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quinta-feira, 28 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26209: Ser solidário (275): Quatro anos como médico cooperante (1980-1984), em Fulacunda e em Bissau (Henk Eggens, neerlandês, consultor internacional em saúde pública, reformado, a viver em Santa Comba Dão)



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Eu,  Henk Eggens, médico  neerlandês, cooperante"... Esteve dois anos em Fulacunda (1980-82) e depois em Bissau (1982-84)


Foto nº 2 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d > "
Casa no quartel onde depois fiquei, em 1980".  

Fonte: https://rumoafulacunda.wordpress.com/fulacunda/ (com a devida vénia).



Foto nº 4 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 
"Farmácia da Tabanca" .  



 Foto nº 5 > 
Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > *Ilustração: parto",.   Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau.




Foto nº 6 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: rede mosquiteira para crianças*,  Fonte: Livro Formação das matronas, 1978, MINSAS, Guiné-Bissau. 



Foto nº 7 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração: 
   Cinco doenças a tratar pelos Agente de Saúde de Base",  Fonte:  Fonte: Livro Formação das matronas e dos agentes de saúde de base (A.S.B.) nas tabancas, 1980, CESAS, Guiné-Bissau.



Foto nº 8 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 > "Ilustração:  latrina".  Fonte: Livro Formação das matronas e dos agentes de saúde de base (A.S.B.) nas tabancas, 1980, CESAS, Guiné-Bissau.



Foto nº 9 > Antiga Guiné Portuguesa > Região de Quínara > Fulacunda > s/d >  "
Fulacunda no tempo colonial com campo de vólei". Fonte desconhecida




 Foto nº 10> Guiné-Bissau > Região de Quínara > Fulacunda > 1980 >   "Casa do médico, Land Rover do projeto,  mota da noiva e carro 404 privado".



Foto nº 1 > Guiné-Bissau > Região de Quínara > Buba > 1980 > "Bomba da água,  do projeto de Buba". 


1.  Já troquei alguns mails, com o meu colega holandês (ou neerlandês), Henk Eggens, especialista em medicina tropical e saúde pública, que vive, aposentado, em Portugal, em Santa Comba Dão, e é o administrador e editor de Portugal Portal (em neerlandês ou holandês) (*).

No passado dia 9 de setembro último, ele escreveu-me o seguinte, em resposta a um email que lhe tinha mandado:

 (...) Bom dia, Luís!
Foi bom ver o teu e-mail. Temos algumas coisas em comum, isto foi claro para mim.

Primeiramente o nosso primeiro ano nesta terra: 1947!

Segundo, a paixão para conhecer outras terras: Conheceste o mundo académico do TNO na Holanda (que conheço só por nome), além do teu passado na Guiné, e provavelmente outros países.
Trabalhei 20 anos no Royal Tropical Institute (**), Amesterdão,  como consultor de saúde pública (lepra, tuberculose, cuidados primários de saúde). O que me levou a todos continentes no Sul. A minha vida nunca foi monótona... A nossa vida atual na aldeia,  perto de Santa Comba Dão,  é mais tranquila (...).
Terceiro, a paixão de comunicar algo de substancial para um público (nos blogues, no ensino). Tua carreira académica, o blogue 'Tabanca Grande' que admiro.
Durante a minha vida profissional desenvolvi cursos de saúde tropical, também 'online', e dei muitas aulas. Com muita satisfação. Gosto de ser editor de Portugal Portal e partilhar com o público neerlandófono (como se diz isso, mesmo?) sobre Portugal, a sua história, cultura, pequenas histórias da vida.(...)
 Mantenhas!
(Na altura na Guiné, aprendi bem a conversar em crioulo, não havia outra hipótese de comunicar com o povo lá. Agora perdi já muito a fluidez)

Henk
2. Nova mensagem do nosso leitor Henk Eggens, médico, especialista em medicina tropical, reformado, a viver em Portugal.
Data - sexta, 1/11/2024, 13:03


Boa tarde, Luís.

Espero que estejas  bem, já de volta da vindima no Norte no mês passado.

Vi a mensagem recente do bloguista Patrício Ribeiro no blogue (...) e decidi escrever-te.

(i) Recebeste o meu e-mail de 12 de setembro 2024 com a apresentação dum amigo meu, intitulado 'Amílcar Cabral e os cuidados de saúde durante a luta de libertação' ? Achas apto para publicar no teu blogue?

(ii) Acabei de escrever algumas das minhas aventuras na Guiné-Bissau nos anos 1980-1984. Me pediste para contar as minhas experiências durante minha estadia como médico na região de Quínara. Segue o texto e as fotografias em anexo.

Se achas oportuno,  podes publicar no teu blogue.

Um abraço desde Santa Comba Dão,

Henk



3. Comentário do editor LG:

Obrigado, Henk. Já vi que tens página no Facebook.   Fazes parte do grupo público Santa Comba Dão - Luagres, Factos e a Nossa Gente.  E do teu CV, no Linkedin, respiguei o seguinte:

"Consultor internacional em saúde públiva, aposentou-se após quarenta e cinco anos de experiência na prestação de cuidados de saúde em países com poucos recursos em três continentes. Amplas relações de trabalho entre governos e ONG internacionais.. Missões de longo prazo em Angola, Guiné Bissau, Tanzânia e Indonésia. Missões de curto prazo  em mais de 15 países. 

"Idiomas: Inglês, Português: excelente. Francês: bom. Espanhol, Kiswahili, Indonésio: básico. Holandês: língua materna.  Competências curriculares: : monitoização e avaliação, controle da tuberculose, controle da hanseníase (doença de Hansen ou lepra), desenvolvimento curricular, e-learning".  Fonte: Linkedin > Henk Eggens.

Espero que esta seja a primeira de muitas colaborações tuas no nosso blogue (***), onde cabem todos os amigos da Guiné-Bissau com tudo o  que os une e até com aquilo que nos pode separar. O teu portuguê é muito bom. Dei apenas um retoque numa palavra ou outra (e nomeadamente no tempo dos verbos)...

E a teu pedido, acrescento mais duas linhas sobre o período em que estiveste na Guiné: (...) 

"Trabalhei apenas dois anos em Fulacunda (1980-1982). Depois, fui coordenador do Projeto de Saúde de Base no Ministério da Saúde em Bissau (1982-1984)."



Esta é a história dum médico holandês que foi trabalhar na província rural de Quínara, Guiné-Bissau, de 1980-1984, quando o país se tornou independente havia poucos anos.

Por Henk Eggens 
 

Em abril de 1980, desembarquei no aeroporto de Bissalanca. Estava bem preparado. Já durante pos meus estudos de medicina, eu tinha decidido que queria trabalhar em África. 

Após cinco anos de estudos teóricos, tirei um ano sabático. Viajei pela África Ocidental através do Saara e pelo Congo até a África Oriental. Durante sete meses, conheci muitas Áfricas. No final dos meus estudos de medicina, fiz um curso de três meses sobre doenças tropicais, o que me preparou melhor para reconhecer e tratar essas doenças.

O meu primeiro emprego foi em Angola. Em 1976, quatro meses após a declaração de independência (****), viajei para Cabinda e trabalhei lá durante  dois anos na ala pediátrica do hospital provincial. Lá, aprendi muito: a falar português, e palavrões cubanos dos meus colegas médicos. Aprendi na prática a tratar a patologia tropical. Perdi também a ilusão da viabilidade e desejabilidade duma sociedade comunista.

Em 1980, tive a oportunidade de trabalhar na Guiné-Bissau. Consegui um emprego no Ministério da Saúde da Guiné-Bissau e fui colocado na região de Quínara, no sul da Guiné-Bissau. A província tinha cerca de 40.000 habitantes. Ninguém sabia exatamente quantos. Já fazia parte da área libertadada durante a guerra colonial, com exceção dos quarteis do exército português e as tabancas. 


Excerto da carta de Fulacunda  (1955) (Escala 1/50 mil)
  Fonte: Cortesia  do Blogue Luís Graça
& Camaradas da Guiné
Fui morar em Fulacunda, uma vila de mil habitantes onde existiu um quartel militar (Vd. fotos nº 1  e 3).

 O que encontrei quando cheguei em Fulacunda? 

Não havia hospital. Um posto de saúde em Fulacunda consistia em uma cabana, parte do antigo quartel
 e havia uma cadeira ginecológica enferrujada. E uma caixa de medicamentos enviada pelo ministério. 

Outros lugares na região de Quínara tinham cabanas semelhantes com um mínimo básico de recursos.

Havia mais pessoal de saúde. Em Tite, morava Augusto, um enfermeiro treinado na época colonial que sabia de tudo e me explicou muitas coisas, me tornando mais sábio sobre como as coisas aconteciam na região. 

Em Fulacunda e Empada, trabalhavam dois ‘meio-médicos’ guineenses. Digo ‘meio-médicos’ porque eram jovens que foram treinados na União Soviética como feldshers, um tipo de treinamento prático para atuação médica (*****). 

Além disso, havia alguns socorristas presentes nas tabancas. Em Nhala, que também era um antigo quartel do exército colonial português, havia um centro de treinamento onde os socorristas, muitas vezes analfabetos e que haviam trabalhados na guerra de libertação, recebiam treinamento formal como auxiliares de enfermagem. 

No início, eu viajava muito por todas as vilas e postos de saúde para ver o que estava acontecendo. Era muito pouco. Sempre faltavam medicamentos.

As pessoas moravam longe dos postos de saúde e a medicina tradicional era a principal fonte de cuidados de saúde. Logo comecei a organizar cuidados materno-infantis. Sob a mangueira (ou o poilão), reuníamos regularmente as grávidas e as crianças e administrávamos as vacinas necessárias, contra tuberculose, sarampo, difteria, tétano, poliomielite e coqueluche.  
Providenciávamos medicamentos (foto nº 4) e conselhos ás grávidas. Com um cartão onde os pesos das crianças eram anotados e que eu mesmo havia mimeografado, acompanhávamos o crescimento e desenvolvimento das crianças pequenas. 

Eram passeios populares. Mães e crianças vinham de longe para receber as vacinas e ouvir nossas palestras.

Parte do meu trabalho era treinar os voluntários (Agentes de Saúde de Base) nas tabancas para reconhecer e tratar cinco doenças (fotos nºs 5, 6 e 7).

Também treinámos as parteiras tradicionais (matronas). Elas recebiam um pequeno kit, uma caixinha com uma faca esterilizada e fios esterilizados  para cortar e amarrar o cordão umbilical depois do parto. Além disso, eram instruídas sobre a importância de um comportamento antisséptico durante o parto (foto nº 5).

A ideia era que os voluntários na tabanca recebessem uma caixa de medicamentos com os quais pudessem tratar cinco doenças (foto nº 7). Essas eram:

  • paludismo (corpo quente), 
  • conjuntivite (dor di udjo), 
  • dor de cabeça,
  • diarreia (panga barriga), 
  • tosse e feridas. 

Posteriormente à formação,  a tabanca recebia uma caixa de medicamentos. Depois, a própria tabanca, por meio de contribuições voluntárias (abota), arrecadava dinheiro para comprar novos medicamentos no Depósito Central de Medicamentos em Bissau. 

Havia muita hesitação na tabanca para juntar dinheiro, pois nem todos confiavam que seria bem utilizado. Foi necessária muita persuasão para convencer as pessoas a contribuir, e, eventualmente, isso funcionou em algumas tabancas.

Além de poder tratar estas doenças,  os Agentes foram ensinados sobre medidas preventivas da higiene nas tabancas  (fotos nº 7 e 8).

Este Projeto de Saúde de Base ocorreu em vários lugares da Guiné-Bissau, sob a inspiradora liderança do vice-ministro da saúde, Dr. Manuel Boal. Havia projetos no Oio, na ilha de Canhabaque, em Tombali e no extremo leste, em Lugadjol, no setor de Madina do Boé, e em Quínara, onde eu trabalhava. 

O projeto teve bastante sucesso nos primeiros anos, graças à liderança entusiástica dos coordenadores guineenses e dos cooperantes estrangeiros. Depois de algum tempo, a confiança dos aldeões foi conquistada e eles contribuíram voluntariamente com dinheiro, e isso era muito pouco dinheiro, para comprar medicamentos para serem usados na tabanca. No entanto, ficou claro que este projeto nunca seria completamente autossuficiente, pois sempre havia preços que eram altos demais para o que os aldeões podiam pagar.

As minhas atividades curativas (ou mais propriamente clínicas) eram bastante limitadas porque eu não tinha muitos recursos. Poucos medicamentos e nenhum instrumento para realizar qualquer procedimento terapêutico mesmo simples. 

Um dos eventos mais impressionantes foi quando, numa manhã, uma jovem mulher chegou a Fulacunda dizendo que havia sido mordida por uma cobra enquanto pegava água no rio. Ela não sabia exatamente que tipo de cobra era, mas foi mordida na perna. 

O que podíamos fazer? Tínhamos soro antiofídico, mas não sabíamos há quanto tempo estava fora da geladeira, então não sabíamos se ainda era eficaz, mas usámo-lo mesmo assim. Injetámos na esperança de que ajudasse. 

Observávamos a jovem mulher e, após algumas horas, os seus dedos de pé começaram a paralisar. As suas pernas começaram a enfraquecer e paralisar, e em seis horas, ela acabou por faleceu porque os seus músculos respiratórios também paralisaram. 

Tentámos de tudo: respiração artificial, administração de oxigênio que tínhamos por acaso. Mas nada ajudou. Nunca esquecerei os olhos assustados e suplicantes da jovem mulher que morreu de uma picada de cobra.

Outro evento que me marcou foi ajudar no chamado fanado

O fanado é um ritual realizado pelo grupo étnico Beafada, onde eu morava. Uma vez a cada poucos anos, jovens homens e meninos de 7 a 12 anos eram isolados na floresta por meses, onde aprendiam os segredos da tribo e como sobreviver e cumprir seu papel nas comunidades da tabanca. 

Durante o período colonial, esses fanados eram realizados em segredo, e agora, com a independência, os líderes decidiram que os serviços de saúde poderiam contribuir. No final dos meses de isolamento, os jovens eram circuncidados. Meu assistente e fiel colaborador Sanquinho, o auxiliar médico, foi convidado a ir à floresta para desinfetar os pénis recém-circuncidados. Eu não podia ir porque era branco, um estrangeiro. 

Ele foi. No dia seguinte, ele voltou dizendo que não conseguiu. Ele levou iodo como desinfetante, que é à base de álcool, mas o primeiro menino que foi desinfetado começou a gritar tão alto que desistiram dessa ajuda. O que fazer?

Felizmente, tínhamos outro desinfetante, a violeta genciana, que era à base de água. Sugeri usá-lo, mas com a condição de que eu mesmo fosse à floresta para observar e aplicar. Após alguma discussão, isso foi permitido e viajámos para a floresta. Em um determinado momento, chegámos a uma árvore caída, que era o limite absoluto até onde podíamos ir. Dali para a frente, a área era proibida para nós e, atrás da árvore caída, havia uma fila de meninos. Meninos com rostos assustados, com as mãos cobrindo suas partes íntimas, esperando para desinfetar os seus pénis recém-circuncidados.

Um por um, eles levantavam os panos sujos que cobriam suas partes íntimas e podíamos aplicar o desinfetante. Como era à base de água, não era irritante e foi bem tolerado pelos meninos. Ganhei uma experiência valiosa e os meninos, espero, foram desinfetados após uma circuncisão que não foi feita completamente de acordo com as normas antissépticas.

A minha vida em Fulacunda não era tão fácil. A sra. Maria cuidava de mim, preparava as comidas e limpava a casa. Tinha algumas galinhas para ter um ovo no mata-bicho. Importei legumes desidratadas de Holanda e, de vez em quando, conseguíamos uns tomatinhos. Os pescadores traziam-me de vez em quando uma barracuda, peixe grande e deliciosa.

Na frente da minha casa havia um campo de jogos (antigamente para jogar vólei?) (foto nº 9).  Às vezes eu instalava o meu gravador lá à noite e os moradores e nós dançávamos ao som de uma música animada.

Antes de viajar para Guiné-Bissau, comprei na Bélgica uma caixa de cartuchos (calibre 12). Provou ser muito útil. Não sabia caçar, mas o meu amigo Manuel sabia. Levou de noite um ou dois cartuchos para o mato e voltou de manhã com um antílope. Dividimos a carcaça e havia carne para umas semanas. 

Raramente era  abatida uma vaca na tabanca. Costumavam-me chamar para inspecionar o estado de saúde da carne. Tinha um livro de medicina veterinária, assim podia verificar os pulmões, o fígado e se a carne oferecia as condições mínimas de salubridade. Levava  uma balde grande para  inspeção: depois de autorizar a venda da carne, era o primeiro a poder escolher a minha parte da vaca.

 A minha noiva (holandesa) vivia em Bissau. Tanto quando possível viajávamos para nos encontrarmo-nos (foto nº 10). Ela tinha uma mota Honda 125 cc off-the-road. Com um barco tradicional ou um barco dum projeto holandês costumávamos travessar o rio Geba. Nem sempre havia águas tranquilas.

Em Buba havia na altura um grande projeto de abastecimento de água (foto nº 11). No antigo quartel foi estabelecido o centro do projeto, que incluiu também uns 5 a 7 técnicos holandeses. No Catió era o centro duma empresa holandesa Stenaks, que construiu centros de saúde na região de Tombali e Quínara. 
Foi uma grande ajuda ter estes compatriotas relativamente perto. 

No tempo da chuva era praticamente impossível viajar, pois as estradas eram intransitáveis, mesmo com meu carro de trabalho, o formidável Land Rover (foto nº 10).

Foram alguns anos de muitas experiências. Foi a base para minha futura carreira na área de saúde tropical. 

Obrigado, Guiné, obrigado,  guineenses!

(Revisão / fixação de texto, edição de fotos: LG)

______________

Notas do editor:


(**) Equivalente ao nosso Instituto de Higiene e Medicina Tropical / NOVA, Lisboa

(***) Último poste da série > 25 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25981: Ser solidário (274): Bilhete-postal que vai dando notícias sobre a "viagem" da campanha de recolha de fundos para construir uma escola na aldeia de Sincha Alfa - Guiné-Bissau (10): O mel da Guiné-Bissau (Renato Brito)

(****) 11 de novembro de 1975

(*****) Na China e em Moçambique eram chamados "médicos de pé descalço"... Prestadores de cuidados de saúde, sem qualificações formais, atuando sobretudo na áreas da prevenção da doença e da promoção da saúde.

domingo, 9 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25624: Elementos para a História do Pel Caç Nat 51 (1966/74) - Parte III: População civil: da cerimónia do fanado ao funeral muçulmano (Armindo Batata)



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje  ? Cacine ? Catió ?   Cufar ? > c. 1969/70 > Foto nº 71 >  Tudo indica que se tratatava um grupo de "bajudas", fulas e futa-fulas (meninas, umas mais crescidas do que outras),   que acabavam a cerimónia do "fanado" (*).. Sendo do último lote das fotos do autor, é provavel que a localidade seja  Catió ou Cufar. Compare-se a opinião do Cherno Badé: "A imagem mostra um grupo de raparigas muçulmanas durante a celebração da saida do fanado. Não conheco a composição da população de Cufar, mas há uma forte probabilidade que esta imagem seja de Guileje ou Cacine". E acrescenta posteriormente: "A localidade de Cufar é a excluir e mantêm-se as outras como possíveis, com maiores probabilidades para Catió (Priame) e Guileje".


Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 41 >  Um típico comportamento dos primatas: fazendo a higiene do cabelo, catando parasitas (piolhos, pulgas e lêndeas)... O famoso "groming", descrito pelos primatólogos... Legenda do Cherno Baldé: "Meninas futa-fulas (de origens diversas, aliás como era a generalidade da população futa-fula nas áreas de Cubucaré e Quitáfine. região de Tombali), a tratar do penteado, em horas de folga".


Guiné > Região de Tombali > s/l (Guileje ?) > c. 1969 > Foto nº 38 > Foto de grupo de adolescentes . A bajuda do lado direito usa relógio de pulso e a rádio portátil, transistorizado... Acrecsenta o Cherno Baldé: "Uma familia cristã, crioula, assimilada, provavelmente, de origem cabo-verdiana ou das praças de Cacheu, Bissau, Bolama ou Geba".



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 39 > Bajuda



Guiné > Região de Tombali > s/l  (Guileje ? > c. 1969 >  Foto nº 43 >A caminho da fonte (?), que ficava fora do perímetro de segurança do quartel e tabanca, a cerca de 3/4 km. Era o "calcanhar de Aquiles" de Guileje, como se viu por altura do "cerco" de maio de 1973.


Guiné > Região de Tombali > s/l (Catió ou Cufar > c. 1970 > Foto nº 83 > Diz o Cherno Baldé que é "um ourives juta-fula de metais finos (ouro e prata) a julgar pelos utensilios em uso, trabalhando na sua oficina".

Só conheci ourives mandingas (etnia de eram grandes artesões: em Bafatá, na zona leste, havia um famoso ourives, mandinga). (LG)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 > Foto s/n (1) >



Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 >  Foto s/n (2) >


Guiné > Região de Tombali > Guileje > c. 1969 >  Foto s/n  (3)>
 
Estas três últimas fotos, não numeradas, fazem parte de uma notável sequência de um funeral muçulmano, realizado fora do perímetro do quartel e tabanca de Guileje e que o fotógrafo acompanhou (juntamente com soldados do pelotão) do princípio ao fim (**), e de que mais abaixo se apresenta uma descrição resunida.

Fotos (e legendas): © Armindo Batata / AD - Acção para o Desenvolvimento (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 
1.  São fotos notáveis do Armindo Batata, reveladoras de uma grande sensibilidade sociocultural (que nem todos tinham,  os graduados metropolitanos, a servir em subunidades com praças do recrutamento local). 

Comandante de um subunidade militar composta por guineenses, de diversas etnias, este nosso camarada estava atento a aspetos da vida quotidiana e da cultura da população  onde  se inseria, como era o caso dos rituais de passagem como o "fanado" (feminino) ou das cerimónias fúnebres.

Acrescente-se que as fotos aqui publicadas foram objeto de edição, como é prática de resto habitual no nosso blogue: melhoria da resolução, do brilho, do contraste, do enquadranento, etc..

 2. Relativamente ao cortejo funerário e enterro muçulmano, podemos fazer aqui uma  uma breve descrição:

(i) os participantes encaminham-se para a mata; à esquerda, é visível um troço de arame farpado do aquartelamento e tabanca  [foto s/nº, (1)];  

(ii) o fotógrafo acompanhou a cerimónia desde a saída da tabanca até ao local, na mata, onde se realizou o enterro; não parece haver qualquer escolta militar;

(iii) percebe-se pelas  imagens que o morto, presumivelmente civil, do sexo masculino, é transportado numa maca (possivelmente cedida pela NT), e vem coberto com um lençol ou um pano branco;

(iv) os familiares e amigos, só homens, quer civis quer militares, descalços, fazem um círculo à volta da sepultura, e possivelmente rezam em voz alta  uma primeira oração; 

(v) inumação do cadáver, envolto em panos... e que parece ser depois encimado por uma esteira  [foto s/nº, (2)];

(vi) descida do corpo à terra.possivelmente a oração de despedida à volta da sepultura, vísível pelo montículo de terra  [foto s/nº, (3)],
 
Comentou o nosso Chero Baldé (**): 

"O Armindo Batata dá-nos nestas imagens a impressão de um observador atento ao que se passa ao redor, no obstante, escapou-lhe a parte da oração fúnebre (conjunta) que é feita na morança, antes de partir para a sua última morada onde participam todos, homens e mulheres.

"Torna-se quase impossível identificar o(a) morto(a) a partir das imagens (se é civil ou militar, homem ou mulher), mas a padiola [maca,] é militar e deve pertencer aos serviços sanitários do quartel que, neste caso substitui a função tradicional da esteira fabricada com fibras de colmo que deveria servir para enrolar e transportar o defunto ao local do enterro.

"A praxe muçulmana manda que o cemitério esteja situado fora da aldeia e a proteção da sepultura suficientemente sólida para evitar que as hienas e jagudis façam das suas.

"O funeral muçulmano caracteriza-se pela sua simplicidade, rapidez e equidade, cada uma delas com o seu lote de vantagens e inconveniências, dependendo do ponto de vista de quem observa ou analisa. Todavia, uma coisa é certa, são cada vez mais as comunidades africanas que aderem, nomeadamente na Guiné-Bissau, provavelmente para diminuir o fardo dos custos (sociais e económicos) ligados às tumultuosas e repetitivas cerimónias de culto aos mortos em tempos de crise generalizada" (...)

Posteriormente acrescentou, à foto s/n (3): "O último adeus ou a breve reza da despedida do defunto após o seu enterro".


3. Cerca de uma centena de fotos, a preto e branco, foram cedidas pelo Armindo Batata ao nosso amigo Pepito (1949-2014), integrando hoje o Núcleo Museológico Memória de Guiledje. Temos cópia desse arquivo desde 2007.  

O Armindo Batata é também um dos nossos grão-tabanqueiros mais antigos. Infelizmente não temos tido, desde há uma boa dúzia de anos, notícias dele.   É formado pelo ISEL e,  a tratar-se da mesma pessoa, vive em Alpiarça, onde é autarca. 

Um alfabravo muito especial para ele, com toda a nossa gratidão e apreço eela partilha das suas memórias da Guiné .

4. Ainda para a história do Pel Caç Nat 51 (***),  refira-se:

(i) a origem do Pel Caç Nat 51 remonta a setembro de 1966, devendo ter sido extinto em meados de 1974, como as demais subunidades africanas;

(ii)   segundo informação do Henique Matos, primeiro cmdt do Pel Caç Nat 52, o seu e os Pel Caç Nat 51, 53,  54, 55 e 56 formaram-se em Bolama;  

(iii) passado um curto IAO,  
o Pel Caç Nat 51 saiu numa LDM para o Enxalé, ficando em reforço à CCAÇ 1439, independente, de madeirenses, adstrita ao BCAÇ 1888, sediado em Bambadinca;

(iv) na mesma ocasião também sairam de Bolama:  o Pel Caç Nat 53, do Alf Mil Serra, que ficou no Xime em reforço à CCAÇ 1550; o Pel Caç Nat 51, do Alf Mil Perneco, que foi para Guileje; e o Pel Caç Nat 54, do Alf Mil Marchand (que foi inicialmente para Mansabá mas passado pouco tempo também foi parar ao Enxalé.) 



Odivelas > 16 de Junho de 2007 > Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56> "Uma imagem do que foi possivel juntar da formação inicial dos primeiros Pelotões de Caçadores Nativos, passados 41 anos do seu início em Bolama.

(i) Pel Caç Nat 51 > Alf mil Perneco (16), fur mil Carvalho (3), fur mil  Azevedo (1) , fur mil  Castro (12), 1º  cabo Ramos(4) e 1º cabo Marques(6);

(ii) Pel Caç Nat 52 > Al mil Henrique Matos (13), fur mil Vaz (15), fur mil Altino (11), fur mil  Monteiro (10) e 1º cabo Cunha (7);

(iii) Pel Caç Nat 54 > Fur mil  Viegas (9), fur mil Costa (2), 1º cabo Januário (14) e 1º cabo Coelho (8):

(iv) Pel Caç Nat 56 > Fur mil  Delgado (5).

(v) "Para nosso desconsolo, e muito falamos nisso, não possível até agora encontrar os restantes elementos dos nossos pelotões que regressaram, porque tivemos algumas baixas, nem qualquer elemento do 53 e do 55". (****).


Foto (e legenda): © Henrique Matos (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

____________________

Notas do editor:


(**) Vd. poste de 27 de setembro de 2012 >  Guiné 63/74 - P10442: Álbum fotográfico de Armindo Batata, ex- comandante do Pel Caç Nat 51 (Guileje e Cufar, 1969/70) (2): Funeral fula em Guileje (ou melhor, funeral muçulmano, segundo o nosso amigo Cherno Baldé)

(****) Vd. poste de 28 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1896: Encontro dos Pel Caç Nat 51, 52, 53, 54, 55 e 56 (Henrique Matos)

segunda-feira, 8 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25355: Blogues da nossa blogosfera (189): Recuperando parte dos conteúdos do antigo sítio da AD Bissau - Parte II: Foto da semana, 16 de janeiro de 2011 (Tambores de Bolol na festa do fanado felupe)


Guiné-Bissau > AD - Acção para o Desenvolvimento > Título da foto: Tambores de Bolol |  Data de Publicação: 16 de janeiro de 2011 |  Data da foto: 21 de novembro de 2010 | Palavras-chave: Cultura popular

Legenda: 

A tabanca de Bolol, situada no extremo sul da planície de Varela, junto à embocadura do rio Cacheu (Bolor, ao lado de Bolola, segunda cartografia portuguesa, vd. carta de Jufunco, que não temos), prepara-se este ano para realizar o seu 'fanado', o que está a mobilizar toda a comunidade felupe desta zona e em especial os jovens.

Trata-se da cerimónia ancestral de iniciação dos jovens à vida adulta, onde são acolhidos numa 'barraca' num local isolado durante cerca de 2 meses, onde aprendem a sua história, a sua cultura, os valores éticos e morais e a forma de se comportarem em sociedade.

Felizmente que este ano a colheita de arroz foi boa e muito melhor que a do ano passado, o que vai assegurar que todas as cerimónias culturais que antecedem a partida dos 
'fanados' para a 'barraca' e a sua saída se anteveja com muita alegria e festa.

Foto (e legenda): Arquivo.pt > AD - Bissau (com a devida vénia...)


1. Continuamos a recuperar, com sorte e paciência, algumas "fotos da semana", do antigio da AD - Acção para o  Desenvolvimento,  como esta que reproduzimos acima: os tambores de Bolol na festa do 'fanado' felupe...

Como já dissemos anteriormente, a maior parte das fotos desta série eram tiradas pelo Pepito,  nas suas andanças pelo interior da Guiné. Gostava gostava muito do "chão felupe". Tinha casa de praia em Varela, já deste o tempo dos pais.

Cada foto tinha um título, uma data, uma palavra-chave ou "descritor", e uma legenda, resumo analítico ou sinopse. Esta série, "foto da semana", começou a publicar-se no início da criação da página, em 2005.

O sítio, AD Bissau  (http://www.adbissau.org/ ) fazia parte da lista dos "blogues da nossa blogosfera" (*), Infelizmente ficou inativo por volta de 2020/2021 e foi desontinuada,  por razões que desconhecemos (talvez devido à pandemia).  O sítio atual da Ação para o Desenvolvimento (nova designação, de acordo com a ortografia em vigor) é: https: www.ad-bissau.org

Só muito recentemente, através do Arquivo.pt, conseguimos recuperar parte dos seus conteúdos. Outros perderam-se, como o casos de alguns excelentes vídeos didáticos, como o Bemba di Vida (Celeiro da Vida), uma produção do IBAP, com apoio de várias ONGD, incuindo a AD... (Está disponível no You Tube, na conta de Edgar Ferreira Correia). O Arquivo.pt não recupeera estes vídeos por que "o Adobe Flash Plaer já não é suportado"... Enfim, é o preço que se paga pela obsolescência tecnológica no domínio da gestão da informação.


De qualquer modo, é uma pena que estes recursos (vídeos, áudio, fotos, texto...) se percam. (Vd. também a página do Facebook do IBAP - Instituto da Biodiversidade e Áreas Protegidas), instituição que merece o nosso apreço e apoio.

No tempo do nosso amigo Pepito, engº agrº Carlos Schwarz da Silva (Bissau, 1949 - Lisboa, 2014), cofundador e diretor executivo da AD - Acção para o Desenvolvimento, tínhamos uma relação privilegiada com esta organização guineense, com sede em Bissau, Bairro do Quelelé..
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Fomos perdendo os contactos, com a morte do Pepito e os sobressaltos da vida interna da ONG.  Mas durante anos o blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné continuou a figurar como um dos "parceiros" da AD, a par, por exemplo, da Tabanca Pequena de Matosinhos (vd. imagem à esquerda).

sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24751: Facebook...ando (41): António Medina, um bravo nativo da ilha de Santo Antão, que foi fur mil na CART 527 (1963/65), trabalhou no BNU em Bissau (1967/74) e emigrou para os EUA, em 1980, fazendo hoje parte da grande diáspora lusófona - Parte V: Da ilha de Pecixe à ilha do Fogo...


Cabo Verde >Ilha do Fogo > São Filipe > s/d > Foto do Facebook do António Medina | 26 de Maio de 2014.  [Presumimos que seja o autor o rapaz que está num grupo de amigas, e à volta de uma moto que pode ter sido comprada... com o "patacão da guerra"; de qualquer modo, esta foto, dos anos 60,  contrasta com as fotos a seguir, de raparigas (manjacas?) que vão participar na festa do fanado na ilha de Pecixe]

Foto (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

  



Guiné > Ilha de Pecixe > Foz do Rio Cacheu >  CART 527 (1963/65) :  Raparigas prontas para a festa do fanado (circuncisão) | Página do Facebook do António Medina > 4 de Dezembro de 2013  [ Estamos em crer que as raparigas são da etnia manjaca]

Fotos (e legenda): © António Medina (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Continuação da seleção de fotos do álbum do nosso camarada da diáspora lusófona, António Medina (estas fotos correm o risco de desaparecerem, um dia, com o encerramento da página do Facebook do autor) (*):

(i) ex-fur mil at inf, CART 527 (Teixeira Pinto, Bachile, Calequisse, Cacheu, Pelundo, Jolmete e Caió 1963/65), de resto o único representante desta subunidade, na Tabanca Grande;

(ii) a CART 527 estava adiada ao BCAÇ 507 (Bula, 1963/65), que era comandado pelo ten cor inf Hélio Felgas;

(iii) de seu nome completo, António Cândido da Silva Medina, nasceu em 26 de setembro de 1939, na ilha de Santo Antão, Cabo Verde (completou há dias 84 anos);

(iv) estudou no liceu Gil Eanes (Mindelo, São Vicente) (o único liceu então existente nas ilhas);

(v) depois da passar à disponibilidade, viveu em Bissau, e entre 1967 e 1974, até à independência, sendo funcionário do BNU (Banco Nacional Ultramarino);

(vi) regressou a Portugal, onde ainda trabalhou no BNU; mas vive desde 1980 nos EUA, em Medford, no estado de Massachusetts, onde também foi bancário;

(vii) tem página no Facebook (última postagem: 30 de outubro de 2022);

(viio) ver foto acima, aos 83 anos, tirada em (ou por volta de) 30/10/2022, na sua casa nos States.

quarta-feira, 16 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24557: Historiografia da presença portuguesa em África (381): 1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 19 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Quem quiser conhecer o talento artístico do fotógrafo Domingos Alvão, veja algumas destas imagens que aqui se reproduzem alusivas à 1.ª Exposição Colonial Portuguesa. O evento permitiu um conjunto de publicações de que destaco o álbum fotográfico de Alvão. A par da exposição, houve um conjunto de conferências sobre matérias imperiais, não encontrei nada de verdadeiramente expressivo. Peço a vossa atenção para aquele parágrafo de Castro Fernandes, virá a ser administrado do BNU e grande conhecedor das realidades guineenses, figura grada do regime, ele acentua a importância em torno da exposição de que se estava a levantar o Terceiro Império, perdera-se o segundo devido às malfadadas ideias liberais que pareciam condenar a nação ao apoucamento, interessante este pensamento nacioanlista que acompanha a ascensão do Estado Novo.

Um abraço do
Mário



1.ª Exposição Colonial Portuguesa, Porto, 1934, os memoráveis clichés fotográficos de Domingos Alvão

Mário Beja Santos

O Álbum Fotográfico da 1.ª Exposição Colonial Portuguesa reúne 101 clichés fotográficos de Domingos Alvão, que foi o fotógrafo oficial do evento. É uma recolha soberba de imagens, que exemplifico: o Padrão de Diogo Cão (escrevendo-se que se trata do autêntico), o monumento ao esforço colonizador português, a representação das missões religiosas portuguesas, belíssimas cabeças de Benim, a réplica do Arco dos Vice-Reis. E a Guiné mereceu a melhor atenção do grande mestre da fotografia do Porto, caso da aldeia lacustre Bijagó, a postura soberana do régulo Mamadu Sissé, balantas, destaque para a “Rosinha”, a fotografia do menino Bijagó, o Augusto, que irá aparecer numa publicidade a cigarros, a criança com o cigarro na boca, mulheres e homens, e escusado é dizer que todas estas mulheres e homens mais desnudados que vestidos foram motivo de escândalo, queixaram-se ao governo do sr. capitão Henrique Galvão, como é que era possível permitir-se, contra os bons costumes portugueses, mostrar tanto primitivismo atentado à moral?

Palácio de Cristal transformado em Palácio das Colónias, 1934
Um aspeto da Sala de Exposições
Mapa concebido por Henrique Galvão para a Exposição
Revista Ilustração, Lisboa n.º 205, 1934, aspetos da aldeia indígena guineense
“Rosinha”, a menina balanta que ganhou prémios de beleza, as senhoras do Norte andavam escandalizadas com tanto peito ao léu, pediram decoro, mas as excursões para verem a falta de decoro não tinham conto…
Aspeto de uma aldeia bijagó
A missionária a ensinar a indígena com rendas e bordados
Painel pintado por Eduardo Malta, destaque para o régulo Mamadu Sissé, companheiro de armas do Capitão Teixeira Pinto
Régulo Mamadu Sissé, desenho de Eduardo Malta
Padrão de Diogo Cão

Importa chamar a atenção do leitor para a qualidade de outras publicações à volta desta Exposição Colonial. É o caso do álbum-catálogo onde há textos credores da nossa reflexão. Veja-se este a apontamento de um membro do Governo responsável pelas colónias, Júlio Castro Fernandes:
“Num vale escuro da História, invadidos nas organizações políticas e nas almas, pelas ideologias de 1789, alheados do sentido da nossa grandeza e da nossa missão pelo falso esplendor de novas ideias, perdemos o Brasil e o rumo imperial da nossa nação nas colónias.”

Mais adiante, um texto sobre a Guiné, assinado por Machado Saldanha, intitulado A colónia das terras vermelhas:

“A Guiné portuguesa é um repositório de valiosos subsídios étnicos e morais das raças que descreveram do Oriente as suas linhas migratórias para a África. Xadrez de raças, todas elas cheias de inusitado e de usos e costumes típicos, definem psiquicamente o maravilhosismo dos seus aborígenes, embora a sua vida de hoje se espraie adentro dos preceitos da civilização, que as nossas autoridades têm pouco a pouco introduzindo.

A cerimónia do fanado, as festas do Ramadão, o regime matriarcal dos Bijagós, são notas expressivas da vida dos vários povos que habitam a Guiné portuguesa.

A colónia é, por assim dizer, uma extensa planura lacustre serpenteada por ótimas estradas e por braços de mar, com os contrafortes das ilhas repletos de palmeiras que formam o arquipélago dos Bijagós.

As condições do seu clima incorporam a Guiné portuguesa como colónia de exploração, isto não obstante a permanência dos europeus. A densidade da sua população cria no país condições excecionais de facilidade de mão de obra. O território da Guiné portuguesa confina, caracteristicamente, o verde-escuro dos seus campos de flora com a nota vermelha do desenrolar das suas estradas, pelo que se define bem o país designando-o como a Colónia das terras vermelhas.”


Faz-se ao longo deste álbum-catálogo uma súmula da situação climática, da população (fala-se em pouco mais de 340 mil habitantes), divisão administrativa, estradas, vias fluviais, principais portos de comércio, comunicações telegráficas e telefónicas, linhas de navegação, movimento comercial, agricultura e indústrias.

Imagem espetacular de um dos eventos que acompanharam a Exposição do Mundo Português, em 1940, onde existiu uma expressiva participação guineense
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24542: Historiografia da presença portuguesa em África (380): O General Craveiro Lopes na Guiné, maio de 1955 (6) (Mário Beja Santos)