picado, Salvador Nogueira) 
> 19 de março de 2012 > Guiné 63/74 - P9625: Memória dos lugares (178): Sobre a ponte da estrada Canchungo - Cacheu, ao Km 6 (Carlos Schwarz/Pepito)

(...) Em mail de 21 de março de 2012, que nos enviou, o Carlos Silva escreve o seguinte:

Amigos: Reitero o que disse na minha análise que vos enviei. A ponte "exótica", cognominada pelo Luís, para mim não tem nada a ver com a designada Pte Alf Nunes. A razão da sua construção, não sei. Só investigando os arquivos da mesma, que não sei onde param. O José Câmara, que já me respondeu à minha análise, também concorda com a mesma, face aos argumentos deduzidos e que são fáceis de compreender. Vd. resposta em baixo a azul. Com um abraço amigo. Carlos Silva (...).


(...) Mail de 20 de março de 2012, enviado pelo José Câmara:

Caro amigo Luís Graça,

Segundo a Carta Cartográfica de Teixeira Pinto (nosso tempo na Guiné) o rio era conhecido por Costa (Pelundo). Seria bom manter essa distinção para não confundir com a zona do Pelundo, sede de um Batalhão.

A ideia de desviar o curso do rio nem era assim tão disparatada. [como já referi, em minha opinião não exitiu qualquer ideia de desciar o rio] Vejamos no mesmo Mapa.

O rio naquela área tem a configuração de um polvo estrangulado. A ponte fantasma está localizada precisamente no estrangulamento [não está, como refere o Pepito e como resulta do recorte enviado pelo SNogueira e como já evidenciei o erro do Jorge Picado ao assinalar a posição da Pte no estrangulamento] e a Ponte Alferes Nunes no alto da cabeça. Tudo isso é bem visível nas fotos e no Mapa que estamos a seguir. [não é - ou melhor é em relação à análise que faço, no dito post que enviei... publiquem para todos verem e terem a possibilidade de chegarem à mesma conclusão]

No estrangulamento o rio era visível dos dois lados da estrada. Por isso mesmo não é de admirar que algum engenheiro tenha antecipado a possibilidade de um rompimento natural das margens e tenha tentado antecipar o evento desviando artificialmente o leito do rio. [ pois, mas a ponte não está situada no estranguamento, mas mto longe, portanto essa tese não passa de meras especulações].

Como sabemos, qualquer que tenha sido a ideia, o projecto foi posto de parte e a estrada nova aproveitou na íntegra o traçado da antiga picada (estrada) entre Teixeira Pinto e o Bachile. Só a partir daí foi alterado o traçado, na tal zona da Mata dos Madeiros.

O Carlos Silva certamente que irá clarificar tudo isso. [Como já referi ao Zé, o trabalho não vai clarificar nada. Pois apenas vai versar sobre a evolução história da Pte Alf Nunes, no entando poderemos fazer uma alusão a esta ponte exótica]

Um abraço amigo, José Câmara (...)

Outros mails que são contributos importantes para este dossiê:

(...) Salvador Nogueira, 19 de março de 2012:

Luis, se o P9625 trata da ponte de que te falei 'há anos' e que seria uma raridade
porque nem passava o rio por baixo, nem passava a estrada por cima,
então existe - vi-a do ar, claramente off side e com esta configuração aproximada
mas nunca consegui saber onde foi.

Quando se diz 'afamada ponte' é por essa inusitada razão, por não passar o rio por baixo nem a estrada por cima?

Se puderes confirmar, agradeço.Salvador


(...) Salvador Nogueira, 19 de março de 2012: 

Luís, aqui tens a localização da ponte sobre o Rio Pelundo, referida no P9625 e que, agora visto melhor e na carta, não sei se é a de que te falei. Julgo que a que vi era mais a sul e com menos pilares... já não sei mas seria curioso que na Guiné houvesse mais que uma ponte sem rio por baixo e estrada por cima! Naquela terra valia tudo...



Foto aérea do Google Earth. Infografia de SNogueira




Guiné > Região do Cacheu > Carta de Teixeira Pinto (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor: troço da estrada Teixeira Pinto/Bachilé... A meio, atravessando o Rio Costa (Pelundo),  há uma ponte (que devia ser a original ponte Alferes Nunes).



(...) Pepito, 20 de março de 2012:


Luis: Ouvi ao meu pai contar que esta ponte (que nunca chegou a ser usada) seria para substituir a outra de que te enviei foto e que na altura da independência era de madeira e muito rudimentar. Sucede que só depois de estar construída é que os engenheiros descobriram que a mesma ficava a uma cota mais elevada, quando tentaram desviar o rio para passar debaixo dela... e a água se recusou a subir...enfim, perversões da natureza.
abraços
pepito

(...) José Câmara, 20 de março de 2012:

Caro amigo Luís Graça,

Segundo a Carta Cartográfica de Teixeira Pinto (nosso tempo na Guiné) o rio era conhecido por Costa (Pelundo). Seria bom manter essa distinção para não confundir com a zona do Pelundo, sede de um Batalhão.

A ideia de desviar o curso do rio nem era assim tão disparatada. Vejamos no mesmo Mapa.

O rio naquela área tem a configuração de um polvo estrangulado. A ponte fantasma está localizada precisamente no estrangulamento e a Ponte Alferes Nunes no alto da cabeça. Tudo isso é bem visível nas fotos e no Mapa que estamos a seguir.

No estrangulamento o rio era visível dos dois lados da estrada. Por isso mesmo não é de admirar que algum engenheiro tenha antecipado a possibilidade de um rompimento natural das margens e tenha tentado antecipar o evento desviando artificialmente o leito do rio.

Como sabemos, qualquer que tenha sido a ideia, o projecto foi posto de parte e a estrada nova aproveitou na íntegra o traçado da antiga picada (estrada) entre Teixeira Pinto e o Bachile. Só a partir daí foi alterado o traçado, na tal zona da Mata dos Madeiros.

O Carlos Silva certamente que irá clarificar tudo isso.

Um abraço amigo, José Câmara (...)