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sexta-feira, 21 de março de 2025

Guiné 61/74 - P26604: Humor de caserna (107): "Teixeira Pinto colonizou a Guiné sem arcas frigoríficas", disse o Intendente em Bissau... Ao que o capitão, no mato, retorquiu: "Solicito envio urgente do Teixeira Pinto" (Aníbal José da Silva, ex-fur mil SAM, Vagomestre, CCAV 2383, Nova Sintra e Tite, 1969/70)



Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > CCAV 2483 (1969/70) > O magarefe Feio a desmanchar um javali, apanhado numa armadilha...Foto (e legenda): © Aníbal José da Silva (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > Região de Quínara > Nova Sintra > CART 2711 (1970/72) > s/d > Largada de frescos e correio, de paraquedas... Foto do álbum de Herlânder Simões, ex-fur mil d"Os Duros de Nova Sintra", de rendição individual, tendo estado no TO da Guiné, em Nova Sintra e depois Guileje, entre maio de 1972 e janeiro e 1974.

Foto (e legenda): © Herlânder Simões (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Quínara > Carta São João (1955) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bolama, São João, Nova Sintra, Serra Leoa, Lala, Rio de Lala (afluemte do Rio Grande de Buba)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2020)





Aníbal José (Soares) da Silva, ex-fur mil SAM, vagomestre,
CCAV 2483 / BCAV 2867, "Cavaleiros e Nova Sintra", Nova Sintra e Tite, fev 1969/ dez 1970); técnico de seguros reformado; mora em Vila Nova de Gaia; é nosso grão-tabanqueiro nº 898; é autor da série "Vivências em Nova Sintra"; coautor do livro "A Guiné que conhecemos: na sequência do livro Histórias dos 'Boinas Negras' ",  ed. lit. Jorge Martins Barbosa. Porto: Fronteira do Caos, 2022, il, 402 pp.)


1. No último poste da série "Vivências em Nova Sintra" (*), o Aníbal José da Silva publicou um texto sobre a nossa alimentação, que eu comentei nestes termos:

(...) Fabuloso este texto do nosso vagomestre!... Dou-lhe os parabéns... Já o li e reli e vou comentar com mais calma. 

Os nossos filhos e netos, criados felizmente com mais fartura, deviam lê-lo e comentá-lo. Esta era realidade (brutal, em matéria de alimentação) de quem vivia no mato... 

Sei o que era receber, só para mim e o cabo das transmissões, uma lata de 5 kg de fiambre (dinamarquês...) numa Sinchã Qualquer Coisa onde estive destacado com a minha  seção de soldados fulas, muçulmanos, "desarranchados" (e que não comiam carne de porco)... 

Eu mais o cabo empanturrámo-nos de fiambre, num só dia... o resto foi para os cães e os "djubis" da tabanca, que lhe chamaram um figo...Um ou outro soldado lá terá quebrado o tabu alimentar religioso... Já não posso garantir, com total certeza, se algum deles provou o fiambre dinamarquês que me mandou o vagomestre da CCAÇ 12, o Jaime Soares Santos,  no reabastecimento semanal ou quinzenal... (Devo lá ter estado uma semana ou duas em reforço do sistema de autodefesa, logo no princípio da comissão (...).


Também o "(António) Carvalho de Mampatá" (que era fur mil enf,  CART 6250/2, 1972/74) comentou o poste valorizando a abordagem da questão da alimentação das NT no TO da Guiné e dos tratos de polé que tinham de dar-se os pobres dos vagomestres para nos encher o prato (e a barriga):

(...) O retrato que nos faz o Aníbal Silva do exercício da sua comissão enquanto vagomestre , é precioso ou até preciosíssimo. 

É a primeira vez que leio um depoimento com esta qualidade de pormenor. Fez-me bem lê-lo porque, desde logo, me fez imaginar no lugar dele ou de qualquer outro furriel vagomestre, numa aflição permanente, a tentar dar o melhor aos seus camaradas, sem ter onde comprar fosse o que fosse. 

A partir de hoje verei com outros olhos esses camaradas, os quais muitas vezes levavam com a revolta de toda a companhia quando, a maior parte das vezes não podiam fazer melhor. (...)  (*)


2. Um excerto deste poste merece figurar na nossa série "Humor de caserna" (**)...

O Aníbal, para além de ter sido um esforçado,  imaginativo e honestíssimo vagomestre que foi parar, ingenuamente, a Nova Sintra, por troca com outro camarada que ficou em Jabadá, na margem esquerda do rio Geba,  é um bom contador de histórias e tem sentido de humor. 

A gente aprendeu, na Guiné, a rir-se da porca miséria do nosso quotidiano  e das "mordomias" que a tropa nos dava... desde os "hotéis de cinco estrelas" em noites de raios e coriscos, às intragáveis rações de combate e aos vegetais "liofilizados" pelo Natal... 

Com tantas agruras por que passámos,  não valia a pena chorar... Bem, ao menos hoje a gente ri-se...ou sorri.

Com esta partilha de memórias sobre as agruras da vida de um vagomestre (que eram por tabela também as nossas agruras...), o Aníbal vai ajudar a abrir a "porta"  do nosso blogue a outros vagomestres, camaradas que devem ser credores da nossa gratidão por, na generalidade dos casos, terem feito o melhor que podiam e sabiam para nos garantir "o pão nosso de cada dia".. 

Como o António Carvalho diz, eram, pelo contrário, e  muitas vezes, o "bode expiatória" da nossa raiva, no rancho e na messe... Quantas pragas não rogámos aos "filhos da p*ta do nosso primeiro e do nosso furriel vagomestre"!...

É uma história "kafkiana", a do quotidiano dos nossos vagomestres... Dá para rir, com um sorriso amarelo e meia-cara... 

De qualquer modo, e ao fim de 20 anos a blogar,  não chegam a 4 dezenas as referências a esta figura da tropa, que era/é, o vagomestre (do francês, vaguemestre, do alemão, Wagenmeister: originalmente, o oficial, no Antigo regime, responsável pela gestão das colunas logísticas e, portanto, das provisões; depois, o sargento, responsável pelo correio militar, no exército francês; ou o responsável da alimentação de uma subunidade, no exército, português).

Já o Napoleão dizia que “um exército marcha sobre seu estômago” (""une armée marche avec son estomac"). Ou, por outras palavras, não se faz (e muito menos se ganha) a guerra de barriga vazia... (***)


As agruras da vida de um vagomestre

por Aníbal José da Silva


A alimentação para 160 homens, pela qual eu era responsável, era má. Lá diz o ditado que sem ovos não se pode fazer omeletes, nem transformar pedras em pão. Não podia transformar o chouriço enlatado num bom bife. 

Todos os géneros alimentares vinham da Manutenção Militar de Bissau. Não havia em Nova Sintra população civil a quem, eventualmente, pudesse comprar o que quer que fosse. As populações mais próximas estavam em Tite a 20 km, mas a estrada estava inoperacional tendo sido abandonada. Havia ainda, também a 20 km, o destacamento de S. João que ficava defronte a Bolama, mas separado pelo largo rio. 

No inicio da comissão ainda cheguei a comprar galináceos e porcos, quando lá fomos buscar o primeiro reabastecimento, mas foi sol de pouca dura, porque o CIM  (Centro de Instrdução Militar) em Bolama comprava tudo. 

Para além disso a estrada Nova Sintra a S. João estava normalmente minada e era por ela que as colunas de reabastecimento eram feitas. Lembro que por duas vezes nesta estrada foram acionadas minas que provocaram a morte a quatro camaradas e vários feridos, pelo que fazer uma coluna para ir às compras estava fora de questão.

Durante um mês, em vinte e sete dias eram fornecidas refeições à base de enlatados: chouriço, sardinha e atum de conserva, dobrada liofilizada, que era intragável, e eventualmente fiambre. 

As refeições de bacalhau eram sempre bem vindas, pena é que a Manutenção, em Bissau, só fornecesse metade do que era pedido.

Uma vez por mês eram recebidos géneros frescos (sardinha ou carapau, frango, ovos e alguns legumes), que tinham de ser consumidos em três dias, dada a precariedade das arcas congeladoras que funcionavam a petróleo e entupiam com facilidade. 

Luz elétrica só havia à noite. Durante esses três dias e à noite, dois homens faziam vigilância ao bom funcionamento das arcas. 

Um frango (por homem) podia dar para duas refeições, mas tinha de ser consumido quase de imediato, porque senão estragava-se. O grão-de-bico, o feijão frade e branco, o arroz e o esparguete, eram a base diária das refeições. Depois era só juntar o chouriço. Pela Intendência nunca nos foi fornecida carne de bovino ou de porco.

(...) Foi decidido que eu fosse a Bissau comprar carne congelada, na Manutenção Militar ou em talho civil. Assim foi feito. Aproveitando a passagem semanal da avioneta de sector, que trazia e levava o correio, desloquei-me a Bissau. Consegui comprar alguma carne de vaca. Transportei-a na bagageira e no  banco traseiro de um táxi até à base de Bissalanca, onde aluguei uma avioneta civil. Depois carreguei as peças de carne, às costas, desde o táxi até à avioneta. 

Enviei uma mensagem para Nova Sintra para que as arcas ficassem vazias, diga-se, de Coca-Cola, Fanta e principalmente cerveja, o que constituía outro sacrifício. 

Chegado ao quartel,  e dada a temperatura e humidade, já não se podia dizer que a carne estivesse totalmente congelada. Dada a precariedade das arcas, alguma carne estragou-se e a restante teve de ser consumida à pressa. Chamava-lhe eu a tortura da carne. 

Meses depois repeti a façanha, só que desta vez estragou-se mais carne. Dada a dificuldade de conservação e os custos,  inviabilizaram-se novas façanhas.

A caça tornou-se um filão a explorar. Liderada pelo António Soares (já falecido),  foi criada uma equipa de caça. Conseguimos abater algumas gazelas, pois não havia animais de maior porte. Mas durou pouco tempo porque as gazelas desapareceram da região.

Em determinado dia uma equipa de caça constituída por furriéis, foi tentar apanhar javalis. Mas nem vê-los ou sinal deles. Os javalis que conseguimos apanhar foram através de armadilhas. 

Numa zona de mangais, onde à noite eles iam comer o fruto caído, era colocado um arame de tropeçar preso a duas árvores. Ao arame prendiam-se granadas de mão sem cavilha. 

Na procura de alimento os javalis tocavam no arame e as granadas explodiam provocando-lhes a morte. No quartel que distava mais ou menos dois quilómetros, ouviamos os rebentamentos e dizíamos: “amanhã temos carne fresca”.

 O Feio, magarefe na vida civil, tratava de os abrir, limpar e esquartejar.

Todas as gazelas e javalis foram para outras paragens. Em toda a comissão foram pouco mais de uma dúzia destes animais que conseguimos caçar.

Restava a pesca. Não havia barcos nem canas mas havia granadas de mão. Aproveitando a maré baixa do rio e as represas que se formavam, eram lançadas granadas e o rebentamento elevava no ar uma espécie de repuxo de água, juntamente com umas dezenas de peixes, que depois ficavam a boiar na água. Depois era só apanhar, meter em sacos de linhagem, amanhar e cozinhar. Esta atividade foi a mais duradoira.

Para além do infortúnio da falta de géneros frescos, havia um outro problema que agravava a situação: a deterioração de alimentos. Um bacalhau com batatas caía sempre bem, tal como batatas fritas e fatias de fiambre. Mas muitas vezes ao abrir um caixote de madeira com 25 quilos de bacalhau ou uma lata grande de fiambre,  estes produtos estavam totalmente estragados e lá se iam os petiscos.

No que diz respeito à batata, produto também muito fácil de apodrecer, dados os trambolhões que levava no transporte e a humidade, para evitar grandes perdas, dia sim dia não, dois soldados retiravam as podres das prateleiras.

Os ovos que recebíamos mensalmente, em doses razoáveis, também se estragavam muito. Numa das vezes, porque havia algumas dúzias com a probabilidade de deitar ao lixo e coincidindo com o Dia da Cavalaria, o 21 de Julho, também data do meu aniversário, resolvi antecipar o Natal, mandando confecionar rabanadas. E mais um azar aconteceu. 

Alguns soldados estavam a assistir à fritura das ditas, muito próximos das grandes fritadeiras, lambendo os lábios à guloseima, quando se iniciou uma flagelação ao aquartelamento. 

O pessoal na ânsia de procurar uma vala onde se proteger ou o seu abrigo, bateu com as pernas nas pegas das fritadeiras,  virando-as. Após o ataque e refeitos do susto, ainda se aproveitaram algumas que não tiveram contacto com a terra e restou o cheiro para consolar.

O pão. Tivemos dois padeiros. O primeiro foi o Pedroso de Almeida, que habitava no meu abrigo e dormia no primeiro andar do meu beliche. Teve dois azares. Num dia ao acender o forno com gasolina virou-se de costas e a chama queimou-o. Foi evacuado para o Hospital Militar em Bissau. O segundo foi-lhe fatal. Morreu no acidente do rebentamento da mina de 24 de julho de 1969.

O segundo padeiro foi o José Manuel Bicho que exercia a profissão na vida civil. A farinha, dadas as temperaturas e humidade elevadas,  criava muitos pequenos bichos e na peneira não era fácil tirá-los todos e alguns apareciam no pão. Dizia ele que todo o pão levava a sua assinatura.

Para amenizar o desagrado das ementas, resolvi mandar fazer tabuleiros grandes para ir ao forno do pão, com a chapa dos bidões de azeite. Conseguimos assar bacalhau com batatas, carne de caça e peixe da bolanha.

 (...) Ainda relativamente à questão das arcas, conta-se como verdadeira a seguinte história. Determinada companhia, tal como nós, isolada no mato, tinha ficado sem arcas e frigoríficos e feito vários pedidos para que fossem substituídas. 

Em resposta a uma mensagem mais agressiva, por parte do capitão que estava no mato, a Intendência em Bissau, respondeu que "Teixeira Pinto colonizara a Guiné sem frigoríficos", ao que o capitão retorquiu: "Solicito envio urgente de Teixeira Pinto"...

Um mês antes de deixarmos o inferno de Nova Sintra, num reabastecimento de géneros, para além das rações de combate que havia requisitado, para a atividade operacional expectável e manter o stock, recebi a mais umas boas centenas de rações, com a agravante de algumas já terem excedido o prazo de validade e outras estarem quase. 

Era impossível consumi-las até à transferência do depósito de géneros à companhia que nos iria render,  a CCAV 2765, “Os Pica na Burra”. 

Servi-las em substituição da refeição quente, embora precária, seria estar a assinar a minha sentença de morte, pois o pessoal enforcava-me no embondeiro mais alto. 

Colocada a questão ao capitão e ao 1.º sargento, foi decidido colocar as caixas com as rações de combate, viradas para a parede escondendo o prazo de validade.

Fiz a transferência do depósito ao vagomestre “periquito”, que as “comeu de cebolada”,  mas tudo o resto estava em conformidade. Só que o 1.º sargento deles não era burro e,  como já tinha feito outras comissões, resolveu confirmar a passagem do testemunho e deu com a marosca.

Durante duas noites não dormi a pensar num eventual castigo e porque tinha colaborado numa situação que era contra os meus princípios, embora tivesse as costas quentes, pelo aval dado pelo nosso capitão. 

Os capitães e os 1.ºs sargentos das duas companhias lá chegaram a um entendimento e eu lá continuei a dormir descansado. 

Se revoltado estava com tudo por que passara até então, mais fiquei com os filhos da p*ta  da Manutenção de Bissau, que no descanso do ar condicionado, em vez de comerem as rações de combate,  as enviavam para os escravos que estavam no mato, mas condicionado ao ar. (...)

(Seleção / revisão e fixação de texto / título: LG)

_______________

Notas do editor LG:

(*) Vd. poste de 18 de março de 2025 > Guiné 61/74 - P26595: Vivências em Nova Sintra (Aníbal José da Silva, Fur Mil Vagomestre da CCAV 2483/BCAV 2867) (3): A Alimentação

sábado, 16 de abril de 2022

Guiné 61/74 - P23173: Humor de caserna (49): Mensagem, de 13/3/1971, enviado pelo Cap Art Gaspar, cmdt da CART 3330, à Manutenção Militar, c/c ACAP, Com-Chefe, CAOP1 e BCAÇ 2928: "Maior respeito boa vontade Vexa. Verifico todo peixe estragado, ovos com pintos, etc. Ir buscar estes implica risco vida. Ou monto aviário ou entre acordo. Pronto colaborar todo sacrifício. Estou com o pessoal destruído moralmente. Julgo compreendeu." (Ernestino Caniço)

 


88/C/71

Maior respeito boa vontade Vexa. Verifico todo peixe estragado,  ovos com pintos, etc. Ir buscar estes implica risco vida. Ou monto aviário ou entre acordo. Pronto colaborar todo sacrifício. Estou com o pessoal destruído moralmente. Julgo compreendeu. Cap Gaspar


Foto (e legenda): © Ernestino Caniço (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. M
ensagem do nosso camarada Ernestino Caniço:

 (i) ex-Alf Mil Cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, fev 1970/dez 1971;

(ii) hoje médico, aos  77 anos teima em continuar ao serviço dos outros,  de acordo com o seu juramento hipocrático; 

(iii) vive em Tomar, estando reformado do SNS ]


Data: 15 abril 2022 17:25  

Assunto - Major Gaspar

Caros amigos:

Votos de ótima Páscoa.

Face ao citado humor do Major Gaspar (*), ocorreu-me enviar-vos um excerto de uma mensagem dirigida pelo então  Cap Gaspar à Manutenção Militar, em 13mar1971, enquanto Cmdt da CART 3330.

A referida mensagem foi enviada com conhecimento à ACAP (Assuntos Civis e Acção Psicológica), COMCHEFE, CAOP1 e BCAÇ 2928.

Sendo um fragmento de um documento original, aquilatareis vós do seu interesse.

Um abraço,

Ernestino Caniço

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quarta-feira, 16 de junho de 2021

Guiné 61/74 - P22287: Facebok...ando (64): O transporte de gado vivo: embarque de vacas no porto fluvial de Bambadinca, em 1973 (João Lourenço, ex-alf mil, cmtd PINT, Cufar, 1973/74)

 

Guiné > Zona Leste > Região Bafatá > Bambadinca > Rio Geba Estreito > Porto Fluvial > 1973 > "Transporte de carne" (sic)... com as vacas em grupo de três presas pelos chifres, erguidas pela autogrua Galion.  Como se pode, ver por comparação com a foto a seguir, de 1968/69, o transporte de gado vivo parece que não melhorou muito, em 4/5 anos... Bem pelo contrário... Foto da  
página do Facebook do João Lourenço, com a devida vénia.

Foto (e legenda): © João Lourenço (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O  João Lourenço, membro da nossa Tabanca Grande desde 7 de maio de 2009, foi alf mil int, cmdt do trágico PINT 9288, Cufar, 1973/74. Tem 12 referências no nosso blogue

Esta imagem (a de cima) fala por si... Era nestas condições (hoje, chocantes) que se fazia o transporte de animais vivos...

Bambadinca era um importante porto fluvial, no rio Geba Estreito, entre o Xime e Bafatá. Tinha um destacamento de intendência desde junho de 1966. Por terra e por rio, chegavam aqui os abastecimentos para todo o Leste (regiões de Bafatá e de Nova Lamego). A sua importância era absolutamente estratégica, mas nunca foi posta em causa pelo PAIGC.


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Porto fluvial de Bambadinca, no Rio Geba Estreito... Embarque de vacas, utilizando a cilha (técnica mais morosa)... (Do outro lado do rio,  era a bolanha de Finete e o caminho para Missirá, o destacamento mais avançado do Setor L1 na região do Cuor.)

Foto do álbum do nosso camarada José Carlos Lopes, que era fur mil, amanuense do Conselho Administrativo (CA) da CCS... Não se percebe muito bem se é um embarque ou desembarque de vacas no porto fluvial de Bambadinca...  É mais provável tratar-se de um embarque. A zona leste fornecia gado vacuum para outras partes da Guiné, incluindo o "ventre" de Bissau (onde o bifinho com batatas fritas e ovo a cavalo era o prato favorito da tropa que vinha do "Vietname", sinónimo de "mato & porrada".) (***)

Foto: ©  José Carlos Lopes (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Ficha de unidades > Batalhão de Intendência da Guiné

Identificação: BINT  (Tem 6 referências no nosso blogue)

Crndt: Maj SAM Carlos Gonçalves Ferreira
Maj SAM António Monteiro
Maj SAM Augusto Soares Pinheiro
Maj SAM José Maria Teixeira
Maj SAM António Monteiro Alves dos Santos
Maj SAM António Avelino de Abreu Parente
Maj SAM António Madeira Peste
Maj SAM António Alberto Bravo Ferreira
Maj SAM Emídio José Brandão dos Santos Marques

2.° Cmdt (, só  a partir de 1Ago67): 
Cap SAM Manuel de Oliveira Rego
Cap SAM José Luís de Sousa Jorge
Cap SAM António José Calvo de Almeida Pereira
Cap SAM Manuel António Duran dos Santos Clemente
 
Início: lJun64 | Extinção: 140ut74

O BlNT  foi criado com base em QO aprovado por despacho ministerial de 21Nov63 e englobou uma Companhia de Intendência, uma Companhia de Depósito, então constituídas, e os destacamentos de Intendência (4), então existentes em Bissau, Tite, Bula e Bafatá, este depois instalado em Bambadinca, a partir de 2Jun66, e, mais tarde, outro pelotão instalado em Farim, a partir de 1Jan67, sendo considerado uma unidade da guarnição normal.

Em 1Abr68, as funções da Companhia de Depósito passaram a ser executadas por um novo órgão, então criado, o Depósito Base de Intendência e a partir de 1Set68, o batalhão passou a ser constituído pelas subunidades designadas por Companhia de Intendência de A/D, Companhia de Intendência de A/G, e Pelotões de Intendência, tendo ainda sido instalado outro pelotão em Cufar, a partir de 01Ago73.

Nesta situação, forneceu o apoio logístico às unidades e subunidades em serviço na Guiné, efectuou a reparação dos meios de frio, máquinas de escritório e de bobinagem, entre outros, para o que dispunha também de equipas itinerantes.

Ministrou também instrução de formação de especialistas de intendência de padeiros, magarefes, caixeiros e outras. Manteve ainda as reservas de combustíveis e lubrificantes e accionou o funcionamento dos centros de fabrico de pão e de abate.
Em 140ut74, após entrega das instalações e equipamentos ao PAIGC, o batalhão foi desactivado e extinto.

Observações - Não tem História da Unidade.

Fonte: Excertos de: CECA - Comissão para Estudo das Campanhas de África: Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974) : 6.º Volume - Aspectos da Actividade Operacional: Tomo II - Guiné - Livro I (1.ª edição, Lisboa, Estado Maior do Exército, 2014), pp. 675/676
_________________


(***) Vd. poste de 8 de dezembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10774: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1): Embarque de vacas no porto de Bambadinca

segunda-feira, 2 de março de 2015

Guiné 63/74 - P14314: Efemérides (181): Recordando o dia 2 de Março de 1974, dia de horror, impotência e luto em Cufar (Armando Faria)

1. A propósito do dia de hoje que lembra o rebentamento de duas minas em Cufar de que resultaram baixas civis e militares, recebemos do nosso camarada Armando Faria (ex-Fur Mil Inf Minas e Armadilhas da CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74) a seguinte mensagem:

Bom dias camaradas 
Porque há coisas que a memória não esquece, hoje é um daqueles dias. 
Se acharem por bem coloquem para que se HONRE a memória daqueles nossos companheiros.

Um abraço 
Armando Faria, 
Fur. Mil. 
CCAÇ 4740


Os dias sucedem-se num “correr” sem fim e deles nem tudo a memória regista, mas…
Ficam-nos momentos inolvidáveis que a gente se deleita em recordar…
Outros que nós desejaríamos apagar para sempre…
Mas foram esses dias e são essas memórias que nos construíram…
Hoje recordamos o dia 02 Março de 1974 e fazemos memória daqueles que dali partiram do nosso convívio.


“DITOSOS OS DIGNOS DE MEMÓRIA”

Guiné - Região de Tombali - Cufar - Horror, impotência e luto. 
Foto: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.

“A 02 Março, pelas 16h30, é accionada uma mina anticarro no percurso de acesso ao porto de Cufar-Rio Manterunga pelo jeep do Pelotão de Intendência 9288.

O jeep “voou”, os corpos dos seus cinco ocupantes ficaram espalhados em redor num cenário dantesco tal foi a violência da carga explosiva que o atingiu.
A cratera aberta no solo ficou com um diâmetro de cerca de 2 metros por quase outros tantos de profundidade, pude confirmar como especialista de MA, fiz o reconhecimento ao local nos minutos que se seguiram.

Ali de imediato foi ceifada a vida de 4 homens, o soldado caixeiro RODRIGO OLIVEIRA SANTOS, natural de Romariz, Santa Maria Da Feira, onde está sepultado, mais 3 estivadores africanos que foram sepultados no cemitério de Cufar.

A registar mais 01 ferido grave, o Fur. Mil. CARLOS ALBERTO PITA DA SILVA, que face à gravidade dos ferimentos sofridos veio a falecer no HM 241 a 17 Março.
Era natural do Monte, Funchal,  e está sepultado no cemitério das Angústias.

Guiné - Região de Tombali - Cufar - Porto do rio Manterunga - 2 de março de 1974 - Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina. 
Foto: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.

Pelas 22h00, com o baixar da maré dá-se novo rebentamento, agora é uma mina que estava colocada no leito do Rio Manterunga, foi accionada pelos barcos que estavam a ser descarregados no porto, tendo originado a morte de mais 3 civis estivadores e ferido 13 que são recolhidos, há ainda a registar 18 civis considerados mortos, carbonizados ou desaparecidos".

Muitos de nós estávamos lá!

Armando Faria,
Fur. Mil.
C CAÇ 4740
____________

Nota do editor

Último poste da série de 10 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14002: Efemérides (180): A grande invasão a Conakry foi há 44 anos - Artigo da autoria de Luís Alberto Bettencourt publicado no "Açoriano Oriental" (Luís Paulino)

domingo, 2 de março de 2014

Guiné 63/74 - P12787: Efemérides (150): Cufar, 2 de março de 1974: Horror, impotência, luto... (Armando Faria, ex-fur mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar, 1972/74)

Guiné > Região de Tombali > Cufar >  Horror, impotência e luto.  
Foto obtida de sides do António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007)...

Guiné > Região de Tombali > Cufar > Porto do rio Manterunga > 2 de março de 1974 > Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina.

Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.


1. Mensagem do Armando Faria [ex-Fur Mil, MA, CCAÇ 4740, Cufar1972/74]

Assunto: 2 de março de 1974

Camarigo amigo.
Que a saúde seja vossa companheira nestes DIAS que temos.

Por estes dias, ao "mexer" nas memórias, para escrever um resumo da história da minha companhia, a CCAÇ 4740, dos acontecimentos que então vivi na companhia de todos os que como eu passaram por Cufar- de Julho de 1972 a Julho de 1974, revivi o dia mais negro por lá passado.

Foi a 2 Março que em Cufar se viveu um dia trágico e só o acaso o não fez mais negro. Não queria deixar de partilhar, em memória dos que então ai deixaram a vida, o que então vivi. (*)

Um abraço solidário a quantos partilham esta espaço e a todos quantos o visitam,
Armando Silva Faria,
Ex-Fur Mil MA,
CCAÇ 4740, Cufar 72/74


2. Cufar, Guiné, 2 Março de 1974, 16H30 

Quarenta anos se passaram no calendário que governa o tempo…

Para quem, por desdita, fado ou má sorte estava lá nesse dia, foi Ontem que tudo isto se passou…

Hoje refaço a memória do tempo, em singela homenagem àqueles a quem coube o destino ou má sorte de ali entregar a alma ao Criador.

Aqueles que, como eu, assistiram a todo este cenário, que viveram e conviveram com esses homens, mantêm-nos presentes nas suas lembranças. Teremos para sempre esse dia a habitar-nos a alma e o coração. Será esquecido, apenas quando a "tumba" nos der repouso.

A 2 Março de 1974, pelas 16H30, o jipe do Pelotão de  Intendência 9288,  ao dirigir-se ao porto interior de Cufar, no rio Manterunga, acciona uma mina anticarro. O jipe voou, tal foi a violência da carga explosiva utilizada que o atingiu, a cratera aberta no solo, pelo seu diâmetro de cerca de 2 metros de largo por outros tantos de profundidade, assim podia testemunhar. (**)

Como especialista de MA [, Minas e Armadilhas,]  fiz o reconhecimento ao local nos minutos que se seguiram.

Os corpos dos cinco ocupantes ficaram espalhados em redor num senário dantesco.

Ali de imediato tinha sido ceifada a vida a 4 homens, o Soldado Caixeiro Rodrigo Oliveira Santos, mais 3 estivadores africanos e 1 ferido grave, o Fur Mil Carlos Alberto Pita da Silva que, em consequência da gravidade dos ferimentos sofridos, veio a falecer no Hospital Militar de Bissau, a 17 Março.

Mas se esta tragédia é demasiado pesada e deixa já profundas marcas em todo o pessoal, o pior ainda estava à nossa espera, pelas 22H00 com o baixar da maré ocorreu um novo rebentamento de uma mina, agora accionada pelos barcos que estavam a ser descarregados no porto, tendo originado a morte de mais 3 civis estivadores e ferido 13, estes foram localizados nos momentos que se seguiram, havendo ainda a registar 18 civis considerados mortos, carbonizados ou desaparecidos.

A imagem que retenho daquilo que vi destes homens recolhidos no posto médico, escuso-me comentar, tal foi o cenário vivido nesse dia.

Honra e Glória aos amigos que vimos partir e, neles, a todos quantos um dia com seu sangue regaram esses espaços…

Pedroso, 2 Março 2014

Armando Silva Faria,
Ex-Fur Mil MA
CCAÇ 4740, Cufar 72/74

Guiné > Região de Tombali > Mapa de Bedanda (1961) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Cufar e do porto do rio Manterunga, afluente do Rio Cumbijã

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
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Notas do editor:


quarta-feira, 22 de maio de 2013

Guiné 63/74 - P11610: Efemérides (126): "O dia em que Satanás andou à solta"! Cufar, 2 de Março de 1974 (António P. Almeida, Pel Rec Fox, 8870/72)


Guiné > Região de Tombali > Cufar >  Porto do rio Manterunga > 2 de março de 1974 > Batelão ao serviço do BINT (Batalhão da Intendência, de Bissau), em chamas, depois de ter accionado uma mina.

Foto: © António Graça de Abreu (2009). Todos os direitos reservados.


1.  Mensagem do nosso leitor (e camarada) António P. Almeida, a quem convidamos para integrar a nossa Tabanca Grande. [Foto à esquerda, cortesia do blogue do Pel Rec Fox 8870/72]

De: António Almeida
Data: 21 de Maio de 2013 às 23:51
Assunto: Cufar, 2 de Março de 1974. "O dia em que Satanás andou à solta"!

"Os homens ardiam como tochas, gritavam, vinham direitos a mim. O inferno deve se um lugar bem mais agradável do que aquelas dezenas de metros de picada com pessoas a serem consumidas pelas chamas, o ar, o escuro da noite empestado por um horrível, um nauseabundo cheiro a carne humana queimada. Despi a minha camisa e com ela tentei apagar restos do fogo que cobria aqueles homens. Meti quatro negros no carro, dei a volta com o jipe e subi, acelerando em direcção a Cufar. Uma viatura blindada Fox descia a picada com os faróis e as metralhadoras apontadas para nós.

"Eram os primeiros militares que acorriam à explosão dos barcos. Gritei-lhes para pararem. Ficaram espantadíssimos por encontrarem ali o alferes Abreu em tronco nu com homens todos queimados dentro do jipe. Rodeei a Fox com dificuldade – ocupava quase toda a picada, – e em segundos cheguei com os desgraçados à enfermaria de Cufar. Foram deitados em macas e regados com água. Dois grupos de combate da 4740, bem armados, desciam entretanto para o porto interior e havia mais pessoas atingidas pela gasolina a arder, a caminho. Não era mais comigo." (*)


Camarada Graça de Abreu.
Boa noite.
Para além do texto bem escrito, documentas fielmente o que se passou nesse dia tenebroso. A Fox era conduzida pelo José Almeida Barbosa, de Suzão, Valongo,  e por mim, António Almeida, como manuseador do armamento da viatura.

Recordo-me desses momentos dantescos, agora ainda mais, avivados pelas tuas palavras.

Estávamos de reforço ali bem perto do início da picada e dos batelões. Depois da primeira explosão e da autorização dada pelo alferes Fernando Faria, comandante da Fox, para sairmos do local onde estávamos estacionados, saímos para prestar auxílio.

Foi quando passaram quatro ou cinco africanos pelo lado esquerdo da Fox a gritar, com a roupa a arder no corpo. Situação indescritível, horrorosa, mais parecida com um filme de terror, produzida por uma qualquer empresa de cinema de Hollywood.

Mais tarde, a proteção e iluminação da pista de Cufar pela Fox e por vários elementos da  CCAÇ 4740, para a evacuação dos feridos e que documentas tão bem no vosso blogue.

Falta acrescentar o local e da maneira como foram sepultados, os que pereceram nos batelões.

Histórias de Guerra que não podemos esquecer e que fazemos votos que não voltem a repetir-se. (**)

Calorosas saudações.
António Pereira de Almeida

[Ex-Pelotão Reconhecimento Fox, 8870/72,
que tem um blogue aqui]
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 12 de novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5258: A tragédia de Cufar, sábado, dia do Diabo, 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

Vd. também poste de 21 de outubro de 2011 > Guiné 63/74 - P8933: Memória dos lugares (158): Cufar e o porto do rio Manterunga, extensão do inferno na terra : 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)

(**) Último poste da série > 25 de abril de 2013 > Guiné 63/74 - P11471: Efemérides (125): No passado dia 20 de Abril fez 43 anos que foram assassinados os Majores Passos Ramos, Magalhães Osório e Pereira da Silva, O Alferes João Mosca, dois Condutores e um tradutor (Manuel Resende)

sábado, 8 de dezembro de 2012

Guiné 63/74 - P10774: Álbum fotográfico do ex- fur mil José Carlos Lopes, amanuense do conselho administrativo da CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70) (1): Embarque de vacas no porto de Bambadinca


Foto nº 28 > Porto fluvial de Bambadinca, no Rio Geba... Enmbarque de vacas... Do outro lado era a bolanha de Finete e o caminho para Missirá, o destacamento mais avançado do Setor L1 na região do Cuor


Foto nº 32 > Embarque de vacas, muito provavelmente para o BINT (Batalhão de Intendência)


Foto nº 29 > Não tenho a certeza, mas na foto parece ser o fur mil amanuense do CA [Conselho Administrativo] da CCS/BCAÇ 2852 (1968/70), o Manuel António Rodrigues Brás


Foto nº 30 > Mais um aspeto da atribulada operação de embarque de vacas


Foto nº 31 > Em primeiro plano, à direita, o fur mil Lopes, de camuflado, o autor destas fotos


Foto nº 33 > Dois barcos civis acostados à margem esquerda do Rio Geba (Estreito) em Bambadinca... Em geral eram barcos fretados pelo BINT (Batalhão de Intendência, de Bissau)


Foto nº 34 > Rio Geba (Estreito)... O cais acostável de Bambadinca... Estes fotos (as de cima, de 28 a 32) devem ser de finais  de 1969, já no tempo da CCAÇ 12, e da autogrua Galion, chegada a 24/11/1969, e que veio melhorar as operações de cargas e descargas.

Na foto, vê-se por detrás do cais o entreposto do pelotão de intendência.


Foto nº 35 > Esta  foto e as anteriores (33, 34) não tenho a certeza se são da mesma época. Estas gruas, azuis, mais pequenas foram substituídas em 24/11/1969 pela autogrua Galion, mais potente.


Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Fotos do álbum do nosso camarada José Carlos Lopes, que era fur mil, amanuense do Conselho Administrativo (CA) da CCS... Não se percebe muito bem se é um embarque ou desembarque de vacas no porto fluvial de Bambadinca... (Provavelmente a numeração das fotos é arbitrária, não é sequencial...). Mas é mais provável tratar-se de um embarque. A zona leste fornecia gado vacuum para outras partes da Guiné, incluindo o "ventre" de Bissau (onde o bifinho com batatas fritas e ovo a cavalo era o prato favorito da tropa que vingam do "Vietname", sinónimo de "mato & porrada").

O CA da CCS era presidido pelo 2º comandante do batalhão. O chefe da contabilidade era o alf mil Nelson de Sousa Ribeiro Adão, o tesoureiro o alf mil Carlos Augusto Correia... Havia dois furriéis amanuenses, os já supracitados José Carlos Lopes e Rodrigues Brás...

Do Lopes lembro-me muito bem, de resto já nos temos encontrado (, a última das quais, em circunstâncias infortunadas, no funeral da nossa querida amiga Teresa Reis, esposa do Humberto Reis), somos de resto quase vizinhos, e ainda ontem falei com ele ao telefone, a pedir-lhe autorização para publicar estas fotos que me vieram parar às mãos, em Coimbra,  num dos últimos encontros do pessoal de Bambadinca (1968/71)... Havia ainda dois 1ºs  cabos escriturários,  o Manuel Ferreira da Costa e o Rui Manuel de Matos M. Flor. 

Estou grato ao Lopes por querer partilhar, connosco, estas fotos, de grande valor documental... Quem terá comido os bifes destas vacas ? Talvez a malta do BINT possa (e queira) ajudar a melhorar as legendas das fotos. Em Bambadinca, havia um Pelotão de Intendência (PINT), e um grande entreposto junto ao rio. O movimento portuário era constante, obrigando-nos a montar segurança, na outra margem,  na zona do famigerado Mato Cão (onde será mais tarde, no tempo do BART 2917, montado um destacamento permanente).

Nesta altura (finais de 1969) já estava  a operar a autogrua Galion,  no cais (um pontão de madeira!) de Bambadinca... O Rio Geba era navegável até Bafatá, mas do Xime para cima o curso do rio, sinuoso e mais estreito, só permitia a navegação de pequenas embarcações militares (LDM, LDP, lanchas) ou civis (por exemplo, da Casa Gouveia)...

O transporte desta grua,  do Xime até Bambadinca,  foi uma epopeia, a cargo da CCAÇ 12!,,, Fazia anos o Tony Levezinho no outro dia, 24 de novembro de 1969... A grua atascou-se na estrada  Xime-Bambadinca, bebemos o "champagne" refrescado com a água da bolanha, na noite de 23 para 24, enquanto montávamos segurança à "prenda" enviada pela Engenharia Militar...

O pai do nosso amigo e grã-tabanqueiro Nelson Lopes Herbert, de seu nome Armando Duarte Lopes, uma antiga glória do futebol caboverdiano e guineense ("Armando Bufallo Bill, seu nome de guerra, o melhor futebolista da UDIB, do Benfica de Bissau, internacional pela selecção da antiga Guiné Portuguesa"...) , trabalhou na administração do porto fluvial de Bambadinca, entre 1969 e 1971... O que só vem comprovar que o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande! (L.G.)

Fotos editadas por L.G., com a devida autorização do José Carlos Lopes (a quem já foi formulado o convite para ingressar na Tabanca Grande).

Fotos: © José Carlos Lopes (2012). Todos os direitos reservados.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5258: A tragédia de Cufar, sábado, dia do Diabo, 2 de Março de 1974 (António Graça de Abreu)







Guiné > Região de Tombali > Cufar > Fotos obtidas de slides do António Graça de Abreu, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura (2007)... São fotos, carregadas de horror, impotência e luto.

Nas páginas 200-2003 do citado livro, pode ler-se o seguinte (resumo):
Foi no dia 2 de Março de 1974, sábado, um "dia do diabo" (sic)... Entre Cufar e o porto do rio Manterunga, numa picada que não teria mais de cem metros, batida milhares de vezes pelos jipes e demais viaturas militares, os guerrilheiros do PAIGC lembraram-se de lá deixar uma brinquedo de morte: uma vulgar mina anti-carro, reforçada por uma bomba de um Fiat (!) que não tinha explodido... Um jipe do pelotão da Intendência, o PINT 9288, comandado pelo Alf Mil João Lourenço (membro da nossa Tabanca Grande) (*), accionou o engenho. Os cinco ocupantes, dois militares, brancos (o Fur Mil Pita e o Sold Santos, o Jeová), e três civis, estivadores, guineenses, encontraram aqui a morte...

Mais à frente, outra mina, enterrada no lodo do rio, provocou a explosão, em cadeia, de batelões atracados ao cais e carregados de bidões de gasolina... Cerca de duas dezenas de estivadores perderam a vida, num cenário dantesco..."Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver", escreveu o António...

Fotos: © António Graça de Abreu (2009). Direitos reservados.


1. Mensagem de 5 do corrente, remetida pelo António Graça de Abreu :

Meus caros Luís, Vinhal e Magalhães Ribeiro:

Peço-vos que publiquem este texto que está no meu Diário da Guiné, nas paginas 200-203. Creio ser valioso porque agora o posso acompanhar com os slides que fiz na altura e só a semana passada consegui digitalizar. É um documento importante a mês e meio do fim da guerra na Guiné [, a duas semanas do 16 de Março de 1974, nas Caldas da Raínha]. Estas duas minas, na picada e no lodo, provocaram 19 mortos, em Cufar. Algumas fotografias são cruéis, mas não há muitas imagens como estas. Deixo ao vosso arbítrio a sua publicação.

Um abraço forte do

António Graça de Abreu


Cufar, 3 de Março de 1974

Hoje é domingo, dia do Senhor, o nosso Deus salvador do mundo. Ontem foi dia do Diabo, Santanás andou por aqui à solta. Ignoro se o Céu existe, mas sei que ontem viajei pelos caminhos do Inferno.

Tudo começou às quatro da tarde com um rebentamento fortíssimo a quatrocentos metros do quarto onde eu dormia uma sossegada sesta. Acordei sobressaltado, vesti-me rapidamente. Lá fora já havia gente a correr e a gritar.

O rio Cumbijã passa a dois quilómetros de Cufar, mas existe o rio Manterunga, um pequeno afluente, melhor um braço de rio que chega quase até à nossa povoação. A quinhentos metros daqui construiu-se um pequeno pontão, um cais de abicagem no
Manterunga.

É aquilo a que chamamos o “porto interior”, utilizado por barcos de pouco calado que chegam carregados de Bissau e descarregam neste porto. Quando a maré está cheia, os batelões sobem o rio e ficam ancorados lá em baixo. A maré desce e os barcos pousam em cima do lodo do leito do rio que é mole e não lhes danifica o casco. Voltam a aproveitar uma maré-cheia para regressar a Bissau. São batelões pequenos, uma espécie de barcaças com motor que trazem para aqui muitos produtos de que necessitamos todos os dias, sobretudo gasolina para abastecer os aviões e helicópteros.

Entre Cufar e o porto do rio Manterunga existe uma picada de terra batida com umas centenas de metros. Até ontem circulava-se nessa estradinha com o maior à vontade, considerava-se a estrada como fazendo parte dos caminhos de Cufar. Já passei por lá dezenas de vezes conduzindo os jipes e é um dos trajectos que costumo utilizar nos meus crosses.

Os guerrilheiros não andam longe e conhecem bem estes lugares, estão em casa. Na picada, a cinquenta metros do porto interior resolveram colocar uma mina anti-carro reforçada por uma bomba dos nossos Fiats que não havia explodido. A mina foi accionada pelo jipe do pelotão de Intendência, até há uns tempos atrás comandado pelo [João] Lourenço (*), meu ex-companheiro de quarto. Foi o estouro monumental, o rebentamento desta mina que me acordou. Iam cinco homens no jipe, dois brancos, um furriel da Intendência[, o Pita e] o Santos, Jeová, mais três negros estivadores dos batelões de Bissau. Quatro deles morrerem logo, os corpos voaram e caíram desfeitos a mais de cinquenta metros do local da mina, o jipe também voou e poisou de rodado para o ar, completamente destruído a vinte metros da estrada. Sobreviveu o furriel Pita, mas dizem-me agora que morreu no hospital de Bissau.

Às sete e meia da tarde, já noite escura, ouviu-se novo rebentamento. Ataque?!... Houve logo gente a saltar para as valas. Eu estava no meu gabinete e percebi que não se tratava de um ataque. Para os lados do porto interior cresciam chamas enormes. Peguei num jipe e avancei pela picada a grande velocidade em direcção ao porto. Um soldado quis vir comigo mas quando me viu a acelerar por ali abaixo, saltou do jipe e deixou-me sozinho. Em menos de um minuto estava junto do buracão feito pela mina anti-carro da tarde e não podia avançar mais. Logo ali, diante de mim ardiam os batelões com labaredas que subiam a mais de quinze metros. Iluminei o caminho com os faróis do meu jipe. Na minha direcção corriam meia dúzia de homens com o corpo em chamas, e gritos atrozes, lancinantes.

Os batelões transportavam umas dezenas largas de bidões de gasolina. Ora os guerrilheiros haviam deixado outra mina anti-carro enterrada no lodo do rio Manterunga. Quando a maré desceu, o fundo de um dos barcos tocou na mina que rebentou perfurando-lhe o casco. De imediato, a gasolina pegou fogo. Começaram a rebentar bidões e num ápice os três batelões que estavam juntos começaram a arder, um incêndio colossal. Os homens da tripulação e os estivadores que jantavam dentro dos barcos foram regados com gasolina, alguns deles, com os rebentamentos, foram projectados em todas as direcções.

Os homens ardiam como tochas, gritavam, vinham direitos a mim. O inferno deve se um lugar bem mais agradável do que aquelas dezenas de metros de picada com pessoas a serem consumidas pelas chamas, o ar, o escuro da noite empestado por um horrível, um nauseabundo cheiro a carne humana queimada. Despi a minha camisa e com ela tentei apagar restos do fogo que cobria aqueles homens. Meti quatro negros no carro, dei a volta com o jipe e subi, acelerando em direcção a Cufar. Uma viatura blindada Fox descia a picada com os faróis e as metralhadoras apontadas para nós.

Eram os primeiros militares que acorriam à explosão dos barcos. Gritei-lhes para pararem. Ficaram espantadíssimos por encontrarem ali o alferes Abreu em tronco nu com homens todos queimados dentro do jipe. Rodeei a Fox com dificuldade – ocupava quase toda a picada, – e em segundos cheguei com os desgraçados à enfermaria de Cufar. Foram deitados em macas e regados com água. Dois grupos de combate da 4740, bem armados, desciam entretanto para o porto interior e havia mais pessoas atingidas pela gasolina a arder, a caminho. Não era mais comigo.

Hora e meia mais tarde, com a pista iluminada pelas garrafinhas com petróleo veio o Nordatlas que transportou quase uma dezena de homens horrorosamente queimados para o hospital de Bissau. O Bastos, o médico, disse-me que apenas três tinham hipóteses de sobreviver.

Faltava alguma tripulação e estivadores. Hoje, de manhã cedo, o espectáculo era ainda tenebroso, dantesco. Os batelões continuavam em chamas e no lodo do rio Manterunga havia sete corpos carbonizados, espalhados em volta dos barcos. Os homens a arder saltaram para o lodo e morreram ali, meio enterrados na lama cinzenta. Faltavam corpos que não foram encontrados, caíram ao rio e quando a maré subiu devem ter sido levados pela corrente. Apareceu um último cadáver todo esventrado, comido pelos abutres.

Vi coisas nunca vistas e que nunca mais quero ver.

Os homens que morreram queimados ou desapareceram eram todos africanos, o que provocou algum alívio entre a tropa branca. Apenas o Jeová e o furriel Pita da Intendência eram nossos, nossos amigos.[1]

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[1] O soldado Rodrigo Oliveira Santos, Jeová, era natural da freguesia de Romariz, Vila da Feira; o furriel miliciano Pita da Silva nasceu no Funchal, Madeira.

[ Revisão / fixação de texto / legenda / bold a cor / título: L.G.]
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Nota de L.G.:

(*) Vd. postes de:
17 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4366: Tabanca Grande (144): João Lourenço, ex-Alf Mil, PINT 9288, Cufar (1973/74)

16 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1284: A Intendência também foi à guerra (Fernando Franco / António Baia)