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sábado, 5 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P22969: (Ex)citações (402): adeus, Fajonquito!... Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro macaco-cão "sorridente" (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha... (Cherno Baldé)


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/73) > O "Pifas", mascote da companhia...

Foto: © Luís Mourato Oliveira (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Ninguém, civil ou militar,  português ou guineense, conseguiu até agora,  como o nosso Cherno Baldé,   descrever,  com tanta minúcia, vivacidade, humor, ironia, perspicácia e apreensão em relação ao futuro, o que foi a retração do dispositivo militar português e a ocupação, pacífica,  pelo PAIGC dos nossos aquartelamentos e destacamentosdas NT  e povoações sobre o nosso controlo, na sequência dos acordos  de Argel, de 25 de agosto de 1974, entre o Governo Português e o PAIGC. 

Com os seus 13/14 anos, ele foi uma testemunha, histórica, privilegiada, diremos mesmo única,  do que se passou na sua terra natal, Fajonquito, no dia 1 de setembro de 1974, bem como nas semanas antecedentes e subsequentes.  

Este comentário que ele deixou no Poste P22912,  obriga-nos a reproduzir, em duas ou três postes, já a partir de amanhã, o poste de antologia, P6864 (*), que por ser muito extenso e ter sido publicado há 11 anos e meio atrás, não é conhecido da maior dos nossos leitores.

Voltamos a dizer aqui que a série de que ele é autor,  "Memórias do Chico, menino e moço", já há muito merecia publicação em livro. Oxalá/Inshallah(/Enxalé ainda possa aparecer um patrocinador, individual ou institucional, que aceite custear parte ou a totalidade dos custos de produção editorial de uma obra que é já, em formato digital, no nosso blogue, um grande documento humano. 

A lusofonia só teria  ganhar com isso.  E é mais do que tempo de perdermos  a  mania do "politicamente correto" quando falamos do passado... O fortalecimento da amizade entre os dois povos, e e das relações entre os dois países, só tem a ganhar com a partilha de testemunhos "puros e duros" como o Cherno Baldé, o "Chico de Fanjanquito"... (LG)


2. Comentário de Cherno Baldé  ao poste P22912 (**)


Caros amigos,

De acordo com o plano do Estado-Maior, a entrega do quartel de Fajonquito devia acontecer no dia 02Set74 (*), na realidade esta cerimónia (fúnebre) foi antecipada um dia antes (ver a pesquisa de José Marcelino Martins sobre as companhias que passaram por Fajonquito).

O pequeno grupo (menos de um Pelotão da segunda companhia do BCAÇ 4514/72, comandada pelo Cap Mil Inf Ramiro Filipe Raposo Pedreiro Martins) que restava para a entrega,  estava com os cabelos em pé de tanta pressa para deixar a localidade.

Eu, mais um grupo de crianças (todos rafeiros profissionais) que tinha ido buscar o (seu) café da manhã, fomos dos poucos que tiveram o privilégio de assistir à rápida cerimónia que decorreu na parada, junto ao mastro da bandeira, mas fora dos arames, pois o aqurtelamento, de facto, ja estava sob o controlo dos guerrilheiros, sempre armados, que nos olhavam com aquele olhar felino de homens de mato, como que a dizerem: "Pensam que isto vai continuar, seus malandros?". 

Por algum tempo, talvez 2 ou 3 meses, ainda continuámos a comer bacalhau com arroz e um pouco de batatas dos restos que tinham ficado no depósito de géneros. Abandonámos o quartel quando vimos o primeiro babuino sorridente (dentes ensanguentados à mostra), a ser arrastado para a cozinha.

O PAIGC sabia o que estava a fazer e, para adormecer a desconfiança dos homens grandes fulas, o primeiro bigrupo que entrou na Tabanca era constituido maioritariamente de jovens e simpáticos balantas de Sul com excepçao do homem da segurança (a PIDE do partido) e do Comissário Político que eram naturais da zona e conheciam tudo e todos. Caso fossem mandingas (nossos vizinhos e arqui-rivais), certamente, a recepção não seria a mesma e muitos iriam juntar-se aos que ja estavam do outro lado da fronteira Norte.

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
___________

Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6864: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (18): A (mu)dança das bandeiras em Fajonquito, em 1974

 
(***) Último poste da série > 4 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22966: (Ex)citações (401): A Suécia... sempre original (José Belo) - Parte II: A cidade de Södertälje, com mais de 70 mil habitantes (,sede de grandes empresas conhecidas como a Scania, a AstraZeneca e a Alfa Laval), vai usar corvos-da-nova-caledónia para recolher as beatas do chão

quarta-feira, 24 de março de 2021

Guiné 61/74 - P22032: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte Vi: (i) batismo de fogo... com a reza do terço; e (ii) uma patuscada... de gato por lebre!


Foto nº 1 >  - Simulando o ataque a um avião inimigo. Cada tiro cada melro... pois aviões ca tem... A tropa não deixa de me surpreender: Antiaéreas em Aldeia Formosa? Os nossos amigos, ou IN, tinham mísseis terra-ar Strela!
 
 
Foto nº 2 - Em Aldeia Formosa, com todas as comodidades embora já batizados, com a 1a comunhão marcada e o Crisma garantido > da esquerda para a direita os furriéis da companhia: Camarada que mudou de vida depois de ir de férias! Costa, Gouveia, Vieira, Albuquerque e o soldado Covas

Foto nº 3 - Aldeia Formosa -No banco da frente> O aluno do Colégio das Caldinhas e Albuquerque (o condutor). No banco de trás: Martins e Costa, armados em grandes senhores


Fig. 4 - Natal em Aldeia Formosa (1972): Gouveia, Martins, Machado, o homem do colégio das
Caldinhas, Costa, Albuquerque e Beires. Todas na bicha para o champanhe...
 
Fotos (e legendas): © Jaoquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-
Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VI

O batismo de fogo... com a reza do terço


Entramos na rotina de patrulhas no mato; fazer a proteção à coluna semanal para Buba e principalmente fazer a proteção a uma equipa de engenharia do exército na construção de uma estrada, de interesse estratégico, com o objetivo de criar as condições de segurança para a reocupação de tabancas abandonadas, no tempo do antigo governador [, gen Arnaldo Schulz?], por força da intensa atividade do IN na zona com elevadas perdas humanas.

Todos as manhãs a azáfama era grande na preparação da coluna que partia diariamente de Aldeia Formosa para a frente de trabalhos. Esta coluna transportava´,  para al
ém dos soldados, (i)  um grande grupo de homens da população empunhando grandes catanas (os chamados capinadores), que tinham a árdua tarefa de seguir à frente dos trabalhos capinando todo o tipo de vegetação para permitir a entrada das máquinas;  (ii) os manobradores das máquinas de engenharia;  bem como (iii) alguns elementos da população, sempre acompanhados pelas suas cabras, galinhas e porcos, na sua deslocação a Mampatá.

Quanto à coluna para Buba, a primeira vez que o meu pelotão foi escalado para fazer a sua proteção, fiquei impressionado com os preparativos para a mesma. Não havia Berliet que não levasse,  para além dos soldados, que faziam a proteção, grandes grupos de população local (em grande algazarra) em trânsito para as diferentes tabancas que ficavam no caminho até Buba, sempre acompanhados pelas suas cabras, galinhas e porcos; que fugiam e esvoaçavam por cima e por baixo das viaturas recusando o embarque (sim… os porcos voavam!).

Não obstante a insistência do chefe da coluna de que nem todos, por razões de segurança, podiam fazer a viagem, ninguém ficava em terra.

Fazer aquela coluna era sempre uma grande odisseia: no tempo das chuvas,  o adversário maior era a lama, o atolar de várias viaturas, bem como o remoção de árvores caídas na picada. No tempo seco o grande adversário era o pó fino vermelho da picada que se levantava em nuvem, não permitindo ver as viatura que iam na frente. Era um ar irrespirável, mesmo com o lenço tabaqueira na boca a servir de máscara. 

Chegados a Buba e no regresso a Aldeia Formosa,  ninguém reconhecia ninguém, só se viam os olhos, dada a quantidade de pó vermelho colada no rosto com o suor. Durante vários dias, do que saía da boca e nariz o pó vermelho predominava.

Não era permitido mas muitos soldados se ofereciam para fazer a viagem na arrastadeira (a dita viatura rebente-minas) na época seca na ânsia de fugir ao pó.

A famosa Cecília Supico Pinto (mais conhecida no teatro de guerra por Cilinha, destemida presidente do Movimento Nacional Feminino) (#), nas suas inúmeras visitas à frente de Guerra viajava, segundo alguns relatos, nesta arrastadeira para evitar o pó por forma a chegar sempre com aspeto aceitável junto dos soldados. Nunca assisti a uma visita sua mas de acordo com os relatos fazia questão de se deslocar às zonas mais perigosas,  vestida como fosse a uma festa nos salões do Casino do Estoril.

Entretanto, como bons cristãos, tudo começa com o batismo… com muita reza… e muita “festa”.

Poucos dias após a nossa chegada a Aldeia Formosa, estava eu a jogar com o Gouveia (O Beirão , “Alcaide de Almeida”) uma partida de damas, a fazer horas para o jantar (geralmente arroz com estilhaços), quando vejo um clarão e ouço um grande estrondo na copa de uma árvore junto de nós, seguida de rajadas de metralhadora e mais rebentamentos espalhados pelo quartel, com a resposta quase imediata das nossas antiaéreas (que faziam fogo direto para a mata) e de metralhadoras.

Mas que grande “festival” com os RPG a rebentarem por cima das nossas cabeças e o “matraquear” das metralhadoras de um lado e do outro! 

De tal maneira fiquei atrapalhado (, foi um batismo assustador, reagindo no momento, quase... como o amigo “merdalómano” de Tavira, ) que permaneci imóvel, sem saber o que fazer e completamente atarantado, com toda a gente a fugir para as valas. Saio deste torpor empurrado por um “velhinho” para a vala ainda com o tabuleiro na mão que de seguida voou com um chuto do camarada e lá nos resguardamos, eu numa vala e o Gouveia noutra.

Passado uns segundos cai em cima de mim um peso enorme – era o Sargento Redondeiro que, na queda, me prende uma perna, situação bastante dolorosa. Então na vala alguém começa a rezar:

− Ai, minha mãezinha,  reza por mim!

Ao que eu respondo:

– Ai, Redondeira,  liberta a minha perna!

E ele:

− Ai, nossa Senhora de Fátima tem piedade de nós!

E eu:
−  Ai,  Redondeiro liberta a minha perna!

E ele:

− Ai, meu bom Jesus, cuida de nós!

E eu:

− Ai,  Redondeiro, liberta a minha perna!

E a lengalenga continuou... E assim estivemos os dois a “rezar o terço” até ao fim do ataque. No final não sei se fiquei mais aliviado por o Redondeiro libertar a minha perna, se pelo fim do ataque do IN…

Recordo sempre com muita saudade e ternura este bom homem, contudo, em nome da verdade, depois de sairmos da vala, não identifiquei o homem que rezou comigo.


Gato por lebre...


Já com amizades consolidadas com os velhinho de Aldeia Formosa, juntamente com outros camaradas, fomos convidados, por um furriel africano, para uma patuscada.

O nosso amigo guineense, grande caçador, havia caçado, segundo se constava, uma cabra de mato e fazia questão de a partilhar com os periquitos acabados de chegar.

A convites destes “não se olha a dente”, é de aceitação obrigatória, particularmente vindo de um simpático amigo furriel guineense com fama de grande caçador e mais de bom cozinheiro.

Quando chegamos já se sentia o cheirinho agradável dos condimentos próprios da região na preparação da carne.

Para quem comia ao almoço ração de combate e ao jantar arroz com estilhaços, tínhamos a sensação de estar no Artur, em Carviçais (restaurante em Torre de Moncorvo especialista em carne de caça), pelo que fomos molhando a goela com umas cervejas, utilizando como lastro umas bem torradas castanhas de caju…

Enquanto esperavamos, o nosso anfitrião lá nos foi contando as suas histórias de grande caçador (na altura praticamente impossível por razões óbvias) bem como a melhor forma de preparar cada peça de caça. Para cada peça a sua arte: gazela, cabra de mato ou porco espinho cada qual o seu tempero.

A conversa era boa mas a fome já apertava, pelo que fomos ocupando os nossos lugares para o repasto. Chega o dito à mesa, com um aspeto esplêndido e um cheirinho de fugir. Ao primeiro pedaço sentiu-se um sabor divinal. Enquanto houve carne, houve um silêncio de igreja (não confundir com roubo de igreja).

Terminado o repasto, bem regado, logo apareceu uma viola alegrando o ambiente soltando-se algumas vozes, um pouco roucas devido ao gindungo, cantando músicas africanas (a caminho do porto cais,  furriel com a carta na mão...). 

Chegada a hora da partida, enquanto agradecíamos o convite para tão fausto jantar, o anfitrião, com toda a candura diz alto e bom som: ainda bem que os meus amigos gostaram, não há ninguém melhor do que eu a preparar macaco-cão…

Com o aumento da pobreza extrema na Guiné-Bissau, nos dias de hoje, mais de 1500 macacos são vendidos anualmente como carne nos mercados urbanos da Guiné-Bissau, mas muitos mais são caçados e não chegam ao destino, temendo-se a extinção de algumas espécies .

Os cientistas constataram também que é difícil identificar as carcaças de primatas que chegam aos mercados urbanos, o que compromete os esforços de conservação.

Vendem gato por lebre. Diziam estar a vender uma determinada espécie, mas depois a grande maioria pertencia a outra espécie.

Da grande colónia de macacos com os quais convivemos diariamente na altura, e que faziam as nossas delícias, muitas vezes confundindo-os com grupos do IN, de acordo com as informações que chegam de alguns cooperantes, hoje na Guiné, com o consumo nas zonas rurais como subsistência e com o comércio organizado, já é muito raro encontrar esta espécie nas matas da Guiné.

(Continua...)
____________

Nota do autor:

(*) Cecília Maria de Castro Pereira de Carvalho Supico Pinto (Lisboa 30 de Maio de 1921 – Cascais 25 de Maio 2011) conhecida popularmente como “Cilinha”, foi a criadora e presidente do Movimento Nacional Feminino, uma organização de mulheres que durante a guerra colonial prestou apoio moral e material aos militares portugueses. Era esposa de Luís Supico Pinto, antigo ministro da Economia de Salazar

No cargo de criadora e presidente do Movimento Nacional Feminino, em 1961, atingiu grande popularidade e uma considerável influência política junto de Oliveira Salazar e das elites do Estado Novo. Visitou com muita frequência as tropas em África (tinha um carinho especial pela Guiné - a quem chamava a minha Guinézinha), promoveu múltiplas iniciativas mediáticas para angariação de fundos.

Granjeou um carinho muito especial dos militares da Guiné, mesmo daqueles que estavam nas antípodas (que eram quase todos) dos valores que defendia, pela sua coragem, deslocando-se aos locais mais isolados, sem quaisquer tipo de mordomias especiais, estando mesmo algumas vezes debaixo de fogo sem nunca demonstrar o mínimo de receio ou pânico.

A todos dava uma palavra de ânimo e conforto sempre com um semblante alegre e genuíno. A ela se deve a criação do mítico aerograma bem como a distribuição de livros e outros materiais em particular no Natal. Chegou a desafiar Salazar, que enfatizava o seu amor às colónias, a acompanhá-la numa das suas visitas a África, sem sucesso,  já que o homem nem a Badajoz foi comprar caramelos. Nunca saiu da sua zona de conforto.. a mesma que o acabou por matar!!!
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Nota do editor:

(...) Com a nossa chegada a Aldeia Formosa as mulheres locais acorreram em grupos à procura dos “periquitos” oferecendo os seus préstimos para a lavagem da roupa.

O dia da lavadeira era o mais esperado da semana no quartel. Vinham em rancho com os seus trajes coloridos, com a trouxa de roupa à cabeça e uma alegria contagiante nos rostos. Aguardavam impacientes junto ao sentinela a autorização para entrarem no quartel, o que geralmente acontecia ao meio da tarde, e era vê-las entrar em grande algazarra, de sorrisos rasgados, dispersando-se pelo quartel como rebanho comunitário acabado de chegar, do monte, ao povoado. (...) 

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

Guiné 61/74 - P21675: O meu Natal no mato (46): Depois do ataque a Missirá, na noite de 22 de dezembro de 1966, pouco havia para consoar... O meu caçador nativo Ananias Pereira Fernandes foi à caça, e fez um arroz com óleo de chabéu que estava divinal... O pior foi quando, no fim, mostrou a cabeça do macaco-cão... (José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54, Enxalé, Missirá e Ilha das Galinhas, 1966/68)


Foto nº 2 A - O furriel mil Viegas, do Pel Caç Nat 54


Foto nº 1A - O alferes mil Freitas, da CCAÇ 1439, natural do Funchal


Foto nº 1 > Palhota dos Furriéis e o Alf Freitas da CCAÇ 1439


Foto nº 3 > Sítio do Unimog


Foto nº 4 > Depósito de géneros


Foto nº 1 > A nossa segunda residência


Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966


Fotos (e legendas): © José António Viegas (2020). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo e camarada José António Viegas [ fur mil do Pel Caç Nat 54, passou por vários "resorts" turisticos em 1966/68 (Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole, Bolama, Ilha das Cobras e, o mais exótico de todos, a Ilha das Galinhas, na altura, colónia penal); vive em Faro; é um dos régulos da Tabanca do Algarve; tem mais de 40 referências no nosso blogue]:


Data - segunda, 21/12, 23:58

Assunto . Missirá, 22 de Dezembro de 1966



22 de Dezembro 1966. 22h30 da noite estavam os 3 Furriéis conversando á espera do sono, eis que atravessa a palhota uma saraivada de balas incendiárias, tracejantes,  explosivas, um pouco acima dos mosquiteiros.

Fui pegar na G3,  meio vestido, a caminho do abrigo.  A palhota já ardia, no caminho duas morteiradas certeiras entram no depósito de géneros alimentícios, acertando no bidão de óleo e de azeite o que provocou um fogo de artifício. 

Já no abrigo ajudo o meu cabo a municiar a MG [42, a célebre metralhadora do exército alemão na II Guerra Mundial], no meio daquele fogacho ele diz que ouve falar espanhol, presume-se que estavam lá Cubanos .
,
O ataque já ia avançado e as nossas munições escasseando, o único Unimog que tínhamos estava debaixo de um embondeiro [, "cabaceira", em crioulo] e caia morteiradas junto, com as palhotas na maioria a arder.

Parecia Roma vista de Babandica , o condutor da CCAÇ 1439 arranca debaixo de fogo e põe o Unimog a trabalhar para o retirar da zona de fogo. Como ele estava a escape livre,  a barulheira foi muita e o IN, pensando que eram reforços, retirou.  Este soldado condutor foi condecorado com medalha de guerra de 4ª classe. 

Tendo ido montar emboscada em Mato Cão,  já calculando que a CCAÇ 1439, sediada em Enxalé,  viria em nosso socorro,  o que aconteceu,  e como tal caíram debaixo de fogo, não havendo feridos do nosso lado. Houve um tiro caricato no Furriel Monteirinho,  do Pel Caç Nat 52,  do Alf Matos [, o açoriano Henrique José de Matos Francisco] , que lhe passou no meio das nádegas deixando somente queimaduras. 

Ao nascer do dia, feito o balanço, tivemos dois mortos na população e alguns feridos ligeiros e muitas palhotas destruídas, alguns de nós ficaram só com a roupa que tínhamos no corpo.

Aproximava-se a véspera de Natal, e para o  rancho pouco havia... O meu cabo nativo Ananias Pereira Fernandes sugeriu que ia tentar caçar qualquer coisa e caçou,  arranjou óleo de chabéu e arroz e cozinhou uma maravilha que todos na messe gostaram, mas quando chegou a altura de mostrar o troféu,  a cabeça do macaco cão,  houve quem não aguentasse o estômago... Guardei essa caveira do macaco por anos.

E foi este o primeiro Natal na Guiné do Pel Caç Nat 54.

Foto 1 - Palhota dos Furriéis e o Alf Freitas da 1439
Foto 2 - A nossa segunda residência
Foto 3 - Sítio do Unimog
Foto 4 - Depósito de géneros

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Nota do editor:

Último poste da série > 25 de dezembro de 2017 > Guiné 61/74 - P18137: O meu Natal no mato (45): Um Natal antecipado: 23 de dezembro de 1967 em Gadamael Porto (Mário Gaspar), ex-fur mil art, MA, CART 1659, Gadamael e Ganturé, 1967/68)

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Guiné 61/74 - P20411: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (6): edição, revista e aumentada, Letras D/E


Foto nº 1



Foto nº 2

Guiné-Bissau > Bissau > Abril de 2006 > Viagem Porto-Bissau > Duas imagens que queremos ver banidas para sempre: na foto nº 1, um chimpanzé em cativeiro;  na foto, aparece também a Inés, filha do Xico Allen...Na foto nº2, um babuíno, macaco-cão ("sancu", em crioulo), segura a mão de um outro elemento da "comitiva humana" de que a Inês faz parte...

Fotos (e legenda) : © Hugo Costa  (2006). Todos direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


Observações: 

O chimpanzé  não é macaco, é símio ( "dari", em crioulo)... O "dari", o "sancu" e a Inês pertencem à ordem dos Primatas... O "dari" é um símio e a Inês um(a)hominídeo(a), ambos têm cerca de 98% do mesmo ADN... O "dari" é um Pan (género) Troglodytes (espécie). A Inês, um exemplar da espécie Homo Sapiens Sapiens. 

Por sua vez, o macaco-cão (babuíno) é um antropóide cercopitecídeo do género Papio... 

Os três têm em comum um antepassado longínquo, que remonta há 70 milhões, antes da extinção dos dinossauros... O "sancu" e o "dari" são espécies ameaçadas, o "dari" é seguramente o que vai desaparecer primeiro, depois talvez o "sancu" e a seguir o ser humano...

De um modo geral, as populações da Guiné-Bissau, não muçulmanas, caçam e comem o "sancu". No "mato", no tempo da "guerra de libertação", o macaco.cão fornecia muita da proteína animal de que precisavam os guerrilheiros do PAIGC, e as populações sob o seu controlo... Sobretudo depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão aumentou (*). Hoje é, infelizmente, produto-gourmet nalguns restaurantes de Bissau...

Quanto ao "dari", o chimpanzé da matas do Cantanhez e do Boé , há em princípio um maior respeito pelas suas semelhanças com o ser humano. Os muçulmanos respeitam-nos pro ser um homem, um ferreiro que não respeitava as   Mas os juvenis são objeto de tráfico... O habitat do "dari" está condicionado pelas atividades humanas (além da caça, o risco de epidemias, a expansão das áreas de cultivo, e nomeadamente do caju, e a desmatação ilegal para extração de madeiras exóticas, como o pau de sangue, exportado para a China).


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Madina > 10 de Dezembro de 2009 > 7h32 > Um "dari" (chimpanzé) descendo uma árvore ... Este grande símio (o mais aparentado, do ponto de vista genético, ao ser humano) é muito difícil de observar e fotografar... Contrariamente a outros primatas que existem no Parque, ainda com relativa abundância como o macaco fidalgo ("fatango", em crioulo). Duvido que algum de nós, durante a guerra colonial, tenha visto algum "dari" no seu habitat... As regiões a que hoje está confinado (Cantanhez e Boé) foram palco de guerra entre 1961 e 1974 e,  antes disso, de caça e tráfico animal.


Diz a lenda (guineense) que o "dari", em tempos, era um homem, um ferreiro, que Deus transformou em animal selvagem, por castigo, por não respeitar o dia de descanso da semana... 

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, 
 de A a Z: 
[Em construção, desde 2007]

Letras D / E

1. Continuação da publicação do Pequeno Dicionário da Tabanca Grande (**), de A a Z, em construção desde 2007, com o contributo de todos os amigos e camaradas da Guiné que se sentam aqui à sombra do nosso poilão, e que até têm um livro de estilo (***). Entradas das letras D e E:


Dari - Chimpanzé (das matas do Cantanhez e do Boé) (crioulo)

DC 3 - Avião de transporte (FAP) 

DC 6 - Avião de transporte (FAP) 

DCON - Missão de acompanhamento (FAP) 



Degtyarev [ou Dectyarev RDP] - Metralhadora ligeira, de calibre 7,62 mm x 39 mm, m/13 , 1953 de origem soviética (PAIGC) Metralhadora ligeira Dectyarev RDP, calibre 7,62 x 39 mm, m/13,  (Origem: ex-URSS)(PAIGC)

Degtyarev-Shpagim - Metralhadora pesada 12,7 mm, de origem soviética (PAIGC) 

Desenfianço - Escapadela (por ex., até Bissau) (gíria) 

Dest - Destacamento 

Dest A - Destacamento A 

DFA - Deficiente das Forças Armadas 

DFE - Destacamento de Fuzileiros Especiais 

Diorama - Maqueta a 3 dimensões (v.g., aquartelamento de Guileje) 

Djídio (ou gigio) - Cantor ambulante que ia de tabanca em tabanca, transmitindo as notícias (crioulo) 

Djila - Vd. Gila 

Djubi - (i) Olha! (crioulo); (ii) mas também criança, menino


Djurtu -  Mabeco, ou cão selvagem (crioulo);  "djurtus" é a alcunha da seleção nacional de futebol da Guiné-Bissau.

DO 27 - Dornier 27 (Avioneta), avião ligeiro de transporte; também era usado como PCV  - Posto de Comando Volante(FAP), que os "infantes" abominavam...

Drone - Máquina voadora não tripulada (não existia no nosso tempo) (FAP) 

Drop Tanks - Depósitos de combustível (FAP) 

EAMA - Escola de Aplicação Militar de Angola, com sede em Nova Lisboa (hoje, Huambo)

ECS - Escola Central de Sargentos (Águeda)


EE - Escola do Exército (antecessora da AM - Academia Militar)


Embondeiro - Cabaceira, baobá (Senegal) 

Embrulhanço - Contacto pelo fogo com o IN, ataque, emboscada (gíria)

Embrulhar - Ser atacado (pelo IN) (gíria) 

Enf - Enfermeiro 

Enf Para - Enfermeira paraquedista 

Engine Master - Botão principal de uma aeronave (FAP) 

EP - Exército Popular (PAIGC)


EPA - Escola Prática de Artilharia (Vendas Novas)

EPC - Escola Prática de Cavalaria (Santarém) 

EPI - Escola Prática de Infantaria (Mafra), também conhecida por Máfrica (gíria)ou ainda Entrada Para o Infermo (gíria)

EREC - Esquadrão de Reconhecimento [de Cavalaria]

Esp - Espingarda 

Esp Aut - Espingarda Automática




Esp Aut FN (Vd. FN) - Espingarda automática, de calibre 7,62 mm, FN FAL [, acrónimo de Fabrique National, Fusil Automatique Léger]. De origem belga (1954), equipou as NT no início da guerra colonial.

Esp Aut G3 {Vd. G3]- A Gewehr 3 (G3) (em alemão, Gewehr quer dizer espingarda) é uma espingarda automática, de fabrico alemão (1959), usada pelo Exército Português durante a guerra colonial, e recentemente descontinuada (em setembro de 2019). De calibre NATO (7.62 × 51 mm), tinha como rival, do lado do PAIGC, a famigerada Kalash!



Esp MMA - Especialista Mecânico de Manutenção Aeronáutica (FAP) 


Espaldão (de obus, de morteiro...) - Termo usado em engenharia militar para designar um  anteparo de uma trincheira ou fortificação, que serve para proteger a artilharia (ou armas pesadas de infantaria) e a respetiva guarnição.

Esq - Esquadrão 

Esq Mort - Esquadrão de Morteiro 

Esquadra - Organização militar de aeronaves (FAP) 





Um caça Fiat G.91 R/4 dos “Tigres” da Guiné.




Esquadra 121 Tigres - Constituída por Fiat-G 91, T-6 e DO-27 (BA 12, Bissalanca) (FAP) 

Esquadra 122 - Heli AL III (BA12, Bissalanca) (FAP) 

Esquadra 123 - Nord Atlas e DC-3 (BA12, Bissalanca) (FAP) 

Esquentamento - Blenorragia, doença venérea (corrimento de pus pela uretra) (calão) 

Estado Novo - Regime político que vigorou em Portugal, de 1933 a 1974. Foi antecedido pela Ditadura Militar que, com o golpe de Estado de 28 de maio de 1926, pôs fim à República (1910-1926).

Estilhaços de frango - Pouca comida (gíria) 
 
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Notas do editor:

(*) Vd. postes de: 


21 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16744: Em bom português nos entendemos (15): Comer macaco, não obrigado... "Santchu bai fika na matu"... E cão ("kakur") fica com o dono, no restaurante em Bissau... Ajudemos a salvar os primatas da Guiné... O "santchu", o "dari"..., ao todo são 10 primatas que correm o risco de extinção se os hominídeos continuarem a destruir o seu habitat e a fazer deles um petisco...


14 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16717: Manuscrito(s) (Luís Graça) (101): Comer macacos... só os do nariz!... Ajudemos os guineenses a proteger o "sancu" (macaco) e o "dari" (chimpanzé)...Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem... e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!... Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, todos nós, os últimos dos hominídeos...

(**) Vd. postes anteriores da série:

18 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20255: Pequeno dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (5): edição, revista e aumentada, Letra C

14 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20240: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (4): 2ª edição, revista e aumentada, Letras M, de Maçarico, P de Periquito e C de Checa... Qual a origem destas designações para "novato, inexperiente, militar que acaba de chegar ao teatro de operações" ?

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20237: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (3): 2ª edição, revista e aumentada, Letra B

13 de outubro de 2019 > Guiné 61/74 - P20235: Pequeno Dicionário da Tabanca Grande, de A a Z (2): 2ª edição, revista e aumentada, Letra A


(***) Vd. 22 de abril de 2018 > Guiné 61/74 - P18548: O nosso livro de estilo (11): Proverbiário da Tabanca Grande, 4ª edição revista e aumentada: "Camarada, mais do que um dever, é uma honra que te é devida, ir a Monte Real pelo menos uma vez na vida"...

terça-feira, 13 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18410: Fauna & Flora (13): De Cassumba, na ponta mais a sul de Quitafine, até Bissau, em 300 km, de um lado e do outro da estrada, não encontrei um único macaco-cão... Até há poucos anos atrás, era capaz de encontrar meia dúzia de bandos, alguns com dezenas de indivíduos (Patrício Ribeiro, Bissau)

Patrício Ribeiro, empresário
[Impar Lda, Bissau]
1. Comentário de Patrício Ribeiro ao poste P18407 (*):


Boas, Boa tarde.
Tenho más noticias,
Já não há "cabrito pé de rocha", na Guiné, nome do bicho já cozinhado, para não se falar o verdadeiro nome [macaco-cão]...

Cheguei há poucas horas da praia de Cassumba, no ponto mais ao Sul da Guiné [, região de Quitafine, a sul de Cacine],  por onde andei vários dias. 

Na viagem de mais de 300 km, para cada lado, não vi um único macaco, coisa impensável até há poucos anos. Nessas nossas viagem, encontrávamos meia dúzias de bandos, alguns dos quais com umas dezenas de animais.

Más noticias para os apreciadores...

Abraço

2. Comentário do editor LG:

Boas, Patrício. Más notícias para a Guiné-Bissau. para a conservação do babuíno da Guiné, para a preservação da biodiversidade, para o turismo, para a economia, para a ciência, para todos nós, afinal.

Há uns anos atrás, em 2009,  colaborámos com a bióloga Maria Joana Silva (**), que estava a fazer o seu doutoramento.numa universidade inglesa. A tese de doutoramente tinha justamente como tema a genética do babuino da Guiné. Não temos tido notícias dela, mas gostaríamos de ter acesso pelo menos ao resumo da tese e algumas das suas principais conclusões... Pode ser que ela nos leia, e satisfaça a nossa curiosidade...

À nossa modesta escala, gostaríamos de poder contribuir para a preservação deste magnífico primata que só existe num nicho ecológico da Africa Ocidental, relativamente restrito, e que inclui a Guiné-Bissau. É uma tremenda responsabilidade, para todos nós, o risco da sua extinção... Até aos anos 90, ninguém se preocupava com o seu futuro...

E a propósito de Cassumba, diz-nos o nosso amigo Cherno Baldé (*): "Cassumba, aldeia situada nos confins do Sector de Cacine (zona marítima), tem uma das praias mais lindas da Guiné-Bissau, mas que, exceptuando umas poucas pessoas que conhecem os segredos do país [, como é o caso do nosso amigo e camarada Patrício Ribeiro], ninguem conhece e é pouco frequentada. Merecia constar da rota do turismo se tivesse acesso facilitado, que é o grande quebra-cabeças".

PS - Disse há dias (*) que o babuíno não existe em Angola e Moçambique, o que é falso... O vocábulo vem do  francês "babouin".. É o nome comum  os "antropoides cercopitecídeos" do género Papio...Algumas das características mais evidente deste Macaco do Novo Mundo (, não existindo portanto no Novo Mundo): (i) focinho pontudo (como o cão...), (ii) caninos grandes, (iii) bochechas volumosas, (iv) calosidades nas nádegas, etc. Pertence à ordem dos primatas, como nós, é  semi-quadrúpede, pode medir 1, 2 metros de  comprimento, vive em África, de preferência em    campos abertos (savana arbustiva, pastagens, terrenos rochosos...).

Há cinco espécies do género Papio, em África, uma delas é o Papio papio que, essa, sim, é que vive na África Ocidental (Guiné-Bissau, Guiné, Senegal, Gâmbia, sul da Mauritânia e oeste de Mali). É vulgarmente conhecido como "bauino da Guiné" ou "macaco-cão"...
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Nota dp editor:

(*) Vd. poste de 12 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18407: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (26): Os "animais, nossos amigos"...

(**) Vd. poste de 10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

(...) O meu nome é Maria Joana Silva e sou uma aluna de doutoramento da Universidade de Cardiff (Reino Unido). O meu projecto de doutoramento é acerca da genética do babuíno da Guiné (mais conhecido na Guiné-Bissau por macaco Kom).

Tenho-me deslocado à Guiné-Bissau, mais propriamente a Cantanhez, onde comecei por fazer uma recolha de amostras biológicas exploratória. Logo percebi que a história demográfica desde primata está intimamente ligado à história daquele local. Fiz algumas entrevistas a antigos caçadores da tropa portuguesa que me falaram do tempo da guerra, do facto dos babuínos terem sido caçados principalmente por tropas do PAIGC e que durante o tempo da guerra era relativamente fácil encontrar babuínos. (...) 

(**) Último poste da série >  18 de janeiro de  2009 > 18 de janeiro de 2009 >  Guiné 63/74 - P3755: Fauna & flora (12): Respondendo às perguntas sobre o macaco-cão (Pedro Neves / Alberto Branquinho)

segunda-feira, 12 de março de 2018

Guiné 61/74 - P18407: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (26): Os "animais, nossos amigos"...


Foto nº 1 > A mascote do pessoal, o "Pifas", um macaco-cão... acorrentado


 Foto nº 2 > "Selvajaria", escreveu o fotógrafo... posando para a fotografia com o "Pifas", de rabo para o ar...


Foto nº 3 >  Pequeno macaco-cão, que fazia parte dos "amigos"...


Foto nº 4 > Sem legenda...


Foto nº 5 > Sem legenda...


Foto nº 6> Sem legenda...

Guiné > Região de Tombali > Cufar > CCAÇ 4740 (1972/74) > 1973 > Macaco(s)...


Fotos (e legendas): © Luís Mourato Oliveira (2017). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mais fotos do álbum do Luís Mourato Oliveira, nosso grã-tabanqueiro nº 730, que foi alf mil inf, de rendição individual, na açoriana CCAÇ 4740 (Cufar, 1973, até agosto) e, no resto da comissão, comandante do Pel Caç Nat 52 (Stor L1 , Bambadinca, Mato Cão e Missirá, 1973/74). (*)


Lisboeta, tem raízes na Lourinhã, pelo lado materno. Durante a sua comissão no CTIG foi sempre um apaixonado pela fotografia... Fotografou quase tudo... até o pobre do macaco-cão, a quem o pessoal da CCAÇ 4740 chamava o "Pifas" , certamente por analogia com a mascote do Programa (radiofónico) das Forças Armadas...

Naquela época, havia, nos nossos aquartelamentos e destacamentos, macacos-cães (babuínos) em cativeiro, que serviam de mascote ao pessoal metropolitano (Mascote, segundo o dicionário Priberam é um "amuleto cuja figura dá felicidade, segundo a crença popular")...

O pobre do macaco-cão, se chegasse ao fim da comissão, passava de companhia para companhia... Nalguns casos, mais cruéis, acabava guisado no tacho ou assado no espeto...(*). Noutros casos, não menos cruéis,  o pobre do babuíno até conseguia chegar a aldeias e vilas recônditas da nossa pacata terra, trazido, às escondidas ou às claras, pelos primeiros soldados que foram mobilizados para o ultramar (, há babuínos em toda a África, embora os Angola e Moçambique sejam de uma espécie diferente dos da Guiné)...

Na época não se falava ainda de (nem as pessoas se preocupavam com) os "direitos dos animais". Nem havia sequer partidos (políticos) dos animais... Muito menos havia partidos,  a favor das pessoas, quanto mais dos animais...

Conhecendo o Luís Mourato Oliveira, como eu o conheço, um pessoa de grande sensibilidade socioecológica (**), ele por certo nunca tiraria hoje uma foto como a  nº 2 (vd. foto acima)... Não é por acaso que ele próprio a rotulou de "selvajaria"... quarenta e tal anos depois. (***)

António Rosinha
2. O macaco-cão ou "babuíno da Guiné" (papio-papio, segundo a designação científica) habita na África Ocidental, nas savanas e florestas secas da Guiné, Guiné-Bissau, Gâmbia, Senegal, Mali e Mauritânia. 

É uma espécie considerada "Quase Ameaçada" (sigla "NT -Near Threatened", da Lista Vermelha da IUCN, a União Internacional para a Conservação da Natureza). A categoria  NT precede  as categorias criticamente em perigo, em perigo ou vulnerável...

Atualmente, devido à desflorestação, à agricultura extensiva, à pressão demográfica, à caça e ao comércio ilegal, o macaco-cão está perto de se enquadrar (ou será enquadrado num futuro próximo) nas categorias seguintes da escala, que vai de "Não ameaçado" a "Extinto"... Há 30 anos atrás, o macaco-cão era considerado como "não ameaçado"...Nesse espaço de tempo, os seus efetivos poderão ter sido reduzidos de 20% a 25%. Muitos de nós chegámos a ver bandos de 100 a 200 indivíduos: eram tratados como "nossos amigos", avisando-nos da proximidade (ou não) da presença do IN...

Recorde-se o que aqui escreveu António Rosinha (,um "tuga", privilegiado observador dos primeiros anos da independência da Guiné-Bissau,) sobre o macaco-cão quando este passou a ir à "mesa do rei":

(...) O Com, não o 'avec', mas o macaco, macaco-kom, foi a "ração de combate", por excelência e por necessidade, dos Combatentes da Liberdade da Pátria, pois que,  havendo já alguma tradição no consumo desse 'petisco', tornou-se como que prato nacional. Nos primeiros anos de independência, era vulgar ver alguém, caminhando ao longo dos caminhos com um animal amarrado a um pau ao ombro e uma Kalash na mão. O povo compreendia este consumo com a maior naturalidade.(...)
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Notas do editor:

(*)  Vd. poste de 17 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16730: Inquérito 'on line': Num total de 110 respondentes, apenas 16% disse que provou (e gostou de) carne de macaco-cão... Pelo lado dos "tugas", o "sancu" está safo... Agora é preciso que os nossos amigos guineenses façam o seu trabalho de casa...

(**) Vd. poste de  17 de agosto de 2017 > Guiné 61/74 - P17677: Fotos à procura de...uma legenda (88): "Pietá"... O fotógrafo indiano, Avinash Lodhi, captou o desespero de uma fêmea de macaco Rhesus que abraça a cria inanimada (Luís Mourato Oliveira)

(***) Último poste da série > 13 de fevereiro de 2018 > Guiné 61/74 - P18315: Álbum fotográfico de Luís Mourato Oliveira, ex-alf mil, CCAÇ 4740 (Cufar, dez 72 / jul 73) e Pel Caç Nat 52 (Mato Cão e Missirá, ago 73 /ago 74) (25): o fotógrafo e as suas "máscaras"

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16730: Inquérito 'on line': Num total de 110 respondentes, apenas 16% disse que provou (e gostou de) carne de macaco-cão... Pelo lado dos "tugas", o "sancu" está safo... Agora é preciso que os nossos amigos guineenses façam o seu trabalho de casa...







Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > 1972 > Babuíno, "macaco-cão"  (em cativeiro), Herlander Simões (hominídeo, da espécie "Homo Sapiens Sapiens" e cão (doméstico). (*)

Fotos do nosso camarada Herlander Simões, fur mil, que passou pelo CTIG entre maio de 72 e janeiro de 74. Destinado à CCAÇ 16 (onde nunca chegou a ser colocado) foi primeiro para os "Duros" de Nova Sintra (CART 2771, onde esteve seis meses) e posteriormente para os "Gringos" de Guileje (CCAÇ 3477, 1971/73), entretanto já sediados em Nhacra.

Fotos : © Herlânder Simões (2008). Todos os direitos reservados [dição: Blogue Lu+ís Graça & Camaradas da Guiné]

I. INQUÉRITO 'ON LINE': 

"NUNCA COMI MACACO-CÃO (BABUÍNO) NA GUINÉ"





Total de respostas > 110 (100,0%)



1. Nunca comi > 71 (64,5%)

2. Comi e não gostei > 10 (9, 1%)

3. Comi e gostei 18 (16,4%)

4. Não tenho a certeza se comi > 11 (10,0%)




O inquérito terminou em 17/11/2016, às 7h32. (**)



II. Comentários:

(i) Tabanca Grande

Os mais cínicos ou os mais realistas dirão: "Quando a fome aperta, vai tudo!"... Os europeus, que conheceram a tragédia da II Guerra Mundial, e tiveram os seus países ocupados, e raparam fome da mais negra (por ex, os russos na Estalinegrado cercada pelo exército nazi...) comeram tudo o que era comestível e tudo o que era intragável, desde animais domésticos, a ratos e a cadáveres humanos...

Quem somos nós, descendente de ainda recentes recoletores-caçadores (... ainda não há muito, c. 10 mil anos!), para dizer: "Macaco, nunca!"... Por isso,o meu juízo sobre os comedores de macaco é muito relativo...Os meus amigos do Norte são incapazes de comer caracóis e caracoletas...


(ii) Augusto Silva Santos


Tanto quanto me recordo, julgo que comi uma vez macaco por engano... Por engano, porque me garantiram estar a comer cabra de mato, e só no fim me disseram tratar-se realmente de macaco. O que é certo é que me soube muito bem, e até parecia cabrito. Recordo ainda de comer outras "iguarias",  tais como  pombos verdes, rolas, periquitos, hipopótamo, cabra de mato, porco-espinho, etc. bem como outra "bicharada" com que o Dandi (comandante da milícia) nos brindava depois das suas caçadas nocturnas. Como se costuma dizer, "tudo o que vinha à rede era peixe", ou seja, tudo o que pudesse evitar as conservas das rações de combate, e até o arroz com marmelada (que cheguei a comer) ou com "estilhaços" de carne ou peixe, era bom.

(iii) Jorge Picado

Julgo que numa das minhas recordações publicadas nesta nossa Tabanca Grande, referi o que me aconteceu num certo final de dia, lá no magnifico "resort" de Cutia, bem ao lado do Morés. Quando já preparado para o lauto banquete de fim da tarde, no magnifico restaurante ao ar livre, sob as frondosas copas daquelas esbeltas e grandes árvores que ladeavam a estrada, aguardava calmamente a hora do repasto...,sou surpreendido por um "alegre rancho" de nativas, esposas dos camaradas guineenses do Pel Caç Nat 61, "chefiadas" pelo respectivo cmdt do mesmo, que me vinham presentear com uns nacos de "saborosa carne fresca" - segundo diziam - e por elas preparados. 

Apanharam-me "descalço",  como por vezes se diz, pois eu bem sabia que se tratava de "peças de caça" obtidas no decorrer da coluna de manhã para Mansabá e que tanto me marcara pela negativa (***).

Mas, "capitan, tem de provar"; "é uma oferta di nós". E o malandro do Simeão Ferreira (***) a ajudar... é preciso ter atenção com a Psico, meu capitão... e retribuir com algum vinho que elas querem...

E foi assim que eu passei a ser também "um dos que não merecem confiança". Engoli dois pedaços de carne e enfiei logo uma boa golada de "um qualquer Barca Velha" que por lá abundava, retribuindo generosamente, possivelmente com um garrafão de tintol baptizado.

Não sei qual a espécie em causa, mas para a questão em causa tanto faz. 


(iv) João Silva

Comi, sim, em Bambadinca e na [CCAÇ] 12. Já não recordo o nome do nosso cozinheiro africano que nos presenteou com uma caldeirada de macaco-cão. Estava bom mas a carne era pouca em relação aos ossos que eram muitos. A messe de oficiais e sargentos era separada do batalhão e tinha ementa diferente, consequência do estatuto da companhia de caçadores 12. Este menu não se voltou a repetir, deduzo que pela falta de sucesso perante o pessoal ou por determinação do capitão Simão. No fim deste verão estive com ele na casa de um amigo comum que é companheiro dele em Évora,  onde ambos são ortopedistas,  e não me recordei deste banquete.


Sim,  nós,  Marados,  uma vez em Gadamael  cozinhámos um., com esparguete. É uma carne doce. Não gostei.

(vi) Candido Cunha 

Tal como nós , é um dos 163 primatas conhecidos. Uma grande vergonha, que eu desconhecia que tinha acontecido.

(vii) Antº Rosinha

O Com, não o "avec", mas o macaco, macaco-kom, foi a "ração de combate",  por excelência e por necessidade, dos Combatentes da Liberdade da Pátria, pois que havendo já alguma tradição no consumo desse "petisco", tornou-se como que prato nacional.

Nos primeiros anos de independência, era vulgar ver alguém, caminhando ao longo dos caminhos com um animal amarrado a um pau ao ombro e uma Kalash na mão.

O povo compreendia este consumo com a maior naturalidade.

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  16 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3750: Fauna & flora (10): Um par de Macacos à solta em Nova Sintra. (Herlander Simões)


(**) Últimos postes da série: 



Vd. também poste de 14 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16717: Manuscrito(s) (Luís Graça) (101): Comer macacos... só os do nariz!... Ajudemos os guineenses a proteger o "sancu" (macaco) e o "dari" (chimpanzé)...Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem... e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!... Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, todos nós, os últimos dos hominídeos.

(...) Não posso precisar o dia, mas foi um daqueles em que saímos de Cutia para Mansabá afim de receber a coluna que íamos escoltar até Mansoa. Eram ainda só as viaturas militares, as duas primeiras com soldados africanos (que julgo seriam do Pel Caç Nat 61) e eu, invariavelmente na terceira com pessoal da CCaç 2589, seguindo-se as restantes, quando por alturas da zona (não "aldeia") de Mamboncó rebenta um tiroteio de G-3 à minha frente. Mas que valente susto me pregaram aqueles guineenses... e tudo para ver quem conseguia matar mais macacos.

Um grande bando, adultos, jovens e muito jovens (alguns pela mão talvez de fêmeas), atravessaram a estrada que, naquele local,  era ladeada por revestimento arbóreo relativamente denso, mesmo à frente do início da coluna e os soldados africanos não estiveram com meias medidas. Atiraram a matar, de rajada e tudo, incitando os condutores a passarem por cima deles, ao mesmo tempo que saltavam dos Unimogs e atiravam com os mortos e feridos para cima das viaturas.

O choro dos feridos, grandes ou pequenos, era nitidamente humano. Posso garantir que os mais pequeninos gemiam nitidamente como os nossos bébés. E eu que tinha os meus filhos ainda bem pequenos, lembrava-me bem desses gemidos e choro...Fiquei bastante traumatizado e nem quis olhar para "os troféus" que os soldados exibiam. Sei que lhes passei uma descompostura, mas eles nem ligaram. (...) 

(***) Alf Mil Simeão Ferreira, hoje médico nas Termas de Monte Real... Foi cmdt do Pel Caç Nat 61 (Cutia, 1970/72 )

segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Guiné 63/74 - P16717: Manuscrito(s) (Luís Graça) (101): Comer macacos... só os do nariz!... Ajudemos os guineenses a proteger o "sancu" (macaco) e o "dari" (chimpanzé)...Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem... e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!... Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, todos nós, os últimos dos hominídeos..


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Parque Nacional do Cantanhez > Madina > 10 de Dezembro de 2009 > 7h32 > Um "dari" (chimpanzé) descendo uma árvore ... Este grande símio (o mais aparentado, do ponto de vista genético, ao ser humano) é muito difícil de observar e fotografar... Contrariamente a outros primatas que existem no Parque, ainda com relativa abundância como o macaco fidalgo ("fatango", em crioulo).

Foto: © João Graça (2009). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




1. Hoje temos de encorajar os nossos amigos da Guiné e o povo guineense a proteger o "sancu"  e o "dari"


por Luís Graça


Eu já respondi ao inquérito 'on line' desta semana... Tinha de resto a obrigação de ser o primeiro ou um dos primeiros a fazê.lo. E a resposta foi: "1. Nunca comi [macaco]"... ( E se comi, juro que nunca soube...).

Sem ofensa para ninguém, comer babuíno é, para mim, como comer um parente nosso, mesmo que muito afastado... Zoologicamente falando, pertencemos à mesma ordem, a dos Primatas... Temos um antepassado comum, longínquo, que ainda vem do tempo dos dinossauros (, ou seja, de há cerca de 70 milhões de anos)... Claro que os babuínos não são hominídeos... São macacos, nem sequer são símios, nem muito menos hominídeos...

 Mas macaco, infelizmente, é produto "gourmet" em muitas partes do mundo (incluindo a Guiné-Bissau)...

Tanto quanto me lembro e sei, nós - as nossas tropas - não caçávamos babuínos (a não ser muito esporadica ou pontualmente: havia muiras armas naquele tempo, e nem todas estavam em boas mãos...  Eu também não, nunca cacei, não sou nem nunca fui caçador...

Os nossos  soldados fulas, da CCAÇ 12,  também não os caçavam, de resto as ocasiões não eram muitas: a atividade operacional era intensa e eles não tinham tempo para ir à caça. Por outro lado, eles eram crentes e tementes a Alá.

As milícias e os caçadores das tabancas em autodefesa poderiam eventualmente  fazê-lo,  um pouco às escondidas... Também os comiam, nas nossas costas - dizem que com algum sentimento de culpa, sendo muçulmanos. Além disso, os nossos amigos fulas  sabiam que, para os "tugas", carne de macaco era tabu alimentar (tal como o porco, para eles; tabu que procurávamos respeitar quando partilhávamos as nossas rações de combate com eles, embora também houvesse quem gostasse de pregar partidas de mau gosto com os derivados da carne de porco como o chouriço, mas os fulas não se deixavam enganar facilmente).

Nas tabancas fulas por onde passei ou onde estive em reforço ao sistema de autodefesa, vi crianças ou adolescentes com mausers (!) nos campos de cultivo: afugentavam os macacos-cães e às vezes matavam os mais atrevidos, quando eles tentavam invadir (e destruir) os campos de "mancarra" (amendoim)... Não acredito que os enterrassem ou os deixassem para os "jagudis" (abutres)... Em tempo de guerra, a carne era um luxo...

Amigos e camaradas, não façamos apressados juízos de valor, em função dos nossos próprios padrões civilizacionais,  princípios, valores ou pré-conceitos: no passado, os nossos caçadores também matavam, por exemplo, as aves de rapina, para poderem ter coelhos em abundância... E ainda hoje matam, o que é uma vergonha para todos nós, além de crime!

O consumo de carne de macaco era raro ou esporádico, entre os "tugas". Alguns faziam-no por "bravata", por "fanfarronice", por "desfastio", por "tédio" ou simples "provocação": um gajo na guerra tem de provar de tudo, desde que sobreviva;  noutros casos, terá sido  por mera "curiosidade" e ainda, também, por "necessidade" (que é uma coisa fisiológica, elementar,. animal)... Não ignoremos nem escamoteemos o facto de ter havido muito boa gente, do nosso lado,  que passou fominha, fome  mesmo, na Guiné, durante o longo período da  guerra em que estivemos envolvidos, para mal dos nossos pecados...

Enfim, nalgumas situações haveria também o "gosto do petisco" que leva os "tugas" a comerem coisas "esquisitas" (e até "nojentas", para outros)  como os "túbaros de carneiro"  (no Alentejo) ou as "tripas" (à moda do Porto), os "pézinhos de coentrada",  o ensopado de enguias, os passarinhos fritos,  as perninhas de rãs,  os caracóis e as caracoletas, a moreia frita, a sopa de navalheiras,,,, e eu sei lá que mais!

No meu tempo, vi uma vez um macaense, de origem chinesa, nosso camarada (já não posso precisar a subunidade, creio que era já no tempo da CCS / BART 2917,  Bambadinca, 1970/72), preparar e assar na brasa um pequeno babuíno (macaco-cão)... No final, a pequena carcaça (completamente preta) fez-me lembrar os nossos bebés (humanos)... Reconheço que me chocou, apesar do meu "relativismo cultural" e da tolerância que julgo ter em relação a "usos e costumes" que não são  os da "minha tribo"...

Nas diversas tabancas fulas, em autodefesa, por onde andei (em geral, por períodos de duas semanas), nunca me apercebi do consumo de carne de babuíno... Mas havia tantas coisas de que a gente não se apercebia naquela terra e naquela guerra (por exemplo, a mutilação genital feminina, o infantícídio, a feitiçaria, entre os fulas; as negociatas e a corrupção, entre os chefes "tugas")...

A única (e pouca) carne de caça que eu relutantemente comprava (ou que me ofereciam) era de gazela... O estado sanitário da caça era sempre suspeito... A carne, o peixe e os demais produtos frescos deterioravam-se rapidamente com o calor (e as moscas)... "Peixe da bolanha", julgo que comi pouco: sabia a lodo... No destacamento rio Udunduma, apanhávamos peixe, em abundância, com granadas de mão... Já dos lagostins ou camarões gigantes do Rio Geba Estreito eu era fá...

A caça era uma actividade de risco nas tabancas por onde passei, de diferentes regulados: Joladu, a norte do Geba, Corubal, Xime... Implicava sair do relativo "conforto" da  tabanca e internarmo-nos no mato, que era "terra de ninguém"...Por outro lado, a caça já era escassa no meu tempo, devido à guerra: para além de lebres, galinhas e porcos de mato, só me lembro de ver uma gazela a atravessar, como uma bala a bolanha de Ponat Coli no Xime...

Para o Zé Turra, o pobre do macaco-cão era o substituto da vaca... Quem tinha vacas eram sobretudo os fulas. E só as matavam na morte do dono... Nas chamadas "zonas libertadas" era arriscado ter vacas... Entre os apoiantes do PAIGC havia muçulmanos, cristãos e animistas...  Nas tabancas da margem direita do Rio Corubal, de biafadas e balantas,  em tabancas onde só podíamos ir no tempo seco ou em operaçõe com tropas helitransportadas (por ex., mata do Fiofioli),  havia vacas, porcos e galinhas... Contra as mais elementares regras de segurança, diga-se de passagem...

Mas hoje sabemos que os guerrilheiros do PAIGC,  animistas  e não-animistas,  caçavam em larga escala o macaco-cão... Ninguém pode fazer a guerra com a  barriga a dar horas...Por muito frugais que eles fossem (e tinham fama de só comer arroz um avez por dia!), de vez em quando era preciso "macaco-kom" para fazer o "mafé"...

Pobre do "sancu" que foi também uma das vítimas daquela maldita guerra!

Quanto à fauna e flora da Guiné que se tem vindo a  degradar nos últimos 30/40 anos, ou seja, desde que o PAIGC é poder... Nas floresta-galerias do triângulo Xime-Bambadinca-Xitole e nas matas do Cuor, era relativamente frequente depararmo-nos, no decurso de operações, com bandos de cem e mais babuínos, ruidosos e agressivos perante a invasão do seu território... Eram zonas sem população ou que a guerra tinha despovoado... "Terras de ninguém", ou terras onde a guerrilha do PAIGC se movimentava muito melhor do que nós..

Quem esteve no sector L1 (Bambadinca), connosco, " tropa macaca" - como eu, o Humberto Reis, o Jorge Cabral, o Beja Santos, o Joaquim Mexia Alves, só para citar  alguns "senadores" da Tabanca  Grande ... - nunca mais esquecerá o maldito Mato-Cão onde se fazia segurança às embarcações (civis) que passavam pelo Geba Estreito, entre Xime, Bambadinca e Bafatá... Enfim, mais tarde, por volta do último trimestre de 1971 foi lá construído um destacamento, inaugurado pelo Pel Caç Nat 63...

De um modo geral, pode dizer-se que as populações da Guiné-Bissau, não muçulmanas,  tradicionalmente caçavam e comiam o "sancu". E «as que estavam no "mato" (ou seja, do lado ou sob controlo do PAIGC) deviam recorrer mais vezes à carne de macaco...

Depois de 1980, a caça (ilegal) ao macaco-cão terá aumentado significativamente. E as populações de algumas espécies começam a figurar na lista vermelhas das espécies criticamente em perigo...

Já em relação ao "dari", o chimpanzé das matas do Cantanhez e do Boé (Pan troglodytes verus  cuja população estimada, em 2015, é de 35 mil indivíduos, em toda a África Ocidental, tendo sofrido um brutal decréscimo de c. 6,5% ao ano, entre 1994 e 2014!), parecia todavia haver, tradicionalmente, um maior respeito, por parte da população local, devido  às suas "semelhanças" com o ser humano. Pelo menos, no meu tempo!...

No entanto, o seu habitat , na África Ocidental,  está cada vez mais ameaçado pelas actividades humanas (destruição da floresta, fragmenmtação da mancha florestal, expansão das áreas de cultivo, captura ilegal para o mercado negro, doenças e epidemias, industrialziação, instabilidade política, corrupção, falhanço das políticas de conservação...). Em toda a África ocidental, esta  espécie (uma das três espécies de chimpanzés) vai mesmo desaparecer se falharem as políticas de conservação, se falharmos todos nós... Em boa verdade, não sei se ainda vamos a tempo....MAS TEMOS QUE IR A TEMPO!

Voltando ao babuíno, e às recordações do meu tempo: era difícil precisar o números  de machos adultos, talvez dois ou três, que integravam um bando de 100... Talvez mais (posso estar a ser influenciado pelas minhas leituras posteriores na área da etologia, pela qual me interesso...).

Nunca vi, felizmente, ninguém, à minha frente, matar um babuíno... Em contrapartida, havia crias de babuíno que serviam de mascote nos nossos quartéis... Um triste hábito que era tolerado por todos nós... Naquela época não havia "consciência ecológica", nem se falava de "direitos dos animais"...

Também nunca dei conta da utilização da pele do babuíno para efeitos medicinais, por parte das populações com quem lidei (fulas, mandingas, balantas), quer em Contuboel (junho/julho  de 1969), quer em Bambadinca (julho de 69 / março de 71)...

Passado meio século, e face às dramáticas mudanças  que se estão a operar na Guiné, ao nível  da fauna e da flora, nós, antigos combatentes, temos a obrigação de alertar e encorajarar  a Guiné e o seu povo para a necessidade de proteger o seu património natural, e mais concretamente proteger o "sancu" e o "dari".

Não é admissível que haja restaurantes em Bissau que tenham nas suas ementas a carne do "sancu"...Igualmente inadmissível, é o crime (irreparável) da destruição das sagradas florestas-galeria da Guiné...

Em suma, passemos a mensagem: "Comer macacos... só os do nariz!"...

Ficaremos todos mais pobres quando eles se extinguirem e quando as areias do deserto do Sará chegarem às portas de Bissau!  Ficaremos todos mais pobres, os guineenses, os amigos da Guiné, a humanidade, nós todos, afinal, os  últimos hominídeos, o Homo Sapiens Sapiens... (**)

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

29 de setembro de 2014 > Guiné 63/74 - P13667: In Memoriam (196): Claúdia Sousa (1975-2014), estudiosa do dari (chimpanzé) do Cantanhez, morre aos 39 anos, de doença. O funeral é amanhã, na Figueira da Foz

11 de janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)

8 de março de  2007 > Guiné 63/74 - P1575: A TSF no Cantanhez, com uma equipa de cientistas portugueses, em busca do Dari, o chimpanzé (Luís Graça / José Martins)

(...) 1. Reportagem TSF > Dari, Primata como Nós > 2 de Março de 2007 .

No sul da Guiné-Bissau, o chimpanzé tem nome de gente. Na pista de Dari, uma equipa de cientistas portugueses estuda, há cinco anos, os chimpanzés das matas de Cantanhez com o objectivo de ajudar a salvar uma espécie ameaçada, sobretudo pela redução do seu habitat e pela dificil coexistência com as populações humanas do sul da Guiné-Bissau (e do norte da Guiné-Conacri).

A par do chimpanzé (em tempos, um homem, ferreiro, que Deus transformou, por castigo, em alimária, segundo as lendas locais), há outros primatas e outros mamíferos como o búfalo e até o elefante na mata do Cantanhez. (...)

(**) Último poste da série >  3 de novembro de  2016 > Guiné 63/74 - P16678: Manuscrito(s) (Luís Graça) (100): O desertor